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miguel reale filosofia do direito cap xx

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285 
 
Capítulo XX 
 
Objeto e Divisão da Filosofia do Direito 
 
 
 
 
 
 
 
 
Conceito de Filosofia do Direito 
 
118. O termo Filosofia do Direito pode ser empregado em 
acepção lata, abrangente de todas as formas de indagação sobre o 
valor e a função das normas que governam a vida social no sentido 
do justo, ou em acepção estrita, para indicar o estudo metódico dos 
pressupostos ou condições da experiência jurídica considerada em 
sua unidade sistemática. 
No primeiro sentido, Filosofia do Direito corresponde, em última 
análise, a "pensamento filosófico da realidade jurídica", e é sob esse 
enfoque que se fala na Filosofia do Direito na Antigüidade Clássica, 
na Idade Média, ou mesmo na época pós-renascentísta. É fato 
inconteste, pois, que houve discursos filosóficos sobre o Direito 
antes de terem surgido filósofos do Direito propriamente ditos: eram 
filósofos e teólogos, moralistas ou políticos que voltavam a sua 
atenção para o fenômeno jurídico, indagando de suas razões e 
finalidades. 
Não se deve estranhar que tenha havido pensamento filosófico-
jurídico, desde quando surgiu a Filosofia, no Ocidente ou no 
Oriente, em cada área cultural segundo distintas diretrizes. É que o 
homem é naturalmente levado a filosofar sobre todos os 
acontecimentos dotados de validade universal, ou seja, sobre todas 
as formas de vida que se revelem constantemente presentes no 
 286 
decurso de sua experiência histórica. Se onde está o homem aí está o 
Direito, não é menos certo que onde está o Direito se põe sempre o 
homem com a sua inquietação filosófica, atraído pelo propósito de 
perquirir o fundamento das expressões permanentes de sua vida ou 
de sua convivência. 
É claro que um jusfilósofo contemporâneo, valendo-se dos 
parâmetros que hoje caracterizam a sua disciplina, pode tratar da 
Filosofia Jurídica de Aristóteles ou de Tomás de Aquino, de Hobbes 
ou de Espinosa, expondo-lhes o pensamento segundo a unidade 
sistemática implícita em suas pesquisas, mas é, mutatis mutandis, 
tarefa análoga à de quem extrai uma Filosofia Jurídica dos livros de 
Ética de Bergson ou de Nicolai Hartmann. Na realidade, todo 
filósofo, ao cuidar das questões pertinentes ao ser ou à existência do 
homem, não pode deixar de focalizar a problemática jurídica, 
analisando-lhe, quer a sua possível origem, quer o seu destino ou 
finalidade, pelo simples motivo de que o Direito é uma das 
dimensões essenciais da vida humana. 
É claro que as formulações teóricas legadas pelos filósofos sobre 
o legal ou o justo (e um dos seus temas recorrentes é exatamente 
esse do conflito entre o obrigatório por força de comando legal e o 
obrigatório em virtude de ditame espontâneo da consciência) 
representam contribuições irrenunciáveis, inseridas como temas ou 
problemas no âmbito da Filosofia do Direito qua talis. 
Parece-me, pois, que cabe distinguir entre uma Filosofia Jurídica 
implícita, que se prolonga, no mundo ocidental, desde os pré-
socráticos até Kant, e uma Filosofia Jurídica explícita, consciente da 
autonomia de seus títulos, por ter intencionalmente cuidado de 
estabelecer as fronteiras de seu objeto próprio nos domínios do 
discurso filosófico. O surgimento da Filosofia do Direito como 
disciplina autônoma foi o resultado de longa maturação histórica, 
tornando-se uma realidade plenamente spiegata (para empregarmos 
significativa expressão de Viço) na época em que se deu a terceira 
fundação da Ciência Jurídica ocidental, isto é, a cavaleiro dos 
séculos XVIII e XIX. A meu ver, com efeito, se os romanos 
constituem, pela primeira vez, o Direito como ciência, graças à 
esquematização predeterminada e institucional das classes de 
 287 
comportamentos possíveis, a segunda fundação do Direito, como 
estudo sistemático de uma ordem normativa autônoma, ocorre com 
Cujas e demais representantes da "Jurisprudência culta" do século 
XVI, para readquirir nova consciência jurídico-positiva fundante, 
com a elaboração, no início do século XIX, do Código Civil de 
Napoleão e as contribuições complementares da Escola da Exegese e 
da Escola Histórica ou dos Pandectistas, ficando superada de vez a 
pseudociência do jusnaturalismo Racionalista, duplicata inútil do 
Direito Positivo. 
Pois bem, é por ocasião desse terceiro momento de fundação 
científico-positiva do Direito que a Filosofia Jurídica começa a 
adquirir a configuração que nos vem do século XIX, tendo como 
fonte inspiradora o criticismo kantiano, com o qual se esboça a 
passagem do estudo do Direito Natural para o estudo da Filosofia 
do Direito propriamente dita, fato este que a nova compreensão da 
Ciência Jurídica iria esclarecer c consolidar. Não concordo, pois, 
com Del Vecchio quando afirma que Kant pouco teria acrescentado 
às concepções jusnaturalistas, pois a ele devemos a colocação da 
temática filosófico-jurídica em termos de compreensão das 
"condições transcendentais" da experiência jurídica, a começar de 
sua afirmativa essencial de que "o direito é o conjunto das condições 
mediante as quais o arbítrio de cada um deve se acordar com o 
arbítrio dos outros segundo uma lei universal de liberdade". 
Abstração feita de aceitar-se ou não tal conceito, que marca o ápice 
da concepção liberal do Direito, o que nele me parece valer como 
verdade adquirida é a correlação entre o conceito de Direito e os de 
condicionalidade e realizabilidade da ação no plano prático. 
É a partir da correlação entre o conceito do Direito e o fato 
jurídico concreto (apesar de apenas esboçada por Kant em sua 
Doutrina do Direito) que o problema filosófico-jurídico começa a 
ser situado segundo bases próprias, inclusive sob o prisma 
lingüístico, pela substituição, cada vez mais predominante, do termo 
Direito Natural por Filosofia do Direito, desde a obra decisiva de 
Gustavo Hugo, significativamente intitulada Tratado de Direito 
Natural como Filosofia do Direito Positivo, denominação que, como 
lembra Guido Fassò, inspirou a John Austin o título de sua obra 
 288 
póstuma, Lições de Jurisprudência ou Filosofia do Direito Positivo. 
Nesse sentido, como ponto decisivo e marcante da passagem do 
Direito Natural (entendido como direito abstratamente concebido) 
para a Filosofia do Direito, vinculada à idéia de experiência jurídica, 
vale a pena lembrar que os Lineamentos fundamentais de Filosofia 
do Direito de Hegel têm como contrapágina de rosto este título: 
Compêndio de Direito Natural e Ciência do Estado. 
Se, ao depois, um ou outro autor, como Ahrens, ainda se mantém 
fiel à denominação Curso de Direito Natural, e se este termo ainda é 
preferido até hoje na linha da ortodoxia escolástica, é inegável o 
reconhecimento de que o termo Filosofia do Direito ganhou status 
próprio, embora suscitando uma série de problemas a que vou, 
brevemente, me referir. 
Concebida a Filosofia do Direito como uma disciplina autônoma, 
que pode ter ou não como um de seus temas o do Direito Natural, 
dúvidas surgiram sobre sua situação no contexto da Filosofia Geral, 
falando-se, por exemplo, em Filosofia particular, ou especial, 
chegando-se a negar a sua viabilidade, dada a natureza universal da 
problemática filosófica... Trata-se, a meu ver, de um 
pseudoproblema, porquanto a Filosofia do Direito é a Filosofia 
mesma quando seu objeto é a experiência do Direito, por sua 
validade universal, como se dá, também, com a Filosofia da Arte, da 
Linguagem etc. 
A questão que autenticamente se põe, dividindo os jusfilósofos, é 
bem outra, pertinente à amplitude da temática filosófica que a 
realidade jurídica condiciona ou exige. Assim é que vemos o 
espectro das opiniões alargar-se, a partirde posições de aberto 
negativismo, que convertem a Filosofia do Direito em simples 
"visão unitária" da Ciência Jurídica mesma (o que, a rigor, não tem 
sentido) ou no exame de sua metodologia, ou, então, como é mais 
freqüente, em mera Teoria Geral do Direito, de caráter puramente 
empírico, isto é, como o conjunto sistemático dos modelos 
hermenêuticos e normativos concebidos em função do ordenamento 
jurídico, tal como este logicamente se apresenta, sem qualquer 
indagação sobre os seus fundamentos axiológicos, ou sobre a 
natureza da experiência jurídica como algo de distinto do corpo das 
 289 
regras jurídicas positivas. 
Variante dessa redução empiricista da Filosofia do Direito à 
Teoria da Ciência do Direito é a doutrina daqueles que a concebem, 
à maneira de Norberto Bobbio, como "a teoria da linguagem 
jurídica", a partir, por exemplo, da Lógica jurídica deôntica e de 
exigências sintáticas e pragmáticas, como se apresenta em outras 
esferas do positivismo lógico-jurídico, que oferece várias 
perspectivas. Em todas essas colocações do problema o que é posto 
entre parêntesis é o problema do valor, por entender-se que todo 
entendimento axiológico redunda num discurso "metafísico ou não-
científico", e, destarte, destituído de sentido. 
Outras vezes, porém, vai-se além de expressões puramente 
formais (consideradas, no fundo, de caráter imaginário, ou fictício) 
para afrontar-se um problema de conteúdo ou de infra-estrutura, 
apresentando-se, então, o Direito, como o faz o realismo 
escandinavo (Karl Olivercrona, Alf Ross e outros), como asserções 
normativas que correspondem a exigências de fato no plano da ação 
julgada necessária, fundando-se a sua validade, não como valor ou 
norma superior, mas como linguagem determinada pela eficácia da 
ação ou da conduta. 
Se há, todavia, jusfilósofos que optam pelo fato como horizonte 
da normatividade jurídica, outros há que entendem ser esta 
logicamente plena, resolvendo-se a sua validade no seio da ordem 
normativa mesma, em função de uma norma fundamental que, 
transcendentalmente, condiciona todo o sistema. Refiro-me à teoria 
pura do Direito de Hans Kelsen, com a sua conhecida tese da norma 
fundamental, que teremos a oportunidade de estudar no Capítulo 
XXXII. 
Não faltam, porém, filósofos do Direito, e não se pode dizer que 
sejam em menor número, para os quais a Filosofia do Direito é 
incompatível com toda e qualquer espécie de reducionismo. Ora, 
quem acompanhou com cuidado as referências feitas ao Direito, nas 
páginas destinadas à Propedêutica Filosófica, já percebeu que me 
inclino no sentido da compreensão do Direito em toda a sua 
integralidade, tanto assim que a defino como sendo o ''estudo 
crítico-sistemático dos pressupostos lógicos, axiológicos e históricos 
 290 
da experiência jurídica". 
 
Trata-se de noção que nos parece abranger o que há de essencial 
em nossa disciplina, embora não nos mova a preocupação de definir. 
A que é que, na realidade, visa a Filosofia do Direito? Em primeiro 
lugar, indaga dos títulos de legitimidade da ação do jurista. O 
advogado ou o juiz, enquanto se dedicam às suas atividades, 
realizam certa tarefa, cumprem certos deveres. Qual o título que 
legitima essa experiência humana e lhe empresta dignidade? E a 
primeira pergunta, a que diz respeito ao problema áo fundamento 
ético do Direito. 
A segunda ordem de questões refere-se aos valores lógicos da 
Jurisprudência ou da Ciência do Direito. A que critérios deve 
manter-se fiel o jurista, para poder ordenar a experiência social com 
coerência e rigor de ciência? O problema lógico une-se, assim, ao 
problema ético, formando ambos um todo harmônico, unitário, que 
só por necessidade de análise haveremos de separar. Dessa 
correlação resulta um perene esforço, quer do legislador, quer do 
jurista, no sentido de estabelecer adequação cada vez mais precisa e 
prática entre os esquemas lógicos da Ciência do Direito e as infra-
estruturas econômico-sociais, segundo os ideais éticos que informam 
e dignificam a coexistência humana. É assim que exigências lógicas, 
éticas e histórico-culturais compõem a trama dos assuntos 
fundamentais pertinentes à Filosofia Jurídica. 
São essas, na realidade, as três questões básicas, cuja implicação 
e polaridade preocupa os filósofos do Direito, embora outras 
existam, mas com interesse menor ou consecutivo. A rigor, pois, não 
se deveria falar em "tarefas" ou em "pesquisas" diversas no âmbito 
da Filosofia do Direito, porquanto o que sempre se visa é a 
compreensão da experiência jurídica na unidade de seus elementos 
integrantes, o que quer dizer, a realidade do Direito como realidade 
ético-lógico-histórica em uma implicação de perspectivas. 
Feita esta ressalva, cujo significado logo mais se apreenderá em 
todo o seu alcance, será possível afirmar que os temas ou assuntos 
fundamentais da Filosofia do Direito referem-se ao conceito de 
 291 
Direito, à idéia de Justiça e à respectiva integração no plano 
histórico, suscitando-se estas perguntas fundamentais: — Como se 
determina conceitualmente o Direito? Como se concebe idealmente 
a Justiça? Como essas exigências de ordem lógica e ética se 
concretizam na ordem social e histórica do Direito Positivo? São 
três perguntas que, como veremos no capítulo seguinte, pressupõem 
um estudo de ordem geral. 
Muitas têm sido as formas de discriminar os temas de nossa 
disciplina, desde que o estudo passou a ter denominação própria, 
distinta do chamado Direito Natural, pois é sabido que nem sempre 
se estudou Filosofia do Direito com esta denominação. Antigamente, 
o estudo recebia outras designações, apresentando-se até o século 
XVIII sob a rubrica tradicional de Doutrina do Direito Natural ¹. 
1. Muito embora se possa dizer que é com HEGEL que se afirma a orientação, 
iniciada com GUSTAVO HUGO no sentido de se filosofar sobre o Direito Positivo, e não 
sobre um Direito Natura abstrato, os Lineamentos de Filosofia do Direito daquele 
mestre do idealismo germânico ainda são encimados pelo título genérico Naturrecht 
und Staatswissenschaft im Grundrisse (Berlim, 1821). Para HEGEL "Direito Natural" e 
"Direito Filosófico" são expressões sinônimas. 
 
Com este título ou equivalentes, ensinou-se a matéria na 
Faculdade de Direito de São Paulo no decorrer do século passado, 
até se reduzir a mera Enciclopédia Jurídica, sob o influxo das idéias 
positivistas. Mas, qualquer que seja a denominação — pois há 
autores que preferem empregar o termo "Filosofia do Direito e do 
Estado", ou "Filosofia Jurídica e Social" —, o que importa é 
discriminar os assuntos ou os temas principais que competem 
especificamente à nossa disciplina, sem transformá-los em 
compartimentos estanques. 
 
 
 
A Divisão Tripartida 
 
119. Para melhor compreensão de como dividimos a Filosofia do 
 292 
Direito, convém confrontar, inicialmente, dois tipos de divisão que 
apresentam entre si muitos pontos de contato, sendo da autoria de 
dois grandes representantes do neokantismo, Rudolf Stammler e 
Giorgio Del Vecchio. 
A divisão de Rudolf Stammler (1856-1938) é anterior à de 
Giorgio Del Vecchio, mas vamos expor primeiro a deste, porque 
representa o desenvolvimento de uma colocação do problema que se 
prende à tradição dos estudos e, especialmente, à discriminação feita 
por seu antigo mestre, Icílio Vanni, autor de obras seguidas com 
muito carinho pelos catedráticos que nos antecederam na Faculdade 
de Direito da Universidade de São Paulo. 
Icílio Vanni (1855-1903) foi, sem dúvida, o jurista-filósofo mais 
conhecido entre nós por volta de 1900, e o que maior e mais 
profunda influência exerceu emtodos os países da América do Sul, 
especialmente em virtude de suas ainda preciosas Lições de 
Filosofia do Direito (1904, ed. póstuma). 
Vanni era positivista, mas um positivista que procurava conciliar 
os ensinamentos de Augusto Comte com as exigências da Sociologia 
pós-comteana, em uma visão mais ampla dos problemas filosóficos, 
inspirando-se em alguns legados culturais de Emmanuel Kant. Foi 
por isso que sua doutrina foi denominada "positivismo crítico". 
Del Vecchio parte de Vanni, para logo superar sua posição 
empírica, assumindo uma atitude de relevo no neokantismo 
contemporâneo, cujos pressupostos procura conciliar com a grande 
tradição do Direito Natural clássico, sendo justo lembrar a 
contribuição que naquele sentido foi dada por Igino Petrone. 
Pois bem, é dentro desta linha de evolução que encontramos uma 
divisão tripartida da Filosofia do Direito, obedecendo ao critério de 
que o homem é um ser que é, conhece e age. Conhecer, agir e ser 
são três pontos de vista levados em consideração para se 
discriminarem os problemas da Filosofia Jurídica. 
O primeiro problema concerne ao conhecimento do Direito, aos 
conceitos de que se devem valer os juristas para ordenar logicamente 
a experiência do Direito; refere-se às estruturas lógicas que 
permitem ao jurista realizar sua tarefa científica. 
 293 
Merece ser lembrada, nesse passo, uma discriminação feita por 
Kant em seus Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito. Dizia o 
filósofo que o jurista, tal como o advogado ou o juiz, pode resolver 
sobre o que seja "de direito", sobre quid sit júris, cabendo, porém, ao 
filósofo do Direito indagar do que seja 'o Direito" mesmo, sobre 
quid sit jus. 
Na realidade, quando um advogado propõe uma ação, expõe uma 
ordem particular de fatos e, por sua adequação à lei e aos princípios 
de Direito, fundamenta um pedido ou uma pretensão. Toda petição 
inicial envolve a afirmação de que algo é de direito, ou seja, 
conforme ao Direito. O juiz, ao prolatar a sentença, examina as 
pretensões do autor e do réu e decide sobre o direito que compete a 
cada um. Não faz, no entanto, qualquer indagação sobre a validade 
do Direito em si mesmo, nem sobre o que seja o Direito. Esta última 
ordem de pesquisas pertence à Filosofia Jurídica, reunindo-se sob a 
denominação de Gnoseologia Jurídica, segundo uns, ou Lógica do 
Direito, segundo outros. É claro que, por ora, não fazemos objeções 
ou reservas a estas denominações, preferindo expor apenas a matéria 
sem comentários críticos ². 
2. Além da obra de VANNI citada no texto, v. IGINO PETRONE, Filosofia del Diritto, 
ed. de G. Del Vecchio, Milão, 1950, e GIORGIO DEL VECCHIO, Lezioni di Filosofia del 
Diritto, 5.ª ed., Milão, 1946. Em geral seguem a divisão tripartida, embora com certas 
ressalvas, FELICE BATTAGLIA, Corso di Filosofia dei Diritto, 3.ª ed., Roma, 1949, vol. 
1, págs. 16 e segs., e ADOLFO RAVÀ, Lezioni di Filosofia dei Diritto, Pádua, vol. I, 
págs. 39 e segs. e muitos outros. Para apreciação crítica, cf. ALESSANDRO LEVI, Per un 
Programma di Filosofia dei Diritto, Turim, 1905 
 
Determinado o conceito de Direito e fixadas as notas que 
constituem a juridicidade, abre-se um segundo campo de indagação, 
relativo à atitude do jurista perante um dever a cumprir, em função 
de sua valoração do agir. 
Se o Direito existe como realidade social, e se cm razão desta se 
estabelecem juizes e tribunais, assim como se movimentam clientes 
e advogados, é sinal que há fins a serem atingidos ou, pelo menos, 
fins que os homens julgam necessários a seu viver comum. Que fins 
ou valores norteiam os homens e que deveres resultam desses fins? 
Esta segunda ordem de indagações constitui objeto de uma parte 
 294 
especial da Filosofia Jurídica que Icílio Vanni e Del Vecchio 
denominam Deontologia Jurídica. 
O termo Deontologia se prende à tradição da filosofia utilitarista 
de Jeremias Bentham (1748-1832), nome familiar aos cultores do 
Direito no Brasil, dada a influência exercida sobre nossos juristas do 
Primeiro império e, especialmente, sobre Bernardo Pereira de 
Vasconcelos, em seu Projeto de Código Criminal. 
A filosofia de Jeremias Bentham, que é o utilitarismo, marca um 
momento muito importante na evolução das idéias da Inglaterra, 
tendo sido completada depois pela obra de Stuart Mill. autor seguido 
de perto por Pedro Lessa, antigo professor da Faculdade de Direito 
de São Paulo, no que se refere a certos problemas de Lógica. 
Jeremias Bentham propunha chamar à parte da Ética, destinada 
ao estudo dos deveres, de Deontologia; este termo nós ainda o 
conservamos como efetivamente próprio para designar a teoria dos 
deveres em geral ³. 
3. Cf. BENTHAM, An Introduction to the Principles of Morals and Legislations, 
Londres, 1823 (a I." ed. é de 1789) e Deontology (1834). É nesta segunda obra que 
BENTHAM escreve: "A palavra Deontologia deriva de duas palavras gregas, (o 
que é conveniente) e (conhecimento); isto é, conhecimento daquilo que é justo 
ou conveniente". É claro que para BENTHAM a base da Deontologia é o princípio da 
utilidade, visto como, diz ele, "uma ação é boa ou má, digna ou indigna, merecedora 
de aprovação ou de repulsa, na proporção de sua tendência a aumentar ou a diminuir a 
soma de felicidade pública". (Cf. "Deontologie ou Science de la Morale", in Oeuvres 
de Jérémie Bentham, Bruxelas, 1840, vol. III, pág. 359.) 
 
Se Deontologia é teoria dos deveres, e, por conseguinte, da ação 
moral, restaria, segundo a divisão ora apreciada, examinar uma 
terceira ordem de problemas, que são os ligados ao Direito como 
fato, como experiência social e histórica. 
Como é que o Direito surge? Qual a sua gênese, quais as linhas 
determinantes de seu desenvolvimento? Que é que a experiência 
jurídica contém como tendência fundamental? Como os ideais do 
Direito se revelam na História? 
A esta terceira parte é dado por Del Vecchio o nome de 
Fenomenologia jurídica, visto como nela se estuda o Direito 
principalmente como fenômeno ou fato social, mas, como veremos, 
 295 
a expressão tornou-se ambígua após o advento da Filosofia 
fenomenológica. 
 
 
Divisão de Stammler 
 
120. Apresentada a divisão tripartida, ainda hoje mais em voga, 
vejamos a de Rudolf Stammler que, embora desdobrada em cinco 
partes, no fundo mantém uma correspondência muito grande com a 
primeira. 
Na divisão feita pelo grande filósofo do Direito alemão, há duas 
partes fundamentais e três complementares. 
A primeira tem por finalidade o estudo do conceito de Direito, 
tomada a palavra "conceito" no sentido kantiano de categoria 
fundamental a priori que condiciona a experiência jurídica possível. 
Rudolf Stammler (1856-1938) é um dos maiores representantes 
do neokantismo. Não é demais lembrar aqui que o neokantismo mais 
chegado à nossa época, a cavaleiro dos séculos XIX e XX, apresenta 
duas grandes tendências ou escolas, segundo se dá maior 
importância à Crítica da Razão Pura ou à Crítica da Razão Prática. 
A primeira corrente que elabora com grande finura os princípios 
lógicos do kantismo é a Escola de Marburgo, apresentando vários 
nomes de relevo, como, por exemplo, os de Cohen e Natorp. É nessa 
Escola que se situa a figura de Rudolf Stammler, aplicando seus 
princípios no campo das ciências sociais e jurídicas. A outra grande 
corrente do neokantismo c a chamada Escola de Baden, mais ligada 
à Filosofia dos valores de Windelband e Rickert, da qual provém um 
notável grupo de juristas ou filósofos do Direito, com trabalhos 
decisivos para a concepção culturalista da vida jurídica, como Lask, 
Radbruch e Münch 
4
. 
4. Sobre as Escolas de Marburgo e de Baden e os problemasdo Direito, v. MIGUEL 
REALE, Fundamentos do Direito. cit.. cap. V e infra. cap. XXXVIII. 
 
Ora, Stammler, como neokantiano, tem em vista a determinação 
lógica das categorias puras fundantes da experiência do Direito. 
 296 
Na primeira parte de seus estudos, de natureza lógico-formal, 
procura estabelecer o conceito universal do Direito, um conceito tão 
universal que abranja todas as experiências jurídicas possíveis, do 
passado, do futuro, posto como "estrutura transcendental" do Direito 
histórico ou positivo. 
Terminado este estudo e em consonância com ele, Rudolf 
Stammler propõe-se o problema da idéia do Direito, ou seja, o 
problema da Justiça. 
É muito significativa esta ligação feita por Stammler entre 
conceito de Direito e idéia do Direito, chegando à conclusão de que 
é só nos referindo à idéia de justiça que podemos alcançar o conceito 
de juridicidade. Ao superar-se o formalismo kantiano, também 
resultaram superados, como veremos, esse destaque entre conceito e 
idéia, conceito e realidade, que ainda se observa no pensamento 
stammleriano, a nosso ver pouco convincente na demonstração de 
como é que as "estruturas lógicas" se compõem e se integram com as 
"exigências éticas" na unidade histórica da vida jurídica. 
A doutrina de Stammler, destinada a abrir novas perspectivas à 
Filosofia Jurídica, foi exposta em várias obras, mas de maneira 
sistemática e unitária em seu Tratado de Filosofia do Direito (1911), 
merecendo especial menção um livro cujo título, à primeira vista, 
pode parecer estranho: — Doutrina do Direito Justo (1902). 
Neste trabalho, que é uma das monografias mais preciosas do 
pensamento jurídico contemporâneo, Rudolf Stammler sustenta que 
não há necessidade, nem possibilidade de uma coincidência absoluta 
entre a experiência jurídica e o ideal de justiça, devendo-se notar que 
ele aprecia aquela (a experiência jurídica) de maneira abstrata e 
intelectualista, e não como processo integrante de valores éticos. 
Há na história, segundo Stammler, exemplos em abundância 
demonstrando que, muitas vezes, o Direito Positivo entra em 
conflito com os ideais do justo. Requer-se, no entanto, que o Direito 
seja sempre uma "tentativa de Direito justo". Pode ser uma tentativa 
falha, um esforço malogrado, mas o que é indispensável é que haja 
tensão no sentido do justo, inclinação rumo ao ideal de justiça. Sem 
essa referibilidade ao justo não há Direito, afirma Stammler, que nos 
 297 
põe, desse modo, perante um problema que só pode ser enunciado, 
mas não resolvido, no quadro de sua concepção lógico-formal. 
O pensamento stammleriano, que alcançou ampla ressonância, 
merece ser examinado de maneira especial, por sua inegável 
atualidade, ao pôr em realce o problema do Direito como estimativa, 
e ao conceber a regra ou norma de Direito como norma de cultura, 
reconhecendo a importância dos problemas dos valores para a 
Jurisprudência, embora fazendo-o, repetimos, de um modo 
excessivamente lógico-formal em harmonia com os esquemas 
aprioristas da Escola neokantista de Marburgo. 
A segunda parte da Filosofia do Direito, destinada a estudar a 
idéia do Direito ou do justo, ele a desenvolve ainda em termos 
kantianos, visando a esclarecer "o fim último ideal que há de 
informar e dirigir todas as aspirações jurídicas" no curso da História. 
Pensamos que é de grande importância a afirmação de Stammler, 
de que nem todo Direito é Direito justo, mas que todo Direito deve 
ser ao menos uma tentativa de ser Direito justo. Realça aqui, em 
verdade, o problema nuclear da Filosofia Jurídica, que é o da relação 
entre a experiência concreta e os ideais que se revelam através da 
História, enlaçando os homens e os grupos. 
Em consonância com seus princípios, Stammler procurou 
colocar, de maneira diversa, o problema do Direito Natural, assim 
como também aconteceu com Del Vecchio. Ambos são 
jusnaturalistas, ou seja, adeptos do Direito Natural. A concepção 
stammleriana ficou sendo conhecida como do Direito Natural de 
conteúdo variável, que logrou ser aceita por alguns autores de 
formação positivista, como é o caso, por exemplo, no Brasil, de 
Clóvis Beviláqua, o qual considera aquela concepção perfeitamente 
compatível com seu empirismo fundamental. 
Vejamos, porém, quais as três outras partes que Stammler 
acrescenta às duas primeiras, as quais, em sua essência, coincidem 
com os dois primeiros problemas propostos por Del Vecchio, quanto 
às formas puras a priori do Direito e da Justiça. 
A terceira questão seria relativa à Origem do Direito, devendo-se 
notar que nessa parte não se encontra outra coisa senão o estudo do 
 298 
Direito como fato social e histórico condicionado; uma análise do 
Direito Positivo em sua vigência e eficácia, assim como à luz de 
suas fontes determinantes, tal como nele se consubstanciam as 
aspirações humanas nos ciclos históricos. 
A quarta parte, denominada Técnica Jurídica, revela-se 
aplicação da primeira, visando a determinar, no âmbito da 
Jurisprudência positiva, o alcance das estruturas lógicas reclamadas 
pelo jurista em todos os ramos de seu saber, como, por exemplo, as 
de sujeito de direito, direito subjetivo, relação jurídica, regra de 
direito etc. Essa ordem de estudos é geralmente incluída pelos 
demais autores na parte que denominam Gnoseologia ou Lógica 
Jurídica e a que daremos o nome de Epistemologia Jurídica. 
Finalmente, em uma quinta ordem de estudos, preocupa-se 
Stammler com a Prática do Direito, desde os problemas postos 
pelos modos de argumentar do jurista, até às relações entre a justiça 
e a aplicação concreta do Direito. Não trata, é claro, da aplicação em 
face de dado sistema de Direito vigente, mas sim dos princípios que 
deverão ser sempre seguidos para realizar-se o Direito justo. 
 
121. O que podemos notar, cotejando as discriminações feitas 
por Stammler e por Del Vecchio, é que a divisão da Filosofia do 
Direito depende, como é natural, da prévia colocação dos problemas 
éticos e gnoseológicos. Nos casos ora considerados, observa-se uma 
distinção comum entre conceito e idéia do Direito, segundo moldes 
kantianos, da qual decorre uma série de exigências relativas à 
correspondência entre uma e outra, não in abstracto, mas em 
concreto, no Direito historicamente condicionado. 
Não resta dúvida, porém, que, apesar da diversidade na 
discriminação dos temas, seja esta feita em duas ou mais partes, ou 
reduzida a um só problema, o certo é que o filósofo do Direito 
sempre se volve à experiência jurídica para indagar de seus 
pressupostos lógicos e deontológicos, assim como para captar esses 
valores no Direito como "experiência concreta", como ideal que se 
faz História e a transcende, em uma ordem humana que c sempre um 
momento de ordenação lógica e ética. 
 299 
Em última análise, as duas teorias ora examinadas focalizam 
problemas de inegável cunho filosófico-jurídico, mas, a nosso ver, 
todas as discriminações feitas pressupõem um estudo geral e prévio, 
a partir da experiência jurídica mesma. Tal ordem de pesquisa acha-
se implícita nas divisões propostas por Stammler e por Del Vecchio, 
sendo necessário explicitá-la, obedecendo à diretriz dominante no 
pensamento contemporâneo no sentido de ir-se às coisas mesmas. 
Antes de discriminar, em suma, as diversas partes da Filosofia do 
Direito — e a fim de que tal discriminação seja logicamente possível 
—, torna-se imprescindível ir à realidade jurídica como tal, 
recebendo-a como "um todo", na unidade de seus elementos 
subjetivos e objetivos, conforme será exposto no capítulo seguinte.

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