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Hermenêutica Jurídica – profa. Jéssica Caparica 1 Hermenêutica Jurídica Este material é complementar. Não substitui o conteúdo dado em sala. Ler os artigos complementares colocados no magister também. Neoconstitucionalismo e Interpretação Constitucional A partir da segunda metade do século XX, se desenvolveu uma teoria sobre o novo papel do direito constitucional, o novo papel que a Constituição tende a exercer no sistema jurídico. Essa teoria que se desenvolveu depois da II Grande Guerra se chama neoconstitucionalismo. Caracteriza-se basicamente por uma revalorização do papel da Constituição, que passa a ser vista como a principal fonte normativa. Até então, a Constituição era vista como uma carta de intenções, como um projeto sem força normativa, sem densidade para poder realizar. O que importava, era a lei. O Estado que vigorava até então era o Estado da lei, o Estado legal ou o Estado legislativo. O Estado não pode ser um Estado legal, ele tem que ser um Estado constitucional, em que a Constituição prepondere, tenha a força normativa. Tudo isso parece simples, mas não é historicamente. O neoconstitucionalismo tem algumas características bem marcantes. Foi ele que desenvolveu a teoria dos direitos fundamentais, que desenvolveu a teoria dos princípios como espécies normativas. Os princípios, hoje, são normas. Mas há 50 anos não eram encarados como normas. Eram vistos como valores, como objetivos finais do direito, como forma de se integrar o direito, mas não como norma. Hoje todos sabem que princípios são normas. Prescrevia-se que o juiz decidirá com base na lei. Se não houver lei, decidirá com base na analogia. Se não for possível a analogia, com base nos costumes. Se não for possível faze-lo com base os costumes, então fará com base nos princípios. Os princípios eram o pior possível para o juiz fundamentar. Isso mudou radicalmente. Quando se fala que o juiz tem que decidir com base na lei, isso significa que ele tem que decidir com base na norma (lei é norma) que poder ser constitucional, legal, regulamentar, que pode ser um princípio ou uma regra. O princípio com força normativa é hoje inquestionável. Mas a questão foi entendida dessa forma a partir da segunda metade do século XX. Foi o neoconstitucionalismo que desenvolveu a teoria dos direitos fundamentais, a teoria dos princípios e aprimorou ou agigantou a jurisdição constitucional, o papel do juiz no controle de constitucionalidade das leis. Esses três pilares marcam o neoconstitucionalismo. Tanto que hoje quem estuda direito constitucional, qualquer livro tem um capítulo sobre cada um desses itens. É hoje o que há de mais importante no estudo do direito constitucional. A seguir seguem as grandes 9 transformações pelas quais passou a ciência jurídica no últimos anos. Ao conjunto dessas 9 transformações deu-se o nome de NEOCONSTITUCIONALISMO, que consiste na atual fase da ciência jurídica que se notabiliza por diversas transformações do pensamento jurídico, dentre as quais o novo papel da Constituição. Pode ser chamado de neopositivismo (ou pós-positivismo). Hermenêutica Jurídica – profa. Jéssica Caparica 2 A) TEORIA DAS FONTES: A teoria das fontes apresenta três aspectos para a compreensão da hermenêutica de hoje: A força normativa dos princípios. Hodiernamente os princípios são normas. Ou seja, não se pode mais tratar os princípios como meras recomendações ou programas. De um princípio se extrai consequências jurídicas. Há princípios constitucionais e há princípios legais. A Constituição apresenta princípios e regras, que são igualmente normas. Obs: lembrar do “non liquet” Obs(2): Art. 4 da LINDB. O papel normativo da jurisprudência, de modo a se entender que esta é norma geral, se aplicando a inúmeras situações. A jurisprudência não é mais fonte auxiliar de direito. É uma norma geral construída pela atividade jurisdicional (construída a partir de um caso concreto). Isso pode ser compreendido pelas súmulas vinculantes (art. 103-A, CF), sendo, portanto, fonte tão importante quanto a lei, pois esta estabelece um programa, enquanto que a jurisprudência dá sentido a este programa. Jurisprudência é norma. Obs: Ler o art. 103-A da CF Mudança de técnica legislativa : o uso das cláusulas gerais, que são textos normativos abertos na hipótese e no consequente normativo. Todo texto normativo tem uma hipótese e um consequente, ou seja, o enunciado normativo tem a descrição fática da situação em que o texto vai incidir e terá que se observar qual a consequência normativa se o enunciado incidir. Uma cláusula geral , muitas vezes, não tem essas duas acepções ao mesmo tempo, ou seja, não prevê o fato, mas, ao mesmo tempo, não descreve a consequência da incidência do texto normativo. Ex: quando a CF determina que a propriedade deve cumprir sua função social, fala- se em cláusula geral, pois não se sabe o que é função social da propriedade, nem diz qual a consequência de não se cumprir a função social, ou mesmo o próprio devido processo legal. Crítica ao uso de cláusulas gerais: As cláusulas gerais assenhoram ao juiz de poder, pondo insegurança ao sistema jurídico, mas dá mobilidade ao sistema. As cláusulas gerais rompem o paradigma de que o legislador tudo sabe. CLÁUSULA GERAL NÃO É NORMA, MAS TEXTO NORMATIVO. DE UMA CLAUSULA GERAL EXTRAEM-SE NORMAS. Exemplo de Cláusula Geral: Devido Processo Legal Hermenêutica Jurídica – profa. Jéssica Caparica 3 DEVIDO PROCESSO LEGAL A Constituição prescreve no art. 5, LIV: ninguém será privado dos seus bens ou da sua liberdade sem o devido processo legal. Do ponto de vista científico a norma do devido processo legal é uma cláusula geral. É uma norma composta por termos vagos ou indeterminados e cujas conseqüências também são indeterminadas. Uma cláusula geral é indeterminada nos fatos (no antecedente) e nas conseqüências (no consequente). Ou seja, não se sabe exatamente o que é “devido” e também não se sabe as exigências de um processo devido. Por conta dessa indeterminação é que, ao longo da história, é que se foram e se seguem tirando coisas do devido processo legal. E ele não esvazia nunca. Foi dele que se tirou o contraditório, a proibição de prova ilícita, juiz natural, motivação das decisões. Tudo isso foi extraído do devido processo legal. Todos os princípios processuais foram extraídos do devido processo legal, por isso é cláusula geral. E ele não murchou por causa disso porque sempre que houver a necessidade histórica de proteção aos direitos das pessoas, sempre que a história trouxer a necessidade de se proteger o cidadão, vamos ao devido processo legal para buscar essa proteção. O que significa a palavra “processo” na cláusula geral devido processo legal? Processo, neste caso, é método, modo ou meio de formação de normas jurídicas. As normas jurídicas sempre se formam processualmente. Toda norma se forma processualmente. Todas. Uma lei se forma por um processo legislativo. Um ato administrativo se forma por um processo administrativo. Uma sentença, que é uma norma, se forma por um processo jurisdicional. Tudo é processo e tudo tem que ser “devido”. O processo legislativo tem que ser devido, o processo administrativo tem que ser devido, o processo jurisdicional tem que ser devido. Há no STF ações de inconstitucionalidade de leis sob o fundamento de que a lei violou o devido processo legislativo. Há acusações de ato administrativo que viola o devido processo administrativo. Então, o devido processo legal não é exclusivo de processo civil, processo penal eprocesso do trabalho. O devido processo legal serve para qualquer atuação do Estado, seja ela administrativa, legislativa e jurisdicional. Devido processo legal formal – é o conjunto das garantias processuais mínimas: contraditório, juiz natural, duração razoável do processo, motivação das decisões, etc. Todas essas garantias compõem o devido processo legal na sua dimensão processual. Como o devido processo nasceu para impedir a arbitrariedade, os americanos sempre remetem ao devido processo quando querem se resguardar de abusos. A arbitrariedade pode ser cometida com violência processual (prova ilícita, sem motivar, sem garantir o contraditório), Hermenêutica Jurídica – profa. Jéssica Caparica 4 mas o abuso pode ocorrer no conteúdo das decisões. É preciso impedir decisões desproporcionais, arbitrárias, irrazoáveis. Porque é possível que a decisão tenha respeitado todas as garantias processuais e seja absurda. Não é possível garantir o processo, evitando prova ilícita, decisões imotivadas etc., se qualquer decisão for possível. Basta respeitar o devido processo que tudo o que acontecer é justo, é correto, é devido? É preciso que as decisões também sejam devidas, por isso, substancial (OU SEJA O CONTEÚDO). O princípio do devido processo legal substancial é SINÔNIMO de proporcionalidade e o da razoabilidade. Paulo Bonavides, autor de direito constitucional, diz que o princípio da proporcionalidade busca seu fundamento na igualdade. Outro livro diz que o fundamento do princípio da proporcionalidade é o Estado de direito. Para um processualista, o princípio da proporcionalidade decorre do devido processo legal. De onde se tira o princípio da proporcionalidade, afinal? De onde se quiser: da igualdade, do Estado de direito, do devido processo legal na dimensão substancial. E o STF tira de onde? Com essa história, o Supremo entende que o princípio da proporcionalidade é uma decorrência do devido processo legal por uma perspectiva substancial. A exigência de proporcionalidade, a exigência de razoabilidade decorre da dimensão substantiva do devido processo legal. Obs: complementar com o artigo sobre cláusulas gerais do Fredie Didier e o de Judith Martins, ambos estão no Magister. Obs (2): complementar com o capítulo 3 de Bobbio, que vocês leram para fazer a 1ME. B) Hermenêutica Jurídica: Norma e texto são coisas distintas. Norma é o que resulta da interpretação de um texto. A norma é o produto da interpretação do texto. De um texto pode-se extrair princípios, regras, normas, etc. Um exemplo para vislumbrar é que pendurada na porta da sala de aula houvesse a seguinte placa: “proíbe-se a entrada de cavalos”, porém, vem alguém que traz um rinoceronte, se valendo do argumento que qualquer coisa que diferente de cavalo pode, porém desse texto não se pode extrair esse argumento. Existem normas sem texto, como por exemplo o princípio da segurança jurídica, como também há textos que não geram norma alguma. Quem interpreta, cria. A interpretação é atividade criativa. O juiz não revela a vontade do legislador. A atividade do juiz não é mecânica. Hermenêutica Jurídica – profa. Jéssica Caparica 5 O desenvolvimento das máximas da proporcionalidade e da razoabilidade. Essas máximas são indispensáveis à hermenêutica jurídica. Obs: ler artigo sobre proporcionalidade, que está no magister C) RELAÇÃO ENTRE PROCESSO E CONSTITUIÇÃO Reconhecimento da força normativa da constituição. Constituição é norma. Não há mais dúvidas de que a CF é uma norma que pode ser realizada concretamente, independentemente do legislador, não sendo mera carta de intenções, mas sim uma norma com eficácia normativa Obs: Estudar a eficácia das normas constitucionais Desenvolvimento impressionante da jurisdição constitucional. O controle de constitucionalidade. Desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais: Passaram a estabelecer um patrimônio mínimo de uma sociedade ( Edson Fachin fala da teoria do patrimônio mínimo), ou seja, aquilo que aquela sociedade conquistou ao longo do tempo e é imprescindível para ela se desenvolver. Essa teoria se desenvolveu nos últimos 50 anos. Os direitos fundamentais passaram a ser encarados de duas maneiras: Os direitos fundamentais têm dupla dimensão. Existe a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais. O que é isso? Os direitos fundamentais são direitos (direito à herança, à liberdade, ao contraditório) como quaisquer outros. Essa dimensão subjetiva é importante: cada um de nós é titular de direitos fundamentais, só que os direitos fundamentais têm também uma dimensão objetiva. A dimensão objetiva significa que são normas. Além de direitos, os direitos fundamentais são normas. É preciso que as leis estejam em conformidade com as normas de direitos fundamentais. Uma lei não pode ofender uma norma de direito fundamental. Direitos fundamentais não são apenas direitos, situações jurídicas de alguém. São também normas e essa e a sua dimensão objetiva. Normas que geram direitos. Como é a relação entre a decisão jurídica (e o processo) e a dimensão objetiva dos direitos fundamentais? As normas de direito processual têm de estar de acordo com as normas de direitos fundamentais. Então, se uma norma processual cria um procedimento sem contraditório, esse procedimento é inconstitucional porque ofende uma norma constitucional que exige o contraditório. As normas processuais têm que estar em Hermenêutica Jurídica – profa. Jéssica Caparica 6 conformidade com as normas de direito fundamentais (dimensão objetiva) e, além disso, tem que ser adequado para tutelar um direito fundamental. A liberdade, por exemplo, é um direito fundamental. É preciso que haja mecanismos processuais adequados para tutelar a liberdade. É por isso que existe o habeas corpus. O HC nasceu dessa exigência. Não é possível tutelar a liberdade, um direito fundamental, de qualquer maneira. Não basta que o processo esteja em conformidade com a Constituição, com os direitos fundamentais enquanto normas. É preciso que o próprio processo seja adequado a tutelar os direitos fundamentais porque se não for assim, será inconstitucional já que não servirá de propósito aos direitos havidos como mais importantes no nosso sistema. Se o objetivo do processo é proteger direitos, os direitos fundamentais têm que ser os mais bem protegidos. Então, o processo tem que ser construído de acordo com as normas de direitos fundamentais (dimensão objetiva) e tem que ser adequado a bem tutelar os direitos fundamentais em sua dimensão subjetiva. Resumindo: a) dimensão objetiva dos direitos fundamentais, ou seja, os direitos fundamentais são normas que impõem um padrão ético mínimo ao direito, isto é o direito deve ser construído de acordo com os parâmetros dos direitos fundamentais; Quando se leva direito fundamental ao processo, este deverá estar organizado e instrumentalizado para dar boa proteção ao direito fundamental de uma pessoa. (Princípio da proteção suficiente) b) a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais consiste na imposição de que os direitos fundamentais são direitos inerentes ao ser enquanto merecedor da dignidade humana, isto é o direito fundamental, nessa acepção, não se mostra como orientador de normas, mas, sim, como direito próprio que lhe pertence. Por força deste aspecto, os neoconstitucionalistas dizem que os direitos fundamentais têm uma eficácia vertical (porque cuidam das relações entre Estado e cidadão) e também uma eficácia horizontal (regulam relaçõesentre particulares). Exemplo: em um condomínio se aplica multa a condômino que, porventura, desrespeita norma do condomínio. O condômino tem que ser intimado a se defender no âmbito do condomínio. Se o condômino é multado sem direito a defesa, a multa é nula, por ofensa ao devido processo legal aplicado no âmbito privado. Bons estudos!
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