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REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2015 41 CASOS CLÍNICOS CLINICAL CASES ¹Interno de Formação Específica de Cirurgia Geral; ²Assistente Hospitalar; ³Chefe de Serviço, Director de Serviço Serviço de Cirurgia 2, Centro Hospitalar de Leiria – E.P.E. Conflitos de Interesses: Os autores declaram que não houve conflito de interesse na realização deste trabalho. Correspondência: Ana dos Santos Couceiro • E-mail: anascouceiro@gmail.com • Morada: Centro Hospitalar de Leiria – E.P.E. Rua das Olhalvas 2410-197 Pousos – Leiria • Telemóvel: 964913170 • Telefone: 244817063 RESUMO Introdução: O mucocelo apendicular é uma entidade rara e geralmente o seu diagnóstico é feito intra-operatoriamente. Os autores apresentam o caso de uma mulher de 22 anos com dor abdominal localizada à fossa ilíaca direita com 5 horas de evolução. A ecografia mostrou inflamação da região apendicular e segmento intestinal com imagem sugestiva de invaginação. Foi submetida a laparoscopia, identificando- -se, intra-operatoriamente, volumoso processo inflamatório apendicular com massa tumoral do apêndice. Foi realizada apendicectomia laparoscópica cuja histologia revelou um cistadenoma mucinoso apendicular com sinais de apendicite aguda. Objectivos: Apresentar uma entidade clínica rara e sua abor- dagem laparoscópica. Material e Métodos: Processo clínico; vídeo de laparoscopia. Resultados e Conclusões: É necessário alto índice de suspeita para fazer o diagnóstico pré-operatório de mucocelo. ABSTRACT Introduction: Appendiceal mucocele is a rare entity and the diagnosis is usually made during surgery. The authors present the clinical case of a 22-year old woman with abdominal pain in the right low quadrant with 5 hours duration. The ultrasound revealed an inflammatory process of the cecal region and appendix and an intestinal segment with the image of invagination (?). The laparoscopy revealed an inflammation of the cecum and appendix with an appendi- ceal tumor which led to laparoscopic appendicectomy. It was made the histopathological diagnosis of appendiceal mucinous cistadenoma with signs of acute appendicitis. Goals: Present a rare clinical entity and the laparoscopic approach. Material and Methods: Clinical process; laparoscopic video. Conclusions: It takes a high index of suspicion to make a presurgical diagnosis of mucocele. Apendicite aguda como primeira manifestação de tumor do apêndice Acute appendicitis as the first manifestation of tumor of the appendix A. COUCEIRO¹, G. CAPELÃO¹, J. NOBRE¹, M. LAUREANO¹, P. CLARA², S. AMADO², M. SANTOS³ INTRODUÇÃO O mucocelo apendicular é uma entidade rara que surge por proliferação de células secretoras de mucina num apêndice com alterações da camada mucosa e muscular. O seu diagnóstico é a maioria das vezes realizado durante a cirurgia. Existem vários tipos de processos patológicos, sendo o quisto de retenção e a hiperplasia mucosa considerados benignos, o cistadenoma mucinoso considerado forma de transição e sendo o cista- denocarcinoma mucinoso uma forma maligna.1 A ressecção cirúrgica é o método de escolha para tratamento destes tumores. Durante o tratamento cirúrgico de um tumor mucinoso do apêndice é importante manter a massa intacta e inspeccionar a cavidade abdominal para a presença de acumulações fluidas mucóides, dado se tratarem de riscos potenciais para pseu- domixoma peritonei. Vários estudos de ressecção laparoscópica de mucocelos (a maioria casos clínicos) estão pu- blicados. O objectivo desta publicação é apresentar o caso clínico de uma mulher jovem com cistadenoma mucinoso, cuja primeira manifestação foi uma apendicite aguda e cujo tratamento foi realizado por abordagem laparoscópica. RELATO DO CASO Doente do sexo feminino com 22 anos de idade que deu entrada no Serviço de Urgência com queixas de dor abdominal localizada à fossa ilía- ca direita com 5 horas de evolução. Sem outras queixas associadas. Sem antecedentes pessoais ou familiares rele- vantes. Ao exame objectivo apresentava abdómen mole e depressível, doloroso à palpação da fossa ilíaca direita com defesa. Analiticamente com leucocitose de 12.5 10³/ 42 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2015 CASOS CLÍNICOS CLINICAL CASES µL (4.0-10.0) e Proteína C reactiva de 33.0 mg/L (0-10.0). Realizou ecografia abdominal e pélvica onde se observou “segmento intestinal relativamente extenso com parede espessada, com imagem sugestiva de invaginação, bem como segmento aparentemente em fundo de saco compatível com o apêndice íleo-cecal com parede também espessada; processo inflamatório importante da região ceco-apendicular e eventualmente com envolvimento do íleon terminal” (Figuras 1 e 2). A doente foi submetida a laparoscopia explo- radora. Intra-operatoriamente encontrou-se vo- lumoso processo inflamatório apendicular com tumor do apêndice. O apêndice tinha cerca de 12 cm de comprimento e base com 4 cm de diâmetro. Realizou-se apendicectomia por via laparoscópica. Teve alta bem ao 5º dia de pós-operatório, sendo orientada para a consulta externa de Cirurgia Geral. O exame macroscópico da peça revelou apêndice com cerca de 12 cm de comprimento (Figura 3). Em secção identificou-se lúmen dilatado e parede espessada com presença de formações diverticu- lares/herniações parietais, conteúdo mucóide e necrótico. No exame histológico observaram-se aspectos compatíveis com o diagnóstico de cistadenoma mucinoso do apêndice com sinais de apendicite aguda; áreas de muco acelular, na espessura da parede apendicular mas sem envolvimento da se- rosa e margem cirúrgica sem lesão (Figuras 4 e 5). Realizou colonoscopia total que mostrou dis- cretas erosões aftóides entre os 15 e os 20 cm do cólon que se biopsaram e cujo exame anato- mopatológico mostrou “erosão focal do epitélio de revestimento superficial, lâmina própria com edema, congestão vascular, pequenos focos hemorrágicos e presença de pequenos nódulos linfóides; alterações ligeiras e sem especificidade”. Realizou tomografia axial computorizada ab- dominal e pélvica que revelou a nível do cego imagens hiperdensas que se atribuem a prováveis clipes cirúrgicos; sem adenopatias abdominais ou pélvicas; restantes órgãos sem alterações. A doente mantém-se em follow up em consulta externa de Cirurgia Geral. DISCUSSÃO O mucocelo apendicular é uma lesão rara caracte- rizada pelo aumento progressivo do apêndice por acumulação intraluminal de substância mucóide.2 Existem quatro tipos histológicos e cada tipo dita o curso da doença e o prognóstico: Tipo I – obstrução da comunicação ceco- -apendicular por fecalito ou retracção cicatricial – mucocelo simples ou quisto de retenção; Tipo II – hiperplasia mucosa focal ou difusa sem atipia celular da mucosa do apêndice; Tipo III – cistadenoma mucinoso com certo grau de atipia celular; Tipo IV – cistadenocarcinoma mucinoso.1 O cistadenoma mucinoso é o tipo mais comum correspondendo a 63-84% dos casos e está asso- ciado a adenoma mucinoso do ovário e neoplasias síncronas ou metácronas no cólon. Macroscopi- camente o cistadenoma e o cistadenocarcinoma são indistinguíveis. Histopatologicamente, o cistadenocarcinoma é caracterizado por apresen- tar invasão tumoral abaixo do nível muscular da FIGURA 1. Ecografia pélvica. Segmento aparentemente em fundo de saco compatível com o apêndice íleo-cecal com parede espessada. FIGURA 2. Ecografia pélvica. Segmento intestinal relativamente extenso com parede espessada, com imagem sugestiva de invaginação. REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2015 43 CASOS CLÍNICOS CLINICAL CASES mucosa, presença de células epiteliais malignas em quistos de mucina na parede apendicular ou fora do apêndice.3 Numa pequena percentagem de casoso mu- cocelo ocorre simultaneamente com uma ascite gelatinosa denominada pseudomixoma peritonei. O apêndice é a fonte mais comum de colecções flui- das mucóides abdominais. A presença de tumor peritoneal é um factor prognóstico independente do grau histológico, está associado a malignidade e a grande agressividade.4 Tem maior incidência no sexo feminino (relação 4/1, mulher/homem) e a idade média de apresen- tação é de 55 anos.5 Os sinais e sintomas são inespecíficos. Pode originar uma dor ligeira na fossa ilíaca direita aguda ou crónica, presença de massa palpável, alteração do trânsito intestinal, anemia, hemato- quésia ou outra sintomatologia dependendo da localização do apêndice.2,6 Assim se compreende que o seu diagnóstico seja geralmente feito no intra-operatório. As complicações são raras e incluem invagina- ção, hemorragia, perfuração, peritonite e pseu- domixoma peritonei, principalmente nos casos de cistadenomas ou cistadenocarcinomas que rompem de forma espontânea ou iatrogénica.6 Os tumores mucinosos do apêndice podem me- tastizar para nódulos linfáticos regionais apesar de ser incomum.0 O tratamento é cirúrgico mas a opção cirúrgica (apendicectomia versus hemicolectomia direita) depende de alguns factores: - integridade do apêndice; - achados histopatológicos; - invasão nodal; - invasão da base do apêndice. Assim sendo deve realizar-se hemicolectomia direita se esta for necessária para ressecar toda a lesão, se houver adenopatias do mesoapêndice ou ileocólicas com tumor no estudo histopatológico, se for diagnosticada neoplasia do apêndice não mucinosa. Pode realizar-se ressecção ileo-cecal se a base apendicular estiver acometida na ausência de adenopatias regionais.3 No caso de pseudomi- xoma peritonei está indicada cirurgia citorredutora e quimioterapia intraperitoneal. O papel da laparoscopia no tratamento destes tumores ainda não está bem definido na litera- FIGURA 3. Peça cirúrgica. Apêndice íleo-cecal com cerca de 12cm de comprimento com serosa parcialmente recoberta por membranas fibrinosas, com área avermelhada de aspecto granitado. FIGURA 4. Aspecto microscópico da parede do apêndice. Lesão epitelial e áreas de lagos de muco que infiltram a parede mas sem envolvimento da serosa. FIGURA 5. Aspecto microscópico da parede do apêndice com maior ampliação. 44 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2015 CASOS CLÍNICOS CLINICAL CASES tura. Existe preocupação em lidar com lesões secretoras de mucina dada a possível ruptura dos tumores com disseminação da mucina durante a manipulação.7,8 Alguns autores consideram que a ressecção laparoscópica está contra-indicada para este tipo de tumores, estando recomendada a conversão para cirurgia aberta quando há suspeita intra-operatória.9 Contudo, alguns investigadores consideram que a laparoscopia não aumenta o risco de recorrência local ou metastização quando comparada com a cirurgia aberta.10,11 À medida que a evidência das vantagens do procedimento laparoscópico tem sido provada, mais ressecções de tumores apendiculares têm sido realizadas com esta via de abordagem.12,13 A taxa de sobrevida aos 5 anos é cerca de 100% nos casos de mucocelo benigno e cerca de 45% nos casos malignos.12 Neste caso clínico a lesão foi manuseada com dissectores atraumáticos e a peça operatória foi retirada com saco protector para prevenir a con- taminação das portas. Embora a opinião acerca da abordagem a usar continue controversa, os autores deste trabalho são de opinião que a cirur- gia laparoscópica pode ser usada nestes tumores apendiculares desde que algumas precauções sejam tomadas. A conversão para cirurgia aberta deve ser considerada se a lesão for pinçada de forma traumática e se houver ruptura para a ca- vidade peritoneal. n BIBLIOGRAFIA 1. Costa R. Mucocele de apêndice. Rev. Col. Bras. Cir. 2009; 36 (2): 180-182. 2. Schwartz, SI. Schwartz`s: Principles of Surgery. 8th edition. Rochester: The McGraw-Hill Companies, Inc.; 2005. p. 1134-1135 3. Fonseca LM, Sassine GCA, Luz MMP, Silva RG, Conceição SA, Lacerda-Filho A. Cistadenoma do Apêndice – Relato de caso e revisão da literatura sobre tumores mucinosos do apêndice vermiforme. Ver. Bras. Coloproct. 2008; 28 (1): 089-094. 4. Townsend, Beauchamp, Evers, Mattox. Sabiston Textbook of Surgery. 17th edition. Elsevier: Saunders, An Imprint of Elsevier; 2004. p. 1396 5. 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