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1 Estudo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Marcelo Timbó 1. Natureza da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 2. Noções terminológicas. 2.1. Validade. 2.2. Vigência. 2.3. Eficácia. 2.4. Vigor. 3. Primeiras palavras sobre a Lei de Introdução. 3.1. Origem da prática hermenêutica. 3.2. Estrutura da Lei de Introdução. 4. LINDB e a lei como fonte primária do direito brasileiro. 5. Regras quanto à vigência. 5.1. Vacatio Legis. 5.2. Norma corretiva (§§ 3º e 4º, do art. 1º) . 5.3. Art. 2º: princípio da continuidade. 5.4. Modalidades de revogação: Derrogação a Ab-rogação. 5.5. Vedação à repristinação (art. 2º, § 3º, LINDB). 6. Princípio da obrigatoriedade da norma (art. 3º, LINDB). 7. Formas ou métodos de Integração da Norma Jurídica (Arts. 4º e 5º, LINDB). 7.1. Ordem prevista: analogia è costumes èprincípios gerais de direito. 7.2. Analogia. 7.3. Costumes. 7.4. Princípios gerais de direito. 7.5. Equidade. 8. Aplicação da norma jurídica no tempo (art. 6º da LINDB). 8.1. Ato jurídico perfeito (§ 1º). 8.2. Direito adquirido (§ 2º). 8.3. Coisa Julgada (§ 3º). 9. Aplicação da norma jurídica no espaço (arts. 7º a 19 da LINDB). 9.1. Art. 7º - lex domicilli, para as regras da personalidade, nome, capacidade e direitos de família. 9.2. Art. 8º - lex rei sitiae. 9.3. Art. 9º - locus regit actum. 9.4. Art. 10 – lex domicilli, para sucessão por morte. 9.5. Art. 11 – regras quanto às sociedades e fundações. 9.6. Art. 12 – competência da autoridade judiciária brasileira. 9.7. Art. 13 e 14 – ônus probatório de fato ocorrido no exterior. 2 9.8. Arts. 15 e 16 – requisitos para execução no Brasil de sentença estrangeira. 9.9. Art. 17 – vedação de eficácia de leis estrangeiras contrárias ao nosso ordenamento. 9.10. Art. 18 – casamento de brasileiro no exterior. 9.11. Art. 19 – validade de atos praticas pro cônsules brasileiros no exterior. 1. Natureza da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Inspirada no direito alemão e francês, a técnica legislativa brasileira fez a opção por tratar das normas atinentes à elaboração, aplicação e revogação das leis em corpo legislativo separado do Código Civil, posicionamento mais coerente, por se tratar de normas sobre a aplicabilidade das leis em geral1. A lei de introdução surgiu, primeiramente, com o nome de Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), através do Decreto-Lei n. 4.657/42, tendo sido alterada recentemente sua denominação, pela Lei n. 12.376/2010, passando a se chamar Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, acertadamente, posto que é lei que se aplica à todo ordenamento jurídico e não apenas ao Código Civil. Aplica-se mesmo no campo do direito público. A LINDB é, portanto, uma lex legum: um conjunto de normas sobre normas, um surdroit, um superdireito, um sobredireito, um Direito coordenador do Direito. Com a maestria habitual, a Professora Maria Helena Diniz explica que a LINDB “não rege as relações da vida, mas sim as normas, uma vez que indica como interpretá-las ou aplicá-las, determinando-lhes a vigência e eficácia, suas dimensões espaciotemporais, assinalando suas projeções nas situações conflitivas de ordenamentos jurídicos nacionais e alienígenas, evidenciando os respectivos elementos de conexão”2 . 1 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro interpretada. 18ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 21. 2 Idem, p. 22. 3 2. Noções terminológicas. Para realmente entender as regras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro precisamos compreender, primeiramente, os conceitos abaixo, evitando imprecisões e confusões. 2.1. Validade. Válida é a norma que está compatível com o sistema jurídico (ordenamento) que ela integra. É, pois, um conceito puramente lógico-formal. Válida é a norma que observa todas as condições formais e materiais estabelecidas pelo próprio sistema jurídico. Caso uma norma não cumpra algumas destas condições formais ou materiais estabelecidas na própria Constituição Federal devemos reconhecer a sua inconstitucionalidade. A validade pode se verificar de duas formas: ⇒ Validade Formal: observância das normas referentes ao seu Processo de Criação. Veja o art. 60, §§ 1º e 2º, CF/88, que estabelecem regras formais (relativa ao processo de criação) que devem ser observadas; ⇒ Validade Material: observância das normas referentes às matérias passíveis de normatização, sob dois aspectos: § se as partes legislativas (entidades federativas) são as corretas para o caso; Exemplo: ver art. 22, CF. As matérias dispostas neste artigo são de competência privativa da União. Se algum outro ente federado resolver legislar sobre esta matéria, sem a devida autorização por Lei Complementar3, a norma será inconstitucional, por vício material quanto à iniciativa legislativa. 3 CF, art. 22, parágrafo único: Lei Complementar poderá autorizar os Estados a Legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. 4 § se o conteúdo legislado está correto. Exemplo: Da leitura de diversos dispositivos da Constituição, podemos perceber que o direito de ir e vir é assegurado constitucionalmente (ver arts. 1º, III, 3º, I, 5º, XV, CF). Assim, se surgisse uma lei infraconstitucional que cerceasse o direito de ir e vir, também seria considerada inconstitucional, por vício material. Como garantia individual que é, uma norma que determinasse de alguma forma a abolição ao direito de ir e vir não poderia nem mesmo ser alvo de emenda à constituição 4 . Só a própria constituição pode trazer exceções ao direito de ir e vir5. 2.2. Vigência. Norma vigente é a norma que está dentro do corte de tempo que vai do momento em que ela passa a ter força vinculante, normalmente após o período de vacatio legis, até a data em que ela é revogada ou em que se esgota o prazo prescrito para sua duração, como no caso das normas temporárias. Após a sua promulgação, a norma passa a ser existente. Mas isto não significa que, existindo, promulgada, a norma já tenha vigência. A vigência só ocorrerá após o período de vacatio legis, que começa a ser contado da sua publicação. Vigente é a norma que está compatível com o sistema jurídico que ela integra. É, pois, um conceito puramente temporal. 2.3. Eficácia. Eficaz é a norma que está apta a produzir concretamente efeitos no sistema jurídico (ordenamento) que ela integra. A eficácia é a qualidade do texto normativo vigente de poder produzir, ou irradiar, no seio da coletividade, efeitos jurídicos concretos6. 4 Neste sentido, ver art. 60, § 4º, CF/88. 5 Exemplo: art. 139, CF/88. 6 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro interpretada. 18ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 70. 5 A norma pode depender ou não de outras normas para a plena produção de efeitos e concretização de sua função eficacial. Por este viés (aptidão para produzir efeitos em dependência de outras normas), podemos classificar as normas, segundo tradicional classificação proposta no Brasil pelo Professor José Afonso da Silva, em: 2.3.1. Normas de Eficácia Plena. Sua aptidão para produzir efeitos é imediatamente concretizada, ou seja, não depende de qualquer outra norma para ter sua função eficacial garantida. Esta é a regra geral dos comandos normativos: as normas têm eficácia plena e aplicabilidadedireta, imediata e integral7. 2.3.2. Normas de Eficácia Limitada (que dependerá de complementação). Neste caso, há necessidade do surgimento de outras normas para que a norma de eficácia limitada se torne apta a produzir concretamente seus efeitos8. Sem lei que a regulamente, a norma de eficácia limitada não produzirá efeitos. Só produzirá, segundo José Afonso da Silva, os mínimos efeitos de vincular o legislador infraconstitucional aos seus vetores. Assim, podemos dizer que sua eficácia será ampliada quando surgir a lei regulamentar. 2.3.3. Normas de Eficácia Contida (norma restringível ou redutível). É aquela norma que já produz efeitos, desde de sua entrada em vigor, mas estes efeitos podem vir a ser restringidos. Ao contrário das normas de eficácia limita, onde haverá verdadeira ampliação dos seus efeitos com o surgimento de norma reguladora, nas normas de eficácia contida a sua aplicabilidade pode vir a ser restringida9. 2.4. Vigor (força da norma). O conceito de Vigor da norma está relacionado a sua força vinculante, ou seja, à impossibilidade de os sujeitos subtraírem-se ao seu império. 7 Exemplo: art. 5º, IX, CF/88. 8 Exemplos: arts. 18, § 2º, 25, § 3º, 33, 37, VII, CF, princípios institutivos, ou ainda arts. 6º (direito à alimentação), 196 (direito à saúde), 205 (direito à educação), princípios programáticos etc. 9 Exemplos: art. 5º, XIII, CF – OAB e o exame de ordem; art. 5º, XXVII, CF c/c art. 41 da Lei nº 9.610/98 (Lei do Direito Autoral); art. 184, CP; ou ainda, art. 5º, incisos VII, VIII, XV, XXIV, XXV, XXXIII, CF/88 etc. 6 Não devemos confundir vigor com a vigência norma. Uma norma pode não ser mais vigente e ter vigor, se disser respeito a situações consolidadas sob sua vigência: isto é o que se denomina ultratividade. Diante de tudo quanto exposto até aqui, podemos dizer que uma norma pode ser válida mas não ser vigente (vacatio legis). Pode ser válida e vigente, mas não ter eficácia (normas de eficácia limitada). Pode não ser vigente e, no entanto, ainda ter vigor, para as situações ocorridas durante a sua vigência. 3. Primeiras palavras sobre a Lei de Introdução. 3.1. Origem da prática hermenêutica. Na França, antes da entrada em vigor do Código Civil Napoleônico, de 1804, que estabelecia as regras no âmbito privado, detectou-se a necessidade de editar uma norma legal que regulasse a aplicação de todas as outras normas jurídicas no Estado. Esta prática de uma Lei de Introdução ao Código foi adotada pelos demais ordenamento jurídicos europeus de tradição romano-germânica, tendo chegado, por consequência, ao nosso sistema jurídico. 3.2. Estrutura da Lei de Introdução. A Lei de Introdução possui dezenove artigos, divididos, do modo que veremos a seguir, levando-se em consideração o conteúdo da norma, segundo Professora Maria Helena Diniz10: Ø Disciplina o início da obrigatoriedade da lei (art. 1º) – vigência da norma. Ø Disciplina do tempo de obrigatoriedade da lei (art. 2º) - vigência na norma. 10 (DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro interpretada. 18ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 23) 7 Ø Garantia da eficácia global da ordem jurídica, não admitindo a ignorância da lei vigente, que a comprometeria (art. 3º) – obrigatoriedade das normas. Ø Garantia dos mecanismos de integração das normas, quando houver lacuna (art. 4º) – integração normativa. Ø Critérios de hermenêutica jurídica (art. 5º) – interpretação das normas. Ø Direito intertemporal (art. 6º) – aplicação no tempo. A partir deste momento, a LINDB trata de normas sobre a disciplina da aplicação da norma no espaço: Ø Direito Internacional Privado Brasileiro (arts. 7º ao 19); § Normas relativas à pessoa e à família (arts. 7º e 11); § Norma relativa aos bens (art. 8º); § Norma relativa às obrigações (art. 9º); § Norma relativa à sucessão por morte ou por ausência (art. 10); § Norma relativa à competência judiciária brasileira (art. 12); § Norma relativa à prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro (art. 13) § Norma relativa à prova de direito alienígena (art. 14); § Norma relativa à execução no Brasil de sentença proferida no exterior (art. 15); § Norma de proibição do retorno (art. 16); § Norma relativa à proibição de aplicação de leis, atos e sentenças de outro país no Brasil, quando ofensivas ao nosso ordenamento (art. 17); § Normas relativas a atos civis praticados pelas autoridades consulares brasileiras no estrangeiro (arts 18 e 19). 4. LINDB e a lei como fonte primária do direito brasileiro. Como já dito, o direito brasileiro sempre foi filiado historicamente à escola da chamada Civil Law11, de origem anglo-germânica, pela qual a lei é a 11 Entretanto, modernamente, sabemos que o direito brasileiro não é um sistema puro. O mais correto seria dizermos que o sistema brasileiro é um sistema híbrido, pois traz consigo características tanto do Civil Law como do Common Law. Uma prova disso é a crescente valorização do costume jurisprudencial 8 fonte primária do sistema jurídico. Assim sendo, a regra geral é que será papel do julgador aplicar a lei, prévia e abstrata, ao fato jurídico, posterior e concreto. Esta atividade de encaixe da norma ao caso concreto é chamado de subsunção. A norma jurídica é um imperativo autorizante. Esta noção não pode ser esquecida, jamais. Trata-se de um imperativo, pois emanada de autoridade competente, sendo dirigida a todos (generalidade). Constitui-se, pois, de um processo de autorizar ou não determinadas condutas. Concebida a lei como fonte primaz do direito, mas não como única e exclusiva fonte, passaremos ao estudo, em separado, dos dispositivos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 5. Regras quanto à vigência. De plano, é importante ressaltar que a vigência das normas é estudada com a conjugação de dois diplomas legais: a LINDB, art. 1º, e a Lei Complementar nº 95/98. 5.1. Vacatio Legis. LINDB, art. 1º. Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada. § 1.º Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada. A vacatio legis é justamente o período em que a lei, embora publicada, aguarda a data de início de sua vigência, para que todos possam ter ciência de sua publicação e de seu conteúdo. A vacatio legis poderá se ocorrer das seguintes formas: a) seguir a regra geral, de só começar a vigorar após 45 dias da sua publicação, ou 3 meses nos Estados estrangeiros (quando se admitir a aplicação da lei brasileira); no nosso ordenamento (característica do sistema Common Law, onde os precedentes jurisprudenciais constituem principal fonte de direito) notadamente pela emergência da súmula vinculante como fonte de direito, diante da Emenda Constitucional n. 45/2005, que incluiu o art. 103-A no Texto Maior. 9 b) excepcionalmente, ter a data inicial de vigência e vigor da norma foi fixada expressamente. É o que está previsto na expressão “salvo disposição contrária”, do caput do art. 1º. Por exemplo, o Código Civil de 2002, previuum prazo de vacância de um ano a partir de sua publicação (art. 2.044, CC). Tendo sido publicado em 10/01/2002, a doutrina e a jurisprudência entendem que o Código Reale entrou em vigor no dia 11/01/2003. Sobre o assunto, o art. 8º, caput, da Lei Complementar 95/98, afirma que: A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão. Assim, se a lei for uma norma de pequena repercussão social ela poderá se autodeclarar vigente de imediato, a partir da data de sua publicação12, sem a necessidade de um período de vacatio legis, de acordo com a Lei Complementar n. 95/1998. Oportuno mencionar que, nos termos do art. 8º, § 1º, da Lei Complementar 95/1998, a contagem do prazo13 para entrada em vigor das leis que estabelecem período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. Pouco importa se o dia subsequente à sua consumação integral cairá ou não dia útil. Mesmo que caia em um domingo ou feriado, por exemplo, a lei começará a ter vigência e vigor. Atenção! A lei passa por 3 fases fundamentais para que tenha validade e eficácia: elaboração, promulgação e publicação. Somente após a “publicação” é que começa o prazo de vacatio legis, que geralmente vem previsto na própria norma, normalmente no final do texto. Para confundir os candidatos em concursos, às vezes, os avaliadores mencionam a promulgação da lei como início do prazo de vacância, quando em verdade é a data da publicação que deve valer como marco inicial. 12 Em se tratando de normas administrativas (decretos, resoluções, portarias), esta será a regra geral, ou seja, tais normas entram em vigor na data de sua publicação. 13 Nos prazos de direito material, a contagem dos prazos se faz de acordo com o art. 132, CC, ou seja, salvo disposição legal ou convencional em contrário, os prazos serão computados excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento. § 1º: se o vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o dia seguinte útil. § 2º: meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia. § 3º: os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência. 10 5.2. Norma corretiva. Norma corretiva é aquela que visa afastar os equívocos importantes cometidos no texto legal (erros materiais). Pode ocorrer em duas situações: ⇒ se a publicação da norma corretiva ocorrer antes da lei nova entrar em vigor, ou seja, ainda durante o período de vacatio legis (art. 1º, § 3º, LINDB), será considerada uma republicação do texto legal e o prazo recomeçará a correr da nova publicação, para a parte alterada; ⇒ se as correções do texto ocorrem quando a lei já estiver em vigor, a correção será considerada lei nova (art. 1º, § 4º, LINDB). Entretanto, se o que se pretende é uma alteração substancial da lei e não a correção de um simples erro material, a alteração só poderá ser feita por uma nova lei, independentemente do momento, seja ainda na vacatio da lei a ser modificada ou não. 5.3. Artigo 2º: princípio da continuidade. O art. 2º da LINDB consagra o princípio da continuidade, pelo qual a norma, a partir de sua entrada em vigor, tem eficácia contínua, até que outra norma a modifique ou revogue, desde que não seja temporária (prazo de validade pré-determinado) nem circunstancial14. Assim, uma lei só pode ser revogada por outra. No Brasil, o costume não pode revogar lei, como acontecia no Direito Romano. A revogação de lei por costume chama-se, doutrinariamente, de desuetudo ou desuso da lei, o que, repita-se, não se admite no Brasil. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (art. 2º, § 1º, LINDB). Exemplo: o Código Civil regulou, de forma completa, as relações jurídicas sobre condomínios edilícios – aqueles que possuem partes comuns e particulares - (arts. 1.331 a 1.358), revogando, desta forma, a Lei nº 4.591/64, naquilo que regulava a matéria (arts. 1º a 27). O art. 9º da Lei Complementar 95/98 afirma que, preferencialmente, a revogação de uma lei deve ser expressa. 14 Exemplo de lei circunstancial: lei específica para o período das Olimpíadas no Rio de Janeiro. 11 Entretanto, a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par (ao lado) das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior (art. 2º, § 2º, LINDB). Exemplo: o Código Civil dispôs de forma especial sobre a locação (arts. 565 e 578), não prejudicando a lei anterior que dispunha sobre a locação imobiliária, permanecendo incólume (Lei 8.245/91). Outro exemplo: o art. 777, CC, afirma que as normas dispostas no Código Civil sobre o contrato de seguro aplicam-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias. Neste caso, há uma complementação. 5.4. Modalidades de revogação: Derrogação e Ab-rogação. Ab-rogação ou revogação total (absoluta) ocorre quando se torna sem efeito uma norma de forma integral, com a supressão total do seu texto por uma norma emergente. É o que ocorreu com o Código Civil de 1916, de acordo com o art. 2.045, do Código Civil de 2002. O novo Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 1.046, caput, também ab-rogou o Código de Processo Civil de 1973. Já a derrogação é a revogação parcial, ou seja, acontece quando uma lei nova torna sem efeito parte de uma lei anterior, como se deu em face da primeira parte do Código Comercial de 1850 (parte obrigacional), conforme está previsto art. 2.045, segunda parte, do Código Civil de 2002. As duas modalidades de revogação mencionadas acima podem ocorrer das seguintes formas: Ø Revogação Expressa (ou por via direta): a lei nova expressamente, por escrito, de forma taxativa, declara revogada a lei anterior ou indica quais dispositivos devem ser retirados. Ø Revogação Tácita (por via obliqua): situação em que a lei posterior é incompatível com a anterior ou a lei nova regula inteiramente a matéria regulada pela lei anterior. Atualmente, a preferência é de que a revogação seja expressa ou por via direta, por trazer mais segurança jurídica. A revogação tácita, quando ocorrer, será por conta de um destes três critérios: • Critério hierárquico – Lei superior; • Critério cronológico – Lei nova; • Critério da especialidade – Lei especial; Atenção. Em relação ao critério da especialidade, precisamos ficar atentos ao que a doutrina chama de “Diálogo das Fontes”, que determina que o 12 critério da especialidade deve ser invertido caso a norma geral preveja regra mais favorável à parte mais vulnerável, em detrimento da norma especial. Assim, se o Código Civil tiver norma mais favorável ao consumidor do que o CDC, o CC deverá ser aplicado em detrimento do CDC, invertendo-se a regra prevista pelo critério da especialidade. 5.5. Vedação à repristinação (art. 2º, § 3º, LINDB). Efeito repristinatório é aquele pelo qual uma norma revogada volta ter eficácia e vigor, por si só, no caso da revogação da norma revogadora. No Brasil, a regra geral é não se admitir a repristinação, salvo: ü disposição expressa da lei em sentido contrário; ü se a lei revogadora for declarada inconstitucional. Assim: 1) Norma A –válida. 2) Norma B revoga a norma A. 3) Norma C revoga a norma B. 4) Regra geral: norma A não volta a valer. 5) Exceção 1: a norma A (revogada) só voltará a valer com a revogação da sua norma revogadora, B, se isto vier expressamente previsto na norma C, ocorrendo assim a repristinação. Caso contrário, A, revogada, não volta a valer como a revogação de B, revogadora. 6) Exceção 2: se a norma B for declarada inconstitucional pelo STF em controle concentrado de inconstitucionalidade (em Ação Direta de Inconstitucionalidade, por exemplo), com efeitos retroativos (ex tunc), acontecerá o que a doutrina chama de efeito repristinatório da norma A. Neste caso, a jurisprudência considera que, em verdade, a lei B jamais entrou no ordenamento, jamais existiu. Mas atenção: esta exceção não se aplica no controle difuso de constitucionalidade, por esta modalidade de controle não ter efeito erga omnes. Também devemos ficar atentos para o art. 27 da Lei 9.868/99, que regula ADI e ADC, que prevê a possibilidade da chamada “modulação dos efeitos” da declaração de inconstitucionalidade, determinando que os efeitos da declaração só tenham eficácia a partir do trânsito 13 em julgado da decisão, ou seja, efeitos não retroativos (ex nunc). Deste moto, no controle de constitucionalidade concentrado, fala-se na existência de um efeito represtinatório tácito. Assim, havendo concessão de medida cautelar ou de decisão de mérito que declare uma norma inconstitucional, a legislação anterior, caso existente, volta a ser aplicável (efeito represtinatório), salvo expressa manifestação em sentido contrário (art. 11, § 2º e art. 27 da Lei 9.868/99). Isto porque, como dito, uma lei declarada inconstitucional é uma lei declarada nula, ou seja, nunca produziu efeitos. Se nunca teve eficácia, nunca revogou nenhuma norma. Se nunca revogou nenhuma norma, aquela que teria sido supostamente revogada continua tendo eficácia15. 6. Princípio da Obrigatoriedade da Norma (art. 3º, LINDB). Como vimos, uma das características da lei é a obrigatoriedade. Esta obrigatoriedade surge para nós através de uma ficção jurídica, trazida no art. 3º da LINDB. Com a publicação de uma lei, através do Diário Oficial, há a presunção de que todos, a partir deste momento, conhecem o teor da lei, caindo em domínio público. Para uma corrente da doutrina, entretanto, a obrigatoriedade não está justificada por uma ficção jurídica ou por uma presunção absoluta de que todos conhecem a lei, até por que isto, de fato, é impossível na prática, mas está sim justificada por uma necessidade social. É a chamada Teoria da necessidade social, defendida por autores como Maria Helena Diniz e Flávio Tartuce. Mas a obrigatoriedade não é absoluta. Existem exceções, como a prevista no art. 139, III (erro - vício do consentimento), c/c 171, CC/02, o chamado erro de direito, novidade trazida pelo Código Civil de 2002. Exemplo: determinada pessoa compra um terreno para construir casa de praia. Depois de efetuada a compra, no momento em que foi solicitar o alvará junto à prefeitura para iniciar a construção, o interessado foi informado que a construção não seria possível, pois se tratava de área non edificandi, ou seja, área em que não se pode construir, por força de lei municipal desconhecida pelo comprador do imóvel. Neste caso, a compra e venda poderá ser anulada, por erro de direito. Tal dispositivo não conflita com o art. 3º da LINDB, pois a hipótese do art. 139, III, é quando o sujeito possui entendimento equivocado sobre as 15 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 16ª edição, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 342. 14 consequências jurídicas da norma, em certas situações16. Necessário, todavia, que o erro tenha sido o motivo único ou o principal do negócio. O erro de direito também não pode ser alegado para anular a transação17 a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes - art. 849, parágrafo único, CC. Portanto, apesar de não ser absoluta, a obrigatoriedade é a regra geral: com a publicação, surge a obrigatoriedade da lei. 7. Formas ou métodos de integração (ou colmatação) e interpretação da norma jurídica (art. 4º e 5º, LINDB). Como dito, o direito brasileiro sempre foi filiado historicamente à escola da chamada Civil Law, de origem anglo-germânica, pela qual a lei é a fonte primária do sistema jurídico. Assim sendo, a regra geral é que será papel do julgador aplicar a lei (prévia e abstrata) ao fato (posterior e concreto). Esta atividade de encaixe da norma ao caso concreto é chamado de subsunção. Entretanto, a subsunção pode não acontecer de imediato, por faltar a regra ao caso concreto, surgindo o que se chama de lacuna legislativa. Integrar as normas é nome que se dá ao processo de suprir as lacunas existentes. O sistema jurídico como um todo é pleno, completo, justamente por existir mecanismos de supressão das lacunas eventualmente existentes, ou seja, mecanismos de integração das normas. Apesar do sistema jurídico como um todo não possuir lacunas, a norma jurídica, por vezes, pode apresentar lacuna. A ausência de lacuna do sistema jurídico está fundamentada, doutrinariamente, no princípio da vedação ou proibição ao non liquet (art. 5º, XXXV, CF, art. 140, NCPC, art. 7º, CDC, art. 107, CTN etc), ou seja, provocando-se o juiz, através do exercício do direito de ação, não poderá o magistrado eximir-se de proferir decisão (afirmar non liquet ou “não julgo”), alegando ausência ou lacuna de norma jurídica. Em outras palavras, o juiz não pode alegar que não pode fazer a subsunção do fato à lei simplesmente porque não existe uma lei 16 O erro de direito é tolerado com maior frequência no Direito Penal. Exemplo: art. 8º, da Lei de Contravenções Penais; art. 65, II, CP, que admite o erro de direito como circunstância atenuante da pena. Já no Direito Civil a aceitação do erro de direito é mais excepcional. Além do art. 139, III (vício de consentimento), outra hipótese de erro de direito no âmbito civil está no art. 1.561, CC, o chamado casamento putativo, que é ato nulo, mas celebrado de boa-fé, como erro de fato (casar-se com a irmã, sem saber que era irmã) ou erro de direito, como casar com o colateral de 3º grau (tio ou sobrinho) sem saber que é proibido. 17 Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência – Coordenador Cezar Peluso, 9ª ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2015. 15 específica para o caso que está sendo analisado18. A Paz Social precisa de uma decisão por parte do juiz, que não pode negá-la. Assim, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípio gerais de direito. Perceba, desde já, que o uso da equidade não está previsto no art. 4º da LINDB. Assim, regra geral, o uso da equidade não será permitido, a menos que outro dispositivo legal expressamente preveja a aplicação da equidade. Diferentemente de integrar as normas, quando há lacuna ou inexistência de norma para o caso, pode acontecer de existir mais de uma norma para o mesmo caso concreto, o que se chama de ANTINOMIA (lacunas de colisão). Antinomia é a presença de duas ou mais normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto. Ambas as normas são vigentes, mas estãoem choque, pois regulam o mesmo caso, imputando-lhes soluções logicamente incompatíveis. Os critérios utilizados para a solução das antinomias normativas, como já mencionado, são: 1) Cronológico; 2) Especialidade; 3) Hierárquico. Se apenas a utilização de um dos critérios é suficiente para a solução do conflito de normas, diz-se que a antinomia é de 1º grau. Se dois critérios forem utilizados, a antinomia será de 2º grau. Se os critérios resolverem o conflito, se diz que a antinomia é aparente. Se o conflito não for resolvido pelos critérios acima, a antinomia é real. Na antinomia real, a solução será a utilização dos mecanismos de integração das lacunas da lei, previstos no art. 4º da LINDB. 7.1. Ordem prevista: analogia è costumes è princípios gerais de direito. A primeira indagação que surge é se a ordem prevista no art. 4º da LINDB deve ser rigorosamente seguida ou não. Numa visão clássica, a resposta é afirmativa: sim, devemos seguir esta ordem proposta. Este entendimento é ainda majoritário, defendido por Clóvis 18 Mas esta regra do amplo conhecimento do direito pelo juiz (narra mim factum, dabo tibi jus ou narra-me os fatos que eu te darei o direito), que fundamenta o non liquit, admite exceções, previstas no Novo CPC, art. 376: o juiz não conhecerá obrigatoriamente a lei quando se tratar de direito municipal (de outro município distinto de onde o juiz exerça sua jurisdição), estadual, estrangeiro ou consuetudinário. Entretanto, os países do Mercosul estabeleceram o Protocolo de Las Leñas, de cooperação jurídica, estabelecendo que as normas jurídicas dos países integrantes do Mercosul são presumidamente conhecidas pelos juízes destes países (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela). Os documentos destes países não precisam também de tradução juramentada para ter valor jurídico no Brasil. 16 Beviláqua, Washington de Barros Monteiro, Maria Helena Diniz, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, dentre outros19. Entretanto, modernamente, podemos até afirmar que esta sequência continua sendo a regra, mas nem sempre será obedecida, tendo em vista a força normativa e coercitiva que foi conferida aos princípios fundamentais após a CF/88. Para esta nova corrente, os princípios gerais do direito (viver honestamente, não lesar a ninguém, dar a cada um o que é seu) são identificados com os princípios fundamentais (como a dignidade da pessoa humana e a função social), que certamente não serão aplicados somente após a analogia e os costumes e, ainda, se não houver norma prevista para o caso concreto. Os princípios fundamentais são os fundamentos do próprio ordenamento e, por isso, têm aplicação imediata. A consagração da força normativa dos princípios fundamentais, principalmente após a CF/88, foi um dos maiores avanços do direito brasileiro. Assim, apesar de aparecerem como fontes normativas secundárias no ordenamento no art. 4º da LINDB, atualmente, a constitucionalização do direito civil promoveu um verdadeiro giro de Copérnico, elevando os princípios gerais do direito (identificados como princípios fundamentais) ao topo da pirâmide normativa, como fundamento de toda a ordem jurídica20. No Estado Democrático de Direito houve, deste modo, a transposição dos princípios gerais de direito para princípios constitucionais fundamentais. Portanto, atualmente, os princípios são normas primárias, verdadeiras chaves de leitura de todo o ordenamento, com eficácia normativa imediata (art. 5º, § 1º, CF), especialmente naqueles casos em que envolvem os direitos fundamentais da pessoa ou direitos da personalidade. Deste modo, pode-se dizer que a visão contemporânea do Direito Civil Brasileiro, que segue a escola do Direito Civil Constitucional, não considera mais ser obrigatória a aplicação dos mecanismos de integração da lei na ordem constante do art. 4º da Lei de Introdução. Tradicionalmente, para o Direito Civil, “os princípios constitucionais equivaleriam a normas políticas, destinadas ao legislador e, apenas excepcionalemente, ao intérprete, que delas poderia timidamente se utilizar, nos termos do art. 4º da LINDB, como meio de confirmação ou de legitimação de um princípio geral de direito. Mostra-se de evidência intuitiva o equívoco de tal 19 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 1: Lei de Introdução e Parte Geral/Flávio Tartuce – 12ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 32. 20 Notem que, neste raciocínio doutrinário, os princípios gerais do direito da LINDB são identificados com os chamados princípios fundamentais. Alguns doutrinadores defendem que, em verdade, não são a mesma coisa. Os princípios gerais do direito são aquelas máximas do direito, como não desejar ao outro o que não deseja para si. Já os princípios fundamentais são os preceitos normativos basilares, como o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento de todo o nosso ordenamento. Ademais, para estes autores, se os princípio gerais do direito fossem o mesmo que princípios fundamentais, não teríamos lacunas na lei, pois os princípios fundamentais possuem força normativa e podem (devem) ser aplicados diretamente ao caso concreto, em todas as situações. 17 concepção, ainda hoje difusamente adotada no Brasil, que acaba por relegar a norma constitucional, situada no vértice do sistema, a elemento de integração subsidiário, aplicável apenas na ausência de norma ordinária específica e após terem sido frustradas as tentativas, pelo intérprete, de fazer uso da analogia e de regra consuetudinária. Trata-se, em uma palavra, de verdadeira subversão hermenêutica. (...) Em síntese, compreendemos que aqueles que seguem a escola do Direito Civil Constitucional (Gustavo Tepedino, Daniel Sarmento, dentre outros), procurando analisar o Direito Civil a partir dos parâmetros constitucionais, realidade atual do Direito Privado Brasileiro, não podem ser favoráveis à aplicação da ordem constante do art. 4º da Lei de Introdução de forma rígida e obrigatória”21. Mas, como já alertado, o tema não é pacífico. Em sentido contrário, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald alertam para “não confundirmos os princípios gerais do direito com os princípios fundamentais do sistema jurídico. Estes (princípios fundamentais) são as normas jurídicas com conteúdo valorativo (axiológico), aberto, a ser preenchido no caso concreto, possuindo nítida força vinculante, normativa. É o exemplo de presunção de inocência no Direito Penal, do princípio da ampla defesa e do contraditório no Direito Processual ou da proteção do hipossuficiente no Direito do Trabalho. São, em palavras diretas, os valores adotados por um sistema jurídico, tendo força normativa e influenciando o sistema jurídico como um todo. Aqueles (os princípios gerais de direito) são meros mecanismos de preenchimento de lacunas, sem qualquer conteúdo valorativo e com características universais. Assim, os princípios gerais são os mesmos em qualquer sistema jurídico, inspirando métodos para colmatar vazios normativos. Nessa ordem de ideias, somente serão utilizados os princípios informativos quando houver um vazio normativo, isto é, quando não existir para um determinado caso concreto uma norma jurídica, seja uma norma-regra, seja uma norma princípio. Trocando em miúdos, somente serão utilizados os princípios gerais quando ausente um princípio fundamental”22. Particularmente, preferimos oposicionamento dos professores Flávio Tartuce e Gustavo Tepedino, para os quais há uma identificação entre princípios gerais do direito e princípios fundamentais, proporcionando uma alteração da regra do art. 4º da LINDB, no sentido de que os princípios são a base de nosso sistema jurídico e não mais apenas simples método de supressão de lacunas. Mas repita-se, tal tema ainda é bastante polêmico doutrinariamente. 21 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 1: Lei de Introdução e Parte Geral/Flávio Tartuce – 12ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 33. 22 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 92. 18 7.2. Analogia. A analogia é a aplicação de um a norma próxima, quando não há norma específica prevista para um determinado caso concreto. É a aplicação às hipóteses semelhantes de soluções oferecidas pelo legislador para casos análogos23. Exemplo1: o art. 499 do CC/02 diz que é lícita a venda de bens entre cônjuges24 quanto aos bens excluídos da comunhão. Já em relação aos companheiros não temos norma específica, motivo pelo qual devemos aplicar, por analogia, o art. 499, CC. Exemplo2: o exemplo clássico na doutrina antes do advento do CC/02 era a incidência do Decreto-lei nº 2.681/12, que regulava a responsabilidade civil das empresas de transporte em estradas de ferro. Tal decreto previa a responsabilidade civil objetiva das empresas de estradas de ferro e, por analogia, passou-se a prever a responsabilidade civil objetiva também para as empresas de transporte em bondes, ônibus, caminhões, automóveis. Frise-se que não há mais necessidade de socorro à analogia para tais casos, eis que o CC/02 traz o transporte como contrato típico, consagrando a responsabilidade objetiva do transportador, de um modo geral (art. 734 – transporte de pessoas – e art. 750 – transporte de coisas). Em Direito Penal e em Direito Tributário é importante observar que o uso da analogia só será admitido in bonan partem, ou seja, só será admitida para favorecer o réu ou o contribuinte. 7.3. Costumes. O costume é a prática de uso reiterado, com conteúdo lícito (convicção de estar-se seguindo a norma jurídica). Assim, além da reiteração (elemento objetivo) é preciso que o seu conteúdo seja lícito (elemento subjetivo). A aplicação/uso do costume pode ser: ⇒ Contra Legem. O descumprimento das normas alegando costume é prática de um ato ilícito. ⇒ Secundum Legem (segundo a lei). É quando a própria lei prevê expressamente a utilização do costume (usos habituais do lugar) na solução do conflito (v.g., arts. 13, 187 e 445, § 3º, CC/02). 23 Existem alguns limites à integração analógica no Direito Penal, onde só se admite a analogia para beneficiar o réu (in bonam partem), não se admitindo a aplicação de sanções por analogia. No Direito Tributário também não é possível a cobrança de tributos através da analogia. 24 Em regra, o regime de bens do casamento é o mesmo da união estável, ou seja, o regime da comunhão parcial de bens – arts. 1.640 e 1.725, CC. 19 Tecnicamente, não há integração normativa na aplicação dos costumes Secundum legem, uma vez que a própria norma jurídica é aplicada. Há o que a doutrina chama de subsunção, ou interpretação extensiva, quando ocorre apenas a ampliação do sentido. ⇒ Praeter Legem (na falta da lei). Estes é realmente o uso dos costumes que, de fato, serve como mecanismo de colmatação da norma. Ocorrerá quando a lei for omissa e o magistrado não puder preencher a lacuna por analogia, poderá dirimir o conflito através dos usos e costumes de um determinado lugar. Exemplo: reconhecimento da validade do cheque pós-datado (ou pré-datado). Como não há lei proibindo a emissão de cheque com data para depósito, e tendo em vista as práticas comerciais, reconheceu-se a possibilidade de quebrar com a regra pela qual esse título de crédito é ordem de pagamento à vista. Tanto isso é verdade que a jurisprudência reconhece o dever de indenizar quando o cheque é depositado antes do prazo assinalado. Súmula 370, STJ: caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado. Outro exemplo de uso do costume praeter legem: dois fazendeiros pretendem cercar a área limítrofe entre suas fazendas. Só que um dos fazendeiros quer passar 4 fios de arame na cerca e o outro quer passar apenas 4 fios. Não há lei específica sobre tal situação, devendo o juiz aferir quais os costumes da região, se é a utilização de 3 ou 4 fios de arame farpado. 7.4. Princípio gerais de Direito. Confrontados com as outras normas jurídicas, percebe-se, como já visto, que os princípios são mais amplos, abstratos, muitas vezes com posição definida na própria Constituição Federal. O próprio art. 5º da Lei de Introdução traz um princípio importante: o fim social da norma. O magistrado, na aplicação da lei, deve ser guiado pela sua função social ou pelo objetivo de alcançar o bem comum (pacificação social). A aplicação de princípios já está prevista como forma de integração de norma no direito desde o Direito Romano (mandamentos do direito romano): honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere, traduzindo, viver honestamente, não lesar a ninguém, dar a cada um o que é seu. Até os dias de hoje, alguns julgamentos se fundamentam em tais princípios, como o suum cuique tribure (dar a cada um o que é seu), usado para resolver ações de cobrança, quando há um enriquecimento desproporcional e ilícito. 20 Para um princípio jurídico ser aplicado ele não precisa necessariamente estar expresso na norma. Exemplo: princípio da função social do contrato está expressamente previsto no CC/02 (art. 421 e 2.035, parágrafo único), mas não está no Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou na CLT. Entretanto, nada impede que tal princípio seja aplicado nas relações de consumo e trabalhistas. Oportuno ressaltar que a doutrina tradicional, com já mencionado, diferencia os Princípios Gerais do Direito (informativos) com os Princípios Fundamentais do Direito. Os princípios gerais ou informativos são chamados também de postulados e são não valorativos, não possuindo força normativa. Já os Princípios Fundamentais são normas jurídicas, possuindo força normativa. Sobre o assunto, ver a obra prima Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, do Professor Humberto Ávila, da Malheiros Editores. 7.5. Equidade. A equidade pode ser conceituada como sendo o uso do bom-senso, o virtuoso, a justiça no caso particular, mediante a adaptação razoável da lei ao caso concreto. A equidade ultrapassa o direito escrito para ir ao encontro de um ideal de justiça distributiva. A equidade é carregada, portanto, com grande subjetivismo, pois será plasmada pelos ideais individuais de justiça, que mudam de pessoa para pessoa. A doutrina tradicional não entendia a decisão por equidade como meio de integração de normas, como meio supletivo de suprir a lacuna da lei, mas sim como mero meio de auxiliar a sua aplicação. Veja que a LINDB não traz a equidade no rol do art. 4º. O uso da equidade ou da “justiça do caso concreto” só é admitido quando a lei expressamente consignar a possibilidade do seu uso pelo juiz (art. 140, parágrafo único, NCPC), ou seja, atualmente a equidade deve ser considerada fonte informal ouindireta do direito, podendo ser aplicada excepcionalmente, repita-se, somente quando a lei expressamente permitir, tendo em vista o seu alto grau de subjetivismo. A equidade poderá ser legal, quando a norma permite ao juiz diversas soluções, entre duas ou mais possíveis (art. 1.584, § 5º, CC), ou judicial, quando não há opções de solução, mas uma cláusula aberta, um espaço, que lhe permite julgar da melhor forma (art. 1.740, II, CC). Exemplos de utilização da equidade expressamente prevista em lei: Ø art. 15, da Lei nº 5.478/68 (lei de alimentos) – estabelece regras para a fixação do quantum da pensão alimentícia através do critério equitativo; 21 Ø Art. 85, § 8º, NCPC – autoriza o juiz a utilizar a equidade na fixação de verba honorária devida pelo vencido na ação. Ø Art. 413, CC – determina que o juiz reduza, equitativamente, o valor da cláusula penal (multa), quando a obrigação foi cumprida em parte, reduzindo a cláusula penal contratual atendendo à função social. Observe que o CC usa a expressão o juiz “deve” reduzir e não “pode” reduzir; Ø Arts. 7º e 51, CDC, equidade em favor do consumidor; Ø Art. 8º, CLT, equidade em favor do trabalhador; Ø Art. 11, II da Lei nº 9.307/96 – Lei de arbitragem; Ø Art. 944, parágrafo único, CC, que afirma que o juiz poderá reduzir equitativamente o valor da indenização, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, saindo da regra geral que é calcular a indenização pela extensão do dano (art. 944, caput, CC). Terminando este ponto, no que toca a interpretação da norma (art. 5º, LINDB), o julgador atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Interpretar as normas de acordo com os seus fins sociais é a chamada interpretação teleológica ou sociológica. Deste modo, ao concluir a interpretação de uma norma, o intérprete pode entender que a norma deve ter sua aplicação ampliada ou restringida. Em algumas situações, a interpretação da norma deve ser sempre restritiva, como as normas que estabeleçam fiança, aval, privilégio, sanção ou renúncia (art. 114, 819, CC etc). 8. Aplicação da norma jurídica no tempo (art. 6º da LINDB). A norma jurídica é criada para valer “a partir de”, ou seja, no presente e no futuro, não no passado. De outro modo, pode-se dizer que lei nova é não-retroativa. Apenas eventualmente ela pode atingir fatos passados, desde que esteja de acordo com os parâmetros da LINDB e da CF/88. A lei nova é aplicável de forma imediata e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. O art. 5º, XXXVI, da CF/88, traz implícito o princípio da segurança jurídica: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Assim: Regra geral è Irretroatividade. Exceção è retroatividade, desde que prevista em lei. 22 ü Exemplo 1: a lei penal benéfica ao réu, segundo próprio mandamento constitucional (art. 5º, XL) deverá retroagir. ü Exemplo 2: com frequência, no serviço público surgem leis que fixam, expressamente, subsídios com efeitos retroativos. ü Exemplo 3: os preceitos relacionados com a função social do contrato e da propriedade podem retroagir, sendo aplicados às convenções e negócios celebrados na vigência do Código Civil anterior, por expressa disposição do art. 2.035, § único, CC/02 (princípio da retroatividade motivada ou justificada). Não devemos confundir retroatividade da lei com ultratividade da lei, que é a sua aplicação mesmo após a sua revogação. A ultratividade é mais utilizada no Direito Penal, para beneficiar o réu. No Direito Civil, aplica-se a ultratividade da norma em alguns casos apenas, como no previsto na Súmula 112, STF, que prevê que a alíquota do imposto de transmissão “causa mortis” – ITCMD, deve ser aquela vigente ao tempo da abertura da sucessão. 8.1. Ato Jurídico Perfeito (§ 1º). O ato jurídico perfeito é a manifestação de vontade lícita, aperfeiçoada, emanada por quem esteja em livre disposição de seus direitos e deveres. É aquele ato consumado de acordo com a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Exemplo: um contrato celebrado que já tenha produzido todos seus efeitos. Não devemos confundir o ato jurídico perfeito com o ato jurídico continuativo (ato de trato sucessivo). Sobre o assunto, ver art. 2.035, CC, que determina que, em se tratando de ato jurídico continuativo (de trato sucessivo), a sua existência e validade estarão vinculadas à norma do tempo de sua celebração, ao passo que sua eficácia estará sujeita à norma atual. Assim, por exemplo, um casamento ou contrato celebrado antes do Código Civil de 2002 terão a sua existência e validade regulados pelo Código Civil de 1916, mas terá a eficácia (efeitos) regulada de acordo com o CC atual. 8.2. Direito adquirido (§ 2º). É o direito material ou imaterial já incorporado no patrimônio de uma pessoa natural, jurídica ou ente despersonalizado. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha tempo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem (§ 2º, art. 23 6º). Os benefícios previdenciários podem ser dados como exemplo. Assim, se alguém já completou os prazos legais para pleitear aposentadoria, mas entre o pedido da concessão da aposentadoria e o efetivo início do gozo do benefício houver modificação nas regras de aposentadoria, aumentando o prazo para que possa pedir o benefício, tal aumento não atingirá quem já havia completado o prazo anteriormente previsto. O conceito de direito adquirido é fundamentalmente patrimonial. Não existe, por exemplo, direito adquirido a um determinado regime jurídico. Assim, um servidor público não pode alegar que tem “direito adquirido” ao regime jurídico que regia a sua relação com o Estado. O STF também vem alegando que não se pode alegar direito adquirido em face do poder constituinte originário (ou até mesmo o derivado). 8.3. Coisa Julgada (§ 3º). É a decisão judicial prolatada da qual não cabe mais recurso25. De um modo geral, podemos dizer que a proteção das 3 categorias (ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada) é praticamente absoluta. Entretanto, modernamente, devemos chamar a atenção para o fato de que há uma forte tendência material e processual em apontar a relativização da coisa julgada, particularmente nos casos envolvendo investigação de paternidade julgadas improcedentes por ausências de provas em momento em que não existia o exame de DNA. A nova propositura da ação de investigação de paternidade, havendo prova nova, é plenamente possível, ainda que aquela já tenha sido atingida pela coisa julgada. Através da técnica de ponderação de valores, desenvolvida por Robert Alexy, dentre outros autores, podemos chegar a decisões que relativizem uns princípios em face de outros. No caso acima, da investigação de paternidade em processo já julgado improcedente por falta de provas, estão em ponderação o princípio da proteção da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana, do suposto filho (art. 1º, III, CF). Na colisão destes dois princípios, o STJ e o STF posicionaram-se favoravelmente ao segundo, mitigando a coisa julgada. 25 Oportuno ressaltar o elemento caracterizador da coisa julgada é a impossibilidade de interposição de recurso e não o decurso do prazo para ajuizamentode ação rescisória. A ação rescisória destina-se justamente desconstituir a coisa julgada já existente, sendo esta requisito indispensável à propositura da mencionada ação. Trocando em miúdos, somente é possível ajuizar com uma ação rescisória quando se pretende rescindir uma sentença que já tenha produzido coisa julgada. 24 9. Aplicação da norma jurídica no espaço (arts. 7º a 19 da LINDB). Estes artigos (arts. 7º a 19) trazem regras de Direito Internacional Público e Privado, motivo pelo qual esta matéria interessa mais a estes ramos jurídicos. Faremos aqui apenas os comentários que interessam ao nosso ramo, Direito Privado. Em função da soberania dos países, a norma possui aplicação dentro dos limites territoriais do próprio país, como regra. Em outras palavras, os marcos de incidência são as fronteiras do ente que editou a norma: princípio da territorialidade, que é a regra geral. Não só os limites físicos do Estado sujeitam-se ao princípio, estendendo-se aos seus consulados, embaixadas, navios de guerra e mercantes que estejam em águas territoriais ou em alto-mar. Mas o princípio da territorialidade é, em verdade, moderado, mitigado em certos casos, pois admite-se situações em que se deve aplicar as normas estrangeiras no Brasil ou normas brasileiras fora do Brasil. Em tais casos, denomina-se: princípio da extraterritorialidade, que pode ainda ser incondicionado ou condicionado. 9.1. Art. 7º - lex domicilli, para as regras da personalidade, nome, capacidade e direitos de família. A regra do lex domicilli está consagrada no art. 7º, da LINDB, segundo a qual devem ser aplicadas, no que concerne ao começo e fim da personalidade, as normas do país em que a pessoa for domiciliada (estatuto pessoal). O critério adotado pela LINDB para o direito de família (também para as regras sucessórias, como veremos no estudo do art. 10, LINDB, e para a personalidade, o nome, a capacidade), não é o do jus sanguinis, ligado à nacionalidade dos pais, independentemente do local do nascimento da pessoa. O critério adotado é o jus domicilii, segundo o qual a norma a ser aplicada é aquela vigente no local de domicílio da família, observando-se o local onde ela se estabeleceu com ânimo definitivo. Esta regra vale, como dito, para os casos que versarem sobre: o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. Entretanto, quando a pessoa não tiver domicílio certo, como no caso dos ciganos, moradores de rua, circenses etc, considerar-se-á domiciliada no lugar em que se encontre (art. 73, CC). As regras quanto à aplicação das normas ao casamento também estão previstas nos parágrafos do art. 7º, da LINDB. Celebrado o casamento no Brasil, devem ser aplicadas as regras brasileiras quanto aos impedimentos 25 matrimoniais (os impedimentos matrimoniais, em espécie, estão no art. 1.521, CC/02). O casamento entre estrangeiros pode ser celebrado no Brasil, perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes (art. 7º, § 2º, LINDB). Caso os nubentes tenham domicílios diversos, deverão ser aplicadas as regras, quanto à invalidade do casamento, do primeiro domicílio conjugal (art. 7º, § 3º). Esta norma é para regular as situações em que os cônjuges residam em países diferentes ao tempo da celebração do matrimônio. De acordo com a norma, as hipóteses de anulação do casamento, por exemplo, serão aquelas previstas na lei vigente no pais em que o casal fixar o seu primeiro domicílio após as núpcias. Quanto às regras matrimoniais relativas ao regime de bens, seja ele de origem legal ou convencional, deverá ser aplicada a lei do local em que os cônjuges tenham domicílio. Em havendo divergência quanto aos domicílios, prevalecerá o primeiro domicílio do casal (art. 7º, § 4º). Oportuno observar que, após a Emenda do Divórcio (EC 66/2010), o lapso temporal estabelecido no art. 7º, § 6º, da Lei de Introdução (um ano), assim como todos os prazos mínimos para a concessão do divórcio foram banidos do nosso sistema jurídico. Este é o entendimento do STJ. 9.2. Art. 8º - lex rei sitiae. No que se refere aos bens, a LINDB prevê que deve ser aplicada a norma do país em que esses se situam. Se aplica a lex rei sitiae para os bens imóveis, bens móveis permanentes e todos os direitos reais (à exceção do penhor, pois é direito real de garantia sobre bens móveis). Quanto aos bens móveis carregados pelo proprietário e ao penhor, aplica-se a lei do país em que ele for domiciliado (mobília sequntur personam). 9.3. Art. 9º - locus regit actum. Ao tratar das obrigações, a Lei de Introdução consagra a regra de que deve ser aplicada a lei do local em que as obrigações foram constituídas. Ler artigo. Os parágrafos 1º e 2º do art. 9º, LINDB, trazem as duas mitigações à regra geral. Quanto ao parágrafo 2º do art. 9º, devemos entender que esta regra se aplica aos contratos internacionais (lugar em que residir o proponente) ao 26 passo que devemos aplicar o art. 435, CC/02 para os contratos nacionais (lugar em que o contrato foi proposto). 9.4. Art. 10 – lex domicilli, para a sucessão por morte. A sucessão por morte ou por ausência obedece à norma do país do último domicílio do de cujus, corroborando o disposto no art. 1.785, CC/02. As regras e vocação hereditária para suceder bens de estrangeiro situados no nosso País serão as nacionais, desde que não sejam mais favoráveis ao cônjuge e aos filhos do casal as normas do último domicílio (art. 10, § 1º, LINDB). Para fazer o inventário de bens situados no Brasil, lembre-se de que somente o juiz brasileiro é competente para tal ato, de acordo com o art. 23 do NCPC, mesmo que os bens sejam de estrangeiro. 9.5. Art. 11 – regras quanto às sociedades e fundações. Tal dispositivo trata das sociedades e fundações particulares estrangeiras. Para estes casos, o Brasil fez a opção pela aplicação das normas vigentes no local da constituição da sociedade ou fundação, pouco importando a lei do lugar onde se dá o exercício de sua atividade26. Assim, quando se tratar de pessoa jurídica de direito privado, os sócios podem ter nacionalidade e domicílio diversos, como também haver subscrição do capital social em vários Estados. Diante destas situações, a LINDB manda a aplicar o direito que vigorar no local da constituição da sociedade e da fundação de caráter privado. Observação. A regulação das sociedades nacionais está nos arts. 1.126 a 1.133, CC, enquanto que as sociedades internacionais têm sua regulamentação entre os arts. 1.134 a 1.141, CC. Já o parágrafo 2º, do art. 11, da LINDB, trata de restrições às pessoas jurídicas de direito público externo quanto à aquisição, ao gozo e ao exercício de direito real no território nacional. Deste modo, as pessoas jurídicas de direito público externo são, por lei, absolutamente incapazes para adquirir a posse ou a propriedade de imóvel situado no Brasil ou de bens suscetíveis de 26 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro interpretada. 18ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 363 27 desapropriação, como direitos autorais, patentes de invenção, direitos reais sobre a coisa alheia de fruição27. Entretanto, o art. 11, § 3º, abre exceção ao parágrafo anterior, permitindo a aquisição de imóveis situados no Brasil por pessoas jurídicas de direito público estrangeiro, desde que sejam destinados às sedes dos representantes diplomáticos ou agentes consulares. A exceção vale,portanto, apenas àqueles imóveis imprescindíveis à prestação dos serviços diplomáticos. 9.6. Art. 12 – competência da autoridade brasileira. Ø É competente a autoridade judiciaria brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação; Ø Só à autoridade judiciaria brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. Atenção aqui a dois pontos: a) Parágrafo 1º – quanto aos imóveis situados no Brasil, a competência da autoridade judiciaria brasileira é absoluta (art. 23, I, NCPC). b) Parágrafo 2º – o exequatur (ou “cumpra-se”) relacionado com uma sentença estrangeira é homologado no STJ, de acordo com a nova redação dada ao art. 105, CF/88, pela EC 45/2004 (antes era atribuição do STF). Para que o STJ dê o exequatur28, a parte interessada deve comprovar que houve o trânsito em julgado da sentença, que esta é compatível com o ordenamento interno e que ainda sejam observadas as regras processuais dispostas entre os arts. 961 a 965 do NCPC. Assim, por exemplo, uma sentença que preveja pena de morte no exterior, não poderá ter o “cumpra-se” aqui no Brasil, posto que não compatível com nosso ordenamento. Entretanto, se alguém contrai dívida de jogo em Las Vegas, Estados Unidos, onde a execução de dívida de jogo é permitida, e não paga, vindo para o Brasil, tal dívida poderá ser aqui cobrada. Não poderia ser cobrada aqui se a dívida tivesse sido contraída aqui em nosso ordenamento, que proíbe a execução de dívida de jogo. Mas nosso ordenamento permite a cobrança de uma dívida contraída legalmente, o que possibilitaria a execução de uma dívida contraída em estado estrangeiro que a permite. Por fim, uma vez concedido o exequatur, a sentença estrangeira será cumprida por juiz federal de primeira instância (art. 109, X, CF). 27 Idem, p. 374 28 Observação. A lei 12.036/2009 revogou o parágrafo único do art. 15 da LINDB, que dizia que a sentença meramente declaratória não precisaria do exequatur. Entretanto, com sua revogação, até as sentenças meramente declaratórias precisam do “execute-se” 28 9.7. Art. 13 e 14 – ônus probatório de fato ocorrido no exterior. O art. 13, LINDB, se refere à prova dos fatos ocorridos no estrangeiro. Assim, para se determinar de qual parte deva ser o ônus da prova de determinado fato ocorrido no estrangeiro, deve-se recorrer a lei do local onde o fato ocorreu. Assim também, os meios de prova a serem admitidos devem ser aqueles permitidos na lei do local onde o fato ocorreu ou o ato foi celebrado. Percebe-se então que o ônus da prova e os meios de prova regular-se-ão pela norma vigente no Estado onde se passou o fato. Entretanto, o modo de produção dessas provas em juízo, por pertencerem à ordem processual, reger-se-á pelo nosso direito, caso a ação se processe em jurisdição brasileira. Entretanto os tribunais brasileiros não admitirão espécies de prova que nosso ordenamento desconheça. Assim, se a lei alienígena permitir a prova de venda de imóvel com valor acima de 30 salários mínimos por instrumento particular, o juiz brasileiro não poderá aceitar o instrumento particular como meio probatório. Já o art. 14, LINDB, determina que não conhecendo a lei estrangeira, o juiz poderá exigir de quem a invoca prova do texto e de sua vigência. O direito nacional não precisará ser alegado nem provado pelos interessados. Entretanto, se o juiz entender que, no caso, deva ser aplicada norma estrangeira, pode pedir a cooperação das partes para que tragam à juízo a respectiva norma. 9.8. Arts. 15 e 16 - requisitos para execução no Brasil de sentença estrangeira. A sentença estrangeira não pode ser diretamente executada no Brasil por não ter sido proferida por autoridade brasileira. Assim, para poder ser executada no Brasil, tal sentença precisará ser submetida a apreciação pela jurisdição local, para só assim poder produzir seus efeitos. A esta “aprovação” da sentença estrangeira se confere o nome de exequatur. O juízo de deliberação de sentença estrangeira será regulado pelos arts. 960 a 965, do Novo CPC, para as demandas cíveis e pelo art. 787, CPP, para as lides penais, devendo, nos dois casos, obedecer ainda aos requisitos do art. 15, da LINDB. 29 Já o art. 16, LINDB, trata da vedação ao retorno, pela qual a norma de direito internacional privado deve ser aplicada ainda que esta remeta a causa à jurisdição brasileira. Esta norma tenta evitar o chamado conflito negativo de jurisdição, que ocorre quando a norma de direito internacional privado de um Estado estabelece a competência de outro país, ao passo que a norma de direito internacional privado deste último país ordena que se aplique o direito do primeiro Estado. Exemplo: na determinação da capacidade de um inglês domiciliado na Alemanha. Levada a ação ao foro inglês, aplicar-se-á a norma alemã, por estar a pessoa domiciliada na Alemanha e por mandar a norma de direito internacional inglesa praticar a lei do domicílio (lex domicilii). Entretanto, se a lide se processar no tribunal alemão, este indicará como competente a lei inglesa, pois a norma de direito internacional privado alemão ordena a aplicação da lei nacional, já que o interessado é de nacionalidade inglesa. Temos então um conflito negativo29. Outro exemplo: um juiz brasileiro tem de apreciar a capacidade de um brasileiro domiciliado em Portugal. O art. 7º, LINDB, determina que, nesse caso, deve ser aplicada a lei domiciliar (lex fori), portanto a lei portuguesa, pouco importando que alei de direito internacional privado de Portugal venha a submeter, em retorno, à lei brasileira, a decisão do caso. 9.9. Art. 17 – vedação de eficácia de leis estrangeiras contrárias ao nosso ordenamento. De acordo com as regras estudadas até então, é possível que a lei estrangeira seja aplicada no Brasil, excepcionalmente. Entretanto, se tal norma vier a contrariar a ordem pública, a soberania nacional e os bons costumes, tal norma não terá eficácia no Brasil, devendo ser aplicada a norma nacional. 9.10. Art. 18 – casamento de brasileiro no exterior. Tratando-se de brasileiros que estão no exterior, ainda que sejam domiciliados no Brasil, as autoridades consulares brasileiras são competentes para lhes celebrar casamento, exercer funções de tabelião e de oficial de registro civil de atos acontecidos no estrangeiro. Estamos diante de uma caso de aplicação da norma no espaço de acordo com a territorialidade mitigada, pois aplicar-se-á a lei brasileira no estrangeiro. Esta excepcional possibilidade de aplicação da lei brasileira pelas autoridades consulares, mesmo no exterior, teve redação alterada pela Lei 12.874/2013, que acrescentou o parágrafo primeiro ao art. 18 da LINDB, permitindo que as 29 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro interpretada. 18ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 446. 30 autoridades consulares brasileiras possam celebrar a separação consensual e o divórcio, não havendo filhos menores ou incapazes do casal, desde que as partes estejam assistidas de advogado. Neste caso, os cônsules estarão aplicando a lei brasileira em território estrangeiro. 9.11. Art. 19 – validade de atos praticados por cônsules brasileiros no exterior. Este dispositivo é uma regulamentação do artigo anterior. Importante notar que, assim como os anteriores, tal dispositivo não exige que os brasileirossituados no exterior tenham domicílio no Brasil ou em terras alienígenas para terem seus pedidos processados pelas autoridades consulares brasileiras. Basta apenas se tratar de brasileiro. Bibliografia. AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. - 7. ed. rev., atual. e aum. – Rio de Janeiro: Renovar, 2008. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume I: Teoria Geral do Direito Civil – 27. Ed.- São Paulo: Saraiva, 2010. __________, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro interpretada. 18ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2015. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 12. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva: 2010. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil – 20. ed. atual. de acordo como o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. 3ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado: Parte Geral (arts. 1° a 232). – 2. ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2004. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Volume 1 – Parte Geral. 34. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4ª edição, rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 1: Lei de Introdução e Parte Geral/Flávio Tartuce – 12ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016. Questões de concurso. 01) (Ano: 2014. Órgão: DPE-PR. Prova: Defensor Público). Acerca da Lei de 31 Introdução às Normas do Direito Brasileiro, considere as seguintes afirmativas: 1. Os princípios gerais de direito, estejam ou não positivados no sistema normativo, constituem-se em regras estáticas carecedoras de concreção e que têm como função principal auxiliar o juiz no preenchimento de lacunas. 2. De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, o efeito repristinatório da lei revogadora de outra lei revogadora é automático e imediato sobre a velha norma abolida, prescindindo de declaração expressa de lei nova que a restabeleça. 3. A revogação de uma norma por outra posterior tem por espécies a ab-rogação e a derrogação, e pode ser expressa ou tácita, sendo que, neste último caso, é obrigatório conter, na lei nova, a expressão “revogam-se as disposições em contrário”. 4. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados os atos jurídicos consumados, mesmo que nulos. 5. A cessação da eficácia de uma lei não corresponde à data em que ocorre a promulgação ou publicação da lei que a revoga, mas sim à data em que a lei revocatória se tornar obrigatória. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras. b) Somente as afirmativas 2 e 5 são verdadeiras. c) Somente as afirmativas 1 e 5 são verdadeiras. d) Somente as afirmativas 3, 4 e 5 são verdadeiras. e) Somente as afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras. 02) (Ano: 2012. Banca: FEPESE. Órgão: DPE-SC. Prova: Defensor Público). Sobre a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, é correto afrmar: A) A lei revogada se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. B) As correções a texto de lei já em vigor não se consideram lei nova. C) A lei posterior revoga a anterior apenas quando expressamente o declare. D) A lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de ofcialmente publicada e se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo continua correndo da primeira publicação. E) Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fxo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. 32 Gabarito: 1- C 2- E
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