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Clóvis Beviláqua: direito das coisas “é o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é possível exercer o poder de domínio”. É o ramo do Direito Civil que tem como conteúdo relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis. Coisa: é o gênero do qual bem é espécie. É tudo o que existe objetivamente, com exclusão do homem. Bens: são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico. Somente interessam ao direito coisas suscetíveis de apropriação exclusiva pelo homem, sobre as quais possa existir um vínculo jurídico, que é o domínio. O direito das coisas resume-se em regular o poder dos homens, no aspecto jurídico, sobre os bens e os modos de sua utilização econômica. O direito das coisas (CC, Livro III) trata do direito real pleno, isto é, da propriedade, tendo por objeto coisa móvel ou imóvel corpórea, do próprio titular; e dos direitos reais limitados, incidentes sobre coisa alheia. A respeito dos direitos reais, da obra clássica de Orlando Gomes, devidamente atualizada por Luiz Edson Fachin, podem ser retiradas duas teorias justificadoras: a) Teoria personalista – teoria pela qual os direitos reais são relações jurídicas estabelecidas entre pessoas, mas intermediadas por coisas. Segundo Orlando Gomes, “a diferença está no sujeito passivo. Enquanto no direito pessoal, esse sujeito passivo – o devedor – é pessoa certa e determinada, no direito real seria indeterminada, havendo nesse caso uma obrigação passiva universal, a de respeitar o direito – obrigação que se concretiza toda vez que alguém o viola”. Essa teoria nega realidade metodológica aos Direitos Reais e ao Direito das Coisas, entendidas as expressões como extensões de um campo metodológico. b) Teoria realista ou clássica – o direito real constitui um poder imediato que a pessoa exerce sobre a coisa, com eficácia contra todos (erga omnes). O direito real opõe-se ao direito pessoal, pois o último traz uma relação pessoa-pessoa, exigindo-se determinados comportamentos. A última teoria parece ser a que melhor explica o fenômeno. O direito das coisas, como visto, trata das relações jurídicas concernentes aos bens corpóreos suscetíveis de apropriação pelo homem. Incluem-se no seu âmbito somente os direitos reais. Faz-se mister, portanto, estabelecer a distinção entre direitos reais e pessoais, para delimitar e precisar o objeto do direito das coisas. Segundo a concepção clássica, o direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. No polo passivo incluem-se os membros da coletividade, pois todos devem abster-se de qualquer atitude que possa turbar o direito do titular. No instante em que alguém viola esse dever, o sujeito passivo, que era indeterminado, torna-se determinado. Os direitos reais têm como elementos essenciais: o sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do sujeito sobre a coisa, chamado domínio. O direito pessoal, por sua vez, consiste numa relação jurídica pela qual o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo determinada prestação. Constitui uma relação de pessoa a pessoa e tem, como elementos, o sujeito ativo, o sujeito passivo e a prestação. DIREITOS REAIS DIREITOS PESSOAIS PATRIMONIAIS Relações jurídicas entre uma pessoa (sujeito ativo) e uma coisa. O sujeito passivo não é determinado, mas é toda coletividade (sujeito passivo universal). Relações jurídicas entre uma pessoa (sujeito ativo – credor) e outra (sujeito passivo – devedor) Princípio da publicidade (tradição e registro) Princípio da autonomia privada (liberdade) Efeitos erga omnes. Os efeitos podem ser restringidos. Efeitos inter partes. Há um tendência de ampliação dos efeitos. Rol taxativo (numerus clausus), segundo a visão clássica- art. 1.225, CC. Rol exemplificativo (numerus apertus)- art. 425, CC- criação de contratos atípicos. A coisa responde (direito de sequela) Os bens do devedor respondem (princípio da responsabilidade patrimonial) Caráter permanente. Instituto típico: Propriedade. Caráter transitório, em regra. Instituto típico: Contrato. A disciplina dos direitos reais observa, dentre outros, os princípios adiante elencados, que traçam o seu perfil e norteiam a sua disciplina, enfatizando as suas características próprias, que os distinguem dos direitos pessoais ou obrigacionais: Princípio da aderência, especialização ou inerência; Princípio do absolutismo; Princípio da publicidade ou da visibilidade; Princípio da taxatividade ou numerus clausus; Princípio da tipicidade; Princípio da perpetuidade; Princípio da exclusividade; Princípio do desmembramento. O aludido princípio estabelece um vínculo, uma relação de senhoria entre o sujeito e a coisa, não dependendo da colaboração de nenhum sujeito passivo para existir. O direito real gera, pois, entre a pessoa e a coisa uma relação direta e imediata. No direito real, todavia, a pessoa do devedor, se existe, é secundária ante a primordial importância da res. É com esta que o vínculo jurídico se apega, de tal sorte que o titular do direito pode reivindicar a coisa, onde quer que ela se encontre, seja quem for o devedor Tal princípio é encontrado no art. 1.228 do Código Civil, que faculta ao proprietário usar, gozar e dispor da coisa, e reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, bem como nos diversos direitos reais, de acordo com a função desempenhada por cada qual. Os direitos reais se exercem erga omnes, ou seja, contra todos, que devem abster-se de molestar o titular. Surge, daí, o direito de sequela ou jus persequendi, isto é, de perseguir a coisa e de reivindicá-la em poder de quem quer que esteja (ação real), bem como o jus praeferendi ou direito de preferência. Os direitos reais sobre imóveis só se adquirem com o registro, no Cartório de Registro de Imóveis, do respectivo título (CC, art. 1.227). Sendo oponíveis erga omnes, faz-se necessário que todos possam conhecer os seus titulares, para não molestá-los. Os que recaem sobre móveis só se adquirem depois da tradição (CC, arts. 1.226 e 1.267). O registro e a tradição atuam como meios de publicidade da titularidade dos direitos reais. A lei enumera de forma taxativa os direitos reais, não ensejando, assim, aplicação analógica da lei. O número dos direitos reais é, pois, limitado, taxativo, sendo assim considerados somente os elencados na lei (numerus clausus). O art. 1.225 do Código Civil enumera, além da propriedade, mais onze (superfície, servidões, usufruto etc.). São direitos reais não apenas os apontados no dispositivo em apreço, mas também outros disciplinados de modo esparso no mesmo diploma e os instituídos em diversas leis especiais. REQUER UMA LEITURA MAIS APROFUNDADA. Os direitos reais existem de acordo com os tipos legais. São definidos e enumerados determinados tipos pela norma, e só a estes correspondem os direitos reais, sendo, pois, seus modelos. Somente os direitos “constituídos e configurados à luz dos tipos rígidos (modelos) consagrados no texto positivo é que poderão ser tidos como reais. Estes tipos são previstos pela lei de forma taxativa”. A propriedade é um direito perpétuo, pois não se perde pelo não uso, mas somente pelos meios e formaslegais: desapropriação, usucapião, renúncia, abandono etc. Não pode haver dois direitos reais, de igual conteúdo, sobre a mesma coisa. Duas pessoas não ocupam o mesmo espaço jurídico, deferido com exclusividade a alguém, que é o sujeito do direito real. Assim, não é possível instalar-se direito real onde outro já exista. No condomínio, cada consorte tem direito a porções ideais, distintas e exclusivas. É certo que, nos direitos reais sobre coisas alheias, há dois sujeitos: o dono e o titular do direito real. Mas, em razão do desmembramento da propriedade, cada um deles exerce, direta e imediatamente, sobre a coisa, direitos distintos, vale dizer, sem a intermediação do outro. No caso do usufruto, por exemplo, o usufrutuário tem direito aos frutos, enquanto o nu-proprietário conserva o direito à substância da coisa. Conquanto os direitos reais sobre coisas alheias tenham normalmente mais estabilidade do que os obrigacionais, são também transitórios, pois, como exposto, desmembram-se do direito-matriz, que é a propriedade. Quando se extinguem, como no caso de morte do usufrutuário, por exemplo, o poder que existia em mão de seus titulares retorna às mãos do proprietário, em virtude do princípio da consolidação. Este, embora seja o inverso daquele, complementa-o e com ele convive. A doutrina menciona, com efeito, a existência de algumas figuras híbridas ou intermédias, que se situam entre o direito pessoal e o direito real. Constituem elas, aparentemente, um misto de obrigação e de direito real. Obrigação propter rem é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa. É o que ocorre, por exemplo, com a obrigação imposta aos proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos (CC, art. 1.277). Embora o Código Civil não tenha isolado e disciplinado essa modalidade de obrigação, pode ela ser identificada em vários dispositivos esparsos e em diversas situações, por exemplo: ■ na obrigação imposta ao condômino de concorrer para as despesas de conservação da coisa comum (CC, art. 1.315); ■ na do condômino, no condomínio em edificações, de não alterar a fachada do prédio (CC, art. 1.336, III); ■ na obrigação que tem o dono da coisa perdida de recompensar e indenizar o descobridor (CC, art. 1.234); Ônus reais são obrigações que limitam o uso e gozo da propriedade, constituindo gravames ou direitos oponíveis erga omnes, por exemplo, a renda constituída sobre imóvel. Aderem e acompanham a coisa. Por isso se diz que quem deve é esta, e não a pessoa. Para que haja, efetivamente, um ônus real e não um simples direito real de garantia (como a hipoteca, ou o privilégio creditório especial), conforme foi dito, é essencial que o titular da coisa seja realmente devedor, sujeito passivo de uma obrigação, e não apenas proprietário ou possuidor de determinado bem cujo valor assegura o cumprimento de dívida alheia. Embora controvertida a distinção entre ônus reais e obrigações propter rem, costumam os autores apontar as seguintes diferenças: ■ a responsabilidade pelo ônus real é limitada ao bem onerado, não respondendo o proprietário além dos limites do respectivo valor, pois é a coisa que se encontra gravada; na obrigação propter rem, responde o devedor com todos os seus bens, ilimitadamente, pois é este que se encontra vinculado; ■ os primeiros desaparecem, perecendo o objeto, enquanto os efeitos da obrigação propter rem podem permanecer, mesmo havendo perecimento da coisa; ■ os ônus reais implicam sempre uma prestação positiva, enquanto a obrigação propter rem pode surgir com uma prestação negativa; ■ nos ônus reais, a ação cabível é de natureza real (in rem scriptae); nas obrigações propter rem, é de índole pessoal. Obrigações com eficácia real são as que, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, transmitem-se e são oponíveis a terceiro que adquira direito sobre determinado bem. Certas obrigações resultantes de contratos alcançam, por força de lei, a dimensão de direito real. Embora os direitos reais só possam ser criados por lei, nossa legislação traz exemplos de relações contratuais que, por sua importância, podem ser registradas no cartório imobiliário, ganhando eficácia que transcende o direito pessoal. Podem ser mencionadas, como exemplos: ■ a obrigação estabelecida no art. 576 do Código Civil, pelo qual a locação pode ser oposta ao adquirente da coisa locada, se constar do registro; ■ a que resulta de compromisso de compra e venda, em favor do promitente comprador, quando não se pactua o arrependimento e o instrumento é registrado no Cartório de Registro de Imóveis, adquirindo este direito real à aquisição do imóvel e à sua adjudicação compulsória (CC, arts. 1.417 e 1.418). Direito Real Pleno: a Propriedade. Direitos Reais Limitados ou Sobre coisa alheia: De Gozo ou fruição: Superfície, Servidões, Usufruto, Uso, Habitação, Direito do promitente comprador, Concessão de uso especial para fins de moradia e Concessão de direito real de uso. De Garantia: Penhor, Hipoteca, e Anticrese. O nosso direito protege não só a posse correspondente ao direito de propriedade e a outros direitos reais como também a posse como figura autônoma e independente da existência de um título. A posse é protegida para evitar a violência e assegurar a paz social, bem como porque a situação de fato aparenta ser uma situação de direito. É, assim, uma situação de fato protegida pelo legislador. Como se pode verificar, a posse distingue-se da propriedade, mas o possuidor encontra-se em uma situação de fato, aparentando ser o proprietário. Todavia, se o possuidor não é realmente o titular do direito a que a posse se refere, das duas uma: o titular abstém-se de defender os seus direitos e a inércia vai consolidando a posição do possuidor, que acabará eventualmente por ter um direito à aquisição da própria coisa possuída, por meio da usucapião; ou o verdadeiro titular não se conforma e exige a entrega da coisa, pelos meios judiciais que a ordem jurídica lhe faculta, que culminam na reivindicação e permitem a sua vitória. Enquanto não o fizer, o possuidor continuará a ser protegido. Assim, se o titular do direito não toma a iniciativa de solicitar a intervenção da pesada máquina judicial, as finalidades sociais são suficientemente satisfeitas com a mera estabilização da situação fundada na aparência do direito. 1.ª – Teoria subjetiva ou subjetivista – Seu principal idealizador foi Friedrich Carl von Savigny, entendendo a posse como o poder direto que a pessoa tem de dispor fisicamente de um bem com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo contra a intervenção ou agressão de quem quer que seja. A posse, para essa teoria, possui dois elementos: a) o corpus – elemento material ou objetivo da posse, constituído pelo poder físico ou de disponibilidade sobre a coisa; b) animus domini, elemento subjetivo, caracterizado pela intenção de ter a coisa para si, de exercer sobre ela o direito de propriedade. Diante do segundo elemento, para essa teoria, o locatário, o comodatário, o depositário, entre outros, não são possuidores, pois não há qualquer intenção de tornarem-se proprietários. Em regra, essa teoria não foi adotada pelo CC/2002 até porque as pessoas elencadas por último são consideradas possuidores. A teoria subjetiva da posse somente ganha relevância na usucapião,como se verá adiante. 2.ª – Teoria objetiva ou objetivista – Teve como principal expoente Rudolf von Ihering, sendo certo que para a constituição da posse basta que a pessoa disponha fisicamente da coisa, ou que tenha a mera possibilidade de exercer esse contato. Esta corrente dispensa a intenção de ser dono, tendo a posse apenas um elemento, o corpus, como elemento material e único fator visível e suscetível de comprovação. O corpus é formado pela atitude externa do possuidor em relação à coisa, agindo este com o intuito de explorá-la economicamente. Para esta teoria, dentro do conceito de corpus está uma intenção, não o animus de ser proprietário, mas de explorar a coisa com fins econômicos. Entre as duas teorias, é forçoso concluir que o CC/2002, a exemplo do seu antecessor, adotou parcialmente a teoria objetivista de Ihering, pelo que consta do seu art. 1.196. Em suma, basta o exercício de um dos atributos do domínio para que a pessoa seja considerada possuidora. Ilustrando, o locatário, o usufrutuário, o depositário e o comodatário são possuidores, podendo fazer uso das ações possessórias. Pela atual codificação privada, pode-se dizer que todo proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário. Essas novas teorias, que dão ênfase ao caráter econômico e à função social da posse, aliadas à nova concepção do direito de propriedade, que também deve exercer uma função social, como prescreve a Constituição da República, constituem instrumento jurídico de fortalecimento da posse, permitindo que, em alguns casos e diante de certas circunstâncias, venha a preponderar sobre o direito de propriedade. Teoria sociológica de Perozzi Para o referido autor, a posse prescinde do corpus e do animus, e resulta do “fator social”, dependente da abstenção de terceiros, que se verifica costumeiramente, como no exemplo por ele fornecido de um homem que caminha por uma rua com um chapéu na cabeça. Há, nesse caso, posse, pois quem tem o chapéu na cabeça torna aparente que quer dispor dele só, e todos, espontaneamente, abstêm-se de importuná-lo. Teoria sociológica de Saleilles Por seu turno, a teoria da apropriação econômica de Saleilles preconiza a independência da posse em relação ao direito real, tendo em vista que ela se manifesta pelo juízo de valor segundo a consciência social considerada economicamente. O critério para distinguir a posse da detenção não é o da intervenção direta do legislador para dizer em que casos não há posse, como entende Ihering, mas, sim, o de observação dos fatos sociais: há posse onde há relação de fato suficiente para estabelecer a independência econômica do possuidor. Teoria sociológica de Hernandez Gil Segundo o mencionado professor espanhol, a “função social” atua como pressuposto e como fim das instituições reguladas pelo direito. Na sua doutrina, as grandes coordenadas da ação prática humana, que são a necessidade e o trabalho, passam pela posse. Ainda em sede doutrinária, a ideia de função social da posse consta de enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, de 2011, com a seguinte redação: “A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela” (Enunciado n. 492). Pode-se afirmar que o princípio da função social da posse é implícito ao CC/2002 pela valorização da posse-trabalho, constantes dos seguintes dispositivos legais: – Art. 1.238, parágrafo único, do CC – Reduz o prazo de usucapião extraordinária de quinze para dez anos se o possuidor tiver estabelecido sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. – Art. 1.242, parágrafo único, do CC – O prazo para a usucapião é reduzido de dez para cinco anos, se os possuidores tiverem estabelecido no imóvel sua moradia ou nele realizado investimentos de interesse social e econômico. – Art. 1.228, §§ 4.º e 5.º, do CC – Consagra a desapropriação judicial privada por posse-trabalho. Tendo a propriedade uma função social reconhecida no Texto Maior, o mesmo deve ser dito em relação à posse. Desse modo, é mais correto afirmar que o CC/2002 não adota a tese de Ihering pura e simplesmente, mas sim a tese da posse-social, sustentada por Perozzi, Saleilles e Hernandez Gil. Pode ser afirmado que o debate entre Ihering e Savigny encontra-se superado. O conceito de posse, no direito positivo brasileiro, indiretamente nos é dado pelo art. 1.196 do Código Civil, ao considerar possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Como o legislador deve dizer em que casos esse exercício configura detenção, e não posse, o art. 1.198 do mesmo diploma proclama: “Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”. O parágrafo único do dispositivo em tela estabelece presunção juris tantum de detenção: “Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário”. Para tanto, o agente terá de demonstrar, de forma inequívoca, que deixou de conservar a posse em nome de outrem e de cumprir as ordens e instruções suas. Evidentemente que, “se essa mudança decorrer de uma causa ou fato lícito, o detentor transmutar-se-á em possuidor justo, em relação àquele de quem houve a coisa. Assim, se o empregado adquirir o bem que até então pertenceu ao patrão, ele deixará de ser detentor, e tornar-se-á justo possuidor da coisa. Se, no entanto, a modificação de comportamento for oriunda de força própria proibida, o fâmulo da posse tornar-se-á possuidor precário da coisa, em relação ao possuidor anterior”. Complementa o quadro o art. 1.208, prescrevendo: “Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. Portanto, o conceito de posse resulta da conjugação dos três dispositivos legais mencionados. Para Ihering, o que distingue a posse da detenção é um elemento externo e, portanto, objetivo, que se traduz no dispositivo legal que, com referência a certas relações que preenchem os requisitos da posse e têm a aparência de posse, suprime delas os efeitos possessórios. A detenção é, pois, uma posse degradada: uma posse que, em virtude da lei, avilta-se em detenção. Somente a posse gera efeitos jurídicos, conferindo direitos e pretensões possessórias em nome próprio: esta a grande distinção. Há situações em que uma pessoa não é considerada possuidora, mesmo exercendo poderes de fato sobre uma coisa. Isso acontece quando a lei desqualifica a relação para mera detenção, como o faz no art. 1.198, considerando detentor aquele que se acha “em relação de dependência para com outro” e conserva a posse “em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”. O possuidor exerce o poder de fato em razão de um interesse próprio; o detentor, no interesse de outrem. É o caso típico dos caseiros e de todos aqueles que zelam por propriedades em nome do dono. Os autores em geral, quando tratam da detenção em nosso direito, referem-se apenas à hipótese contida no art. 1.198 (“Considera-se detentor...”). Todavia, o aludido diploma vaialém, uma vez que em mais dois dispositivos menciona outras hipóteses em que aquele exercício de fato não constitui posse, configurando, portanto, detenção. Assim, a primeira parte do art. 1.208 proclama que “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância”. A permissão se distingue da tolerância: ■ pela existência, na primeira, do consentimento expresso do possuidor. Na tolerância, há uma atitude espontânea de inação, de passividade, de não intervenção; ■ por representar uma manifestação de vontade, embora sem natureza negocial, configurando um ato jurídico em sentido estrito, enquanto na hipótese de tolerância não se leva em conta a vontade do que tolera, sendo considerada simples comportamento a que o ordenamento atribui consequências jurídicas, ou seja, um ato-fato jurídico; ■ por dizer respeito a atividade que ainda deve ser realizada, enquanto a tolerância concerne a atividade que se desenvolveu ou que já se exauriu. A segunda parte do citado art. 1.208 do Código Civil acrescenta que igualmente não autorizam a aquisição da posse “os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. Assim, os aludidos atos impedem o surgimento da posse, sendo aquele que os pratica considerado mero detentor, sem qualquer relação de dependência com o possuidor. Todavia, cessada a violência ou a clandestinidade, continuam os mencionados atos a produzir o efeito de qualificar, como injusta e com os efeitos daí resultantes, a posse que a partir de então surge. Outro exemplo de detenção por disposição expressa da lei encontra-se no art. 1.224 do Código Civil: “Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido”. Até que o não presente tenha notícia do esbulho e se abstenha de retomar a coisa, ou seja repelido ao tentar recuperá-la, o ocupante é mero detentor. Assim, o fato de alguém ocupar imóvel de pessoa ausente não faz desaparecer a posse do proprietário, sendo aquele tratado pelo dispositivo em epígrafe como simples detentor. Pode-se, ainda, dizer que também não há posse de bens públicos, principalmente depois que a Constituição Federal de 1988 proibiu a usucapião especial de tais bens (arts. 183 e 191). Se há tolerância do Poder Público, o uso do bem pelo particular não passa de mera detenção consentida. Nesse sentido, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “Reintegração de posse. Área que se constitui em bem público, subjetivamente indisponível e insuscetível de usucapião. Mera detenção, sendo irrelevante o período em que perdura. Liminar concedida”. a) Posse direta ou imediata – aquela que é exercida por quem tem a coisa materialmente, havendo um poder físico imediato. Como possuidores diretos podem ser citados o locatário, o depositário, o comodatário e o usufrutuário. b) Posse indireta ou mediata – exercida por meio de outra pessoa, havendo exercício de direito, geralmente decorrente da propriedade. Exemplos: locador, depositante, comodante e nu- proprietário. POSSE DIRETA E POSSE INDIRETA Observação – enuncia o art. 1.197 do CC que “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto”. No plano dos efeitos, prevê o Enunciado n. 76, da I Jornada de Direito Civil: “O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto, e este contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código Civil)”. Em suma, tanto o possuidor direto quanto o indireto podem invocar a proteção possessória um contra o outro, e também contra terceiros. Ilustrando, imagine-se um caso em que, vigente um contrato de locação de imóvel urbano, o locatário viaja e, quando volta, percebe que o imóvel foi invadido pelo próprio proprietário. Nesse caso, caberá uma ação de reintegração de posse do locatário (possuidor direto) em face do locador (possuidor indireto), eis que o contrato ainda estava em vigor e deveria ter sido respeitado. Em outra situação concreta, vigente um contrato de locação de imóvel urbano, o locatário não vem pagando regularmente os aluguéis. Diante dessa situação, o locador o procura e ambos fazem um acordo para desocupação voluntária do imóvel em seis meses. Findo esse prazo, o locatário ainda continua no imóvel. Pode parecer que, nesse caso, a ação cabível ao locador é a de reintegração de posse. A conclusão está errada, pois a ação cabível é a de despejo, nos termos do art. 5.º da Lei 8.245/1991 (nesse sentido: TJSP, Apelação Cível 772.237-0/1, São Paulo, Trigésima Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Mendes Gomes, 27.06.2005, v.u.). Exclusiva é a posse de um único possuidor. É aquela em que uma única pessoa, física ou jurídica, tem, sobre a mesma coisa, posse plena, direta ou indireta. Assim, a posse do esbulhador, cessada a violência ou a clandestinidade, é, perante a comunidade, posse plena exclusiva; se ele a arrendar a uma só pessoa, sua posse indireta será igualmente exclusiva, como exclusiva será a posse direta do arrendatário. A posse exclusiva pode ser plena ou não. Plena é a posse em que o possuidor exerce de fato os poderes inerentes à propriedade, como se sua fosse a coisa. POSSE EXCLUSIVA Composse é, assim, a situação pela qual duas ou mais pessoas exercem, simultaneamente, poderes possessórios sobre a mesma coisa. Dispõe a propósito o art. 1.199 do Código Civil. É o que sucede com adquirentes de coisa comum, com marido e mulher em regime de comunhão de bens ou com coerdeiros antes da partilha. Composse “pro diviso” e “pro indiviso”: Podem os compossuidores, também, estabelecer uma divisão de fato para a utilização pacífica do direito de cada um, surgindo, assim, a composse pro diviso. Permanecerá pro indiviso se todos exercerem, ao mesmo tempo e sobre a totalidade da coisa, os poderes de fato (utilização ou exploração comum do bem). Na composse pro diviso, exercendo os compossuidores poderes apenas sobre uma parte definida da coisa, e estando tal situação consolidada no tempo (há mais de ano e dia), poderá cada qual recorrer aos interditos contra aquele que atentar contra tal exercício. Em relação a terceiros, como se fossem um único sujeito, qualquer deles poderá usar os remédios possessórios que se fizerem necessários, tal como acontece no condomínio (CC, art. 1.314). Não se deve confundir composse (várias posses concomitantes sobre a mesma coisa) com posses paralelas, também denominadas posses múltiplas, em que ocorre concorrência ou sobreposição de posses (existência de posses de natureza diversa sobre a mesma coisa). Neste caso, dá-se o desdobramento da posse em direta e indireta. Posse justa – é a que não apresenta os vícios da violência, da clandestinidade ou da precariedade, sendo uma posse limpa. Segundo o art. 1.200 do Código Civil, “é justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”. Posse justa, destarte, é aquela isenta de vícios, aquela que não repugna ao direito, por ter sido adquirida por algum dos modos previstos na lei. Posse injusta – apresenta os referidos vícios, pois foi adquirida por meio de ato de violência, ato clandestino ou de precariedade, nos seguintes termos: o Posse violenta – é a obtida por meio de esbulho, for força física ou violência moral (vis). A doutrina tem o costume de associá-la ao crime de roubo. Exemplo: movimentopopular invade violentamente, removendo e destruindo obstáculos, uma propriedade rural produtiva, que está sendo utilizada pelo proprietário, cumprindo a sua função social. o Posse clandestina – é a obtida às escondidas, de forma oculta, à surdina, na calada da noite. É assemelhada ao crime de furto. Exemplo: movimento popular invade, à noite e sem violência, uma propriedade rural que está sendo utilizada pelo proprietário, cumprindo a sua função social. o Posse precária – é a obtida com abuso de confiança ou de direito. Tem forma assemelhada ao crime de estelionato ou à apropriação indébita, sendo também denominada esbulho pacífico. Exemplo: locatário de um bem móvel que não devolve o veículo ao final do contrato. A posse, mesmo que injusta, ainda é posse e pode ser defendida por ações do juízo possessório, não contra aquele de quem se tirou a coisa, mas sim em face de terceiros. Isso porque a posse somente é viciada em relação a uma determinada pessoa (efeitos inter partes), não tendo o vício efeitos contra todos, ou seja, erga omnes. Posse de boa-fé: O Código Civil brasileiro, no art. 1.201, conceitua a posse de boa-fé como aquela em que “o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. Decorre da consciência de se ter adquirido a posse por meios legítimos. No âmbito do direito das coisas, a posse de boa-fé, aliada a outros relevantes elementos, segundo expressiva síntese de Caio Mário da Silva Pereira: ■ cria o domínio, premiando a constância e abençoando o trabalho; ■ confere ao possuidor, não proprietário, os frutos provenientes da coisa possuída; ■ exime-o de indenizar a perda ou deterioração do bem em sua posse; ■ regulamenta a hipótese de quem, com material próprio, edifica ou planta em terreno alheio; ■ ainda, outorga direito de ressarcimento ao possuidor pelos melhoramentos realizados. É de suma importância, para caracterizar a posse de boa-fé, a crença do possuidor de se encontrar em uma situação legítima. Se ignora a existência de vício na aquisição da posse, ela é de boa-fé; se o vício é de seu conhecimento, a posse é de má-fé. Para verificar se uma posse é justa ou injusta, o critério, entretanto, é objetivo: examina-se a existência ou não dos vícios apontados. Posse de má-fé – situação em que alguém sabe do vício que acomete a coisa, mas mesmo assim pretende exercer o domínio fático sobre esta. Neste caso, o possuidor nunca possui um justo título. De qualquer modo, ainda que de má-fé, esse possuidor não perde o direito de ajuizar a ação possessória competente para proteger-se de um ataque de terceiro. Transformação da posse de boa-fé em posse de má-fé: art. 1.202 do Código Civil dispõe a respeito da transformação da posse de boa-fé em posse de má-fé. Destarte, no que respeita aos frutos, benfeitorias e acessões, “não se há de perquirir apenas se a posse foi adquirida com boa ou má-fé, mas se no momento da colheita daqueles, ou da realização destas, a boa-fé persistia. Apenas enquanto perdurar a boa-fé o possuidor torna seus os frutos colhidos, e faz jus à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, com direito de retenção, podendo, ainda, levantar as voluptuárias que não lhe forem indenizadas. Também para fins de usucapião exige-se que a boa-fé persista durante todo o lapso prescricional. A conversão da posse “não se verifica no momento em que o possuidor tem conhecimento da existência do vício ou do obstáculo, mas, sim, quando as circunstâncias firmem a presunção de que não os ignora. Essa exteriorização é inevitável, porquanto não se pode apanhar, na mente do possuidor, o momento preciso em que soube que possui indevidamente”. Costuma-se fixar o momento da transmudação do caráter da posse em função do procedimento judicial intentado contra o possuidor, parecendo a alguns, como observa Orlando Gomes, que deve ser o da propositura da ação, a outros o da citação inicial, ou, ainda, o da contestação da lide. Posse natural: É a que se constitui pelo exercício de poderes de fato sobre a coisa, ou, segundo Limongi França, a “que se assenta na detenção material e efetiva da coisa”. Posse civil ou jurídica: É a que se adquire por força da lei, sem necessidade de atos físicos ou da apreensão material da coisa. Exemplifica-se com o constituto possessório: A vende sua casa a B, mas continua no imóvel como inquilino; não obstante, B fica sendo possuidor da coisa (posse indireta), mesmo sem jamais tê-la ocupado fisicamente, em virtude da cláusula constituti, que aí sequer depende de ser expressa. Posse civil ou jurídica é, portanto, a que se transmite ou se adquire pelo título. a) Posse ad interdicta – constituindo regra geral, é a posse que pode ser defendida pelas ações possessórias diretas ou interditos possessórios. Exemplificando, tanto o locador quanto o locatário podem defender a posse de uma turbação ou esbulho praticado por um terceiro. Essa posse não conduz à usucapião. b) Posse ad usucapionem – exceção à regra, é a que se prolonga por determinado lapso de tempo previsto na lei, admitindo-se a aquisição da propriedade pela usucapião, desde que obedecidos os parâmetros legais. Em outras palavras, é aquela posse com olhos à usucapião (posse usucapível), pela presença dos seus elementos. A posse ad usucapionem deve ser mansa, pacífica, duradoura por lapso temporal previsto em lei, ininterrupta e com intenção de dono (animus domini – conceito de Savigny). Além disso, em regra, deve ter os requisitos do justo título e da boa-fé. Posse pro diviso Configura-se quando cada compossuidor se localiza em partes determinadas do imóvel, estabelecendo uma divisão de fato. Neste caso, cada compossuidor poderá mover ação possessória contra outro compossuidor que o moleste no exercício de seus direitos, nascidos daquela situação de fato. Posse pro indiviso Caracteriza-se quando os compossuidores têm posse somente de partes ideais da coisa. art. 1.204: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”. A sua aquisição pode concretizar-se, portanto, por qualquer dos modos de aquisição em geral, como, exemplificativamente, a apreensão, o constituto possessório e qualquer outro ato ou negócio jurídico, a título gratuito ou oneroso, inter vivos ou causa mortis. Os modos de aquisição da posse costumam ser classificados em: Originários: quando não há relação de causalidade entre a posse atual e a anterior. É o que acontece quando há esbulho, e o vício, posteriormente, convalesce. Adquire-se a posse por modo originário, segundo Orlando Gomes, quando não há consentimento de possuidor precedente. Derivados: quando há anuência do anterior possuidor, como na tradição precedida de negócio jurídico. Neste caso ocorre a transmissão da posse ao adquirente, pelo alienante. Se o modo de aquisição é originário, a posse apresenta-se escoimada dos vícios que anteriormente a contaminavam. Assim, se o antigo possuidor era titular de uma posse de má-fé, por havê-la adquirido clandestinamente ou a non domino, por exemplo, tais vícios desaparecem ao ser ele esbulhado. Neste caso, inexistindo qualquer relação negocial com o esbulhador, este se transforma em titular de uma nova situação de fato. Já o mesmo não acontece com a posse adquirida por meios derivados. O adquirente a recebe com todos os vícios que a inquinavam nas mãos do alienante. Assim, se este desfrutava de uma posse violenta, clandestina ou precária, aquele a adquire com os mesmos defeitos.De acordo com o art. 1.203 do Código Civil, essa posse conservará “o mesmo caráter” de antes. A adquirida por herdeiros ou legatários, por exemplo, mantém os mesmos vícios anteriores (CC, art. 1.206). O art. 1.207, segunda parte, do Código Civil traz uma exceção à regra de que a posse mantém o caráter com que foi adquirida, ao facultar ao sucessor singular unir a sua posse à de seu antecessor, para os efeitos legais. Assim, pode deixar de fazê-lo, se o quiser. Embora a aquisição da posse possa concretizar-se por qualquer dos modos de aquisição em geral, é ela adquirida, originariamente: ■ pela apreensão da coisa: A apreensão consiste: na apropriação unilateral de coisa “sem dono”. na retirada da coisa, de outrem, sem a sua permissão. ■ pelo exercício do direito; Pelo exercício do direito adquire-se a posse dos direitos reais sobre coisas alheias. Não é o exercício de qualquer direito que constitui modo originário de aquisição da posse, mas daqueles direitos que podem ser objeto da relação possessória, como a servidão, o uso etc. Exemplo de exercício de direito: a passagem constante de água por um terreno alheio, capaz de gerar a servidão de águas. Pela apreensão, adquire-se a posse das coisas propriamente ditas. Exemplo de apreensão de coisa: o cultivo de um campo abandonado. ■ pelo fato de se dispor da coisa ou do direito. O fato de se dispor da coisa caracteriza conduta normal do titular da posse ou domínio. Constitui desdobramento da ideia de exercício do direito, pois possibilita a evidenciação inequívoca da apreensão da coisa ou do direito. Há aquisição derivada ou bilateral quando a posse decorre de um negócio jurídico, caso em que é inteiramente aplicável o art. 104 do Código Civil. A posse, neste caso, é transmitida pelo possuidor a outrem. A aludida transmissão pode decorrer: ■ de tradição; e ■ da sucessão inter vivos e mortis causa. ■ Tradição real: envolve a entrega efetiva e material da coisa. Pressupõe, porém, uma causa negocial. ■ Tradição simbólica: é representada por ato que traduz a alienação, como a entrega das chaves do apartamento ou do veículo vendidos. Estes não foram materialmente entregues, mas o simbolismo do ato é indicativo do propósito de transmitir a posse, significando que o adquirente passa a ter a disponibilidade física da coisa. ■ Tradição ficta: ocorre no caso do constituto possessório (cláusula constituti) e da traditio brevi manu. Constituto possessório Dá-se o constituto possessório quando o vendedor, por exemplo, transferindo a outrem o domínio da coisa, conserva-a, todavia, em seu poder, mas agora na qualidade de locatário. A referida cláusula tem a finalidade de evitar complicações decorrentes de duas convenções, com duas entregas sucessivas. A cláusula constituti não se presume. Por ela, a posse desdobra-se em direta e indireta. O primitivo possuidor, que tinha posse plena, converte-se em possuidor direto, enquanto o novo proprietário se investe na posse indireta, em virtude do acordo celebrado. O comprador só adquire a posse indireta, que lhe é transferida sem entrega material da coisa, pela aludida cláusula. No constituto possessório, o possuidor de uma coisa em nome próprio passa a possuí-la em nome alheio. “Traditio brevi manu” A traditio brevi manu é exatamente o inverso do constituto possessório, pois se configura quando o possuidor de uma coisa alheia (o locatário, v.g.) passa a possuí-la como própria. É o que sucede quando o arrendatário, por exemplo, que exerce posse com animus nomine alieno, adquire o imóvel arrendado, dele tornando-se proprietário. Pelo simples efeito da declaração de vontade, passa ele a possuir com animus domini. Assim, o que tem posse direta do bem em razão de contrato celebrado com o possuidor indireto, e adquire o seu domínio, não precisa devolvê-lo ao dono, para que este novamente lhe faça a entrega real da coisa. Sucessão na posse A posse pode ser adquirida, também, em virtude de: ■ sucessão inter vivos; e ■ sucessão mortis causa. Preceitua o art. 1.206 do Código Civil que “a posse transmite- se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres”. O art. 1.207 do mesmo diploma, por sua vez, aduz que “o sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais”. Proclama o art. 1.205 do Código Civil: “A posse pode ser adquirida: I — pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; II — por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação”. Em outras palavras, a posse pode ser adquirida pelo próprio sujeito que a apreende, desde que capaz; por seu representante legal ou convencional (caso do herdeiro e do mandatário); ou até por terceiro que não tenha mandato, desde que haja confirmação posterior, com efeitos ex tunc ou retroativos. art. 1.223: “Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196”. Em suma, cessando os atributos relativos à propriedade, cessa a posse, que é perdida, extinta. • Pelo abandono da coisa (derrelição), fazendo surgir a coisa abandonada (res derelictae). • Pela tradição, entrega da coisa, que pode ser real, simbólica ou ficta. • Pela perda ou destruição da coisa possuída. • Se a coisa for colocada fora do comércio, isto é, se for tratada como bem inalienável (inconsutibilidade jurídica – art. 86 do CC). • Pela posse de outrem, ainda que contra a vontade do possuidor, se este não foi manutenido, ou reintegrado à posse, em tempo competente. • Pelo constituto possessório ou cláusula constituti, hipótese em que a pessoa possuía o bem em nome próprio e passa a possuir em nome alheio (forma de aquisição e perda da posse, ao mesmo tempo). Por fim, nos termos do art. 1.224 do CC, “só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido”. Em outras palavras, se o possuidor não presenciou o momento em que foi esbulhado, somente haverá a perda da posse se, informado do atentado à posse, não toma as devidas medidas necessárias ou se sofrer violência ao tentar fazê-lo, não procurando outros caminhos após essa violência. De início, prevê o art. 1.214 do CC que “o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos”. Complementando, dispõe o parágrafo único desse comando legal que os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio. Devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação. Ilustrando, um locatário está em um imóvel urbano e, no fundo deste, há uma mangueira. Enquanto vigente o contrato, o locatário, possuidor de boa-fé amparado pelo justo título, terá direito às mangas colhidas, ou seja, percebidas. Se o contrato for extinto quando as mangas ainda estiverem verdes (frutos pendentes), não poderão ser colhidas, pois são do locador proprietário. Se colhidas ainda verdes, devem ser devolvidas ao último, sem prejuízo de eventuais perdas e danos que couberem por este mau colhimento. EFEITOS DA POSSE QUANTO AOS FRUTOS Determina o art. 1.215 do CC que os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos logo que são separados. Já os frutos civis reputam-se percebidos dia por dia. Ilustrando, a manga é tida como colhida quando separada da mangueira; os juros são percebidos nos exatos vencimentosdos rendimentos, como é comum em cadernetas de poupança. No que concerne ao possuidor de má-fé, nos termos do art. 1.216 do CC, ele responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé. Todavia, esse possuidor tem direito às despesas de produção e de custeio. A ilustrar, se um invasor de um imóvel colhe as mangas da mangueira do terreno, deverá indenizá-las, mas será ressarcido pelas despesas realizadas com a colheita. Por outra via, se deixaram de ser colhidas e, em razão disso, vierem a apodrecer, o possuidor também será responsabilizado. Repise-se que, nos termos do art. 96 do CC, as benfeitorias podem ser necessárias (as essenciais, pois visam à conservação da coisa principal), úteis (aumentam ou facilitam o uso da coisa principal) e voluptuárias (de mero luxo ou deleite, pois facilitam a utilidade da coisa principal). Anote-se, para os fins possessórios, que as benfeitorias não se confundem com as acessões, que, nos termos do art. 97 do CC, são as incorporações introduzidas em outro bem, imóvel, sem a intervenção do proprietário, possuidor e detentor. 1.ª – O possuidor de boa-fé tem direito à indenização por benfeitorias necessárias e úteis. Ilustrando, vigente um comodato de um imóvel, o comodatário terá direito de indenização pela reforma do telhado (benfeitoria necessária) e pela grade da janela (benfeitoria útil). 2.ª – O possuidor de boa-fé não indenizado tem direito à retenção dessas benfeitorias (necessárias e úteis), o ius retentionis, que persiste até que receba o que lhe é devido. 3.ª – No tocante às benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa-fé tem direito ao seu levantamento, se não forem pagas, desde que isso não gere prejuízo à coisa (direito de tolher, ou ius tollendi). Exemplificando, vigente o empréstimo de um imóvel, se o comodatário introduziu um telhado na churrasqueira, que pode ser removido, não sendo essa benfeitoria paga, poderá levá-la embora, pois a retirada não desvaloriza o imóvel. O mesmo raciocínio não vale para uma piscina construída no imóvel, pois a sua retirada gerará um prejuízo ao principal. Somente as piscinas removíveis podem ser retiradas, como aquelas de plástico para brincadeira das crianças. Cumpre destacar que, no tocante à locação de imóvel urbano, há regras específicas relativas às benfeitorias previstas nos arts. 35 e 36 da Lei 8.245/1991. A proteção conferida ao possuidor é o principal efeito da posse. Dá-se de dois modos: o pela legítima defesa e pelo desforço imediato (autotutela, autodefesa ou defesa direta), em que o possuidor pode manter ou restabelecer a situação de fato pelos seus próprios recursos; e o pelas ações possessórias, criadas especificamente para a defesa da posse (heterotutela). Legítima defesa: Quando o possuidor se acha presente e é turbado no exercício de sua posse, pode reagir, fazendo uso da defesa direta, agindo, então, em legítima defesa. Se, entretanto, a hipótese for de esbulho, tendo ocorrido a perda da posse, poderá fazer uso do desforço imediato. É o que preceitua o art. 1.210, § 1º, do Código Civil. A expressão “por sua própria força”, constante do texto legal, quer dizer: sem apelar para a autoridade, para a polícia ou para a justiça. Desforço imediato: A legítima defesa não se confunde com o desforço imediato. Este ocorre quando o possuidor, já tendo perdido a posse (esbulho), consegue reagir, em seguida, e retomar a coisa. A primeira somente tem lugar enquanto a turbação perdurar, estando o possuidor na posse da coisa. O desforço imediato é praticado diante do atentado já consumado, mas ainda no calor dos acontecimentos. Pode o guardião da coisa exercer a autodefesa, em benefício do possuidor ou representado. Embora não tenha o direito de invocar, em seu nome, a proteção possessória, não se lhe recusa, contudo, o direito de exercer a autoproteção do possuidor, consequência natural de seu dever de vigilância. Devem ser observadas as regras processuais previstas a partir do art. 920 do CPC. Três são as situações concretas que possibilitam a propositura de três ações correspondentes: As três medidas cabíveis são autorizadas pelo art. 1.210, caput, do CC/2002. Como se pode perceber, no caso de ameaça, a ação de interdito proibitório visa à proteção do possuidor de perigo iminente. No caso de turbação, a ação de manutenção de posse visa a sua preservação. Por fim, no caso de esbulho, a ação de reintegração de posse almeja a sua devolução. No caso de ameaça à posse (risco de atentado à posse) = caberá ação de interdito proibitório. No caso de turbação (atentados fracionados à posse) = caberá ação de manutenção de posse. No caso de esbulho (atentado consolidado à posse) = caberá ação de reintegração de posse. Legitimação ativa: Condição de possuidor: Exige-se a condição de possuidor para a propositura dos interditos (CPC, art. 926), mesmo que não tenha título. O detentor, por não ser possuidor, não tem essa faculdade. Não basta ser proprietário ou titular de outro direito real. Se somente tem o direito, mas não a posse correspondente, o agente terá de valer-se da via petitória, não da possessória, a não ser que se trate de sucessor de quem detinha a posse e foi molestado. Com efeito, o herdeiro ou sucessor mortis causa encontra-se, em matéria possessória, em situação privilegiada, pois presume a lei que “continua de direito a posse do seu antecessor” (CC, art. 1.207). Assim, não necessita provar a sua posse anterior, mas apenas a do de cujus. Ao sucessor a título singular é facultado unir a sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. Desse modo, se este tinha posse e foi esbulhado, àquele será facultado assumir sua posição, para o fim de ajuizar a competente ação possessória contra o terceiro. Possuidores diretos e indiretos: Têm ação possessória contra terceiros, e também um contra o outro. Tal possibilidade encontra-se, agora, expressamente prevista na parte final do art. 1.197. Havendo posse escalonada ou em níveis (locador, locatário, sublocatário), em que há um possuidor direto e mais de um possuidor indireto, é preciso verificar qual das posses foi ofendida na ação movida entre eles. Entretanto, contra terceiros, há legitimação concorrente dos possuidores de diferentes níveis, podendo instaurar-se litisconsórcio não obrigatório. Legitimação passiva O autor da ameaça, turbação ou esbulho e o terceiro: A legitimidade passiva nas ações possessórias é do autor da ameaça, turbação ou esbulho (CPC, arts. 927, II, e 932), assim como do “terceiro que recebeu a coisa esbulhada, sabendo que o era”, isto é, de má-fé, como expressamente dispõe o art. 1.212 do Código Civil. Contra o terceiro que recebeu a coisa de boa-fé não cabe ação de reintegração de posse, pela interpretação a contrario sensu do citado dispositivo legal. Contra este terá o esbulhado a ação petitória. Pessoa privada de discernimento ou menor de idade: Se a turbação e o esbulho forem causados por pessoa privada de discernimento ou menor incapaz de entender o valor ético da sua ação, o legitimado passivo será o encarregado de sua vigilância (curador, pai ou tutor), a quem competirá responder por autoria moral, se, tendo conhecimento do ato, não tiver recolocado as coisas no statu quo ante, voluntariamente, ou por culpa in vigilando. A pessoa que ordenou a prática da turbação ou esbulho: A ação pode ser proposta tanto contra o autor do ato molestador como contra quem ordenou a sua prática, ou contra ambos. Mesmo que oturbador proceda como representante legal ou convencional de outrem, e dentro dos limites do mandato, o possuidor molestado não é obrigado a saber que se trata de representação. O sucessor “mortis causa” ou “inter vivos”: O herdeiro a título universal ou mortis causa também é legitimado passivo, porque continua de direito a posse de seu antecessor (CC, art. 1.207), com as mesmas características. Já o sucessor a título singular ou inter vivos somente estará legitimado para responder à ação de reintegração de posse se, nos termos do retromencionado art. 1.212 do Código Civil, “recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era”, ou seja, de má-fé. Pessoas jurídicas: Legitimada passivamente para a ação é a pessoa jurídica de direito privado autora do ato molestador, não o seu gerente, administrador ou diretor, se estes não agiram em nome próprio. Também são legitimadas as pessoas jurídicas de direito público, contra as quais pode até ser deferida medida liminar, desde que sejam previamente ouvidos os seus representantes legais (CPC, art. 928, parágrafo único). Quando o Poder Público desapossa alguém sem o processo expropriatório regular, não há dúvida de que pratica esbulho. Nomeação à autoria e denunciação da lide: Muitas vezes, o turbado ou esbulhado propõe ação contra simples prepostos, que praticam os referidos atos a mando de terceiros, por desconhecimento da situação fática. Para corrigir esse endereçamento errôneo da demanda, há um expediente técnico processual: a nomeação à autoria. Se o demandado é simples detentor (CC, art. 1.198), nomeia à autoria (CPC, art. 62); se é possuidor direto apenas (CC, art. 1.197), denúncia da lide ao possuidor indireto (CPC, art. 70, II). Conversão de ação possessória em ação de Indenização: Permite-se que o possuidor possa demandar a proteção possessória e, cumulativamente, pleitear a condenação do réu nas perdas e danos (CPC, art. 921, I). Se, no entanto, ocorreu o perecimento ou a deterioração considerável da coisa, só resta ao possuidor o caminho da indenização. Seria, com efeito, destituída de efeitos práticos a condenação na devolução de uma coisa inexistente ou sem interesse para o possuidor. É o juiz obrigado, nesse caso, a tomar em consideração o fato novo (CPC, art. 462). Tais prejuízos podem ocorrer, todavia, depois de ajuizada a ação de reintegração de posse. Embora já não possa ser apreciado o pedido de proteção possessória, nada impede que a pretensão indenizatória seja deferida, mas somente se formulada na inicial, cumulativamente com o pedido de proteção possessória. Se a perda tiver lugar depois da sentença, mas antes de sua execução, deve aplicar-se, aduz o mencionado autor, por analogia, o disposto no art. 627 do Código de Processo Civil, segundo o qual “o credor tem direito a receber, além de perdas e danos, o valor da coisa, quando esta não lhe for entregue, se deteriorou, não for encontrada ou não for reclamada do poder de terceiro adquirente”. A fungibilidade dos interditos: O princípio da fungibilidade das ações possessórias está regulamentado no art. 920 do Código de Processo Civil. Desse modo, se a ação cabível for a de manutenção de posse, e o autor ingressar com ação de reintegração, ou vice-versa, o juiz conhecerá do pedido da mesma forma e determinará a expedição do mandado adequado aos requisitos provados. É uma aplicação do princípio da mihi factum dabo tibi jus, segundo o qual a parte expõe o fato, e o juiz aplica o direito. Impõe-se o apontado princípio da fungibilidade ou da conversibilidade somente às três ações possessórias em sentido estrito: manutenção de posse, reintegração de posse e interdito proibitório. Inadmissível o seu emprego entre uma ação possessória e a ação de imissão na posse ou reivindicatória, ou entre uma possessória e uma ação de despejo. Se tal ocorrer, o autor será declarado carecedor, por falta de interesse processual adequado, não podendo uma ação ser aceita por outra. Cumulação de pedidos: O diploma processual permite a cumulação de pedidos, na inicial da ação possessória. Dispõe, com efeito, o art. 921 do Código de Processo Civil: “É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de: I — condenação em perdas e danos; II — cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho; III — desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua posse”. A cumulação é facultativa e pode ocorrer sem prejuízo do rito especial, embora os agregados ao possessório não tenham tal conteúdo. O pedido de cominação de pena é cominatório típico e equivale a um interdito proibitório incidental a uma ação de turbação ou esbulho. É também facultativo, e nada obsta que seja requerido para a hipótese de o réu infringir o mandado de manutenção ou reintegração liminar. Desde que o autor dispense o rito especial, pode formular outros pedidos cumulados ao possessório, por exemplo, o de rescisão do compromisso de compra e venda e o demarcatório (CPC, art. 951). Caráter dúplice das ações possessórias: Na relação jurídico- processual, é o autor quem em regra formula o pedido. O réu a ele se opõe, pleiteando a improcedência da ação. Essa polarização é estabelecida pelo direito material, que determina a priori a legitimação ativa e a passiva para a causa. Quando o requerido oferece, eventualmente, reconvenção, em verdade propõe outra ação, que se processa nos mesmos autos. Todavia, em alguns casos, excepcionalmente, inexiste essa predeterminação das legitimações. A situação jurídica se apresenta de tal modo que qualquer dos sujeitos pode ajuizar a ação contra o outro. Quando isso acontece, diz-se que a ação é de natureza dúplice. O legislador tornou dúplice a ação possessória, permitindo que o juiz, independentemente de reconvenção do réu, confira-lhe a proteção possessória, se a requerer na contestação e provar ser o legítimo possuidor. Dispõe o art. 922 do Código de Processo Civil. Desse modo, tendo a lei conferido caráter dúplice às ações possessórias, não se faz necessário pedido reconvencional. Se se julgar ofendido em sua posse, o réu pode formular, na própria contestação, os pedidos que tiver contra o autor. A razão da faculdade reside na circunstância de que, no pleito possessório, ambas as partes costumam arguir a condição de possuidores, devendo o juiz decidir qual deles tem melhor posse. Distinção entre juízo possessório e juízo petitório: A ação possessória é o meio de tutela da posse perante uma ameaça, turbação ou esbulho. A sua propositura instaura o juízo possessório, em que se discute o ius possessionis (posse autônoma ou formal). A ação petitória é o meio de tutela dos direitos reais, de propriedade ou outro. No juízo petitório se invoca o ius possidendi (posse causal). no juízo possessório não adianta alegar o domínio, porque só se discute posse. No juízo petitório, a discussão versa sobre o domínio, sendo secundária a questão daquela. Enquanto estiver tramitando a ação possessória, nem o réu, nem o autor podem ajuizar, paralelamente, a ação petitória para obter a declaração do seu direito à posse. A consequência prática da proibição é que poderá o possuidor não proprietário, desde que ajuíze ação possessória, impedir a recuperação da coisa pelo seu legítimo dono, pois este ficará impedido de recorrer à reivindicatória até que a possessória seja definitivamente julgada. Procedimento - ação de força nova e ação de força velha: Dispõe o art. 924 do Código de Processo Civil. As referidas normas estabelecem um procedimento especial, cuja principal diferença e vantagem é a previsão da medida liminar. Esta, porém, só será concedida quando a ação for intentada dentro de ano e dia da turbação ou esbulho;caso contrário, o rito será ordinário, não perdendo a ação, contudo, o caráter possessório. Isso significa que somente haverá o rito especial, constituído de duas fases (a primeira para a concessão de liminar), se a ação for ajuizada no prazo de ano e dia da turbação ou do esbulho, caso em que a possessória será considerada “ação de força nova”. Passado esse prazo, o rito será o ordinário e a ação, “de força velha”, seguindo-se, então, o prazo para a contestação, a instrução e o julgamento. Em relação à ação de força velha, repise-se que essa segue o rito ordinário, não cabendo liminar para os devidos fins. Todavia, segundo o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, cabe tutela antecipada nessa demanda, conforme reconhecido pelo Enunciado n. 238 CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil. A exigência de prestação de caução: Prescreve o art. 925 do estatuto processual civil. Muitas vezes, a concessão de uma liminar paralisa a realização de obras vultosas e pode acontecer que, a final, não seja confirmada. O requerido, então, fará jus à indenização dos prejuízos sofridos. Para garantir-se, poderá o réu, após a concessão da liminar, exigir que o autor preste caução, na conformidade dos arts. 826 a 838 do Código de Processo Civil, provando a falta de idoneidade financeira deste para arcar com as perdas e danos. Não prestando a caução, a coisa litigiosa será depositada judicialmente. A caução poderá ser: o real (consistente em imóvel, joias, dinheiro); ou o fidejussória (carta de fiança). Incumbe ao réu, a qualquer tempo, a prova da falta de idoneidade financeira do autor. Meras increpações ou suspeitas, não alicerçadas em prova sólida e convincente da carência patrimonial e da ausência de condição para suportar os ônus de eventual improcedência da ação, dentro de um critério de probabilidade, não ensejam a imposição da prestação de caução. A diferença está apenas em que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho”, como estatui o art. 926 do estatuto processual. Por sua vez, semelhantemente, prescreve o art. 1.210 do Código Civil de 2002 que o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e restituído no de esbulho. A turbação distingue-se do esbulho porque, com este, o possuidor vem a ser privado da posse, ao passo que naquela, embora molestado, continua na posse dos bens. A ação de manutenção de posse, pois, é cabível na hipótese em que o possuidor sofre turbação em seu exercício. Em caso de esbulho, adequada é a de reintegração de posse. REQUISITOS: Dispõe o art. 927 do Código de Processo Civil: “Incumbe ao autor provar: I — a sua posse; II — a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III — a data da turbação ou do esbulho; IV — a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração”. Posse: Sendo a posse pressuposto fundamental e comum a todas as formas de tutela possessória, o primeiro requisito para a propositura das referidas ações (CPC, art. 927) é, pois, a prova da posse. Quem nunca a teve não pode valer-se dos interditos. A primeira verificação a fazer, sempre que se proponha uma ação possessória, é se há prova da posse do autor e se o direito violado é suscetível de posse. Não o sendo, o interdito deve ser repelido in limine”. Assim, a pessoa que adquire um imóvel e obtém a escritura definitiva, mas não a posse, por exemplo, porque o vendedor a retém, não pode socorrer-se da ação possessória, porque nunca teve posse. A ação apropriada, nesse caso, será a de imissão na posse. Na possessória, o autor terá de produzir prova de que tem posse legítima da coisa e que a manteve, apesar da turbação, ou que tinha posse e a perdeu em virtude do esbulho praticado pelo réu. Turbação: O segundo requisito é a prova da turbação ou do esbulho praticado pelo réu. O autor terá de descrever quais os fatos que o estão molestando, cerceando o exercício da posse. Por exemplo, deverá provar que o réu vem penetrando em seu terreno para extrair lenha ou colocar animais no pasto, ou vem-se utilizando de determinado caminho sem sua permissão. Turbação é todo ato que embaraça o livre exercício da posse. Os fatos ou atos dessa natureza autorizam a manutenção, não sendo necessário, para tanto, que haja dano ou prejuízo material. Esbulho: O esbulho consiste no ato pelo qual o possuidor se vê privado da posse mediante violência, clandestinidade ou abuso de confiança. Acarreta, pois, a perda da posse contra a vontade do possuidor. Quer a perda resulte de violência, quer de qualquer outro vício, como a clandestinidade ou a precariedade, cabe ao possuidor a ação de reintegração de posse, a fim de ser restituído na posse da coisa (CC, art. 1.210). Data da turbação ou do esbulho: Exige a lei, em terceiro lugar, a prova da data da turbação ou do esbulho. Dela depende o procedimento a ser adotado. O especial, com pedido de liminar, exige prova de turbação ou esbulho praticados há menos de ano e dia da data do ajuizamento. Passado esse prazo, será adotado o rito ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório (CPC, art. 924). O prazo de ano e dia é de decadência; portanto, fatal e peremptório, ou seja, não se suspende nem pode ser ampliado ou reduzido pela vontade das partes. Do ponto de vista prático, esclareça-se que, no caso de invasão parcial de um terreno, a ação cabível não é a de manutenção de posse, mas a de reintegração. A terceira ação tipicamente possessória é o interdito proibitório. Tem caráter preventivo, pois visa a impedir que se concretize uma ameaça à posse. Para cada etapa, destarte, prevê-se uma ação específica. Assim, se o possuidor está apenas sofrendo uma ameaça, mas se sente na iminência de uma turbação ou esbulho, poderá evitar, por meio da referida ação, que venham a consumar-se. Não é qualquer receio que constitui ameaça suscetível de ser tutelada por meio da ação de interdito proibitório. REQUISITOS: art. 932 do Código de Processo Civil. A ação de interdito proibitório pressupõe, portanto, os seguintes requisitos: o posse atual do autor; o ameaça de turbação ou esbulho por parte do réu; o justo receio de ser concretizada a ameaça. COMINAÇÃO DE PENA PECUNIÁRIA: O interdito proibitório assemelha-se à ação cominatória, pois prevê, como forma de evitar a concretização da ameaça, a cominação ao réu de pena pecuniária, caso transgrida o preceito. Se a ameaça vier a concretizar-se no curso do processo, o interdito proibitório será transformado em ação de manutenção ou de reintegração de posse, concedendo-se a liminar apropriada e prosseguindo-se no rito ordinário. A petição inicial deve atender ao que dispõem os arts. 921, 927 e 928 do Código de Processo Civil. Delimitação do objeto da ação: Não se pode ajuizar ação possessória sem que o objeto da ação seja perfeitamente individualizado e delimitado. Do contrário, a sentença que eventualmente acolher o pedido não poderá ser executada. A posse que se protege na ação possessória é a certa e localizada. Identificação das partes: As partes devem ser identificadas com precisão, indicando-se “os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência” (CPC, art. 282, II). Os nomes e qualificações de todos os coautores podem, para facilidade, ser fornecidos em relação anexa à inicial. Já se decidiu, todavia, que enganos sem consequências devem ser tolerados, encarando-se a exigência “dentro de certa relatividade, porque pode acontecer que onome certo do réu seja ignorado ou inacessível ao autor”. Valor da causa: A toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato (CPC, art. 258). O art. 259 não especifica qual o valor a ser atribuído às ações possessórias, mas declara, no inc. VII, que o valor da reivindicatória será o da “estimativa oficial para lançamento do imposto”. Tendo em vista que ambas visam à posse do bem, inexiste razão para se diferenciar a orientação. Requisitos: art. 928 do Código de Processo Civil. Provada a posse anterior do autor e a turbação ou o esbulho ocorridos há menos de ano e dia, o juiz determinará a expedição de mandado de manutenção ou de reintegração de posse initio litis, antecipando a proteção possessória pleiteada, que será confirmada ou não na sentença final. A liminar inaudita altera parte, isto é, sem ouvir o réu, será deferida se a petição inicial estiver devidamente instruída com prova idônea dos fatos mencionados no art. 927 do diploma processual: posse, data da turbação ou do esbulho etc., como se infere do art. 928. A não satisfação dos referidos requisitos não importará, desde logo, na extinção do processo, mas tão só na denegação do mandado liminar. A apreciação da prova fica ao prudente arbítrio do juiz. Indeferimento da liminar: Tem-se entendido que, apesar do caráter dúplice das ações possessórias, é impossível o deferimento de liminar ao réu, bem como que é incabível a reintegração liminar quando o pedido é cumulado com o de rescisão do compromisso de compra e venda, em razão da necessidade de ser seguido o rito ordinário. Descabimento de medida cautelar e de tutela antecipada nas ações de força nova: Também descabe medida cautelar em contraposição a liminar concedida na possessória (JTACSP, 94/159, 116/114), bem como a tutela antecipada genérica (CPC, art. 273), nas ações de força nova, admitida somente nas de força velha, em que o rito é ordinário, sem liminar. Justificação prévia: Se a petição inicial não estiver devidamente instruída, o juiz determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada (CPC, art. 928). Os termos imperativos do aludido dispositivo legal (“o juiz determinará”) conduziram à formação de uma corrente jurisprudencial no sentido de que o magistrado não pode indeferir a liminar antes de feita a justificação prévia. Parece-nos, no entanto, que não se pode admitir que ele, ex officio, determine a justificação quando não tenha sido requerida sequer nessa forma alternativa. Se o autor só postulou a liminar com base na documentação da inicial, ao juiz não é lícito determinar justificação. A propósito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “O art. 928 do CPC não obriga o juiz, em qualquer circunstância, a mandar realizar a justificação, na hipótese de indeferimento da liminar de manutenção ou reintegração de posse”. Concessão de liminar contra pessoa jurídica de direito público: art. 928 do Código de Processo Civil. Tal regra deve ser observada ainda que devidamente provados os requisitos do art. 927 do mesmo diploma. Incluem-se “no privilégio as pessoas de Direito Público externo (v.g., Estados soberanos estrangeiros) e, sem as dúvidas que antes ocorriam, os entes autárquicos. Não se incluem, contudo, as chamadas empresas públicas, e menos ainda as de capital misto, que são pessoas de Direito Privado, assim como as concessionárias e permissionárias de serviços ao público”. O prazo para a manifestação do representante da ré será fixado pelo juiz. Se este não o fizer, deve-se entender que se aplica o genérico de cinco dias do art. 185 do aludido diploma. Se ficar comprovado o desapossamento definitivo do bem e o seu emprego em obra pública, o autor será julgado carecedor da ação, devendo então propor a ação de desapropriação indireta. Contestação e rito ordinário: Concedida ou não a liminar, deverá o autor promover, nos cinco dias subsequentes, a citação do réu, para que ofereça contestação (CPC, art. 930). Se for realizada a justificação prévia, com citação do réu, o prazo para contestar contar-se-á da intimação do despacho que deferir ou não a liminar (parágrafo único). As ações tipicamente possessórias, destinadas à defesa exclusiva da posse, são as três já referidas. Há, no entanto, outros procedimentos em que, por forma direta ou indireta, a posse também é protegida. Não se revestem tais ações de natureza eminentemente possessória, uma vez que o pedido se funda ou no direito de propriedade, ou no direito obrigacional de devolução da coisa, ou na proteção contra atos judiciais de constrição etc. A ação de imissão na posse era regulada pelo Código de Processo Civil de 1939 no art. 381, que dispunha competir tal ação: o aos adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra os alienantes ou terceiros que os detivessem; o aos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas, para haverem dos seus antecessores a entrega dos bens pertencentes à pessoa representada; o aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do mandante. A hipótese mais frequente é a primeira, em que o autor da ação é proprietário da coisa, mas não possuidor, por haver recebido do alienante só o domínio (jus possidendi), pela escritura, mas não a posse. Como nunca teve posse (CPC, art. 927, I), não pode valer-se dos interditos possessórios. Porém, quando ocorre a transmissão da posse jurídica ao adquirente, não acompanhada da entrega efetiva do imóvel, o alienante torna-se esbulhador, ficando o primeiro autorizado a propor contra ele ação de reintegração de posse. O atual Código de Processo Civil não tratou da ação de imissão na posse. Nem por isso ela deixou de existir, pois poderá ser ajuizada sempre que houver uma pretensão à imissão na posse de algum bem. A cada pretensão deve existir uma ação que a garanta (CC, art. 189). Nas aquisições de bens ocorrem, com frequência, situações que ensejam a imissão: o vendedor simplesmente se recusa a entregar o imóvel, ou nele reside um terceiro, que não aceita a ocupação. É ação de natureza petitória, pois o autor invoca o jus possidendi, pedindo uma posse ainda não entregue. Compete a ação de nunciação de obra nova, segundo dispõe o art. 934 do Código de Processo Civil: o “I — ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado; o II — ao condômino, para impedir que o coproprietário execute alguma obra com prejuízo ou alteração da coisa comum; o III — ao Município, a fim de impedir que o particular construa em contravenção da lei, do regulamento ou de postura”. Tal ação, também chamada de embargo de obra nova, reveste-se de caráter possessório pelo fato de poder ser utilizada também pelo possuidor. Mas não visa, direta e exclusivamente, à defesa da posse. Não existe conflito possessório sobre a mesma coisa, mas, sim, uma obra que afeta o uso pacífico de outra coisa. O objetivo da ação em apreço é impedir a continuação da obra que prejudique prédio vizinho ou esteja em desacordo com os regulamentos administrativos. O seu fundamento encontra-se na preservação ao direito dos vizinhos (CC, art. 1.299), bem como nas disposições dos arts. 1.300, 1.301 e 1.302, que impõem ao proprietário o dever de construir de maneira que o seu prédio não despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho, proibindo-o, ainda, de abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho. É pressuposto
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