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107 UNIDADE 3 DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • descrever os motivos que levaram ao golpe militar de 1964 e as razões em torno do projeto nacional que foi colocado em prática a partir daí; • entender a oposição entre o aparelho de Estado e setores da sociedade civil durante a ditadura militar; • entender as causas da crise da ditadura que levaram ao processo de “aber- tura política”, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980; • analisar o significado do “retorno”, ou melhor, da transição para o regime democrático; • refletir sobre a Nova República no Brasil, em seus diferentes momentos, até a virada do século XX para o século XXI. Esta unidade está dividida em quatro tópicos e em cada um deles você encon- trará atividades que o(a) ajudarão a aplicar os conhecimentos apresentados. TÓPICO 1 – INSTAURANDO A NOVA ORDEM: OS MILITARES NO PODER TÓPICO 2 – O ESGOTAMENTO DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO TÓPICO 3 – A MOBILIZAÇÃO POPULAR, A TRANSIÇÃO E A NOVA RE PÚBLICA TÓPICO 4 – DEMOCRACIA, AFINAL, PARA QUEM? Assista ao vídeo desta unidade. 108 109 TÓPICO 1 INSTAURANDO A NOVA ORDEM: OS MILITARES NO PODER UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Em 31 de março de 1964, tropas do Exército, comandadas pelo General Olympio Mourão Filho (autor do “Plano Cohen”, aquele que serviu de pretexto para a instalação do Estado Novo em 1937), iniciaram uma movimentação com o objetivo de atacar o Rio de Janeiro e depor o presidente João Goulart. O “Golpe de 1964”, assim, iniciava um período de aproximadamente 20 anos em que o país esteve sob um regime ditatorial, exercido pelos militares. Ao contrário do que possa parecer, o golpe não foi um acontecimento violento, com grandes combates. Pode-se afirmar, inclusive, que tenha sido pitoresco, com o envolvimento de oficiais-generais, oficiais superiores, governadores, parlamentares, empresários, embaixadores, entre outros, formando uma base conspiratória que não era popular, mas de elite. Oficialmente, a alegação para o golpe foi justificada no chamado “perigo vermelho”, ou seja, uma ameaça que se dizia concreta e real, de tomada do poder pelos comunistas brasileiros, o que sujeitaria o Brasil ao movimento comunista internacional liderado por Moscou e levaria ao fim da democracia e das liberdades individuais, com a provável implantação de um totalitarismo de esquerda. Este argumento, devidamente publicitado, criou o pretexto para que as elites dirigentes do país, política e economicamente, assegurassem um espaço para impor seus projetos à nação, assegurando a hegemonia das classes dominantes. Há que se considerar que, se por um lado, durante os anos de 1950 houve de fato um crescimento da organização popular, dos movimentos de trabalhadores urbanos e rurais e do sindicalismo, por outro, eles jamais se constituíram numa possibilidade radical de transformação do sistema, como se poderia esperar de uma revolução socialista proletária ou camponesa. O governo João Goulart, no máximo, posicionava-se entre um projeto desenvolvimentista que visava maior distribuição da riqueza – o Plano Trienal – e as Reformas de Base, que em pequeno grau refletiam parte do ideário progressista existente em vários setores políticos brasileiros da época, em cujas fileiras se encontrava o Partido Comunista do Brasil (PCB), então na ilegalidade. Entretanto, na retórica dos defensores do golpe, por eles chamado de “revolução”, a ameaça comunista, ou ainda, da “República Sindical”, existia de fato, o que permitiu caracterizar a ação conspiratória como uma medida preventiva, cujo objetivo era zelar pela sanidade do corpo político nacional. Em outras palavras, os militares golpistas diziam querer “cuidar do país” e fazer aquilo que UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA 110 era o “melhor para o Brasil”. Nesses termos, fica fácil perceber que o nacionalismo verde-amarelo dos militares contra a ameaça vermelha dos comunistas nada mais era que uma fachada para o movimento de fundo que visava atender a insatisfação dos militares, com quase duas décadas de poder civil, e garantir para parte da elite brasileira a coesão em torno de um poder forte e centralizado. Cabe lembrar que alguns setores sociais da elite nacional não aderiram ao golpe: os setores golpistas eram os mais conservadores, o que transformou posteriormente o regime em uma ditadura, antidemocrática, antipopular e reacionária. 2 O GOLPE E OS GOVERNOS AUTORITÁRIOS O governo de Jango caiu sem muita resistência – fora algumas tentativas dentro do campo legalista –, efetivamente evitando-se o confronto armado, pois a intenção era afastar uma “guerra civil”. O presidente deixou o país e seguiu para o exílio no Uruguai. Antes disso, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, na madrugada de 2 de abril, formalizou a declaração de vacância do cargo de Presidente da República, com as seguintes palavras: O Senhor Presidente da República deixou a sede do governo [tumulto no plenário], deixou a nação acéfala [tumulto] numa hora gravíssima da vida brasileira em que é mister que o chefe de Estado permaneça à frente do seu governo. Abandonou o governo e esta comunicação faço ao Congresso Nacional! Esta acefalia configura a necessidade de o Congresso Nacional, como poder civil, imediatamente tomar a atitude que lhe cabe nos termos da Constituição Brasileira para o fim de restaurar, nesta pátria conturbada, a autoridade do governo e a existência do governo. Não podemos permitir que o Brasil fique sem governo, abandonado [tumulto]. Há sob a nossa responsabilidade a população do Brasil, o povo, a ordem, [tumulto]. Assim sendo, declaro vaga a Presidência da República! E nos termos do artigo 79 da Constituição, declaro Presidente da República o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli [tumulto]! A sessão se encerra! (FICO, 2004, p. 19). Ocorre que Mazzilli não conseguiu tomar posse. O general Arthur da Costa e Silva, comandante do Exército Nacional, assumiu o controle do poder junto com o vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald e com o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, formando o Comando Supremo da Revolução, órgão de poder transitório até a escolha do novo presidente. Nessa ocasião a cúpula do movimento, formada por militares e civis, havia decidido que Castelo Branco seria o novo presidente da República e, no mandato seguinte, seria sucedido por Costa e Silva. Foi também de iniciativa do Comando Supremo a expedição do Ato Institucional de 9 de abril, que ficou conhecido como o AI-1, o primeiro de uma série. Mais adiante comentaremos sobre os atos institucionais da ditadura militar. Castelo Branco fazia um discurso de governante democrático. Representava os “militares da Sorbonne” (como era conhecida a Escola Superior de Guerra – ESG), a ala moderada da ditadura. A outra ala era composta pelos militares “linha- dura”, dentre os quais estava o sucessor de Castelo, o general Costa e Silva. Castelo TÓPICO 1 | INSTAURANDO A NOVA ORDEM: OS MILITARES NO PODER 111 assegurava o cumprimento da Constituição de 1946, a liberdade de imprensa e sindical e o funcionamento normal e equilibrado dos Três Poderes. Afirmava que o movimento de 1964 tinha aberto a estrada da democracia para o povo brasileiro, prometendo salários justos e melhores condições de vida para os trabalhadores. Inclusive a reforma agrária seria feita com base no Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964). Pura ilusão, retórica inócua. Entre 1965 e 1966 Castelo Branco baixou três Atos Institucionais, 36 Atos Complementares, 312 Decretos-Leis, 19.259 Decretos, enviou onze propostas de emendas constitucionais ao Congresso Nacional e um projeto de reforma global daConstituição. Com Castelo Branco ocorreram 3.747 atos punitivos, com uma média de mais de três por dia. (VIEIRA, 1991, p. 16). Na verdade, ele suspendeu garantias constitucionais, cassou mandatos dos parlamentares, interditou sindicatos, perseguiu trabalhadores e estudantes, sendo responsável pelo AI-2 e o AI-3. Entre 1964 e 1967 foram demitidos pouco mais de 1.500 funcionários públicos e algo em torno de 1.200 militares. Os partidos políticos foram abolidos, instaurando-se o bipartidarismo e uma nova Carta Magna foi redigida, resultando na polêmica Constituição de 1967. Logo após o golpe de 1964 muitas pessoas, inclusive políticos, acreditavam que o país não enveredaria por um longo período ditatorial, como ocorreu. A bandeira ideológica do movimento era o alinhamento com as nações “democráticas e livres”, o que significava, no contexto da Guerra Fria, os EUA e a Europa Ocidental, principalmente. Aliás, sabe-se que o governo norte-americano deu total apoio à ação dos militares, até com logística de guerra, na notória operação que ficou conhecida como “Operação Brother Sam”: A Operação Brother Sam foi desencadeada pelo governo dos Estados Unidos, sob a ordem de apoiar o golpe de 1964 caso houvesse algum imprevisto ou reação por parte dos militares que apoiavam Jango, consistindo de toda a força militar da Frota do Caribe, liderada por um porta-aviões da classe Forrestal da Marinha dos Estados Unidos e outro de menor porte, além de todas as belonaves de apoio requeridas a uma invasão rápida do Brasil pelas forças armadas americanas. (WIKIPÉDIA, 2010). Se na propaganda o regime representava a democracia contra a tirania, a liberdade contra a escravidão (referência aos países do bloco socialista), no âmbito interno essa ideologia se expressou na “doutrina da segurança nacional”, gestada na Escola Superior de Guerra e que, ao longo dos anos de 1950, consistia basicamente no combate ao comunismo, visto como manipulador e incentivador dos conflitos sociais no Brasil. Em nome dessa “segurança nacional” ocorreu uma progressiva militarização de todos os níveis da sociedade, destacando-se a ideologia e o comportamento empresariais. Os tecnoburocratas civis e militares de alta patente passaram a estudar a inflação, a reforma agrária, a reforma bancária, os sistemas partidários, o transporte, a educação e demais matérias do gênero. O predomínio desses setores nos governos da ditadura ficou conhecido como o modelo da tecnoburocracia (veja a leitura complementar). A posse do presidente Arthur da Costa e Silva já estava acertada desde 1964 e ocorreu em 15 de março de 1967, após as eleições indiretas (através do colégio UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA 112 eleitoral antecipadamente montado), que o indicaram para a Presidência. Sob a orientação do novo texto constitucional, o novo presidente pretendeu valorizar o Poder Legislativo, já que este se encontrava sob controle, com apenas dois partidos legais: a Aliança Renovadora Nacional – ARENA –, partido da situação, de base do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro – MDB –, partido da oposição consentida. Mesmo com todos os seus defeitos, as duas únicas instituições democráticas do período eram a Constituição e os partidos, mas também estes não duraram muito tempo. Durante o governo Costa e Silva, que começou a enfrentar os movimentos de oposição da sociedade, foi baixado o mais famoso e repressivo dos Atos Institucionais, o AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Considerado a máxima expressão do autoritarismo do Poder Executivo, este ato aniquilou com o que restava de democracia no país e manteve-se em exercício durante os dez anos seguintes. Após uma grave moléstia que levou Costa e Silva ao óbito, o Congresso Nacional acata a indicação das Forças Armadas e confirma o General Emílio Garrastazu Médici na Presidência da República em 30 de outubro de 1969, elegendo-o com 293 votos a favor e 76 abstenções. Médici também foi um legítimo representante da ideologia da ditadura, que insistia em uma via democrática, de melhoria das condições de vida, verificada somente em discursos, mas muito distante da realidade. Tanto é que em certo momento, o próprio presidente reconheceu que “A plena democracia é ideal que, se em algum lugar já se realizou, não foi certamente no Brasil”. (MÉDICI, 1970). A violenta repressão desencadeada pelo novo governo levou à reação de grupos oposicionistas por meio da luta armada, promovendo a hedionda fase de tortura alastrada no país, estabelecida através de vários setores ligados às Forças Armadas e outros organismos próximos do governo. Os inúmeros casos e relatos de testemunhas desse momento revelam atrocidades que, ainda hoje, resistem como temas tabus da sociedade brasileira. Os grandes ganhadores do governo Médici não foram os membros do povo, mas a burguesia, os banqueiros, os tecnocratas, os militares e as classes médias, naquele processo que ficou conhecido como o “milagre econômico”. Para sustentar seu ufanismo, o governo criou uma série de slogans, como “Quem não vive para servir o Brasil, não serve para viver no Brasil”, “Ninguém segura este país” ou “Brasil: ame-o ou deixe-o”. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Publicidade_do_ regime_militar_ de_1964>. Acesso em: 10 mar. 2010. FIGURA 34 – UFANISMO DO GOVERNO MILITAR TÓPICO 1 | INSTAURANDO A NOVA ORDEM: OS MILITARES NO PODER 113 Cumprindo fielmente o prazo de seu mandato, em 15 de março de 1974 Médici transferiu a Presidência para o general Ernesto Geisel. O novo governo começava a sentir os efeitos do desgaste político e econômico da ditadura. O excesso de repressão tornava o regime cada vez mais antipático a diversos setores sociais organizados, de trabalhadores, intelectuais, profissionais liberais, parcelas da Igreja e demais campos de opositores (a chamada oposição institucional abrangia a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, a Ordem dos Advogados do Brasil – a OAB, a Associação Brasileira de Imprensa – ABI). Com a crise mundial do petróleo em 1974, o milagre econômico não podia mais ser celebrado, iniciando um período de progressiva queda do poder aquisitivo de boa parte daquela população que antes se via numa situação privilegiada. Para articular o poder, Geisel se colocou à frente de uma política reformista e se apresentou como o governante que iria trazer de volta as liberdades públicas, seguindo a política de “distensão”, que também marcava o cenário político internacional, entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética. Assim, diante da deterioração econômica e do descontentamento social, propôs como solução a chamada “abertura” política: lenta, segura e gradual. Mantinha-se o mesmo grupo no poder, mas alterava-se a postura repressiva do governo. Esta medida, por um lado, era necessária para manter uma base de apoio às diretrizes do governo, oferecendo um espaço de participação aos setores mais oposicionistas (moderados, é claro) no interior da vida política e, por outro lado, mudar a estratégia de ação do partido governista, a ARENA, para que fosse ampliada sua base eleitoral. Apesar dos esforços em várias regiões do Brasil, a representação da ARENA decaía, enquanto se elevava a do MDB, cuja principal bandeira era a do retorno ao Estado de Direito e das garantias constitucionais. Sucessor de Geisel em março de 1979, o governo do general João Baptista Figueiredo foi caracterizado pelo processo de ampliação da abertura e de transição para o regime democrático de governo civil, associado ao aprofundamento da crise econômica. Buscando dar continuidade ao processo iniciado por Geisel, a democracia e as liberdades públicas, que eram necessárias, foram impostas também pela força. Ironicamente, ficaram famosas as palavras do presidente Figueiredo que, certa vez, afirmara “Euprendo e arrebento”, remetendo àquele indivíduo que fosse contra a abertura política. Tomando as rédeas do processo, Em agosto de 1979, Figueiredo tirou das mãos da oposição uma de suas principais bandeiras: a luta pela anistia. A lei de anistia aprovada pelo Congresso continha, entretanto, restrições e fazia uma importante concessão à linha-dura. Ao anistiar “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”, a lei abrangia também os responsáveis pela prática da tortura. De qualquer forma, possibilitou a volta dos exilados políticos e foi um passo importante na ampliação das liberdades públicas. (FAUSTO, 1996, p. 504). Além da Anistia, a abertura política permitiu o surgimento de novos partidos políticos, por intermédio da chamada “Reforma Partidária” (Lei nº 6.767, de 1979). Os partidos oriundos dessa reforma foram o Partido Democrático Social UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA 114 – PDS, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, o Partido Popular – PP, o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, o Partido Democrático Trabalhista – PDT e o Partido dos Trabalhadores – PT. 3 OS ATOS INSTITUCIONAIS E OUTRAS MEDIDAS AUTORITÁRIAS Optamos por analisar este aspecto da ditadura militar à parte porque foram os Atos Institucionais peças extremamente importantes da dinâmica política do regime. Eles podiam ser baixados a qualquer hora e sem exposição de motivos, ainda que fossem justificados conforme a necessidade de cada governante general. Atropelando qualquer prerrogativa constitucional, os AIs, como eram chamados, expressavam o desequilíbrio entre os Três Poderes característico da ausência de normalidade jurídica, que concentrava excessivamente no Poder Executivo os processos decisórios. Dessa forma, esses atos eram impregnados de autoritarismo, subjugando de fato a vida política nacional ao regime ditatorial. Foram vários os Atos Institucionais, mas comentaremos aqui apenas aqueles que foram anteriormente citados, do primeiro ao quinto. Os quatro primeiros no governo Castelo Branco e o quinto no governo Costa e Silva. No entanto, é importante saber que existiram mais de uma dezena de atos institucionais, como, por exemplo, o AI-13 que, expedido pouco antes do governo Médici, determinava que os presos políticos trocados por diplomatas sequestrados receberiam a condição de banidos do Brasil. • O Ato Institucional nº 1 (AI-1): o Supremo Comando revolucionário passava a ter atributos de Poder Constituinte; conservava a Constituição de 1946 e as constituições estaduais, mas instituía a eleição indireta, ou seja, o novo presidente e o seu vice seriam escolhidos por maioria absoluta do Congresso Nacional. Permitia que se retirassem os direitos políticos de qualquer pessoa por dez anos e que se cassassem mandatos parlamentares, sem direito à apelação judicial. • O Ato Institucional nº 2 (AI-2): avançava no controle do Congresso Nacional, concedia mais poder para o Executivo, alterava o funcionamento do Poder Judiciário, extinguia todos os partidos políticos do país, instituindo o bipartidarismo: a Arena e o MDB. Manteve cassações de mandatos e suspensões de direitos políticos. • O Ato Institucional nº 3 (AI-3): determinava que a eleição de governadores e seus vices seria indireta, via colégio eleitoral estadual. Prefeitos das capitais seriam indicados, por nomeação, pelos governadores. • O Ato Institucional nº 4 (AI-4): invocava a necessidade de institucionalizar os princípios do movimento de 1964. Deu origem à Constituição de 1967. TÓPICO 1 | INSTAURANDO A NOVA ORDEM: OS MILITARES NO PODER 115 • O Ato Institucional nº 5 (AI-5): não tinha prazo de vigência, atribuindo mais poderes ao Executivo. A partir dele o Presidente da República podia: fechar o Congresso Nacional, assembleias estaduais e câmaras municipais; cassar mandatos de parlamentares; suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer pessoa; demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade funcionários federais, estaduais e municipais; demitir ou remover juízes; suspender as garantias do Poder Judiciário; decretar estado de sítio sem qualquer impedimento; confiscar bens como punição por corrupção; suspender o habeas corpus em crimes contra a segurança nacional; instaurar o julgamento de crimes políticos por tribunais militares; legislar por decreto ou expedir outros atos institucionais e complementares; proibir o exame, pelo Poder Judiciário, de recursos impetrados por pessoas acusadas por força do AI-5. Além dos numerosos Atos Institucionais, existiram várias outras medidas abusivas, dentre as quais podemos destacar: • Lei de Greve (Lei nº 4.330, de junho de 1964): proibia as greves de natureza política, social ou religiosa, bem como as greves em serviços essenciais e as de solidariedade. • Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967): estabelecia a censura prévia a propaganda política considerada subversiva, espetáculos e diversões públicas e, na vigência do estado de sítio, o governo poderia exercer a censura sobre os jornais ou periódicos e empresas de radiodifusão e agências noticiosas, nas matérias atinentes aos motivos que determinaram a censura, como também em relação aos executores daquela medida, prevendo a prisão de jornalistas. • Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969): retirava os direitos de reunião, de associação e de expressão. • Lei Falcão (Decreto-Lei nº 6.639, de 1º de julho de 1976): os partidos políticos só exporiam, no rádio e na televisão, sua denominação, o número e o currículo dos candidatos, com uma fotografia (na TV), evitando qualquer tipo de debate. • O “Pacote de Abril” (de 1977): com base no AI-5, Geisel fechou o Congresso e alterou o Poder Judiciário, disciplinando os juízes e excluindo os tribunais civis do julgamento de policiais militares; tornou permanentes as eleições indiretas para governadores e reorganizou a representação na Câmara dos Deputados para favorecer a ARENA; criou os “senadores biônicos”, eleitos indiretamente; alterou a aprovação de emendas constitucionais, aumentando o campo de manobra do governo; generalizou a Lei Falcão para todas as eleições. UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA 116 Todas as leis referenciadas estão integralmente disponíveis na internet, no site www.planalto.gov.br/ccivil/leis. LEITURA COMPLEMENTAR O NOVO MODELO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO O modelo político de desenvolvimento que hoje se esboça no Brasil poderia ser chamado de tecnoburocrático-capitalista. Está baseado em uma aliança entre a tecnoburocracia militar e civil de um lado, e o capitalismo internacional e nacional do outro. Esta aliança apoia-se, por sua vez, em um modelo econômico de desenvolvimento que se caracteriza pela modernização da economia, pela concentração da renda nas classes altas e médias e pela marginalização da classe baixa. Na verdade, o modelo econômico e político de desenvolvimento tecnoburocrático-capitalista constitui um todo único que, no plano de abstração em que estamos trabalhando, exige uma análise integrada. Poderíamos também chamar a esse modelo de desenvolvimento de “capitalismo de Estado”, mas entendemos que essa denominação retiraria ao modelo grande parte de sua especificidade. Temos, de fato, no Brasil, um modelo de desenvolvimento baseado no controle tecnoburocrático do governo por parte dos militares, dos técnicos e dos burocratas civis, e no controle capitalista da produção, por esse mesmo governo, pelos grupos capitalistas nacionais e principalmente internacionais. Os militares, que assumiram o poder em 1964, constituem um grupo tecnoburocrático por excelência. Originam-se de uma organização burocrática moderna como são as Forças Armadas. Possuem preparo técnico, administramrecursos humanos e materiais consideráveis. Adotam sempre os critérios de eficiência própria da tecnoburocracia. Como se não bastasse, chamaram imediatamente para participar do governo os tecnoburocratas civis. Estes dois grupos, de origem da nova classe média, a partir especialmente do Governo Costa e Silva, assumiram plenamente as rédeas do governo e colocaram como seus objetivos básicos o desenvolvimento econômico e a segurança. Por outro lado, já a partir de 1964, o capitalismo nacional e internacional fora chamado para participar do sistema. As tendências economicamente liberais da Revolução de 1964 explicam inicialmente este fato. A ideia inicial era a de realmente entregar o poder ao grupo capitalista, dentro dos moldes clássicos do capitalismo liberal. Entretanto, em pouco tempo o grupo tecnoburocrático verificou que possuía força e suficiente capacidade técnica e organizacional para se NOTA TÓPICO 1 | INSTAURANDO A NOVA ORDEM: OS MILITARES NO PODER 117 manter no poder em seu próprio nome. Verificou que poderia liderar uma política desenvolvimentista, em estreita aliança com o capitalismo nacional e internacional. Estavam assim estabelecidas as bases do modelo de desenvolvimento tecnoburocrático-capitalista para o Brasil. Este modelo baseia-se no grande governo tecnoburocrático e na grande empresa capitalista. O grande governo tecnoburocrático controla diretamente uma imensa parcela da economia nacional, planeja o desenvolvimento, estabelece a política fiscal, monetária, financeira, salarial, habitacional e intervém diretamente na economia capitalista através das grandes empresas públicas. A grande empresa capitalista e a grande empresa pública incumbem-se da produção. Adotam uma tecnologia moderna, recebem estímulos fiscais e creditícios do governo, captam a grande parte da poupança nacional através da obtenção de grandes lucros e, secundariamente, do recurso do mercado de capitais. Grande governo tecnoburocrático e grande empresa capitalista complementam-se. O grande governo, além de controlar a economia em geral, produz energia elétrica, transportes, aço, petróleo, comunicações. A grande empresa capitalista, principalmente a internacional, controla, por sua vez, a indústria de transformação, particularmente a indústria automobilística, a indústria de bens de capital, a indústria de bens duráveis de consumo, a indústria eletrônica, a petroquímica. Em relação a esta última, e também em relação à mineração e ao setor financeiro internacional, a aliança entre o governo e o capitalismo internacional torna-se explícita, através de acordos firmados pela Petrobras, pela Vale do Rio Doce e pelo Banco do Brasil. Esta aliança estabelece as bases de uma nova dependência – de uma dependência tecnológica e política. Não se trata mais da dependência colonialista, anti-industrializante que caracterizava a aliança da oligarquia agrário-comercial com o capitalismo internacional no século XIX e primeira metade do século XX. Depois que o capitalismo internacional estabeleceu no Brasil suas próprias indústrias, principalmente nos anos cinquenta, sua oposição à industrialização brasileira naturalmente desapareceu. Continuava a existir uma série de limitações ao nosso desenvolvimento industrial, especialmente quando houvesse conflito entre os interesses da matriz com os da filial ou subsidiária no Brasil. Continuavam também a existir grupos, como é o caso do café solúvel, que, por não terem tido oportunidade de se estabelecer no Brasil, opunham-se à nossa industrialização. De um modo geral, porém, o capitalismo internacional passou a interessar-se diretamente na industrialização brasileira, na medida em que isto significava excelentes possibilidades de lucros e de acumulação de capital. Uma segunda característica diferenciadora da nova aliança era a de que esta não coloca o parceiro brasileiro em posição nitidamente subordinada, como era o caso da aliança da oligarquia agrário-comercial com o capitalismo internacional. Na atual aliança o capitalismo internacional é ainda elemento subordinado, tanto ao capitalismo internacional quanto ao governo tecnoburocrático. Este, porém, é parceiro igual. Participa de uma aliança que lhe interessa e na qual ele faz concessões, mas à qual ele não se subordina necessariamente. O governo brasileiro UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA 118 é hoje suficientemente forte e representa com eficiente coerência e coesão os interesses da nova classe média tecnoburocrática para poder desempenhar um papel, no jogo político do poder, em seu próprio nome [...] Apesar dessa aliança se realizar entre parceiros relativamente iguais, porém, o modelo não perde suas características de modelo de desenvolvimento dependente. Trata-se de uma nova dependência, que, ao invés de ser colonizante e anti-industrializante, é desenvolvimentista. O desenvolvimento, porém, é feito através da integração do Brasil no sistema capitalista internacional, do qual ele se transforma em um apêndice sem autonomia tecnológica e sem autonomia em matéria de acumulação de capital. A dependência tecnológica em relação ao exterior acentua-se, na medida em que as empresas estrangeiras, muito naturalmente, não se preocupam em desenvolver uma tecnologia nacional. Por outro lado, através da aferição das altas taxas de lucro pelas empresas estrangeiras, uma parcela crescente da poupança nacional vai saindo do nosso controle ao mesmo tempo em que se processa um permanente processo de desnacionalização da economia [...] Este modelo de desenvolvimento tecnoburocrático-capitalista, baseado na concentração de renda e na marginalização permanente de grande parte da população, é, portanto, economicamente viável. E, sem dúvida, conforme já vimos, ele não é nem econômica, muito menos politicamente necessário. O máximo que podemos afirmar é que a aliança do governo tecnoburocrático com a grande empresa capitalista, e o processo de concentração de renda, facilitam hoje o processo de desenvolvimento. Criam, todavia, distorções sociais profundas e uma dependência econômica e política que, mais cedo ou mais tarde, terão que ser reavaliadas. Por isso, não é impossível imaginar que essa reavaliação do modelo de desenvolvimento venha a ocorrer no momento em que, de um lado, as pressões sociais dos grupos marginalizados eventualmente aumentarem, e, de outro, na ocasião em que a tecnoburocracia governamental começar a pôr em dúvida as vantagens de uma aliança com o capitalismo nacional, e, principalmente, internacional. Nada assegura que isto venha a ocorrer. As tendências atuais são mesmo em sentido contrário. Mas também não há nenhum fator estrutural que impeça necessariamente essa mudança de tendência. FONTE: PEREIRA, L. C. Bresser. Desenvolvimento e Crise no Brasil (apud FENELON, 1983, p. 223- 230). TÓPICO 1 | INSTAURANDO A NOVA ORDEM: OS MILITARES NO PODER 119 Para aprofundamento destes temas, sugiro que você leia os seguintes livros e assista ao filme indicado: LIVROS: FERREIRA, Jorge L.; DELGADO, Lucília de A. N. (Org.) O Brasil Republicano 4. O Tempo da Ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Último volume da série, analisa toda a época da ditadura militar, através de textos de variados autores. SKIDMORE, Thomas E. Brasil – De Castelo a Tancredo 1964-1985. São Paulo: Paz e Terra, 1988. Abordagem minuciosa sobre diversos aspectos do regime autoritário, busca o significado da democracia neste período. FILME: Os Fuzis. Brasil: direção de Ruy Guerra, P&B, 89 min. 1964. Obra dramática realizada no ano do golpe militar, o filme é um clássico sobre o sertão nordestino, na ótica do Cinema Novo, recebendo o Urso de Prata no Festival de Berlim. Contrasta a miserabilidade humana e a religiosidade, com a opressão oficial, na “defesa da ordem” vigente, mesmo queseja a da mais pura injustiça social. Além de: BLAYNEI, Geoffrey. Uma breve história do século XX. 2ª ed. São Paulo: Fundamento, 2010. DICAS 120 Neste tópico pudemos observar uma discussão acerca do significado da implantação do regime militar, sob a forma de uma ditadura, no qual foram abordados os seguintes itens: • O contexto que levou ao golpe militar de 1964 e as contraditórias forças políticas que se encontravam no cenário nacional da época, levando a uma fantasiosa ameaça comunista. • A debilidade institucional da sociedade brasileira, o desrespeito das Forças Armadas com a ordem democrática que foi constituída nos anos anteriores e sua completa ausência depois do golpe, ainda que mascarada no bipartidarismo e numa Carta Constitucional. • A escalada do poder militar, manifesto em tendências do Exército e nas personalidades individuais dos generais-presidentes, dotados de um Poder Executivo fortemente centralizado, recheado de demagogias e falsas promessas. • Os principais instrumentos do autoritarismo (Atos Institucionais, leis), revelando o aspecto sistêmico-jurídico da ditadura e suas repercussões na sociedade civil, com o total cerceamento da liberdade desta. • A forma de organização do Estado em torno de uma parcela minoritária e dominante, capaz de impor seus objetivos e interesses para toda a sociedade, como se fosse um projeto nacional. RESUMO DO TÓPICO 1 121 1 Observando a discussão terminológica sobre os eventos de 1964 – golpe militar ou revolução –, justifique a ação que desencadeou a ditadura, segundo essas duas visões. 2 Faça um comentário sobre a relação entre os atos institucionais, dentre outros expedientes legais, e a sociedade civil, durante a ditadura militar. AUTOATIVIDADE Assista ao vídeo de resolução da questão 2 Assista ao vídeo de resolução da questão 1 122 123 TÓPICO 2 O ESGOTAMENTO DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO A partir da segunda metade do século XX o país ingressou num período de profundas e rápidas transformações econômicas, quando suas estruturas foram se alterando, definitivamente, no sentido de uma transição, para o modelo urbano- industrial, a crescente concentração de renda e a integração dependente em relação ao capitalismo internacional. Este projeto, denominado de desenvolvimentista, veio da necessidade de modernizar o Brasil, cuja economia funcionava na base do modelo primário-exportador, ou seja, exportava produtos agrícolas e matérias- primas e importava produtos manufaturados. Entretanto, na medida em que as exportações sofreram com impactos externos (por exemplo, durante a 1ª Guerra Mundial ou na Crise de 1929), ocasiões em que diminuiu a capacidade de importar (estrangulamentos), foi necessário produzir internamente os bens industrializados, num processo que ficou conhecido por “substituição de importações”. Primeiramente voltado para os bens de consumo não duráveis, posteriormente, alcançou os bens de consumo duráveis e, enfim, os bens de capital. Contudo, o capital privado das exportações não se mostrava suficiente para a implantação de um parque industrial permanente e autônomo, assim como eram deficitárias as infraestruturas nacionais de apoio à industrialização, como redes de transporte para escoamento da produção, abastecimento energético, armazenamento etc. Então, para incrementar o processo de desenvolvimento econômico, passou a vigorar, no âmbito do capitalismo brasileiro, uma política permanente de intervencionismo estatal. No início, após 1945, a intervenção estatal pôde ser percebida através de várias medidas do governo para regular a economia, ou, até mesmo, criando empresas estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, através da construção da Usina de Volta Redonda (ainda em 1940), ou a Petrobras, fundada durante a campanha de nacionalização do petróleo, em outubro de 1953 (ambas as iniciativas tomadas nos governos de Getúlio Vargas), entre outras. Porém, uma das marcas da intervenção do Estado para regular e tentar racionalizar o capitalismo, por intermédio do estímulo ao desenvolvimento econômico, controlando setores estratégicos e aprimorando a infraestrutura – seja com capital privado ou público, nacional ou estrangeiro –, foi dada pela política governamental de planejamento: o Plano de Obras e Equipamentos, o Plano Salte, o Plano de Metas, o Plano Trienal são exemplos desse tipo de experiência no período pré-1964. 124 UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA 2 A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA Durante a década de 1960, o Brasil já havia abandonado a velha política da vocação agrária e há muito abraçara a causa da industrialização – o que não significa que a agricultura tenha deixado de ter importância na economia. Nesse sentido, a política econômica dos governos militares foi toda ela voltada para a consolidação e expansão da produção industrial brasileira, modernizando o sistema econômico capitalista. Essa modernização, no entanto, se caracterizou como uma “modernização conservadora”, pois, além do autoritarismo, foi realizada sobre os sacrifícios da massa trabalhadora no campo e na cidade, que sofreu com arrocho salarial e aumentos constantes dos itens básicos de consumo, inclusive alimentos (no período ocorreu um estímulo à exportação cada vez maior dos produtos agrícolas e matérias-primas nacionais). Por outro lado, a modernização alicerçou-se em uma utilização excessiva da poupança de outros países, através de empréstimos internacionais – uma abertura financeira sem precedentes na história –, o que fez explodir a dívida externa do Brasil. Essas medidas foram colocadas em prática através de reformas no aparelho de Estado e de uma série de planos econômicos, cujos grandes beneficiários eram as elites empresariais, nacionais e estrangeiras. Apesar de muitos autores considerarem a política econômica dos militares “desenvolvimentista”, é preciso diferenciá-la do período anterior, pois [...] qualquer plano de estabilização dependia de sacrifícios por parte da sociedade. Em um regime democrático, o êxito de um plano depende de um acordo com concessões recíprocas por parte dos diferentes setores sociais. Nas condições da sociedade brasileira da época e com a falta de visão de seus principais atores políticos, isso era coisa difícil de se alcançar. Foi o regime autoritário que permitiu a Campos e Bulhões tomar medidas que resultaram em sacrifícios forçados, especialmente para a classe trabalhadora, sem que esta tivesse condições de resistir. (FAUSTO, 1996, p. 473). Portanto, muda o caráter do desenvolvimentismo, com predomínio da tecnoburocracia – os tecnocratas e políticos do Estado –, da entrada do capital estrangeiro via empresas multinacionais e acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), intensificando o aspecto “dependente” do capitalismo nacional. Acima de tudo, seria justo indagar se um projeto econômico, que industrializa e moderniza ao mesmo tempo em que concentra a renda em proporções cada vez maiores, excluindo a grande maioria da população à revelia do crescimento, pode ser considerado uma política de “desenvolvimento econômico”, cujo princípio é a distribuição da riqueza, a melhoria da qualidade de vida e a elevação do poder aquisitivo per capita. TÓPICO 2 | O ESGOTAMENTO DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO 125 3 O PLANEJAMENTO ECONÔMICO De qualquer forma, encontramos os seguintes planos econômicos colocados em prática durante a ditadura: A. Programa de Ação Econômica do Governo Castelo Branco – PAEG (1964-1966): orientava-se no sentido de alcançar a estabilidade e o desenvolvimento econômicos, com uma “reforma democrática” do aparelho de Estado. Na verdade, consistiu em reduzir o déficit do setor público, contrair o crédito privado, comprimir os salários e extinguir a estabilidadeno emprego após dez anos de serviço (que era garantida pela CLT), sendo criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Iniciou a abertura financeira ao capital estrangeiro, a desnacionalização da indústria e dotou o Estado de uma mais eficiente máquina de arrecadação de impostos. Com o PAEG reduziu-se o déficit público, o PIB voltou a crescer e a inflação ficou mais controlada. B. Programa Estratégico de Desenvolvimento – PED: produzido pelo Governo Costa e Silva (1967-1970), pretendia manter o combate à inflação, garantir a proteção à empresa privada, o estímulo à indústria de base e a criação de empregos. Propósitos como “aceleração do desenvolvimento, contenção da inflação e valorização do homem brasileiro” mostravam um programa com as melhores das intenções: distribuir renda, ampliar o mercado interno, proteger a tecnologia nacional. As empresas estrangeiras permaneceram com privilégios e os trabalhadores passaram a ficar sujeitos à fórmula “aumento de salários na proporção do crescimento da produtividade”. O êxito econômico refletiu-se na recuperação industrial pós-1968, principalmente no setor automobilístico, de produtos químicos e material elétrico, além do impulso dado à construção civil, devido à expansão de crédito do Banco Nacional de Habitação – BNH. C. O Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento – PND I: no Governo Garrastazu Médici (1971-1974), postulou três objetivos centrais: elevar o Brasil à categoria de nação desenvolvida, multiplicar por dois a renda per capita brasileira até 1980, intensificar o crescimento econômico entre 8% e 10% na taxa anual do PIB. Difundiu-se a ideia de “Brasil Grande”, repousado no desempenho do setor industrial e também nas chamadas “obras faraônicas” que serviam de propaganda para o governo, como a rodovia Transamazônica, a ponte Rio-Niterói, a hidrelétrica de Itaipu etc. D. O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento – PND II, durante o governo Geisel (1975-1979), pretendia cobrir a área de fronteira entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento, consolidando uma economia moderna com novos setores e aproveitamento tecnológico. Além do ajustamento à realidade internacional, almejou a integração nacional e o desenvolvimento social, assegurando o aumento da renda real e eliminando os focos de pobreza do país. Prezou-se pela presença ativa do Estado, responsável em dotar de eficácia os instrumentos da política econômica, distribuir renda e adaptar a estrutura econômica com a mudança de ênfase relativa dos setores essenciais. 126 UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA FONTE: Disponível em: <http://www.itaipu.gov.br/foto.php?foto =themes/ Historia/imgs/>. humano/grande/06.jpg>. Acesso em: 5 abr. 2010. FIGURA 35 – CONSTRUÇÃO DA USINA DE ITAIPU, EM 1974 4 DO MILAGRE ECONÔMICO À CRISE FINAL Através da análise do ciclo de crescimento econômico da ditadura militar, podemos identificar algumas etapas. O golpe de 1964 foi dado em meio a uma grave crise que acometeu a economia brasileira desde 1962. Uma das justificativas para a ação militar que resultou no golpe foi justamente a promessa de solucioná- la. No entanto, essa crise se estendeu até 1969, quando se iniciam as mostras de reação da economia e um rápido crescimento do Produto Interno Bruto – período do “milagre econômico” –, que durou, aproximadamente, de 1969 até 1974, ano em que estourou a crise mundial gerada pelo aumento dos preços do petróleo. A partir de então, pode-se considerar que o Brasil entrou numa grave crise de consequências enormes, adentrando pelos anos de 1980 e 1990. Mas é possível que um rápido crescimento ocorrido por volta de 1984 tenha interrompido, ainda que brevemente, essa fase depressiva. TÓPICO 2 | O ESGOTAMENTO DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO 127 FONTE: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A Modernização Autoritária: do golpe militar à redemocratização 1964/1984 (apud LINHARES, 1990, p. 287). FIGURA 36 – VARIAÇÃO DAS TAXAS DE INFLAÇÃO DE 1960 A 1983 O que ocorreu na economia brasileira no final da década de 1960 foi avaliado como um “milagre”, pois se combinou um elevado crescimento anual do PIB com a redução das taxas de inflação. A conjuntura internacional era favorável economicamente e, dadas as condições de alinhamento político com os países do bloco capitalista, os países subdesenvolvidos industrializados, como o Brasil, aproveitaram para realizar empréstimos vultosos no exterior, sendo que o “total da dívida externa desses países, não produtores de petróleo, aumentou de menos de 40 bilhões de dólares em 1967 para 97 bilhões, em 1972, e 375 bilhões de dólares em 1980”. (FAUSTO, 1996, p. 485). Paralelamente, grandes investimentos por intermédio do capital estrangeiro foram executados. Veja-se, por exemplo, a indústria automobilística, através da Ford, General Motors e Chrysler. O comércio exterior se expandiu consideravelmente. Ao acreditar que a ideia de que o Brasil sofria com os estrangulamentos externos da economia mundial era uma forma de subestimar nosso potencial produtivo, os governos militares promoveram amplo incentivo às exportações. A pauta de produtos exportados é que foi modificada, como o ingresso da soja, valendo-se de produtos que tinham preço alto no mercado internacional. A arrecadação tributária deu um salto, ajudando na redução do déficit público e no controle da inflação. Essa política do governo, criada pelo então ministro do Planejamento, Delfim Neto, ficou conhecida como “desenvolvimento capitalista associado”, ou seja, buscava-se o crescimento econômico do país acompanhando as fases de ascensão do capitalismo mundial e conjugando os investimentos privados com o incentivo público. Não foi propriamente um livre mercado, pois o Estado intervinha com políticas salariais, creditícias e tributárias, que beneficiaram os grandes setores das indústrias, serviços e agricultura. Apesar de ter recebido críticas do FMI, essa política foi em muito assentada na concessão de empréstimos do exterior. 128 UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA Entretanto, com a crise do petróleo, de nível mundial, em 1974, findaram- se as possibilidades de crédito fácil (pelo menos a juros baixos). A crise atingiu os credores mundiais e, principalmente, os EUA foram obrigados a saldar suas perdas cobrando juros mais altos pelos serviços da dívida externa dos países subdesenvolvidos que, por sua vez, tinham criado todo um modelo de desenvolvimento apoiado na poupança dos países desenvolvidos, de onde eram feitos os empréstimos. Assim, até então com uma política econômica sustentada no financiamento externo, base do “milagre”, o governo se viu frente à necessidade de uma política de ajustamento, ou seja, “frear” o crescimento do país para acompanhar a crise internacional, já que estava escassa a “fonte” dos recursos. Aí que se colocam as opções que foram tomadas entre um ajustamento ao quadro internacional de forte crise, iniciada com o choque do petróleo, e a continuidade da política anterior de crescimento com endividamento, via o uso da poupança externa. Associando-se ao Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, o PND II, foi nesta última direção a política econômica a partir de então, supondo que, seja uma possível transitoriedade da crise, seja a manutenção de uma conjuntura econômica favorável, na qual poderiam ser investidos os ganhos conseguidos através da expansão do mercado interno no período do “milagre”, a “Safra de 74”. Esta escolha pela continuidade da política de financiamento (mesmo que com juros altos, causa da enorme dívida externa acumulada), foi denominada a “estratégia de 74”. À parte de todos os despropósitos políticos do regime em voga, a opção econômica foi satisfatória, pois permitiu a internalização dos processos produtivos, provocando a alteração na pauta dasubstituição de importações, fatores estes que foram posteriormente fundamentais para responder ao estrangulamento do segundo choque do petróleo em 1979. FINANCIAMENTO AJUSTAMENTO Autoridades preferem evitar as dificuldades e sacrifícios para a adaptação Engajamento da política econômica no novo quadro Disponibilidade de recursos no mercado internacional Políticas fiscal e monetária desaquecem a economia visando reação automática das forças de mercado Crise passageira Crise duradoura, inevitável Não há realocação de recursos no interior da economia Admite-se o desequilíbrio interno Brecha entre a oferta e a demanda de divisas é concebida como “temporal e não repetitiva” Variação dos preços relativos e alteração da taxa de câmbio incitam o mercado Evitam-se os custos do ajuste Reajuste pela mudança na composição do gasto TÓPICO 2 | O ESGOTAMENTO DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO 129 Também é dado um papel de grande relevância à execução orçamentária dos projetos levados a cabo com o PND II – ainda que não promovessem nenhum ganho social – como meio de assegurar investimentos em médio e longo prazos para setores estratégicos e de baixa lucratividade, mas fundamentais para a base industrial do país permanecer aquecida, mesmo que em um grau relativamente menor, tornando-se a principal fonte de divisas futuras, naqueles setores que foram privilegiados. A situação favorável da economia brasileira, que atingiu a conjuntura nacional entre os anos de 1983 e 1984 com a retomada do crescimento econômico, foi expressa, principalmente, no superávit acumulado do balanço comercial de pagamentos. Uma opinião predominante de que este resultado positivo deve ser atribuído à política econômica adotada pelo governo em torno de 1982 é equivocada, encontrando-se as raízes deste saldo muito antes, na “estratégia de 74”, pois, do ponto de vista histórico, a conjuntura econômica que se inicia em meados da década de 1970, com a primeira crise do petróleo, e as opções realizadas naqueles tempos é que constituíram a base do crescimento econômico dos anos de 1983 e 1984. O suposto impacto do anúncio governamental, em outubro de 1982, de fim da política de “ajuste gradual”, na verdade, estava em perfeita correspondência com os determinantes da conjuntura internacional: a ausência de fundos para a manutenção de altos financiamentos, o colapso econômico dos países industrializados, o aumento do valor das importações e dos juros da dívida, levando à aplicação de um receituário ortodoxo, partido de acordo entre o Fundo Monetário Internacional e o Conselho Monetário Nacional. Ao que parece, esta política elevou a taxa de câmbio e reduziu os salários, promovendo um efeito-preço que por si só permitiu uma resposta à altura da crise externa. Entretanto, isso não passa de uma explicação superficial. O retorno das exportações brasileiras, em 1984, conforme sua linha de tendência, esteve estreitamente relacionado com a mudança de rota de produtos de menor peso na pauta de importações, levando ao surgimento de superávit elevado e, consequentemente, à superação dos déficits. Esta característica não está associada à política econômica de 1983 e 1984, mas à orientação da estratégia econômica dada pelo governo dez anos antes, em 1974. A confusão pode ser justificada pela aparente coincidência entre a política econômica e os resultados obtidos. Porém, as alterações registradas nas contas externas não são o resultado de uma política econômica de curto prazo que estimulou o crescimento e proporcionou o aumento das exportações. Pelo contrário, o receituário ortodoxo adotado em 1982 impôs obstáculos às exportações e, fundamentalmente, conseguiu o superávit, através de uma rígida política de contenção de importações, aproveitando o desaquecimento interno que ocorrera nos anos anteriores, somada ao restabelecimento de condições internacionais mais favoráveis, de recuperação econômica também em outros países. Apesar de ter sido adotada no país uma política de financiamento em 1974, esta foi a opção mais acertada, porque permitiu o crescimento econômico em uma conjuntura internacional extremamente desfavorável à economia brasileira, em outras palavras, uma economia subdesenvolvida, dependente das exportações 130 UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA para dar continuidade ao processo de substituição de importações. Também o endividamento e o redirecionamento dos gastos, com a compressão violenta dos salários, são aspectos de uma falta de opção admitida pela política econômica da época, mas que teve um impacto muito menos negativo do que seria o causado pela contenção do crescimento, visando a um ajustamento ao quadro internacional. Os reflexos desta opção serão percebidos justamente na retomada do crescimento e das exportações em 1984, pelo fato de já ter ocorrido uma transformação da economia brasileira, e não pelo ajuste tardio tentado pelo governo em 1982, cujas características sequer exprimem o significado que um ajustamento real que, hipoteticamente, tivesse ocorrido na primeira conjuntura da crise. LEITURA COMPLEMENTAR I QUAIS ERAM OS PONTOS FRACOS DO “MILAGRE”? Devemos distinguir entre pontos vulneráveis e pontos negativos. O principal ponto vulnerável estava em sua excessiva dependência do sistema financeiro e do comércio internacional, que eram responsáveis pela facilidade dos empréstimos externos, pela inversão de capitais estrangeiros, pela expansão das exportações etc. Outro ponto vulnerável era a necessidade cada vez maior de contar com determinados produtos importados, dos quais o mais importante era o petróleo. Os aspectos negativos do “milagre” foram principalmente de natureza social. A esse respeito, devemos fazer uma ressalva sobre a significação do PIB – um indicador que temos utilizado com frequência. O PIB é um bom indicador do estado geral da economia, mas, seja em números brutos, seja em números per capita, lembremos que ele divide igualmente o produto pela população total sem considerar os diferentes ganhos dos grupos sociais. O PIB não exprime também necessariamente o volume e a qualidade de serviços coletivos postos à disposição da população, nem a forma como um país preserva ou destrói seus recursos naturais. A política econômica de Delfim tinha o propósito de fazer crescer o bolo para só depois pensar em distribuí-lo. Alegava-se que antes do crescimento pouco ou nada havia para distribuir. Privilegiou-se assim a acumulação de capitais através das facilidades já apontadas e da criação de um índice prévio de aumento de salários em nível que subestimava a inflação. Do ponto de vista do consumo pessoal, a expansão da indústria, notadamente no caso dos automóveis, favoreceu as classes de renda alta e média. Os salários dos trabalhadores de baixa qualificação foram comprimidos, enquanto os empregos em áreas como administração de empresas e publicidade valorizaram-se ao máximo. Tudo isso resultou em uma concentração de renda acentuada que vinha já de anos anteriores. Tomando-se como 100 o índice do salário mínimo de janeiro de 1959, ele caíra para 39 em janeiro de 1973. Esse dado é bastante expressivo se levarmos em conta que, em 1972, 52,5% da população economicamente ativa recebiam menos de um salário mínimo e 22,8%, entre um e dois salários. O impacto social da concentração de renda foi, entretanto, atenuado. A expansão das oportunidades de emprego permitiu que o número de TÓPICO 2 | O ESGOTAMENTO DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO 131 pessoas que trabalhavam, por família urbana, aumentasse bastante. Por outras palavras, ganhava-se individualmente menos, mas a redução era compensada pelo acesso ao trabalho de um maior número de membros de uma determinada família. Outro aspecto negativo do “milagre” que perdurou depois dele foi a desproporção entreo avanço econômico e o retardamento ou mesmo o abandono dos programas sociais pelo Estado. O Brasil iria se notabilizar no contexto mundial por uma posição relativamente destacada pelo seu potencial industrial e por indicadores muito baixos de saúde, educação e habitação, que medem a qualidade de vida de um povo. O “capitalismo selvagem” caracterizou aqueles anos e os seguintes, com seus imensos projetos que não consideravam nem a natureza nem as populações locais. A palavra “ecologia’ mal entrara nos dicionários e a poluição industrial e dos automóveis parecia uma bênção. No governo Médici, o projeto da rodovia Transamazônica representou um bom exemplo desse espírito. Ela foi construída para assegurar o controle brasileiro da região – um eterno fantasma na óptica dos militares – e para assentar em agrovilas trabalhadores nordestinos. Após provocar muita destruição e engordar as empreiteiras, a obra resultou em fracasso. FONTE: Fausto (1996, p. 487-488). LEITURA COMPLEMENTAR II AS ETAPAS DA ABERTURA FINANCEIRA EXTERNA Como qualquer movimento internacional de ativos financeiros, a abertura da economia brasileira aos empréstimos bancários externos apresenta um componente de ajustamento de estoque e outro de ajustamento de fluxo. Sem pretender quantificar a importância relativa desses dois componentes no conjunto do fluxo externo de empréstimos, o que se irá fazer [...] é analisar o processo de abertura financeira externa, separando-o em três subperíodos distintos: de 1964 a 1967, de 1968 a 1973, de 1974 a 1979. O período de 1964 a 1967 Neste período, não se pode dizer que tenha existido uma política claramente formulada de absorção de poupanças externas, sob a forma de empréstimos bancários. Na verdade, a entrada destes últimos foi estimulada pelo governo, como uma solução temporária para os problemas de liquidez enfrentados pelas empresas, em decorrência do rígido programa de controle monetário implementado em 1964. Não eram outros os objetivos da Instrução 289 e da Resolução 63... Nesta perspectiva, a inserção da economia brasileira no mercado financeiro internacional pode ser vista como resultante principalmente de um processo de ajustamento de estoque, em função de restrições monetárias internas e de elevação 132 UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA na taxa de juros no mercado financeiro doméstico. Os empréstimos externos representaram, portanto, uma tentativa para acomodar a oferta excedente de obrigações emitidas pelo setor privado nacional, pelas empresas públicas e pelas companhias estatais. O mercado financeiro internacional, mais especificamente o mercado de eurodólares, funcionou, no caso, como substituto à criação de crédito pelo sistema financeiro doméstico. O período de 1968 a 1973: crescimento com endividamento A abertura financeira externa, originalmente uma solução transitória para problemas de financiamento empresarial, tornou-se uma opção clara de política econômica do governo, no período de 1968 a 1973. Nesses anos, a extraordinária expansão cíclica da economia brasileira criou uma demanda por fundos externos de parte dos setores público e privado. De acordo com os argumentos oficiais, a absorção de empréstimos estrangeiros se justificava pela necessidade de crescer a taxas mais rápidas do que seria permitido pela poupança doméstica. A introdução do sistema de minidesvalorização cambial, em agosto de 1968, certamente contribuiu para que as empresas no país se dispusessem a emitir dívidas denominadas em moedas fortes. Os potenciais tomadores de empréstimo cedo perceberam que a prática de desvalorizar o cruzeiro a níveis inferiores à inflação interna constituía um incentivo ao endividamento externo. Além disso, os prazos dos empréstimos no mercado de eurodólares eram superiores aos financiamentos obtidos junto ao sistema financeiro privado doméstico. De outro lado, saliente-se que boa parte dos créditos a longo prazo concedidos por agências financeiras governamentais (BNDE, Finame etc.) eram indexados, de acordo com a taxa de inflação, o que os tornava relativamente mais caros do que os empréstimos em moeda estrangeira. Assim, como resultado de uma combinação de fatores (o rápido crescimento da economia, política cambial, política creditícia e monetária), observou-se, no período em análise, uma acentuada expansão do saldo dos empréstimos em moeda, os quais saltam de US$ 1.083 milhões, em 1968, para US$ 7.849 milhões, em 1973 (em percentagem da dívida externa, aquelas cifras representam 28,6% e 62,4%, respectivamente). À vista deste considerável afluxo de recursos, as autoridades monetárias ganharam graus de liberdade adicionais para impor termos e condições para a aprovação dos novos empréstimos. Várias medidas são implementadas, denotando uma tentativa de controlar o processo de endividamento internacional do país. [...] Em síntese, consolidou-se no período em foco a inserção da economia brasileira no sistema financeiro privado internacional, mais particularmente, no mercado de eurodólares. Sugere-se que esse movimento pode ser explicado, principalmente, por um ajustamento de fluxos, induzidos pelas altas taxas de crescimento da renda e das riquezas nacionais, observados no auge do “milagre brasileiro”. TÓPICO 2 | O ESGOTAMENTO DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO 133 O período 1974 a 1979: ajustamento à crise internacional A crise do petróleo e as violentas flutuações nos preços mundiais de produtos agrícolas e de matérias-primas, em fins de 1973, contribuíram para acelerar a contratação de empréstimos externos. Tentando retardar os efeitos da alta do petróleo e posterior recessão nos países desenvolvidos sobre a economia nacional, o governo optou por financiar os déficits sucessivos em transações correntes através de novos empréstimos. Desta forma, o país continuou sendo uma presença constante no mercado de euromoedas, mesmo com os bancos internacionais tendo que acomodar os desequilíbrios comerciais dos países ricos e clientes já tradicionais. É lógico que o “risco Brasil” foi aumentado e alguns artifícios foram colocados em prática, a fim de elevar-se a taxa efetiva de juros nas operações com residentes no país. Ao se analisarem as medidas implementadas neste período para enfrentar o desequilíbrio externo, tem-se a nítida impressão de que os “policy-makers” ficaram presos numa situação constrangedora. De um lado, a necessidade de financiar os sucessivos déficits em transações correntes exigia a continuação do processo de abertura financeira e a manutenção da política de minidesvalorização do cruzeiro. De outro lado, todavia, a própria abertura trazia, como subproduto, uma maior instabilidade na base monetária e na condução da política monetária, o que, por sua vez, conduzia a medidas que procuravam desestimular a contratação de novos empréstimos. [...] Dada a necessidade de compatibilizar a abertura financeira externa com controle monetário, em um regime de minidesvalorizações, as autoridades monetárias parecem ter optado pela imposição de controles administrativos sobre os fluxos de empréstimos (a mesma ênfase em restrições quantitativas foi aplicada para se equilibrarem os fluxos reais de bens e serviços). Assim, garantia-se a entrada de cambiais e procurava-se, ao mesmo tempo, neutralizar temporariamente os efeitos do aumento das reservas externas sobre a base monetária. Várias medidas, implementadas a partir de 1977, sugerem aquela orientação de política econômica. [...] Resumindo a experiência dos últimos cinco anos, ela demonstra as dificuldades [...] que os “policy-makers” encontram para manter certo grau de autonomia em matéria de política monetária, em um contexto de intensa mobilidade entre países de fluxos de capitais. Tais problemas tornam-se mais críticos, no caso de um país pequeno em relação ao mercadofinanceiro internacional. 134 UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA FONTE: Moura (1981, p. 148-151) GRÁFICO 1 DíVIDA EXTERNA DO BRASIL em milhões TÓPICO 2 | O ESGOTAMENTO DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO 135 Para aprofundamento destes temas, sugiro que você leia o livro, os textos e assista aos filmes indicados: LIVRO: CASTRO, Antonio Barros de; SOUZA, Francisco E. P. A Economia Brasileira em Marcha Forçada. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. A obra ajuda a perceber as contradições entre o discurso oficial e a realidade brasileira. Trata- se de uma visão atenta dos fatos econômicos pré-1964 até a década de 1980. TEXTOS: Um importante material, de dados estatísticos que servem como fontes históricas sobre as condições de vida da população brasileira, são os censos demográficos de 1960, 1970 e 1980, geral do Brasil (há também os regionais), que podem ser encontrados nas publicações do acervo digital da biblioteca no sítio do IBGE na internet. O acesso pode ser feito através de: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico de 1960. VII Recenseamento Geral do Brasil. Brasil: Departamento de Estatísticas de População, 1980 (Série Nacional, v. I). Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/CD1960/CD_1960_ Brasil.pdf FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico. VIII Recenseamento Geral do Brasil. Brasil: Departamento de Censos, 1970 (Série Nacional, v. I). Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/CD1970/CD_1970_ BR.pdf FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico: dados gerais, migração, instrução, fecundidade, mortalidade. IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1982-83 (v. 1, Tomo 4, n. 1). Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/CD1980/CD_1980_ Dados_Gerais_BR.pdf FILMES: Os dois filmes a seguir selecionados são um vestígio do período da ditadura, não só pela temática que abordam, mas porque o próprio diretor, Leon Hirszman, é um ícone do período. Seu longa-metragem “Cinco vezes favela”, por exemplo, foi produzido pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, no início da década de 1960. ABC da Greve. Brasil: Direção de Leon Hirzsman, colorido, 89 min. 1979/90. Um dos principais documentários da época acompanha os acontecimentos que desencadearam a greve dos metalúrgicos do ABC, até seu fim. Conta com cenas históricas das assembleias e da repressão policial, além de entrevistas com autoridades governamentais e representantes dos empresários. Uma denúncia sobre a condição de exploração do trabalhador brasileiro. Serviu de preparo para a filmagem de “Eles não usam black-tie”. Eles não usam black-tie. Brasil: Produção, roteiro e direção de Leon Hirzsman, colorido, 134 min. 1981. O filme retrata o cotidiano conflituoso da classe trabalhadora na crise do final dos anos 1970, centrado no núcleo familiar operário de um metalúrgico sindicalizado. Baseado na peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri. DICAS 136 Neste tópico pudemos observar como se deu a dinâmica econômica no período dos governos militares, no qual foram abordados os seguintes itens: l O ciclo econômico da ditadura, desde a crise de 1962-1969, a ascensão de 1970- 1973, a nova crise de 1974-1982, a breve recuperação entre 1983-1984. • A crise econômica dos anos de 1960 como causa e justificativa para o golpe, pois as soluções apontadas deveriam permanecer dentro das expectativas das classes economicamente dominantes. • Os quatro planos econômicos dos governos militares, cujos objetivos foram propiciar uma modernização industrial, mas de cunho conservador, autoritário e excludente. • O “milagre econômico”, no final dos anos de 1960 e início de 1970, política de crescimento com endividamento que levou à recuperação da produtividade, com altas taxas de elevação do PIB. • A “estratégia de 74”, responsável pela manutenção do desenvolvimento capitalista associado, mesmo que com o alto preço pago pelos empréstimos externos. • A diferença entre política de financiamento e política de ajustamento, ambas colocadas como possibilidades para os governos militares, que optaram pela primeira delas. • A retomada do crescimento com alteração das exportações brasileiras entre 1983 e 1984, como resultado das transformações econômicas geradas no período anterior. • Além da “explosão” da dívida externa, inflação, concentração de renda, queda do poder aquisitivo, desemprego e aumento dos bolsões de miséria foram tendências marcantes de todo o regime militar, pois o “modelo de desenvolvimento” privilegiava os grandes setores da economia e não a população. RESUMO DO TÓPICO 2 137 AUTOATIVIDADE 1 Caracterize, com suas palavras, a diretriz geral da política econômica dos governos militares. 2 Explique, brevemente, o processo de duas décadas (1960 e 1970) no qual se deu a multiplicação da dívida externa brasileira. 138 139 TÓPICO 3 A MOBILIZAÇÃO POPULAR, A TRANSIÇÃO E A NOVA REPÚBLICA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Dentre os diversos fatores que levaram ao fim da ditadura, temos os de ordem econômica, fundamentais. Também contam o desgaste do regime autoritário, o isolamento e a dificuldade dos militares em se manter no poder. Mas, sem a menor sombra de dúvida, é preciso destacar a importância histórica dos movimentos de oposição à ditadura que, oriundos de uma base popular, fomentaram organizações políticas e mobilizações populares, agindo no campo da pura contestação até a resistência pela luta armada. 2 A MOBILIZAÇÃO POPULAR A influência da Revolução Cubana mostrava a possibilidade de um caminho diferente para toda a América Latina e a adesão de vários grupos ao modelo cubano de guerrilha intensificou-se após 1964. Essas organizações pretendiam ser embriões de um exército popular revolucionário. Entre outras, podemos citar o Movimento Nacionalista Revolucionário – MNR, dirigido pelo ex-governador gaúcho Leonel Brizola; o Movimento Armado Revolucionário – MAR, os Comandos de Libertação Nacional (COLINA), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), advindos do esfacelamento do MNR; a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (POLOP), que teve um movimento armado frustrado logo após o golpe, conhecido como a “guerrilha de Copacabana”; a VPR e o COLINA absorveram dissidentes da POLOP em 1967; a Ação Popular – AP, cujo dirigente principal foi Herbert José de Souza, o Betinho; o Partido Revolucionário dos Trabalhadores – PRT, dissidente da AP; a Aliança Nacional Libertadora – ANL, principal grupo de guerrilha urbana, dirigida por Carlos Marighela, dissidência do PCB, tal como do PCBR; Movimento Revolucionário 8 de Outubro – MR-8; a Ala Vermelha e o Partido Comunista Revolucionário – PCR, dissidências do PC do B. Além desses grupos revolucionários, que tanto a grande imprensa como a ditadura denominavam de terroristas, ocorreram ainda dois movimentos armados de destaque: a guerrilha do Vale da Ribeira, organizada pelo capitão Lamarca, da VPR, e a guerrilha do Araguaia, organizada pelo PC do B, em 1972, após estarem praticamente desmantelados os movimentos armados urbanos, sendo considerada a principal e talvez, única, guerrilha rural do Brasil. UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA 140 Não somente de luta armada se constituiu a resistência ao regime. Também deve ser relevado o papel do movimento estudantil nos processos políticos oposicionistas. Ainda que com tradição elitista, os estudantes na década de 1960, principalmente os universitários, acabaram por assumir um posicionamento mais próximo das lutas populares, visto que, na maioria, constituía-sea massa estudantil de jovens pertencentes principalmente às classes médias brasileiras. O movimento conseguiu atingir uma escala nacional de organização e, entre 1964 e 1968, foi a principal força de oposição ao governo militar. Anteriormente, desde os anos de 1950, vinculados à ala progressista da Igreja Católica, a partir de 1961, militantes da AP passam a controlar a União Nacional dos Estudantes – UNE. As manifestações no final de março de 1968, em razão do sepultamento do estudante secundarista Edson Souto, morto pela polícia, se davam em um momento em que o movimento estudantil já acumulava certa experiência ao lado das aspirações de cunho popular. O ápice deste desenvolvimento político se deu na famosa Passeata dos Cem Mil, em fins de junho de 1968, quando a UNE começa a ser perseguida (um de seus congressos, em Ibiúna, interior de São Paulo, foi desmantelado pelo governo). Movimento que detinha um poder cultural, a UNE foi responsável pela criação do Centro Popular de Cultura – CPC, que objetivava a politização das massas. Outra vertente que se destacou no combate à ditadura partiu de setores dissidentes da CNBB (que, em 1964, apoiara com fervor o golpe contra a escalada comunista) e estruturas leigas da Igreja Católica que, desde o começo de 1960, formaram uma ampla esquerda “cristã”. Neste campo estavam membros do clero e leigos organizados nas Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, pastorais populares, na Juventude Universitária Católica – JUC, Juventude Estudantil Católica – JEC e Juventude Operária Católica – JOC, movimentos de educação de base e outros, em grande medida guiados pela Teologia da Libertação, movimento de fundo doutrinário que teve caráter cismático dentro da Igreja Católica Apostólica Romana. TÓPICO 3 | A MOBILIZAÇÃO POPULAR, A TRANSIÇÃO E A NOVA REPÚBLICA 141 FONTE: UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES. História UNE. Disponível em: <http://www.une.org.br/>. Acesso em: 12 abr. 2010. Poderia ser citado ainda o movimento da “Frente Ampla” que reuniu, em março de 1967, todos os políticos insatisfeitos com os rumos que foram tomados pelo movimento de 1964, chegando a divulgar um Programa Mínimo Inicial que pedia, dentre outras coisas, a elaboração de uma Constituição democrática. Apesar do impacto favorável na opinião pública, a Frente, que contava com nomes como os dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart e de antigos apoiadores do golpe insatisfeitos, não resistiu às tensões e a pouca coesão interna levou ao seu fim, fulminada pela Instrução 177 do Ministério da Justiça, proibindo qualquer manifestação em nome da Frente Ampla. Por fim, cabe ressaltar, no final dos anos de 1970, a reorganização do movimento sindical, estimulando as greves dos trabalhadores, com destaque para os metalúrgicos. Em fins de outubro de 1978, cerca de oito mil metalúrgicos paralisaram as atividades nas fábricas da Fiat Automóveis, Krupp Indústrias Mecânicas e FMB Produtos Metalúrgicos, na região de Betim, junto de Belo Horizonte. Em São Paulo, a greve deflagrada a partir da zero hora do dia 30 do mesmo mês chegou a paralisar quase 148 mil operários, em 385 empresas, segundo dados da Delegacia Regional do Trabalho. Nestas manifestações é que se revelou publicamente o nome do líder sindical Luis Inácio, o Lula. FIGURA 37 – CORTEJO FÚNEBRE DE ÉDSON LUIS, MORTO DURANTE MANIFESTAÇÃO NO PERÍODO MILITAR UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA 142 FONTE: Disponível em: <http://www.uniol.com.br/imagens/blogs/ postagens/ postBlog651.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2010. FIGURA 38 – GREVES NO ABC PAULISTA, 1979 3 A TRANSIÇÃO Com uma maior possibilidade de manifestação da sociedade, as atenções se voltaram para a sucessão do general Figueiredo, prevista para o ano de 1985. A partir de 1983, os partidos de oposição mais expressivos, como o PMDB, o PDT, o PT e outras organizações começaram a organizar uma campanha pelo fim das eleições indiretas e para que a eleição presidencial seguinte fosse realizada através da escolha popular do candidato à presidência. Com um início modesto, esta campanha foi, aos poucos, ganhando as ruas, e se tornou uma grande mobilização popular, conhecida como a campanha das “diretas-já!”. Para que tivesse sucesso, a emenda apresentada pelo deputado mato- grossense Dante de Oliveira, do MDB, deveria ser aprovada por dois terços do Congresso Nacional, cuja maioria era formada por representantes do PDS, partido de sustentação do governo que incorporou a ex-ARENA. Mas a Emenda Dante de Oliveira, que pretendia introduzir eleições diretas no país, não foi aprovada. Precisava de 320 votos na Câmara dos Deputados, de um total de 479. Obteve 298, faltaram apenas 22 votos. FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Diretas_J%C3%A1>. Acesso em: 7 maio 2010. FIGURA 39 – PASSEATA NO CENTRO DE SÃO PAULO, EM 16 DE ABRIL DE 1984, REIVINDICANDO ELEIÇÕES DIRETAS PARA PRESIDENTE (FOTO DE JORGE H. SINGH) TÓPICO 3 | A MOBILIZAÇÃO POPULAR, A TRANSIÇÃO E A NOVA REPÚBLICA 143 Frustrada a possibilidade de eleições diretas para o primeiro presidente civil, depois de vinte anos de ditadura e governos militares, a transição ocorrera com eleições indiretas, via Colégio Eleitoral, mantendo-se o processo político dentro dos planos do velho regime, sem maiores espaços para a participação do povo. O pleito se polarizou entre dois nomes: Paulo Maluf, amigo de Costa e Silva, ex-prefeito de São Paulo e deputado federal, concorreu pelo PDS (antiga Arena); Tancredo Neves, ex-ministro da Justiça de Getúlio (1954), primeiro-ministro durante o primeiro gabinete (até junho de 1962) do período parlamentarista no governo Jango, concorreu pela Aliança Democrática (entre o PMDB e a Frente Liberal, uma dissidência do PDS, liderada pelo vice-presidente Aureliano Chaves). A 15 de janeiro de 1985, Tancredo e Sarney obtiveram uma vitória nítida no Colégio Eleitoral, batendo Maluf por 480 votos a 180. Tancredo obteve todos menos cinco dos 280 votos do PMDB; recebeu também 166 votos de congressistas eleitos pelo PDS agora em dissidência. O PDT votou em Tancredo, embora não integrasse a Aliança Democrática. O PT absteve- se de votar, em protesto contra a eleição indireta e o que entendia ser um arranjo de cúpula. Mesmo assim três de seus deputados não seguiram as diretrizes do partido e votaram em Tancredo. (FAUSTO, 1996, p. 512). A transição se completaria com a posse de Tancredo Neves, marcada para março de 1985. Entretanto, acometido de uma grave doença, foi submetido a uma série de cirurgias, até sua morte, no dia de Tiradentes, em 21 de abril desse ano. O vice-presidente, José Sarney, já havia subido a rampa do Planalto e tomado a posse como Presidente da República, agora em definitivo. FONTE: REVISTA MANCHETE. Tancredo Neves. O Mártir da Democracia. Ed. Histórica. São Paulo: Bloch, abr. 1985. FIGURA 40 – CAPA DA REVISTA MANCHETE 4 A NOVA REPÚBLICA A Nova República, como ficou conhecida a fase da história brasileira posterior ao fim da ditadura, foi iniciada – como sugere seu nome – com a busca de uma diferenciação em relação ao regime autoritário. A mais óbvia foi o exercício do poder pelos civis ao invés de governos militares, mas algumas inovações UNIDADE 3 | DO REGIME MILITAR À NOVA REPÚBLICA 144 políticas, como a Anistia e o pluripartidarismo, foram realizadas ainda durante o governo do general Figueiredo. Nem todos os laços políticos com o passado foram desfeitos; por exemplo, o Serviço de Inteligência Nacional – SNI – foi mantido em funcionamento e vários políticos que alcançaram a fama durante a ditadura continuaram no poder. Por outro lado, os anseios sociais por maiores liberdades civis, pela garantia dos direitos políticos
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