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Universidade de Bras´ılia Departamento de Matema´tica Prof. Celius A. Magalha˜es Ca´lculo III Notas da Aula 25∗ Integrais de Linha - I Uma vez que se conhece as derivadas parciais e as integrais mu´ltiplas, o pro´ximo passo e´ estudar a relac¸a˜o entre esses conceitos. No caso de uma varia´vel essa relac¸a˜o e´ o Teo- rema Fundamental do Ca´lculo, e no caso de va´rias varia´veis essa relac¸a˜o tem va´rios nomes: Teorema de Green, de Gauss e de Stokes. Sa˜o esses os teoremas que sera˜o estudados a seguir. Lembrando: o Teorema Fundamental do Ca´lculo De in´ıcio vale lembrar alguns conceitos bem familiares. Para calcular a integral de uma func¸a˜o f : [a, b] → R basta determinar uma primitiva, isto e´, uma func¸a˜o F (t) tal que F ′(t) = f(t) ∀ t ∈ (a, b). Nesse caso, segundo o Teorema Fundamental do Ca´lculo, a integral e´ dada por∫ b a f(t) dt = F (b)− F (a) a t b f(t) O curioso desta igualdade e´ que a integral depende do valor da func¸a˜o f ao longo de todo o intervalo [a, b], enquanto que a diferenc¸a F (b)− F (a) depende apenas dos valores da func¸a˜o F nos extremos {a, b} do intervalo. E´ mesmo muito interessante! O conjunto dos pontos extremos e´ dito o bordo do intervalo, e e´ comum a notac¸a˜o ∂[a, b] = {a, b} para indicar esse bordo. A pergunta agora e´ bem natural: haveria um ana´logo do Teorema Fundamental para o caso de func¸o˜es de duas varia´veis? P f(P ) D ∂D Considere enta˜o D ⊂ R2 e f : D → R uma func¸a˜o dada. Como aumentou-se uma dimensa˜o no domı´nio, aumentou-se tambe´m uma dimensa˜o no bordo ∂D, que agora passa a ser uma curva no plano Oxy, como ilustra a figura ao lado. O ana´logo do Teorema Fundamental seria relacionar a integral dupla ∫∫ Q f(x, y) dxdy com a soma dos valores de uma outra func¸a˜o F definida apenas no bordo ∂D do domı´nio. Ora! A soma dos valores de uma func¸a˜o definida em um conjunto e´ exatamente a integral da func¸a˜o sobre esse con- junto. Assim, o primeiro passo para se generalizar o Teorema Fundamental e´ estudar a integral de func¸o˜es definidas sobre curvas. Essas sa˜o as integrais de linha estudadas a seguir. Integrais de Linha de 1a Espe´cie Como motivac¸a˜o, considere o problema de calcular a massa de um fio que corresponda ao intervalo [a, b] e com densidade linear δ̂ : [a, b] → R conhecida. Como sempre, a ideia e´ comec¸ar com uma partic¸a˜o P = {a = t0 < t1 · · · < tn = b} do intervalo [a, b]. Aproximando a densidade em [ti−1, ti] pelo valor de δ̂(ti−1), a massa deste intervalo e´ aproximadamente δ̂(ti−1)∆ti, onde ∆ti = ti − ti−1 e´ o comprimento do intervalo. ∗Texto digitado e diagramado por Ange´lica Lorrane a partir de suas anotac¸o˜es de sala Somando-se essas aproximac¸o˜es obte´m-se a soma de Riemann ∑n i=1 δ̂(ti−1)∆ti, que e´ uma aproximac¸a˜o para a massa do fio, aproximac¸a˜o ta˜o melhor quanto menor forem os ∆ti. E´ claro enta˜o que a massa do fio e´ dada por ∫ b a δ̂(t) dt = lim ‖P‖→0 n∑ i=1 δ̂(ti−1)∆ti a b ti−1 ti O´timo. Isso resolve o problema no caso em que o fio e´ reto. Mas suponha agora que, como ilustrado na figura abaixo, o fio corresponda a` imagem de uma parametrizac¸a˜o P (t) = (x(t), y(t), z(t)), com t ∈ [a, b], e que se conhec¸a a densidade δ(P (t)) no ponto P (t). Enta˜o, como calcular a massa deste fio? Como ja´ se sabe calcular a massa no caso de um intervalo, a pergunta pode ser reformulada assim: como obter uma densidade δ̂ no intervalo [a, b] de modo que, com essa densidade, o intervalo tenha a mesma massa do fio? a b t t+∆t P P (a) P (b) P (t) P (t+∆t) Ora, essa e´ uma pergunta familiar, e o segredo em responde-la esta´ em comparar tamanhos no domı´nio e na imagem. De fato, supondo que a parametrizac¸a˜o tenha vetor velocidade lim ∆t→0 P (t+∆t)− P (t) ∆t = P ′(t) pode-se usar a aproximac¸a˜o P (t + ∆t) − P (t) ≈ P ′(t)∆t no caso em que ∆t e´ pequeno. Assim, nesse caso, o comprimento do fio entre P (t) e P (t+∆t) pode ser aproximado por ‖P (t+∆t)− P (t)‖ ≈ ‖P ′(t)‖∆t Pronto! A´ı esta´ a comparac¸a˜o procurada: o comprimento do fio entre os pontos P (t) e P (t+∆t) e´, aproximadamente, o comprimento do intervalo [t, t+∆t] multiplicado pelo fator ‖P ′(t)‖. Para as integrais de linha esse fator desempenha o mesmo papel que o jacobiano desempenha para as mudanc¸as de coordenadas. Voltando ao ca´lculo da massa, escolha uma partic¸a˜o P = {a = t0 < t1 · · · < tn = b} de [a, b] e suponha que a densidade entre P (ti−1) e P (ti) seja aproximada por δ(P (ti−1)). Enta˜o, como ti = ti−1 +∆ti, o comprimento da regia˜o entre P (ti−1) e P (ti) e´ aproximadamente ‖P (ti)− P (ti−1)‖ ≈ ‖P ′(ti−1)‖∆ti Multiplicando pela densidade, a massa entre P (ti−1) e P (ti) pode ser aproximada por δ(P (ti−1))‖P ′(ti−1)‖∆ti = δ̂(ti−1)∆ti onde foi usada a notac¸a˜o δ̂(t) = δ(P (t))‖P ′(t)‖. Ora, δ̂(ti−1)∆ti e´ a massa do intervalo [ti−1, ti] se for escolhida a densidade δ̂ em [a, b]. Assim, essa e´ a escolha que faz com que, localmente, as massas do domı´nio e da imagem sejam aproximadamente iguais. E´ tambe´m a escolha que faz com que as massas totais sejam as mesmas! De fato, as massas totais, do fio e do intervalo, podem ser aproximadas pelas somas de Riemann n∑ i=1 δ(P (ti−1))‖P ′(ti−1)‖∆ti = n∑ i=1 δ̂(ti−1)∆ti aproximac¸o˜es ta˜o melhores quanto menores forem os ∆ti. Ca´lculo III Notas da Aula 25 2/5 Passando o limite com ‖P‖ → 0, e´ claro enta˜o que as massas sa˜o dadas por 1 P (a) P (t) P (b) ∫ b a δ(P (t))‖P ′(t)‖ dt = ∫ b a δ̂(t) dt Exemplo 1. Calcule a massa do fio de parametrizac¸a˜o P (t) = (cos(t), sen(t), t) com densidade δ(P (t)) = ‖P (t)‖2, t ∈ [0, 2pi]. Soluc¸a˜o. O fio esta´ ilustrado ao lado, e de la´ percebe-se que a sua projec¸a˜o sobre o plano Oxy e´ um c´ırculo de raio 1. A componente vertical e´ o pro´prio paraˆmetro t, que alcanc¸a a altura 2pi ao longo do eixo Oz. Em raza˜o desta forma o fio e´ conhecido como uma he´lice. A massa e´ fa´cil de calcular, pois P ′(t) = (− sen(t), cos(t), 1) tem norma ‖P ′(t)‖ = √2, que e´ constante. Ale´m disso, como a densidade e´ δ(P (t)) = ‖P (t)‖2 = 1 + t2, segue-se que M = ∫ 2pi 0 δ(P (t))‖P ′(t)‖ dt = ∫ 2pi 0 (1 + t2) √ 2 dt = √ 2 ( 2pi + (2pi)3 3 ) = 2pi √ 2 3 ( 3 + 4pi2 ) � Em geral, dada uma parametrizac¸a˜o P (t) = (x(t), y(t), z(t)), com t ∈ [a, b], indica-se por C a sua imagem, e diz-se que C e´ o caminho de parametrizac¸a˜o P (t). Uma boa comparac¸a˜o esta´ em supor que C representa uma estrada e P (t) uma maneira particular de percorrer essa estrada. Em geral, um caminho C representa uma curva no espac¸o. Com densidade 1 a massa coincide com o comprimento do caminho, que e´ dado por∫ b a ‖P ′(τ)‖ dτ . Em particular, o comprimento entre P (a) e P (t) e´ dado pela func¸a˜o s(t) = ∫ t a ‖P ′(τ)‖ dτ A figura acima ilustra essa igualdade. A derivada desta func¸a˜o e´ d dt s(t) = ‖P ′(t)‖ e e´ comum usar a notac¸a˜o de que ds = ‖P ′(t)‖ dt e´ o elemento comprimento de arco do caminho. Essa notac¸a˜o significa que uma pequena variac¸a˜o dt no comprimento do domı´nio provoca uma variac¸a˜o ds = ‖P ′(t)‖ dt no comprimento da imagem. Em va´rios argumentos e´ importante que o elemento comprimento de arco esteja definido e na˜o se anule. Nesse caso, segundo a pro´xima definic¸a˜o, o caminho e´ dito regular. Definic¸a˜o 1. A parametrizac¸a˜o P (t) = (x(t), y(t), z(t)), t ∈ [a, b], do caminho C e´ dita regular se possui vetor velocidade P ′(t) = (x′(t), y′(t), z′(t) cont´ınuo e, ale´m disso, ‖P ′(t)‖ na˜o se anula para todo t ∈ [a, b] Se f e´ uma func¸a˜o definida em um caminho C de parametrizac¸a˜o regular P (t), usa-se a notac¸a˜o ∫ C f ds para indicar a integral∫ C f ds = ∫ b a f(P (t))‖P ′(t)‖ dt Essa integral e´ dita a integral de linha de 1a espe´cie de f sobre C. Por exemplo, se f fora densidade, enta˜o a integral de linha e´ a massa do caminho. Mas a integral de linha pode ter outros significados, como ilustra o pro´ximo exemplo. Ca´lculo III Notas da Aula 25 3/5 Exemplo 2. Calcule o centro de massa do fio do Exemplo 1. Soluc¸a˜o. Bem, o primeiro passo e´, a partir de um comprimento infinitesimal ds = ‖P ′(t)‖ dt em torno do ponto P (t), determinar a massa infinitesimal δ ds = δ(P (t))‖P ′(t)‖ dt O pro´ximo passo e´ determinar o momento de massa deste ponto em relac¸a˜o aos treˆs planos coordenados. Por exemplo, para o momento de massa em relac¸a˜o ao plano Oyz, deve-se calcular a distaˆncia x do ponto P (t) = (cos(t), sen(t), t) a este plano. Mas e´ claro que essa distaˆncia e´ dada por x = x(t) = cos(t). Multiplicando essa distaˆncia pela massa δ ds, obte´m-se que o momento de massa do ponto P (t) em relac¸a˜o ao plano Oyz e´ dado por xδ ds = x(t)δ(P (t))‖P ′(t)‖ dt O u´ltimo passo e´ somar todos esses momentos de massa ao longo do caminho C. A rigor essa soma deveria ser feita por meio das somas de Riemann. Mas esses passos ja´ sa˜o conhecidos, e e´ claro que a soma de todos os momentos e´ dado pela integral de linha∫ C xδ ds = ∫ 2pi 0 x(t)δ(P (t))‖P ′(t)‖ dt O´timo. Essa e´ outra interpretac¸a˜o das integrais de linha de 1a espe´cie: elas podem ser usadas para calcular o momento de massa do caminho em relac¸a˜o a um dos planos coordenados. Serve tambe´m para calcular as coordenadas do centro de massa, que no caso da coordenada x e´ dado por x = ∫ C xδ ds∫ C δ ds onde a massa ∫ C δ ds foi calculada no Exemplo 1. A outra integral, dada por∫ C xδ ds = ∫ 2pi 0 x(t)δ(P (t))‖P ′(t)‖ dt = ∫ 2pi 0 cos(t)(1 + t2) √ 2 dt e´ um pouco mais chata de calcular, em raza˜o do fator t2. Mas ela pode ser calculada usando integrac¸a˜o por partes, e e´ igual a ∫ C xδ ds = 4pi √ 2. Juntando as pec¸as do quebra-cabec¸a, e fazendo algumas simplificac¸o˜es, obte´m-se que x = 6 3+4pi2 ≈ 0, 1412 As outras coordenadas podem ser calculadas de forma ana´loga, e sa˜o dadas por y = −6pi 3 + 4pi2 ≈ −0, 4437 e z = 3pi(1 + 2pi 2) 3 + 4pi2 ≈ 4, 6014 A figura ao lado ilustra essas coordenadas, e parece es- tranho que z seja ta˜o alto. Mas isso se deve ao fato da den- sidade ser maior em pontos afastados da origem, deslocando o centro de massa para a parte de cima do caminho. � ax y Exemplo 3. Para a > 0, calcule o comprimento da curva de equac¸a˜o x2/3 + y2/3 = a2/3. Soluc¸a˜o. A curva esta´ ilustrada na figura ao lado, e e´ conhecida como uma hipocicloide. O comprimento pode ser calculado das duas maneiras indicadas a seguir. Soluc¸a˜o 1. Por simetria, o comprimento total e´ quatro vezes o comprimento da curva restrita ao primeiro quadrante. Nesse quadrante a curva e´ o gra´fico da func¸a˜o Ca´lculo III Notas da Aula 25 4/5 y = f(x) = (a2/3 − x2/3)3/2 com x ∈ [0, a] A curva C correspondente a esse gra´fico pode ser parametrizada por P (x) = (x, f(x)), com x ∈ [0, a]. Veja a figura acima. O vetor velocidade e´ enta˜o P ′(x) = (1, f ′(x)), e portanto o comprimento de C e´ dado por∫ C ds = ∫ a 0 ‖P ′(x)‖dx = ∫ a 0 √ 1 + f ′(x)2 dx igualdade que e´ bem conhecida nos cursos de Ca´lculo em uma varia´vel. Em geral, e em raza˜o da raiz que aparece no integrando, o ca´lculo do comprimento de curvas na˜o e´ muito simples. No entanto, para a hipocicloide, os ca´lculo ficam bem fa´ceis. De fato, calculando obte´m-se que f ′(x) = −(a2/3 − x2/3)1/2x−1/3, e portanto 1 + f ′(x)2 = 1 + (a2/3 − x2/3)x−2/3 = a2/3x−2/3 = (a1/3x−1/3)2 E´ fa´cil enta˜o extrair a raiz e obter que∫ C ds = ∫ a 0 √ 1 + f ′(x)2 dx = ∫ a 0 a1/3x−1/3 dx = 3 2 a Esse e´ o comprimento de 1/4 da hipocicloide. O comprimento total e´ 6a. Soluc¸a˜o 2. Com a mudanc¸a u=x1/3 e v=y1/3, a equac¸a˜o da hipocicloide transforma-se em (a1/3)2 = a2/3 = x2/3 + y2/3 = (x1/3)2 + (y1/3)2 = u2 + v2 Assim, nas varia´veis u e v, a equac¸a˜o e´ a de um c´ırculo de raio a1/3, c´ırculo que pode ser parametrizado por u(t) = a1/3 cos(t) e v(t) = a1/3 sen(t) com t ∈ [0, 2pi]. Voltando a`s varia´veis x e y, obte´m-se que a hipocicloide pode ser parametrizada por P (t) = (a cos3(t), a sen3(t)), t ∈ [0, 2pi] Essa parametrizac¸a˜o e´ curiosa porque, apesar da hipocicloide ter “bicos”, ou pontos onde na˜o tem reta tangente, a parametrizac¸a˜o e´ deriva´vel em todos os pontos do intervalo [0, 2pi]. No entanto, na˜o e´ uma parametrizac¸a˜o regular, uma vez que P ′(t) = (−3a cos2(t) sen(t), 3a sen2(t) cos(t)) = 3a sen(t) cos(t)(− cos(t), sen(t)) e portanto ‖P ′(t)‖ = 3a| sen(t) cos(t)| se anula nos pontos do intervalo [0, 2pi] que sa˜o mu´lti- plos de pi/2. Vale enta˜o a pena voltar a restringir a hipocicloide ao primeiro quadrante, e considerar valores de t ∈ (0, pi/2). Nesse intervalo, o comprimento da curva e´ ∫ pi/2 0 ‖P ′(t)‖ dt = 3a ∫ pi/2 0 sen(t) cos(t) dt = a 3 2 sen2(t) ∣∣∣pi/2 0 = 3 2 a que e´ o mesmo valor obtido na soluc¸a˜o anterior. Esse exemplo ilustra a importaˆncia de verificar se a parametrizac¸a˜o e´ regular ou na˜o. Do contra´rio, um ca´lculo desatento poderia concluir que o comprimento seria∫ 2pi 0 ‖P ′(t)‖ dt = 3a ∫ 2pi 0 sen(t) cos(t) dt = a 3 2 sen2(t) ∣∣∣2pi 0 = 0 o que na˜o faz sentido! � Ca´lculo III Notas da Aula 25 5/5
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