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Universidade de Bras´ılia Departamento de Matema´tica Prof. Celius A. Magalha˜es Ca´lculo III Notas da Aula 36∗ Leis de Conservac¸a˜o O Ca´lculo e´ muito versa´til, podendo ser usado em problemas de Mecaˆnica, Termodi- naˆmica, Eletromagnetismos, Probabilidade, etc. Os exemplos a seguir procuram ilustrar essa versatilidade e, ao mesmo tempo, enfatizar o poder de s´ıntese do Ca´lculo que, com um conjunto relativamente pequeno de conceitos, e´ capaz de abordar problemas ta˜o diversos. Conservac¸a˜o da Massa A lei de conservac¸a˜o da massa foi introduzida na Aula 33 como forma de ilustrar a importaˆncia da integral do fluxo. Agora sera´ visto como, a partir da versa˜o integral, chega- se a uma versa˜o diferencial desta lei, versa˜o que e´ mais fa´cil de ser manipulada. Vale lembrar a notac¸a˜o usada anteriormente, em que U ⊂ R3 e´ uma regia˜o com um fluido em movimento, F (P, t) e´ a velocidade e δ(P, t) e´ a densidade do flu´ıdo no ponto P = (x, y, z) e no tempo t. Para os ca´lculos a seguir, supo˜e-se que essas func¸o˜es possuam derivadas parciais cont´ınuas em todas as suas varia´veis. Com essa notac¸a˜o, a massa contida em uma regia˜o Q ⊂ U e no tempo t e´ dada por M(t) = ∫∫∫ Q δ(x, y, z, t) dxdydz e a derivada M ′(t) e´ a taxa de variac¸a˜o desta massa ao longo do tempo. Usando a derivada sob o sinal de integral (ver Aula 33) obte´m-se que M ′(t) = ∫∫∫ Q δt(x, y, z, t) dxdydz (1) Por outro lado, supondo a conservac¸a˜o, a variac¸a˜o da massa em Q e´ igual ao balanc¸o“liquido” do que sai menos o que entra de massa por ∂Q, isto e´, igual ao fluxo de massa por ∂Q. Escolhendo-se a normal unita´ria exterior n, como ilustra a figura, tem-se que 〈F,n〉 dS e´ o volume e δ〈F,n〉 dS = 〈δF,n〉 dS e´ a massa de fluido por dS por unidade de tempo e na direc¸a˜o n. Da´ı segue-se que o fluxo de massa por ∂Q na direc¸a˜o n e´ igual a∫∫ ∂Q 〈δF,n〉 dS Q n Omitindo, por simplicidade, a dependeˆncia nas varia´veis x, y, z e t, a lei de conservac¸a˜o da massa pode enta˜o ser escrita como∫∫∫ Q δt dxdydz = − ∫∫ ∂Q 〈δF,n〉 dS para todo Q ⊂ U (2) em que o sinal de menos e´ devido a` escolha de n: seM ′(t) for positiva e´ porque esta´ entrando massa em Q e, nesse caso, o fluxo de massa na direc¸a˜o n e´ negativo, e da´ı o sinal de menos. ∗Texto digitado e diagramado por Ange´lica Lorrane a partir de suas anotac¸o˜es de sala A equac¸a˜o (2) expressa com clareza a conservac¸a˜o da massa. No entanto, por envolver integrais de dimenso˜es diferentes, e´ de dif´ıcil manipulac¸a˜o. Por exemplo, na˜o se pode com- parar os integrandos da equac¸a˜o. A´ı e´ que entra o teorema da divergeˆncia, que transforma a integral de superf´ıcie em uma integral de volume, e isso permite comparar os integrandos. Acompanhe os detalhes. De (2) e do teorema da divergeˆncia segue-se que∫∫∫ Q δt dxdydz = − ∫∫ ∂Q 〈δF,n〉 dS = − ∫∫∫ Q div(δF ) dxdydz ∀ Q ⊂ U onde a primeira e a u´ltima integral sa˜o sobre o mesmo domı´nio Q. Da´ı segue-se que∫∫∫ Q [δt + div(δF )] dxdydz = 0 ∀ Q ⊂ U Como a igualdade e´ va´lida para toda regia˜o Q ⊂ U , a u´nica possibilidade e´ o integrando ser identicamente nulo em todo o domı´nio, isto e´ δt + div(δF ) ≡ 0 em U (3) Essa e´ a forma diferencial da lei de conservac¸a˜o da massa, que envolve apenas as derivadas parciais das func¸o˜es F e δ. Nesta forma a lei e´ conhecida como a Equac¸a˜o de Continuidade e, juntamente com as equac¸o˜es de Navier-Stokes, governam o movimento do fluido. A equac¸a˜o (3) e´ mais fa´cil de manipular do que (2). No entanto, apenas olhando para (3), na˜o e´ claro qual o seu significado f´ısico. A boa not´ıcia e´ que os passos acima sa˜o revers´ıveis, e portanto as equac¸o˜es (2) e (3) sa˜o equivalentes. Assim, fica-se com o melhor dos mundos poss´ıveis: o significado f´ısico em (2) e a facilidade de manipulac¸a˜o em (3). No ca´lculo da derivada δt as varia´veis x, y e z sa˜o mantidas fixas. Tambe´m no ca´lculo do div(δF ) a varia´vel t e´ mantida fixa. Como δF = δ(L,M,N) = (δL, δM, δN), segue-se que div(δF ) = (δL)x + (δM)y + (δN)z = δxL+ δyM + δzN + δ(Lx +My +Nz) = 〈∇δ, F 〉+ δ divF Com esse ca´lculo a equac¸a˜o (3) escreve-se de forma mais expl´ıcita como δt + 〈∇δ, F 〉+ δ divF ≡ 0 em U Percebe-se agora que, em raza˜o dos termos envolvendo a densidade, a condic¸a˜o divF ≡ 0 na˜o garante a conservac¸a˜o da massa. E mesmo que a densidade seja constante no tempo, ainda resta o termo envolvendo o ∇δ. Assim, a condic¸a˜o divF ≡ 0 garante a conservac¸a˜o da massa apenas no caso em que δ = δ0 e´ constante nas quatro varia´veis (x, y, z, t). O mesmo argumento pode ser usado para estudar a conservac¸a˜o da carga ele´trica. Basta supor que U ⊂ R3 e´ uma regia˜o com uma distribuic¸a˜o de carga de densidade δ e o correspon- dente campo ele´trico F . Nesse caso a equac¸a˜o (2) significa que a variac¸a˜o da quantidade de carga em uma regia˜o Q ⊂ U e´ igual a` quantidade de carga que passa por ∂Q na direc¸a˜o −n. A equac¸a˜o (2) e´ enta˜o equivalente a (3) que, nesse caso, escreve-se como δt + div(J) ≡ 0 em U onde J = δF e´ dito o vetor densidade de corrente. Teoria Anal´ıtica do Calor Teoria Anal´ıtica do Calor e´ o t´ıtulo de um famoso livro de Fourier, escrito durante va´rios anos e publicado em 1822. Foi ali que Fourier deduziu a equac¸a˜o do calor, ale´m de ter introduzido as se´ries de Fourier como ferramenta para resolveˆ-la. Ca´lculo III Notas da Aula 36 2/7 A soluc¸a˜o foge ao alcance destas notas, mas a deduc¸a˜o da equac¸a˜o do calor pode ser feita por meio da lei de conservac¸a˜o da energia te´rmica, e esta´ pro´xima do que se fez ate´ aqui. Considere enta˜o um so´lido U ⊂ R3 com densidade constante δ0, condutividade te´rmica k, calor espec´ıfico c e indique por T (P, t) a temperatura do ponto P = (x, y, z) no tempo t. Como sempre, escolha um ponto P0 = (x0, y0, z0) interior a U e um paralelep´ıpedo R = [x0, x0 +∆x]× [y0, y0 +∆y]× [z0, z0 +∆z] pequeno o suficiente para que R ⊂ U . O pro´ximo passo e´ calcular uma aproximac¸a˜o para a quantidade de energia te´rmica ∆q contida em R no tempo t. Para isso, vale lembrar que o calor espec´ıfico e´ a quantidade de energia te´rmica necessa´ria para aumentar em 10C a temperatura de 1g do material. Ora! Medindo a variac¸a˜o da temperatura a partir do 00C, o paralelep´ıpedo R sofreu uma variac¸a˜o de temperatura ∆T ≈ T (P0, t). Como R tem massa ∆m = δ0∆x∆y∆z segue-se que ∆q = c∆m∆T ≈ c δ0∆x∆y∆z T (P0, t) Dividindo pelo volume obte´m-se que ∆q/∆x∆y∆z e´ a densidade de energia te´rmica em R. Assim, passando ao limite com ∆x, ∆y e ∆z tendendo a zero, segue-se que d(P0, t) = c δ0 T (P0, t) = densidade de energia te´rmica no ponto P0 no tempo t O´timo, ja´ se tem a densidade de energia te´rmica, e com isso pode-se calcular a energia te´rmica q(t) contida em uma regia˜o Q ⊂ U e no tempo t. De fato, essa energia e´ igual a q(t) = ∫∫∫ Q d(x, y, z, t) dxdydz Semelhante ao caso da massa, e derivando sob o sinal de integral, segue-se que a derivada q′(t) e´ a taxa de variac¸a˜o da energia te´rmica em Q ao longo do tempo, e e´ dada por q′(t) = ∫∫∫ Q dt(x, y, z, t) dxdydz (4) Mas enta˜o, supondo a conservac¸a˜o da energia te´rmica, a u´nica forma de q(t) variar e´ passando energia te´rmica pelo bordo ∂Q. Na˜o tem outro jeito! Como visto na Aula 35, a energia te´rmica que passa pelo bordo esta´ relacionada com o vetor fluxo de calor J(P, t) = −k∇T (P, t), vetor que fornece a direc¸a˜o, sentido e intensidade do fluxo de energia te´rmica no interior de U . De fato, o fluxo de J por ∂Q no tempo t e na direc¸a˜o da normal unita´ria exterior n e´ dado por ∫∫ ∂Q 〈J(·, t),n〉 dS Finalmente, omitindo a dependeˆncia nas varia´veis x, y, z e t por simplicidade, a conservac¸a˜o da energia te´rmica escreve como∫∫∫ Q dt dxdydz = − ∫∫ ∂Q 〈J,n〉 dS (5) que e´ ana´loga a` equac¸a˜o (2) acima. Essasemelhanc¸a enfatiza a capacidade de s´ıntese do Ca´lculo, que com uma mesma linguagem e´ capaz de descrever fenoˆmenos muito distintos. E as semelhanc¸as na˜o param por a´ı. Seguindo os mesmos passos do caso da massa, e´ claro que a forma integral em (5) e´ equivalente a` forma diferencial dt + div J ≡ 0 em U (6) Esta equac¸a˜o pode ser escrita em termos da temperatura da seguinte forma. A expressa˜o da densidade e´ d = c δ0 T , e portanto dt = c δ0 Tt. Como J = −k(Tx, Ty, Tz), segue-se que div J = −k((Tx)x + (Ty)y + (Tz)z) = −k(Txx + Tyy + Tzz) = −k∆T Ca´lculo III Notas da Aula 36 3/7 Substituindo essas igualdades em (6) obte´m-se que c δ0 Tt−k∆T ≡ 0. Equivalentemente, a equac¸a˜o em (6) escreve-se como Tt = σ∆T (7) onde σ = k/c δ0 e´ a difusibilidade te´rmica do material. Essa igualdade e´ conhecida como a equac¸a˜o do calor, e modela muitos outro fenoˆmenos de difusa˜o. Ela esta´ de acordo com a temperatura estaciona´ria estudada na Aula 35, uma vez que nesse caso a temperatura e´ constante ao longo do tempo, isto e´, Tt ≡ 0. Ora! Para na˜o variar no tempo, o que sai de calor em cada ponto e´ igual ao que entra, e a medida do que sai menos o que entra e´ exatamente o divergente div(k∇T ) = k∆T . Agora, no caso na˜o estaciona´rio, a leitura da equac¸a˜o (7) e´ a seguinte: a diferenc¸a entre o que sai menos o que entra (a quantidade k∆T ) e´ o que provoca a variac¸a˜o da temperatura no tempo (a quantidade Tt). Muito bom. Lei de Gauss Apesar de na˜o ser uma lei de conservac¸a˜o, o estudo da lei de Gauss tem muito em comum com os racioc´ınios usados ate´ aqui, e vale a pena ver essas semelhanc¸as de perto. Vale tambe´m por ser uma bonita aplicac¸a˜o do teorema da divergeˆncia! O estudo comec¸a do in´ıcio, supondo que E(P ) seja o campo ele´trico gerado por uma carga pontual q situada na origem. Da lei de Coulomb segue-se que E(P ) = Kq ‖P‖2 P ‖P‖ onde a constante de Coulomb no sistema internacional e´ K ≈ 9× 109 Nm2/C2. P nr(P ) A lei de Gauss esta´ relacionada com o fluxo de E pelo bordo ∂Q de uma regia˜o Q ⊂ R3. Considerando de in´ıcio que a regia˜o e´ a bola B = {P ∈ R3; ‖P‖ ≤ r}, centrada na origem e de raio r, o seu bordo e´ a esfera ∂B = {P ∈ R3; ‖P‖ = r}. Nesse caso, no ponto P ∈ ∂B, a normal unita´ria exterior ao ∂Q e´ dada por nr(P ) = P/‖P‖. Da´ı segue-se que o produto escalar 〈E(P ),nr(P )〉 = Kq ‖P‖2 〈 P ‖P‖ , P ‖P‖ 〉 = Kq r2 e´ constante em ∂B, pois ‖P‖ = r em ∂B. Assim, como a a´rea de ∂B e´ igual a 4pir2, tem-se∫∫ ∂B 〈E,nr〉 dS = Kq r2 ∫∫ ∂B dS = Kq r2 4pir2 = 4piKq Resumindo, o fluxo de E por ∂B na direc¸a˜o nr e´ um mu´ltiplo da carga que esta´ no interior de B. O estranho e´ que esse fluxo na˜o depende do raio da bola B! Estranho, mas pode ser explicado como segue. Se o raio e´ pequeno, a a´rea da bola e´ tambe´m pequena, mas a intensidade do campo e´ grande; a` medida que o raio aumenta, a a´rea da bola tambe´m aumenta, mas a intensidade do campo diminui. E o que se viu acima e´ que o aumento de um corresponde a` diminuic¸a˜o do outro de tal maneira que o fluxo permanece constante. A pergunta seguinte e´ qual seria esse fluxo se a regia˜o na˜o fosse uma bola. Nesse caso o produto escalar 〈E,n〉 na˜o seria constante, e os ca´lculos seriam mais delicados. E´ a´ı que entra uma ideia interessante ja´ usada na Aula 31: a ideia da excisa˜o. Neste sentido o primeiro fato a notar e´ que E na˜o esta´ definido na origem. O segundo e´ que, fora da origem, o divE se anula. De fato, indicando por E = (L,M,N) as coordenadas Ca´lculo III Notas da Aula 36 4/7 do campo, tem-se que L(x, y, z) = Kqx/(x2 + y2 + z2)3/2, e um ca´lculo simples mostra que Lx(x, y, z) = Kq (x2 + y2 + z2)3/2 − 3(x2 + y2 + z2)1/2x2 (x2 + y2 + z2)3 = Kq (x2 + y2 + z2)− 3x2 (x2 + y2 + z2)5/2 Analogamente,My(x, y, z) = Kq (x2+y2+z2)−3y2 (x2+y2+z2)5/2 e Nz(x, y, z) = Kq (x2+y2+z2)−3z2 (x2+y2+z2)5/2 , e e´ claro agora que divE = Lx +My +Nz se anula fora da origem. Notado esses fatos, considere agora uma regia˜o Q ⊂ R3 com a origem em seu interior, e indique por n a normal unita´ria exterior ao bordo ∂Q. Para aplicar o teorema da divergeˆncia e´ necessa´rio excluir a origem, pois o campo na˜o esta´ definido nesse ponto. A´ı e´ que entra a excisa˜o, que consiste em retirar uma pequena bola B de centro na origem e raio r suficiente- mente pequeno para que B ⊂ Q. Veja a figura. n nr Q̂ A vantagem deste procedimento e´ que, indicando por Q̂ a regia˜o entre Q e B, o campo E esta´ bem definido nesta regia˜o. A desvantagem e´ que, agora, o bordo de Q̂ inclu´ı os bordos ∂Q e ∂B, e deve-se prestar muita atenc¸a˜o a`s respectivas orientac¸o˜es. Enta˜o, ∂Q ja´ esta´ orientada com a normal n, e escolha a orientac¸a˜o da normal exterior nr em ∂B. Com essas escolhas, a normal exterior n̂ ao bordo ∂Q̂ e´ tal que n̂ = n em ∂Q e n̂ = −nr em ∂B. Resumidamente, a orientac¸a˜o de ∂Q̂ pode ser escrita como ∂Q̂ = ∂Q ∪ (−∂B). Assim, como divE se anula em Q̂, do teorema da divergeˆncia e desses ca´lculos obte´m-se 0 = ∫∫∫ Q̂ divE dxdydz = ∫∫ ∂Q̂ 〈E, n̂〉 dS = ∫∫ ∂Q 〈E,n〉 dS + ∫∫ ∂B 〈E,−nr〉 dS = ∫∫ ∂Q 〈E,n〉 dS − 4piKq de onde segue-se finalmente que ∫∫ ∂Q 〈E,n〉 dS = 4piKq Essa e´ a lei de Gauss para o campo ele´trico E gerado por uma carga pontual q: o fluxo do campo por ∂Q e´ um mu´ltiplo da carga que esta´ no interior de Q. O interessante e´ que o fluxo e´ o mesmo para qualquer regia˜o que inclui a carga em seu interior. A lei pode ser ampliada por meio de uma pergunta simples. E se tivessem duas cargas pontuais q1 e q2 no interior de Q, como seria o fluxo do campo resultante? Simples! Como o campo resultante e´ a soma dos campos gerados por q1 e q2, e o fluxo resultante e´ a soma dos respectivos fluxos, segue-e que o fluxo resultante seria 4piK(q1 + q2). O mesmo racioc´ınio se aplica no caso de treˆs ou mais cargas e, de fato, a lei de Gauss vale para um nu´mero finito qualquer de cargas no interior da regia˜o. O´timo. E para uma distribuic¸a˜o cont´ınua de cargas no espac¸o, como seria? Simples tambe´m, pois ja´ se sabe como passar do caso discreto para o caso cont´ınuo. Basta usar as incr´ıveis somas de Riemann! Divide-se a regia˜o em um numero grande de pequenos paralelep´ıpedos, e cada paralelep´ıpedo funciona como se fosse uma carga pontual; depois, somam-se todos os fluxos desses pequenos paralelep´ıpedos e passa-se ao limite com a norma da partic¸a˜o tendendo a zero. E´ um procedimento bem conhecido a essa altura. O resultado e´ como segue. Se E e´ o campo ele´trico gerado por uma distribuic¸a˜o cont´ınua de cargas no espac¸o com densidade de carga δ, enta˜o Ca´lculo III Notas da Aula 36 5/7 ∫∫ ∂Q 〈E,n〉 dS = 4piK ∫∫∫ Q δ(x, y, z) dxdydz (8) pois a integral tripla e´ a soma das cargas no interior da regia˜o Q. Que igualdade bonita, e fa´cil de entender a partir do caso pontual. E´ interessante notar que na˜o se tem uma expressa˜o explicita para o campo e, no entanto, a igualdade vale para qualquer regia˜o Q ⊂ R3. A equac¸a˜o (8) e´ a forma integral da lei de Gauss. Como nos casos das leis de conservac¸a˜o, vale perguntar pela forma diferencial desta lei. Para isso, o argumento e´ o mesmo de sempre. De (8) e do teorema da divergeˆncia tem-se que∫∫∫ Q divE dxdydz = ∫∫ ∂Q 〈E,n〉 dS = 4piK ∫∫∫ Q δ(x, y, z) dxdydz onde a primeira e a u´ltima integral sa˜o sobre o mesmo domı´nio Q. Logo,∫∫∫ Q (divE − 4piKδ) dxdydz = 0 ∀ Q ⊂ R3 de onde segue-se que a forma diferencial da lei de Gauss e´ divE = 4piKδ o que e´ mais uma das quatro equac¸o˜es de Maxwell. O Tu´nel de Vento As mesmas ideias usadas ate´ aqui se aplicam ao ca´lculo da forc¸a de arrasto em um tu´nel de vento. Isso porque a forc¸a e´ a variac¸a˜o da quantidade de movimento, variac¸a˜o que, de alguma forma, e´ semelhante a` variac¸a˜oda quantidade de massa estudada na primeira sec¸a˜o. S1 S2 S3 Considere enta˜o que uma corrente de ar, de densi- dade constante δ0, escoa por um tu´nel correspondente a` regia˜o Q = {(x, y, z); x2 + z2 ≤ R2 e 0 ≤ y ≤ L}. O ar entra pela superf´ıcie S1, percorre a lateral S2 do tu´nel e sai pela superf´ıcie S3, sendo que essas treˆs superf´ıcies foram o bordo ∂Q = S1 ∪ S2 ∪ S3 do tu´nel. Pode-se supor que a velocidade do ar F seja estaciona´ria e paralela ao eixo Oy, isto e´, que F (x, y, z) = (0,M(x, y, z), 0). Ale´m disso, em S1 pode-se supor que a velocidade seja constante, por exemplo, M(x, 0, z) = M0. Devido ao atrito, a corrente gera uma forc¸a de arrasto F contra´ria ao movimento do ar, e o que se pretende e´ calcular essa forc¸a. Nesse sentido sa˜o importantes duas observac¸o˜es. A primeira e´ que, em relac¸a˜o a` conservac¸a˜o da massa de ar, a equac¸a˜o (2) escreve-se como∫∫∫ Q δt dxdydz + ∫∫ ∂Q 〈δF,n〉 dS = 0 (9) onde n indica a normal unita´ria exterior ao bordo ∂Q. Essa igualdade pode ser lida da seguinte maneira: o lado esquerdo e´ a soma da variac¸a˜o em Q mais o que passou pelo bordo ∂Q, sendo essa a variac¸a˜o total em Q; o lado direito afirma que essa variac¸a˜o total e´ nula. Essa interpretac¸a˜o sera´ usada logo a seguir. Como a densidade e´ constante e F e´ ortogonal a S2, de (9) segue-se que∫∫ S1 〈δ0F,n〉 dS + ∫∫ S3 〈δ0F,n〉 dS = ∫∫ S1 −δ0M dS + ∫∫ S3 δ0M dS = 0 Ca´lculo III Notas da Aula 36 6/7 onde foi usado que n = (0,−1, 0) em S1 e n = (0, 1, 0) em S3. Da´ı segue-se que∫∫ S1 δ0M dS = ∫∫ S3 δ0M dS (10) o que significa apenas que o que entra de ar em S1 e´ igual ao que sai em S3. A segunda observac¸a˜o importante e´ em relac¸a˜o a` quantidade de movimento, igual ao produto da massa pela velocidade. Usando uma notac¸a˜o infinitesimal, em cada elemento de volume dxdydz de Q, a massa e´ δ0 dxdydz e a quantidade de movimento e´ Fδ0 dxdydz. Assim, a quantidade de movimento em Q e´ o vetor∫∫∫ Q Fδ0 dxdydz = ( 0, ∫∫∫ Q Mδ0 dxdydz, 0 ) Ja´ no bordo, em cada elemento de a´rea dS de ∂Q, passa o volume 〈F,n〉 dS, a massa δ0〈F,n〉 dS e a quantidade de movimento Fδ0〈F,n〉 dS por unidade de tempo e na direc¸a˜o n. Assim, o fluxo da quantidade de movimento por ∂Q e na direc¸a˜o n e´ dado por∫∫ ∂Q Fδ0〈F,n〉 dS = ( 0, ∫∫ S1 −δ0M 2 dS + ∫∫ S3 δ0M 2 dS, 0 ) onde foi usado novamente que F e´ ortogonal a S2 e as expresso˜es de n em S1 e em S3. Ora! Ana´logo ao caso da massa em (9), a variac¸a˜o total da quantidade de movimento e´ d dt ∫∫∫ Q Fδ0 dxdydz + ∫∫ ∂Q Fδ0〈F,n〉 dS que e´ igual a` variac¸a˜o em Q mais o que passou por ∂Q. Finalmente, usando que a velocidade e´ estaciona´ria e que a variac¸a˜o e´ a forc¸a de arrasto F , desses ca´lculos segue-se que F = ( 0, ∫∫ S1 −δ0M 2 dS + ∫∫ S3 δ0M 2 dS, 0 ) Essa expressa˜o pode ser simplificada usando a equac¸a˜o (10). De fato, daquela equac¸a˜o e de que M e´ constante em S1 segue-se que∫∫ S1 δ0M 2 dS =M0 ∫∫ S1 δ0M dS =M0 ∫∫ S3 δ0M dS = ∫∫ S3 δ0MM0 dS e substituindo essa igualdade na expressa˜o da forc¸a obte´m-se que F = ( 0, ∫∫ S3 δ0M(M −M0) dS, 0 ) Assim, a forc¸a pode ser calculada usando-se apenas a velocidade de entrada e a de sa´ıda, velocidades que podem ser obtidas experimentalmente. A figura ao lado ilustra um caso t´ıpico, em que a velociade de entrada e´ M(x, 0, z) = M0 e a de sa´ıda e´ dada por M(x, L, z) = 2M0 R2 (R2− x2 − z2). Veja que, na sa´ıda, a velociade no centro do tu´nel e´ grande, e diminui a` medida que o ponto se afasta do centro. Neste caso, um ca´lculo fa´cil mostra que a equac¸a˜o (10), da conservac¸a˜o da massa, e´ satisfeita, e a forc¸a e´ dada por F = (0,−piR2δ0M 2 0 /3, 0). Ca´lculo III Notas da Aula 36 7/7
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