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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DEPARTAMENTO DE ZOOTECNIA MATERIAL DIDÁTICO - BIOCLIMATOLOGIA ZOOTÉCNICA (AF0683) TERMORREGULAÇÃO E METABOLISMO Prof. Dr. Pedro Henrique Watanabe TERMORREGULAÇÃO Termorregulação é um termo que, em biologia, refere-se ao conjunto de sistemas de regulação da temperatura corporal de alguns seres vivos (em especial, mamíferos e aves). Esta regulação é exercida graças à coordenação entre a produção (termogênese) e libertação (termólise) do calor orgânico interno. A termorregulação é um mecanismo de homeostasia, já que, na presença de oscilações térmicas externas, possibilita a manutenção da temperatura corporal dentro de fronteiras definidas. A manutenção da normotermia nos animais homeotermos, como o homem, é uma função muito importante do sistema nervoso autônomo. Já com pequenas alterações da temperatura central, podem ocorrer alterações metabólicas e enzimáticas. Possivelmente você já deve ter vivenciado isso em uma condição febril, onde há o aumento da temperatura corporal e condição de cansaço e torpor. Em relação aos animais de interesse zootécnico, a manutenção da normotermia dentro das instalações também é desejável, visto que em nossas condições, as altas temperaturas ambientais resultam também em modificações comportamentais e fisiológicas, com consequência sobre o desempenho animal. Essa resposta dos animais frente a esse desvio climático é chamado de estresse térmico. Relembrando o que foi falado em aula, com o exemplo de uma liga elástica, onde aplicando uma força para esticá-la, haverá uma força contrária para o retorno à condição normal. Essa força contrária é o estresse, e portanto, quanto maior a força para esticá-la, maior será a força contrária (mais estressada) da liga, até um determinado momento em que a liga se romperá. Nesse caso, fazendo um paralelo com a biologia, o estresse é a resposta do animal e ela existirá até um determinado ponto, quando a força aplicada for de tamanha magnitude que o sistema entrará em colapso e o animal acaba por perecer. Da mesma forma, o estresse térmico então é a força do animal para o retorno de sua condição homeostásica (a termoneutralidade). Assim, o estresse térmico é a força exercida pelos componentes do ambiente térmico sobre um organismo, causando nele uma reação fisiológica proporcional à intensidade da força aplicada e à capacidade do organismo em compensar os desvios causados pela força. HOMEOTERMIA E TERMOS CORRELATOS Os diversos organismos animais diferem entre si quanto à importância do componente térmico liberado intrinsicamente. Aqueles nos quais a importância é maior são denominados de endotérmicos, e neles a quantidade de energia estocada depende essencialmente de uma elevada taxa metabólica. Nos animais ectotérmicos, a quantidade de energia térmica estocada depende mais da energia proveniente do ambiente externo. De acordo com SILVA (2000), julgava-se a ectotermia como um processo inferior (em termos evolutivos) à endotermia, porém na realidade o mecanismo de termorregulação depende da classe do animal e de seu modo de vida. Assim, os animais ectotérmicos dispendem de menos energia na produção de calor e geralmente vivem com uma baixa taxa metabólica, e consequentemente podem investir uma grande parte de seu aporte de energia no crescimento e na reprodução. Por sua vez, os endotérmicos são mais independentes do meio ambiente quanto a energia térmica, podendo-se adaptar a uma gama maior de ambientes. Assim, em um ambiente tropical os endotérmicos e os ectotérmicos se equivalem quanto a ocorrência, porém à medida que nos afastamos da linha do Equador, observamos a prevalência dos endotérmicos. Os animais endotérmicos nos quais a variação da quantidade de calor estocado é mantida dentro de limites especificados e geralmente bastante estreitos, independente das variações térmicas do ambiente externo, são chamados homeotérmicos. Aves e mamíferos, que compreendem a classe de animais de maior interesse zootécnico são homeotérmicos e pela influência direta do microclima passível de modificação, serão abordados com maior aprofundamento na disciplina. Modificações ambientais para o modo de vida de abelhas, por exemplo, são difíceis de serem aplicados, embora há existam estudos relacionados ao microclima de colmeias, por exemplo. Um animal homeotérmico será capaz de manter relativamente estável sua temperatura interna, dentro de limites estabelecidos de temperatura ambiente. Na Figura 1, são representadas a zona de conforto térmico ou termoneutralidade, que representa a amplitude de variação da temperatura ambiente dentro da qual os animais apresentam metabolismo mínimo, sem demonstrar sintomas de desconforto térmico. A zona de termoneutralidade é limitadas em ambos os extremos pela temperatura crítica inferior (TCI) e pela temperatura crítica superior (TCS). Figura 1. Zona de conforto térmico, temperatura crítica inferior e temperatura crítica superior. No Quadro 1 são apresentados valores de temperatura retal, temperatura crítica inferior e temperatura crítica superior de animais de interesse zootécnico. Quadro 1. Temperatura retal de animais domésticos em condições de termoneutralidade, dentro da amplitude delimitada pelas temperaturas críticas superior (TCS) e inferior (TCI). Nc (nada consta). Animais Temperatura Retal o C Ambiente Variação Média TCI ( o C) TCS ( o C) Bovinos Taurinos, adultos 37,5 – 39,3 38,3 -6 27 Taurinos, bezerros 37,5 – 39,3 38,3 13 25 Zebuínos 38,5 – 39,7 39,1 7 35 Ovinos Europeus, adultos 38,3 – 40,0 39,1 -2 20 Europeus, cordeiros 38,3 – 40,0 39,1 29 30 Deslanados 38,9 – 40,5 39,8 nc Nc Suínos Adultos 38,7 – 39,8 39,2 0 15 Leitões 38,7 – 39,8 39,2 32 33 Caprinos (adultos) 38,7 – 40,7 39,9 10 30 Galinhas Poedeiras 40,6 – 43,0 41,7 7 21 Frangos 40,6 – 43,0 41,7 13 27 Fonte: Adaptado de SILVA (2000). É interessante observar que dentre os bovinos, os animais zebuínos apresentam temperatura retal mais elevada, estando sua faixa de conforto térmico abrangendo a temperatura média na região tropical. Por outro lado, os taurinos apresentam temperatura retal inferior e o limite superior da zona de termoneutralidade encontra-se muitas vezes abaixo da temperatura média na região tropical. METABOLISMO E TERMOGÊNESE Conforme vimos anteriormente, um animal homeotérmico apresenta temperatura corporal que independe da temperatura ambiente, isto é, dentro de certos limites, mantendo de forma relativamente estável sua temperatura. Mas como isso é possível? Bom, devido ao metabolismo, ocorre a geração de calor. Na verdade, o calor é um subproduto da transformação da energia em seus vários estados. Por exemplo, a energia química contida na gasolina é liberada de forma explosiva durante sua oxidação, sendo transformada no motor do automóvel em energia mecânica (trabalho) que movimenta o veículo. O calor resultante da transformação de energia química em energia mecânica aquece o motor. A maioria (aproximadamente 75%) da energia derivada da oxidação da gasolina é perdida na forma de calor. Ao contrário, num motor elétrico, mais de 90% da energia é transformada em trabalho, o que faz com que este tipo de motor esquente menos e seja mais econômico e eficiente do ponto de vista termodinâmico. Em todos os animais ocorre um processo muito semelhante. A energia química contida nos substratos energéticos (alimentos) é liberada lentamente durante a oxidação dos açúcares e gorduras, sendo armazenada temporariamente na forma de ATP. A partir de então ocorre um novo processo de transformação energética resultando em trabalhobiológico, e.g. transporte de íons, síntese de macromoléculas (lípides, proteínas, ácidos nucléicos), contração muscular e outros. Neste caso, também, o principal subproduto da transformação da energia é o calor. A eficiência termodinâmica do nosso organismo, à semelhança do motor a gasolina, é de cerca de 30%. A ineficiência termodinâmica no automóvel representa um gasto "desnecessário" a cada reabastecimento. Entretanto, a ineficiência dos seres vivos é importante e serve um propósito biológico: aquecer o organismo, otimizando o funcionamento das células, tecidos e sistemas. Do ponto de vista filogenético, essa ineficiência termodinâmica serviu como força evolutiva. Existe um degrau evolutivo bastante importante entre os animais ectotérmicos e homeotérmicos: do ponto de vista termodinâmico, o organismo dos animais homeotérmicos é ainda mais ineficiente que os animais ectotérmicos, o que faz com que estes consigam manter a temperatura corporal próxima dos 37°C. Como resultado, temos melhor funcionamento enzimático, movimentos mais rápidos e mais prolongados, maior capacidade de adaptação às diversidades do meio ambiente, constituindo vantagem evolutiva sobre os animais ectotérmicos . Do ponto de vista bioquímico, a produção de calor nos seres vivos pode ser analisada como resultante da: (i) síntese de ATP ou (ii) hidrólise de ATP. A eficiência termodinâmica da síntese de ATP é de cerca de 65%, ou seja, ~35% da energia liberada durante a oxidação dos substratos energéticos (transformação de energia) é liberada na forma de calor. Entretanto, a molécula de ATP é um armazém intermediário de energia que deve ser novamente mobilizada (hidrólise do ATP) para que ocorra o trabalho biológico. A eficiência desta segunda etapa é menor ainda, de cerca de 40%. Assim, a eficiência termodinâmica do nosso organismo é de cerca de 25- 30%. Pode-se dizer, então, que quase todo calor biológico é decorrente, em última análise, dos processos que envolvem a síntese e a hidrólise do ATP (turnover). Quanto mais acelerado for o turnover de ATP, maior será a produção de calor. Do ponto de vista fisiológico, admite-se que a produção de calor nos animais possa ser dividida em duas categorias: termogênese obrigatória e termogênese facultativa. A termogênese obrigatória , mensurada pela taxa metabólica basal (TMB) é a somatória de todo o calor produzido no organismo, estando este em vigília e repouso, na temperatura ambiente e em jejum de pelo menos 12h. É o resultado da ineficiência intrínseca mitocondrial e do turnover de ATP, associado em grande parte a: ciclos celulares iônicos e de substratos, e.g. Na/K, Ca, ciclos da glicólise, particularmente nos tecidos excitáveis e renal; ciclos metabólicos, e.g. ciclo de Cori, lipólise/lipogênese, glicogenólise/glicogênese, particularmente no fígado e tecido adiposo; contração e relaxamento muscular derivado do trabalho muscular basal, particularmente os batimentos cardíacos, movimentos respiratórios, tônus da musculatura estriada e vasomotora, peristaltismo; e secreção basal de glândulas exócrinas e anexas ao tubo digestivo. A termogênese facultativa é todo o calor produzido além da TMB. É o resultado do aumento da ineficiência termodinâmica mitocondrial e do aumento do turnover de ATP associado, por exemplo, à contração muscular durante atividades diárias mínimas ou à prática de esportes. A termogênese facultativa também pode ser derivada de processos involuntários, tais como o tremor muscular associado à exposição ao frio. Em pequenos mamíferos, esta ocorre principalmente na gordura marrom1, enquanto nos mamíferos de grande porte, incluindo os seres humanos, sua origem ainda não está bem determinada. A termogênese facultativa tem intensidade variável, dependendo da magnitude do estímulo desencadeador, e pode ser induzida em duas condições: exposição ao frio, ou durante período de alimentação com dieta hipercalórica. Durante exposição ao frio, o organismo perde maior quantidade de calor para o meio ambiente e, portanto, aumenta a produção de calor além da TMB para manter a temperatura corporal próxima a 37°C. Da mesma forma, a dieta hipercalórica leva a um aumento da termogênese facultativa no sentido de eliminar, sob a forma de calor, o excesso de energia que de outra forma seria armazenado no organismo. Um maior problema pode ser observado em dietas hipercalóricas, quando o maior substrato de oxidação é proveniente de proteína, em virtude do maior incremento calórico, sobretudo em condições tropicais. TAXA DE METABOLISMO BASAL De modo geral, os tecidos que apresentam maior atividade metabólica são, em ordem decrescente, o tecido nervoso, o glandular e por último o muscular. Obviamente, como há maior tecido muscular em um indivíduo adulto em detrimento do nervoso e do glandular, a termogênese referente a uma atividade física é muito mais pronunciada quando comparada a resolução de uma questão na prova de bioclimatologia. Em um mamífero em repouso, podemos observar os seguintes consumos de oxigênio (em mm/min*g): - tecido cerebral - 10,0 - adrenais, baço e pâncreas - 4 a 5,0 - músculos esqueléticos - 0,4 A característica adaptativa dos animais a climas tropicais também influencia a taxa metabólica basal. Comparando-se animais das raças Brahman, Shorthorn e do cruzamento entre ambas, observa-se que à medida que há aumento da temperatura entre 25 a 45o C, diminui significativamente o consumo de oxigênio. Nos animais Shorthorn essa diminuição ocorre já a 25 o C, nos mestiços à 28 o C e nos da raça Brahman, a queda só começa a evidenciar-e a 41oC (Figura 2). 1 Leia mais sobre o tecido adiposo marrom ou gordura marrom em http://www.ufrgs.br/lacvet/restrito/pdf/ucp.pdf Os bovinos de origem europeia tendem a apresentar níveis de metabolismo mais elevados que as raças zebuínas e utilizam-se da variação da termogênese como um meio de termorregulação. Já os zebuínos podem sustentar seus níveis metabólicos até temperaturas mais elevadas, por terem um metabolismo normalmente mais baixo e disporem de mecanismos mais eficientes de termólise. A taxa de metabolismo basal é a quantidade mínima de energia necessária para manter as funções vitais do organismo em repouso. Embora o termo estaria incorreto, por pressupor que abaixo do qual não seria possível a manutenção da vida, é o mais utilizado para definir o suporte nutricional adequado e determinar as necessidades calóricas para o balanço energético. Vários fatores influenciam na determinação da TMB, como tamanho do animal, categoria, entre outros. Dessa forma, alguns autores concebem a taxa metabólica média, que seria assumida como proporcional à massa corporal. De acordo com KLEIBER (1965) teríamos a TMB em função do peso corporal (P): TMB = 3,3922 * P0,75, W Utilizando a equação acima para mensurarmos a TMB de uma vaca 400 kg e de um frango de 2kg, temos que a vaca irá apresentar uma taxa metabólica de 303,41W, enquanto o frango apresentará uma taxa de 5,70W. No Quadro 2 estão apresentadas algumas fórmulas para determinação da TMB a partir da massa corporal, conforme a espécie animal. No entanto, conforme SCHIMIDT-NIELSEN (1991), quando comparamos animais de diferentes pesos corporais devemos considerar a taxa metabólica específica, isto é, por unidade de massa corporal. Assim, se relacionarmos a TMB com o peso da vaca, observaremos que o valor será de 0,76W/kg enquanto o frango apresentará taxa de 2,85W/kg. Mas seria a lógica para que um frango apresente maior TMB em relação a unidade de massa corporal do que uma vaca? Obviamente, em absoluto a vaca apresenta maior TMB, porém relativamente ao peso, será menor a TMB quando comparada ao frango. Isso ocorre porque a estocagem de energia também se relaciona com a passa corporal. Emoutras palavras, indivíduos mais pesados armazenam maior quantidade de energia e necessitam de uma taxa de produção de calor proporcionalmente menor. Isso ocorre porque objetos pequenos apresentam áreas de superfície maiores em relação ao seu volume. Lembremos do exemplo dos cubos de arestas 5 e 50cm. O cubo de 5cm de aresta apresentará relação área/volume de 1,2. Já o cubo de 50cm de aresta apresenta relação área/volume de 0,12. Portanto, quanto maior o corpo, menor a área em relação ao volume. Esta relação é importante para a adaptação dos animais ao ambiente, especialmente considerando a eliminação por evaporação. Um exemplo disso é a barbela e a presença de cupim em zebuínos, modificações anatomofisiológicas que resultam em maior área de superfície do animal. LITERATURA CONSULTADA2 BACCARI JÚNIOR, F. Métodos e técnicas de avaliação da adaptabilidade dos animais às condições tropicais. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE BIOCLIMATOLOGIA ANIMAL NOS TRÓPICOS: PEQUENOS E GRANDES RUMINANTES, 1., 1990, Sobral-CE. Anais... Sobral: EMBRAPA-CNPC, 1990. p. 9-17. BIANCO, A.C. Hormônios tireóideos, UCPs e termogênese. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia e Metabolismo, v.44, n.4, p.281-289, 2000. KLEIBER, M. Body size and metabolism. In: BLAXTER, K. Energy metabolism. Londres: Academic Press, 1965, p.427-435. MEDEIROS, L.F.D.; VIEIRA, D.H. Bioclimatologia animal. 1997. Disponível em: http://levy.blog.br/arquivos/aula-fesurv/downs-86-0.pdf. Acesso em 05 de outubro de 2014. MULLER, P.B. Bioclimatologia aplicada aos animais domésticos. Porto Alegre: Sulina, 1982. 158p. SCHIMIDT-NIELSEN, K. Animal physiology: adaptation and environment. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, 602p. SILVA, R.G. Introdução à bioclimatologia animal. São Paulo: Nobel, 2000. 286p. 2 ATENÇÃO: este material tem como uso único e exclusivo para fixação do conteúdo apresentado em aula da disciplina Bioclimatologia Zootécnica (AF0683) do curso de graduação em Zootecnia da Universidade Federal do Ceará. Os trabalhos não referenciados podem ser encontrados a partir da literatura consultada e dos links utilizados para confecção deste.