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ordens para que o nosso jantar fosse servido nos aposentos dele, achando-se tudo pronto. Subimos para um belo lance de quartos, no sobrado da venda, onde encontramos uma família de dez ou doze pessoas, das quais algumas acabavam de chegar do Porto. Para mais de vinte pratos compunham o jantar, dividido em entradas, e homens e mulheres sentavam-se misturados à mesa. Como estranhos, fomos colocados à cabeceira desta, com o dono da casa à nossa esquerda, enquanto que uma senhora idosa me dava a honra de sentar-se à minha destra. A refeição decorreu cordial e animada, com cerimônia muito menor que a que esperávamos e a garrafa circulou à moda inglesa, com liberdade regulada. Passamos a fresca da tarde na melhor das sociedades, em espaçosos jardins e, no crepúsculo, despedimo-nos (Magé, província do Rio de Janeiro, 1816).50 50 Nota: Reproduzido de Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil (tomadas durante uma estada de dez anos nesse país, de 1808-1818), trad. de Milton da Silva Rodrigues, Livraria Martins, São Paulo, 1942. 33 – Refeições no Nordeste HENRY KOSTER (1793-1820) Encontramos a família prestes a servir-se do seu almoço, café e bolos. Depois jogou-se o gamão e cartas até horas do jantar, às duas da tarde. Esse consistia em um grande número de pratos, postos à mesa sem a menor simetria e cuidado quanto à regularidade do serviço. Surpreenderam-me, como era de esperar, as expansões afetuosas dos convivas, pondo no meu prato pedaços de carne que retiravam dos seus. Notei esse hábito, repetidas vezes, particularmente entre as famílias do interior, e esta de que falo está no Recife há muito pouco tempo, mas a maioria do povo da cidade tem outras ideias a respeito desse assunto. Somente duas ou três facas estavam na mesa, obrigando cada pessoa a cortar o alimento em pedacinhos e passar a faca ao vizinho. Havia, entretanto, abundância de garfos de prata e grande quantidade de pratos. O alho era um dos ingredientes de cada prato e eu tomei grande porção de vinho durante a refeição. Terminado o jantar, toda gente se ergueu e passamos à outra sala. Às oito horas numerosa sociedade se reuniu para o chá e não partimos senão muito tarde (1810, arredores do Recife). Um grande grupo já estava reunido. Era dia do aniversário de nascimento de um dos anfitriões. As senhoras estavam numa sala e os homens noutra. O baralho e o gamão eram as distrações usuais mas a palestra não era desembaraçada e viva. No jantar as senhoras ficaram de um lado e os homens no canto oposto. Houve profusão de iguarias e se bebeu muito vinho. Alguns homens que gozavam de intimidade não se sentaram à mesa, mas se puseram a servir as damas. Depois do jantar todos os convidados passaram a um amplo salão. A sugestão de um baile foi feita e aceita. Vieram rebecas e, desde as sete horas, cerca de vinte pares começaram e continuaram seu entretimento até depois das duas da madrugada (Arredores do Recife, julho de 1810). No dia seguinte (6 de novembro de 1810) chegamos a Cunhau, o engenho do coronel André d’Albuquerque Maranhão, chefe do ramo Maranhão da numerosa e distinta família dos Albuquerques. É um homem de imensas propriedades territoriais. As plantações de Cunhau ocupam quatorze léguas ao longo da estrada e foi adquirida outra terra vizinha, igualmente vasta. Do mesmo modo, as terras que ele possui no Sertão, para pastagem do gado, supõem-se não inferiores de trinta a quarenta léguas, destas que é preciso andar-se três a quatro horas para vencer-se uma. Trazia-lhe cartas dos seus amigos de Pernambuco. Encontrei-o sentado à porta, com o capelão e muitos dos seus criados e outras pessoas empregadas em seu serviço, gozando a frescura da tarde. É um homem com cerca de trinta anos, bem feito e com um talhe acima do mediano, com maneiras gentis, ou melhor, corteses, como os brasileiros de educação geralmente possuem. O coronel reside no seu engenho feudal. Seus negros e demais serviçais são numerosos. Comanda o regimento de cavalaria miliciana e o tem em bom estado, atendendo-se às condições da região. Veio para perto de mim, logo que me desmontei, e lhe entreguei as cartas que levava, e ele as pôs à parte para ler com sossego. Fez-me sentar e conversou sobre várias questões, meus planos, intenções etc. Levou-me aos aposentos reservados aos hóspedes, a pequena distância dos seus. Encontrei um bom leito. Trouxeram-me água quente numa grande bacia de latão, e todo o necessário foi providenciado. Tudo era magnífico e até as toalhas tinham franjas. Quando acabei de vestir- me esperei ser chamado para jantar mas, com surpresa, apenas a uma hora da madrugada é que um criado veio buscar-me. Encontrei, na sala de jantar, uma comprida mesa inteiramente coberta de pratos incontáveis, suficientes para vinte pessoas. Sentamo-nos, o coronel, seu capelão, outra pessoa e eu. Quando eu havia saboreado bastante para estar perfeitamente saciado, surpreendeu-me a vinda de outro serviço, igualmente profuso, de galinhas, pastéis etc., e ainda apareceu um terceiro, tendo pelo menos dez espécies diferentes de doces. O jantar não podia ter sido melhor preparado nem mais perfeito, mesmo que fosse feito no Recife, e um epicurista inglês teria ali com que agradar seu paladar. Só me foi possível retirar-me às três horas. Meu leito era ótimo e tive ainda mais prazer por não esperar encontrar um naquelas paragens. Pela manhã, o coronel não me quis deixar partir sem almoçar, chá, café, bolos, tudo de excelente gosto. Levou-me, em seguida, para ver seus cavalos e insistitu comigo para que escolhesse um deles, deixando ali o meu, a fim de recebê-lo em melhor estado quando de minha volta, pedindo-me que substituísse meus animais e carga, ainda com boa resistência, pelos seus. Recusei aceitar seus oferecimentos. Essas circunstâncias são mencionadas para demonstrar a franqueza com que os estrangeiros são tratados. Só me foi possível sair às dez horas e apenas cavalgamos duas léguas para jantar (Cunhau, hoje no município de Canguaretama, RN). A alimentação dos sertanejos consiste principalmente de carnes, nas suas três refeições, às quais ajuntam a farinha de mandioca reduzida a uma pasta, ou arroz, que às vezes o substitui. O feijão, chamado comumente na Inglaterra favas francesas, é a iguaria favorita. Deixam-no crescer em grãos, só o colhendo quando estão completamente duros e secos. Surpreendeu-me verificar o limitado emprego do milho como mantimento, embora algumas vezes usado. A despeito de tudo, fazem uma pasta com a carnaúba e vi comer carne com coalhada. Os vegetais verdes não são conhecidos em seu uso e ririam à ideia de comer qualquer espécie de salada. Os frutos selvagens são numerosos e podem ser colhidos abundantemente, mas poucos tipos são cultivados, entre esses a melancia e a bananeira. O queijo do Sertão é excelente quando fresco, mas ao fim de quatro ou cinco semanas fica duro e coriáceo. Poucas pessoas fabricam manteiga, batendo o leite em garrafas comuns. Trata-se, entretanto, de experiências pessoais e não uma prática geral. Nas próprias cidades do Sertão a rançosa manteiga da Irlanda é a única que se pode obter. Onde as terras permitem, plantam mandioca, arroz etc., mas a grande parte dos alimentos é vegetal e provém dos distritos mais férteis, vizinhos, os vales e as fraldas dos Cariris, serra do Teixeira e outras serras da região (Sertões da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, 1811). Ao jantar o grande homem (Capitão-mor de um regimento de Milícias) tomou assento à cabeceira da mesa e o dono da casa ficou perto, para servi- lo. Foi oferecida uma profusão de iguarias, porque o grupo era grande e esse era o costume. Nenhuma espécie de ordem é observada. Cada pessoa se serve do prato que melhor convenha e, muitas vezes, a faca que acabamos de usar em nosso canto é solicitada por dois ou três dos companheiros, para o mesmo fim. Um pedaço saboroso não está seguro num dos nossos pratos,