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Módulo 3 texto 3

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Módulo 3 – texto 3
O conceito ocidental de Constituição
- Soares, R.
Psicose coletiva constitucional = as atenções se voltam ansiosas para a ideia mágica de constituição, como se dela dependesse exclusivamente a solução de todos os problemas.
	A ideia de constituição está ligada ao processo do pensamento político ocidental e nela se vão acolher solicitações de acontecimentos histórico-políticos e exprimir concepções filosóficas ou religiosas que lhe dão um sentido próprio. Conserva uma reinvindicação de espaço de autonomia para a pessoa humana.
	Qualquer comunidade política supõe uma ordenação fundamental que a constitui e le dá sentido – possui uma constituição.
Dá corpo a essa comunidade;
Indica o titular do poder, onde reside a soberania; e formas de individualização dos titulares dos órgãos do poder; e
Exprime uma posição quanto à estrutura e sentido do corpo social; valores irrecusáveis.
Constituição = modo de ser primário ou constitutivo de uma comunidade.
	Desde os alvores do pensamento ocidental, vamos encontrar essa representação de que todo o grupo político tem uma ordenação material, uma constituição própria, fundamento e limite do poder.
Hesíodo
Cícero – constitutio
Idade Média: ideia duma ordem transcendente que, resolvendo os problemas fundamentais da communitas, assegura o equilíbrio e justificação política dos vários estratos.
Leis fundamentais do reino = constituição material, conjunto de princípios não carecidos de positivação, apesar de a linguagem da época não usar a palavra “constituição”.
 Por que é errado chamar a Magna Carta (1215) e a Bula Áurea de André II da Hungria (1225) de antecessores das constituições modernas positivas?
	Porque os textos pretendem apenas resolver um problema político concreto – o de restaurar uma certa liberdade dos barões ameaçada com manifestações centralizadoras – e é-lhes alheia a pretensão de definir em termos globais o sentido e alcance do poder. Mas, a conclusão desses acordos aponta para uma ordenação preexistente.
É incompreensível a Idade Média sem uma ideia de constituição material.
Estado:
O princípio do direito divino dos reis e, em seguida, as fórmulas do despotismo esclarecido consagrarão e estabilizarão o processo.
	Lois fondamentales de l’Estat, leges imperii, Fondamental Laws pálida imagem da ordem fundamental medieval, implica a sede do poder e as regras da sucessão, ou eventualmente direitos inultrapassáveis pelo soberano, como a propriedade dos súditos ou as regras do direito da família.
Ato fundacional: lei positiva organizadora do Estado, constituição em sentido formal: vem do pedido que se faça o Estado segundo a razão, que as lucubrações dos homens se transmitam a acontecimentos políticos histórico-concretos.
Além da atmosfera filosófica geral de um racionalismo individualista, há 3 ordens de forças:
Reedição duma ideia fecunda do mundo clássico;
Contrato social; e
Acordo dos cidadãos entre si ou deles com o monarca para disporem da convivência cívica.
	A representação tradicional do acordo de fundação transforma-se de uma explicação eurística da realidade numa categoria histórica.
Agreement of people (1647)
Instrument of Government (1653)
Acordo dos Pilgrim Fathers (1620)
Fundamental Orders of Connecticut (1639)
Em todos esses acordos ressalta uma ideia de liberdade, de cunho acentuadamente religioso.
	Por este elemento liberal, liga-se a atualização da ideia de contrato social a uma segunda força. É o desejo de calculabilidade matemática da classe de libertar-se do vínculo e recusar-se legitimamente a cumpri-la alegando e provando um fundamento justificativo, conforme à razoabilidade intersubjetiva.
Nas relações comuns, o homem razoável;
Nas relações particularizadas ou interpessoais, o homem razoável e de boa fé;
Perante a decisão de contratar, o indivíduo empírico com o seu arbítrio contingente.
	Isso não significa a ausência de uma constituição material, apenas que ela fica encoberta por aquela reivindicação de uma constituição formal, ditada pela luta contra o absolutismo.
	A constituição material se repartiu e se refugiou na razão.
Séculos XVIII – XIX: Constitucionalismo
Estado de Virgínia (1776)
União (1786)
Grão Ducado da Toscana (1789)
Constituições saídas da Revolução francesa, holandesa, espanhola, portuguesa, brasileira, dos estados alemães, etc.
Kaegi: a imutabilidade do conteúdo transferiu-se para a imutabilidade da forma.
Se a constituição de que se fala então é um acontecimento histórico, uma lei positiva, donde vem a legitimidade para criar essa constituição?
Legitimação democrática – abade de Sieyés, vontade geral de Rousseau.
A nação que não pode limitar-se pode construir um estatuto de vinculação dos seus mandatários, os governantes. Dois corolários:
A constituição ficará permanentemente à disposição da Nação, atenta a garantir a melhor vinculação dos governantes; e
Constituição não é um ato arbitrário ou um simples expediente de conveniência.
Desvalorização da constituição – com o correr do século XIX, a preocupação positivista crescente exclui todos os problemas que não decorram diretamente duma lei historicamente dada. O que implica desde logo lançar pela borda fora toda a teoria do poder constituinte, agora considerada metafísica jurídica. Todos os problemas da teoria constitucional aparecem como problemas pós-constitucionais.
Relativização da constituição: ela transforma-se, daquela afirmação sacral cujo valor advém da adesão a uma ordem material, numa simples promessa do detentor do poder, que só mantém a sua fixidez enquanto continue a servir de instrumento defensivo dum certo status quo. O que pode representar uma mera autojustificação do poder.
Smend: constituição = fator de integração
Alteração: século XX, como consequência da modificação do conceito e função do Estado.
A democratização da vida política expressa no sufrágio universal
A extensão das tarefas públicas
	Ambos esses fatores fazem com que seja um lugar-comum a compenetração entre Estado e sociedade.
	Sendo o Estado uma dimensão da sociedade, então a constituição tem de ser pensada como ordenamento de toda a comunidade. Por isso, as novas constituições são muito mais do que o esquema de instituição dos governantes e propõem regras para garantir uma certa ordem econômica e social. ideal de justiça
	Acima de cada constituição formal, afirmam-se princípios constitucionais materiais apoiados na tradição de uma certa cultura e demonstrados na sua experiência histórica. Esses princípios dão justificação a uma constituição formal.
Civilização ocidental: constituição deixa de ser o simples pressuposto lógico-formal do direito positivo ordinário, “a primeira lei de que as outras descendem” e passa a ser a ordem legítima da comunidade política.
	Traduzido no respeito aos seus valores essenciais, é incompatível com a redução oitocentista a uma simples decisão política sobre a atuação dos governantes.
	A constituição não se esgota aí: é preciso recusar o totalitarismo da constituição positiva e ter-se a consciência de que ela é apenas uma tentativa de participação no ser autêntico da comunidade, daquele em que está garantido e reside o homem como pessoa.
	A vontade coletiva já não cabe mais no modelo rousseauniano do querer livre daquela Nação antropomorficamente construída; ela só pode significar o devir duma constante devoção da comunidade a uma dada constelação de princípios materiais.
O poder constituinte, manifestação mais autêntica da vontade coletiva, será também materialmente limitado.
Encargo do poder constituinte:
Exprimir no texto constitucional as exigências da constituição material.
Limite externo e limite interno: não pode contrariar as exigências, mas realiza-las o mais completamente possível.
	Não deve a Constituição transformar-se num código de vida da comunidade, animado do desejo de tudo regular minuciosamente. Cada Constituição deve preservar aquela abertura que lhe garanta, sob o domínio dos princípios fundamentais que colheu na experiência históricado povo, a possibilidade de ir se adaptando às mudanças técnicas, econômicas e sociais que o processo político da comunidade venha a manifestar.

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