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Controle Jurisdicional da Discricionariedade Administrativa

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Universidade de Brasília
Faculdade de Direito
Teoria Geral do Direito Público – Professor Tarcísio Vieira de Carvalho Neto
Nome: Bianca Bianchi do Nascimento – 16/0151171
Controle Jurisdicional da Discricionariedade Administrativa
	Em primeiro lugar, deve-se ter como parâmetro que a Administração Pública pode ser explicada como a expressão do poder público na execução ou gestão de atos que tem por finalidade a concretização do interesse público (PINTO, 2006, p. 13).
	A discricionariedade administrativa, por sua vez, tem origem na impossibilidade de o legislador fixar a priori e abstratamente todas as condutas esperadas do administrador, não sendo possível prever cada situação que surgirá no plano fático. Nesse espaço de imprevisibilidade reside a discricionariedade, que não deve ser confundida com arbitrariedade por não se tratar de uma escolha do administrador em face da falta de previsão legal, mas a adequação ao caso concreto exercida dentro dos limites delineados pela lei (PINTO, 2006, p. 14).
	Assim, os sistemas de controle correspondem aos instrumentos utilizados pelo ordenamento jurídico de forma a fiscalizar a legalidade dos atos da Administração, buscando evitar que a atividade administrativa se torne irrefreável, isto é, fora do controle de legalidade, o que ocasionaria a violação corrente da lei pelo administrador, resultando em insegurança coletiva (FILHO, 2015, p. 1054).
	O Brasil adota o sistema inglês, ou sistema da unidade da jurisdição, segundo o qual o julgamento dos litígios da Administração compete aos juízes e tribunais comuns, em uma única ordem de jurisdição, logo, o Poder Judiciário tem o monopólio da função jurisdicional (Pietro, 2000, p. 593); em oposição ao sistema de jurisdição dupla, de origem francesa, caracterizado pela concorrência da jurisdição comum e a administrativa no julgamento dos litígios que envolvam a Administração, através de um conjunto escalonado de juízes ou tribunais administrativos, sob o comando de um órgão supremo independente do tribunal supremo da jurisdição ordinária (MEDAUAR, 2004, pp. 465- 466).
	De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2015, p. 1055), esse sistema confere maior vantagem no que tange à imparcialidade dos julgamentos, visto que o Estado-Administração e o administrado são colocados em plano jurídico horizontal quando têm seus conflitos de interesses resolvidos pelas ações judiciais. Ainda, de acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro (2000, p. 193), tem-se que
O controle judicial constitui, juntamente com o princípio da legalidade, um dos fundamentos em que repousa o Estado de Direito. De nada adiantaria sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados.
	Neste espectro, tem-se que o controle judiciário é aquele exercido com exclusividade pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e mesmo do Judiciário na realização de atividades administrativas (MEIRELLES, 1997). Já conforme definição de Odete Medauar (2004, p. 465), o controle jurisdicional da Administração abrange a apreciação sobre atos, contratos e processos administrativos, bem como de atividades ou operações materiais e ainda a omissão ou inércia administrativa pelo Poder Judiciário.
	Quanto às suas características, segundo Medauar (MEDAUAR, 2004, p. 465), pode-se considerar que
O controle jurisdicional caracteriza-se como controle externo, de regra “a posteriori”, repressivo ou corretivo, podendo apresentar conotação preventiva. É desencadeado por provocação e efetuado por juízes dotados de independência. Esse controle se realiza pelo ajuizamento de ações, que observam procedimentos formais, com garantias às partes, tais como: juiz natural, imparcialidade, contraditório, ampla defesa, entre outras. O processo se encerra por sentença, obrigatoriamente motivada e dotada da autoridade da coisa julgada, impondo-se, portanto, à Administração, que deve acatá-la. De regra exige-se, para o ajuizamento dos remédios, patrocínio de advogado e pagamento de custas.
	Ainda, Medauar (MEDAUAR, 2004, p. 465) adiciona que o controle jurisdicional é o instrumento mais importante de controle da Administração, o qual, no entanto, necessita de outros meios que possam suprir suas falhas.
	De acordo com o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, o que remonta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, ampliando as possibilidades de ação do Poder Judiciário, que deve proteger quaisquer espécies de direitos – individuais, coletivos ou difusos. Assim, o Judiciário configura-se também como o guardião da Constituição, no sentido de que compete a ele a fiscalização dos atos dos Poderes para assegurar a observância das normas constitucionais (PINTO, 2006, pp. 31 - 32).
	Nas palavras de Odete Medauar (2004, p. 466), “a proteção judiciária representa um dos pulares do Estado de Direito, sobretudo como corolário do princípio da legalidade que norteia a atuação dos poderes públicos”. 
	Em adendo ao princípio da inafastabilidade, retoma-se também o da legalidade, o qual vincula a Administração Pública não somente à lei, mas também aos princípios e à teleologia constitucional, ou seja, ao Direito como um todo, considerando-se a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a publicidade e, em especial, o interesse público (FREITAS, 2004, p. 71).
	Assim, o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa consistirá basicamente na observância da legalidade, isto é, será verificado se o administrador atuou dentro dos limites estabelecidos pela lei.
	Como explica José dos Santos Carvalho Filho,
O controle judicial sobre atos da Administração é exclusivamente de legalidade. Significa dizer que o Judiciário tem o poder de confrontar qualquer ato administrativo com a lei ou com a Constituição e verificar se há ou não compatibilidade normativa. Se o ato for contrário à lei ou à Constituição, o Judiciário declarará a sua invalidação de modo a não permitir que continue produzindo efeitos ilícitos.
	Essa base fornecida pela legalidade se torna também uma restrição, na medida em que a competência do Judiciário como revisor de atos administrativos estende-se somente até o controle da legalidade – conformidade com a norma – e legitimidade – conformidade com a moral administrativa e com o interesse coletivo (MEIRELLES, 1997, p. 578).
	Segundo Di Pietro (2000, p. 593), o Poder Judiciário, segundo o princípio da inafastabilidade, pode examinar qualquer tipo de ato da Administração pública – gerais ou individuais, unilaterais, ou bilaterais, vinculados ou discricionários – desde que sob o aspecto da legalidade e também da moralidade (segundo os arts. 5º L, XXIII e 37 da Constituição).
	Dessa forma, evidencia-se o limite ao Judiciário no que tange a decidir sobre o mérito administrativo, isto é, é vedado a ele o poder de reavaliar a conveniência e oportunidade dos atos, os quais são critérios competentes ao administrador público, exclusivamente. Em respeito ao sistema de tripartição dos Poderes, não poderia permitir-se que o juiz realizasse esta função, pois ele estaria exercendo atividade administrativa (FILHO, 2015, p. 1056). No entanto, não configura invasão do mérito a apreciação do juiz acerca dos motivos que precedem a elaboração do ato, cuja ausência configuraria ilegalidade, a qual é suscetível de invalidação (Pietro, 2000, p. 593).
	Conforme síntese de Hely Lopes Meirelles (1997, p. 578),
Ao Poder Judiciário é permitido perquirir todos os aspectos de legalidade e legitimidade para descobrir e pronunciar a nulidade do ato administrativo onde ela se encontre, e seja qual for o artifício que a encubra. O que não se permite ao Judiciário é pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estariaemitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judicial. O mérito administrativo, relacionando-se com conveniências do Governo ou com elementos técnicos, refoge do âmbito do Poder Judiciário, cuja missão é a de aferir a conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do Direito.
	O motivo que justifica o controle da discricionariedade administrativa, portanto, é que, nos Estados de Direito, não deve prevalecer o arbítrio, prepotência ou abuso de poder, sendo que a Administração Pública é sujeita à lei da mesma forma que todos os particulares, sendo o Direito a medida-padrão para aferimento de poderes do Estado e direitos do cidadão (MEIRELLES, 1997, p. 577). A atividade administrativa, assim, visa a uma determinada finalidade fixada preliminarmente pelo ordenamento, perdendo o sentido de ser caso se afaste deles. “Os poderes conferidos ao agente público nada mais são do que instrumentos que devem ser utilizados na persecução do interesse público” (PINTO, 2006, pp. 26 - 27).
	Normalmente, o controle judicial é posterior, ou seja, ocorre depois que os atos administrativos entram no mundo jurídico, havendo exceções nas quais é permitido o controle prévio do Judiciário como meio de evitar uma ofensa irreversível aos direitos individuais e coletivos (FILHO, 2015, pp. 1056 - 1057).
	Por fim, como consequências do controle jurisdicional tem-se: a suspensão de atos ou atividades; a anulação, com efeitos ex tunc; a imposição de fazer; a imposição de se abster de algo; a imposição de pagar; ou a imposição de indenizar ou ressarcir (MEDAUAR, 2004, pp. 470 - 471).
Conclusão
	O controle jurisdicional da discricionariedade administrativa pode ser compreendido na medida em que se entende também a que propósitos se colocam tanto a atividade da Administração Pública em si, como em que consiste a sua discricionariedade; e, por outro lado, o papel do Poder Judiciário.
	Enquanto a Administração Pública atua com base em um poder-dever, segundo o qual age em nome do interesse público, visando sempre uma finalidade pré-estabelecida em lei, a sua discricionariedade somente pode ser coerente se torna compatível os meios utilizados com a possibilidade de atingir-se a finalidade prevista pela norma. Logo, a discricionariedade não se pauta sobre uma vontade particular do administrador, mas sob o espaço dentro da moldura traçada pelo Direito, com respeito às suas regras e princípios.
	Assim, é também visível a conexão com o Judiciário, na medida em que, apenas trazendo os possíveis conflitos para um próximo Poder, se torna possível equiparar horizontalmente o Estado e o povo, fornecendo a necessária neutralidade. Logo, sendo o Poder Judiciário o guardião da Constituição, é ele quem deve se ocupar de verificar a compatibilidade desta com os atos da Administração, isto é, a legalidade deste, a qual está intrinsecamente relacionada à legitimidade, e à moralidade, por implicar em um juízo de adequação também à finalidade prevista pela norma e em consenso com o interesse público.
	No entanto, mesmo a interferência do Judiciário sobre a Administração não pode ser ilimitada, uma vez que, ao se adentrar em questões de mérito, o juiz passa a atuar como o próprio administrador, não como regulador deste, o que violaria a separação de Poderes.
	Finalmente, cabe ressaltar a singularidade deste controle em um Estado de Direito, como forma de rejeição e contenção da arbitrariedade e abuso de poder.

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