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História do Direito Brasileiro Estácio Natal Profa. Dra. Margarida Maria Knobbe 2018 Reprodução autorizada apenas para estudo dos alunos da disciplina. É vedado o uso para outros fins, publicação em sites da internet, etc. sem prévia autorização por escrito da autora. Aplicação: articulação teoria e prática aula 3 Frequentemente o apoio à pena de morte é destaque na mídia brasileira. Recentemente, mais especificamente o mês de janeiro de 2018, pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha apontou que 57% da população brasileira são favoráveis à pena de morte. Na verdade tal número representou um aumento de 10 pontos percentuais em relação à última pesquisa, realizada no ano de 2008, quando a quantidade de pessoas que apoiavam este tipo de punição era de 47%. Ao menos em relação ao tema pena de morte, parece que a visão da população brasileira parece estar indo de encontro com as ideias preconizadas por Cesare Beccaria, um grande iluminista italiano, contemporâneo de Tiradentes. Agora que você leu o texto acima, faça uma pesquisa e responda as seguintes perguntas: a) Com base em que legislação Tiradentes foi, no Século XVIII, condenado à pena de morte? b) A condenação e a pena aplicadas a Tiradentes foram influenciadas pelas ideias de Cesare Beccaria? Justifique. ANTES DESTA AULA Acessar o ambiente virtual da disciplina no SAVA (no SIA, entrar em Sala de Aulas Virtuais e Minhas disciplinas presenciais), assistir à videoaula 4 e observar outras indicações de materiais para aprofundamento deste conteúdo. Ler o livro texto - Livro didático de História do Direito Brasileiro, da Estácio, até a página 68. Aula 4 O Brasil independente Antecedentes Em 1815, com a chegada da Corte ao país, a importância do Brasil é reforçada com sua elevação à condição de Reino Unido de Portugal e Algarves. Esse ato tornava clara a intenção da monarquia portuguesa, por razões econômicas e políticas, de dar continuidade ao projeto de permanência da Corte no Brasil, apesar de superada a crise em Portugal, com a expulsão dos franceses dos domínios territoriais metropolitanos. Revolução liberal do Porto Pessoas simpáticas aos preceitos ideológicos liberais, membros da burguesia, clérigos católicos e militares promoveram a organização de um movimento revolucionário. Em 24 de agosto de 1820, aproveitando-se da ausência do Lorde Protetor britânico, os portugueses iniciaram um movimento revolucionário que tomou a cidade do Porto e, em poucas semanas, atingiu Lisboa, capital do país. A partir desse levante, uma nova junta governativa tomou o controle de Portugal. A mais importante medida tomada por esse governo provisório foi a convocação das Cortes, uma espécie de assembleia constituinte formada por representantes do povo, do clero e da nobreza. A missão fundamental das Cortes era promover o estabelecimento de uma nova carta constitucional que limitasse o poder de atuação da autoridade monárquica e atendesse os demais anseios da população portuguesa. Para que isso fosse possível, era necessário que o rei Dom João VI estivesse presente no país. No dia 26 de abril de 1821, a família real voltou para Lisboa. Contudo, temendo que fosse destituído de seu cargo, D. João VI teve a astúcia de deixar seu filho D. Pedro I no Brasil, sob a condição de príncipe regente. Em linhas gerais, as Cortes desejavam que o Brasil retornasse à condição de colônia. Contexto Independência norte-americana– 1776 – CONSTITUIÇÃO AMERICANA - 1787 Revolução Francesa – 1789. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (a Constituição francesa é posterior, 1849). LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE, DIREITO DE PROPRIEDADE Iluminismo – John Locke- direitos naturais do homem: VIDA – LIBERDADE – PROPRIEDADE Montesquieu – O espírito das leis – defende pontos fundamentais como o constitucionalismo, a preservação das liberdades civis, o Estado de Direito e a separação dos Poderes, entre outros. Três formas de governo: monarquia, república, despotismo (o governo republicano é aquele no qual todo o povo, ou pelo menos uma parte dele, detêm o poder supremo; o monárquico é aquele em que governa uma só pessoa, de acordo com leis fixas e estabelecidas; no governo despótico, um só arrasta tudo e a todos com sua vontade e caprichos, sem leis ou freios). 1820 – Revolução Liberal do Porto e retorno da corte para Portugal em 1821. D. Pedro é deixado no Brasil. Projetos das elites Aristocratas (José Bonifácio): executivo forte, centralização do poder, projeto imperial (expansão para o interior). Democratas (Gonçalves Ledo): legislativo forte, descentralização do poder. Partido português: retorno do príncipe regente a Portugal, alinhado ao movimento da revolução do Porto, retorno do Brasil ao status de colônia. Regência Do ponto de vista político e financeiro, o início da regência de D. Pedro foi bastante difícil: cofres públicos vazios, as províncias do Norte se recusaram a qualquer subordinação, tanto econômica, quanto política, ao Rio de Janeiro; as províncias do Sul, apesar de prestarem lealdade ao príncipe, se recusaram a prestar apoio financeiro – a posição de D. Pedro era de quase impotência e de dependência do Congresso de Lisboa. Em junho de 1821, D. Pedro foi obrigado “pela tropa e pelo povo” a jurar a Constituição portuguesa chegada de Lisboa no final de maio, ao mesmo tempo que, ao longo de 1821, as diversas províncias brasileiras formaram governos provisórios ou juntas governativas eleitas e reconhecidas pelas Cortes de Lisboa, em oposição ao controle central do Rio de Janeiro. Diante de tais dificuldades, o príncipe regente teve que se aproximar dos setores mais conservadores da elite brasileira, os que haviam frequentado a Universidade de Coimbra e exercido funções na administração, compartilhando a ideia de um império luso-brasileiro. Diga ao povo que fico No início de dezembro de 1821, chegaram ao Rio os decretos de 29/09 das Cortes que referendavam as juntas provinciais diretamente subordinadas a Lisboa e que exigiam o retorno imediato de D. Pedro a Portugal. Entre voltar para Portugal e permanecer no Brasil para tentar erguer uma monarquia do tipo “ilustrado”, D. Pedro optou pela segunda via, opção que se confirmou com a proclamação do Fico, em 09/01/1822 – em 11/02, tropas portuguesas tentaram forçar o embarque de D. Pedro para Lisboa, sendo impedidos pela movimentação do povo e de soldados brasileiros. Desse ponto em diante, as decisões tomadas em ambos os lados do Atlântico acabaram por aprofundar o crescente mal-entendido entre as partes, o que levaria à independência brasileira. Independência do Brasil As Cortes passaram a fazer uma contundente pressão política exigindo que o príncipe regente voltasse imediatamente a Portugal. A tensão entre o projeto de recolonização das Cortes e os interesses econômicos das elites brasileiras teve importantes implicações históricas. Antes que Dom Pedro I voltasse a Portugal ou que uma revolta popular eclodisse no Brasil, os membros da nossa elite incitaram o regente a proclamar a independência. Dessa forma, o Estado português perdia seu mais rico território de exploração colonial e o Brasil conquistava sua autonomia política. Também contribuiu para a independência o desgastado modelo tradicional de colonialismo, baseado na agroexportação, no latifúndio, na mão de obra escrava e no fenômeno chamado de bacharelismo. Independência do Brasil 7 de setembro de 1822 – Proclamada a Independência do Brasil. 1824 – EUA reconhecem a Independência do Brasil. 1825 – Inglaterra intermedia negociação para Portugal reconhecer a Independência doBrasil e empresta 2 milhões de libras esterlinas para o Brasil indenizar Portugal que, por sua vez, devia os mesmos 2 milhões para a Inglaterra. Primeiro reinado (1822-1831) Foi marcado pela presença de um liberalismo iluminista (ou pelo menos de alguns de seus princípios), que convive com as práticas patrimoniais, corporativas e autoritárias das elites e pela presença marcante do trabalho escravo no cenário socioeconômico brasileiro. Se constituiu como uma etapa de consolidação da emancipação política brasileira, a qual não produziu grandes alterações na ordem social e econômica e na forma de governo. Ainda que a emancipação política, sob a forma de união em torno do Rio de Janeiro, não tenha produzido grandes mudanças na organização sócio-político-econômica brasileira, ela resultou de lutas e não de consenso. Nas lutas travadas pela consolidação da Independência, foram derrotados, nas províncias, os movimentos autonomistas e os que defendiam a permanência da união com Portugal. A nova relação de dependência econômica que começou a se construir com as principais potências da época (especialmente com a Inglaterra), a partir da abertura dos portos brasileiros (1808) e que se consolidou com a emancipação política de 1822, não significou uma simples continuidade com o padrão colonial anterior, mas uma nova forma de inserção no sistema econômico internacional. Por outro lado, a Independência demandava a tarefa a construção de um Estado Nacional capaz de organizar o país e de garantir sua unidade, e para tal tarefa não havia um consenso das autoridades em torno das linhas básicas que deveriam marcar a organização do novo Estado. Assembleia Constituinte de 1823 Nos dois primeiros anos após a Independência, o debate político se configurou em torno da aprovação de uma Constituição, que deveria ser produzida e votada por uma Assembleia Constituinte que começou a se reunir no Rio de Janeiro em maio de 1823. Logo no início dos trabalhos da Assembleia Constituinte, começaram a surgir divergências entre os constituintes (na maioria, liberais moderados) e as tendências centralizadoras, autoritárias e absolutistas de D. Pedro I, apoiado a princípio por José Bonifácio. As desavenças entre o imperador e os constituintes se produziram em torno das atribuições do poder executivo (o imperador) e o legislativo – os constituintes não queriam que o imperador tivesse o poder de dissolver a Câmara dos Deputados, nem que pudesse negar a validade de qualquer lei aprovada pelo legislativo. Já o imperador e os círculos políticos que o apoiavam achavam que era necessário um executivo forte, capaz de conter as “tendências democráticas e desagregadoras”. Tais divergências levaram ao afastamento de José Bonifácio do ministério em julho de 1823 , imprensado entre as críticas dos liberais e as insatisfações dos conservadores e posteriormente à dissolução da Assembleia Constituinte, com o apoio dos militares. Discurso de D. Pedro I na Assembleia Constituinte de 1823 “A todo custo, e até arriscando a vida, se preciso for, desempenharei o título com que os povos desse vasto e rico continente, em 3 de maio do ano pretérito, me honraram de Defensor Perpétuo do Brasil. (...) Como Imperador Constitucional, e mui especialmente como Defensor Perpétuo deste Império, disse ao povo no dia 1º de dezembro do ano próximo passado, em que fui coroado e sagrado, que com a minha espada defenderia a Pátria, a Nação e a Constituição, se fosse digna do Brasil e de mim. Ratifico hoje mui solenemente perante vós essa promessa, e espero que me ajudeis a desempenhá-la, fazendo uma Constituição sábia, justa, adequada e executável, ditada pela razão, e não pelo capricho, que tenha em vista somente a felicidade geral, que nunca será grande sem que esta Constituição tenha bases sólidas, bases que a sabedoria dos séculos tenha mostrado, que são as verdadeiras para darem uma justa liberdade aos povos, e toda a força necessária ao Poder Executivo. (...) Espero que a Constituição que façais mereça minha real aceitação. Uma Constituição, em que os três poderes sejam bem divididos de forma que não possam arrogar direitos que lhe não compitam, mas que sejam de tal modo organizados e harmonizados, que se lhes torne impossível, ainda pelo decurso de tempo, fazerem-se inimigos, e cada vez mais concorram de mãos dadas para a felicidade geral do Estado.” Algumas reações ao discurso “O Imperador se constituiu ‘juiz em causa própria’ “ (Luiz Inácio de Andrade Lima) “Parece-me que o julgar se a Constituição, que se fizer, é digna do Brasil, só compete a nós como Representantes do Povo, e aos mais que ainda faltam de muitas Províncias” (José Custódio Dias) Participação popular Quando o projeto da Constituição começou a ser discutido, as galerias ficaram lotadas, com populares acompanhando o posicionamento dos parlamentares a respeito dos direitos civis e suas opiniões sobre a maior ou menor extensão dos direitos políticos, com uma tendência clara para a não extensão desses direitos a todos os membros da sociedade. Havia a preocupação com as parcelas mestiças que podiam ser excluídas do processo político. Por sua vez, a participação política dos que fossem considerados cidadãos deveria ser graduada entre cidadãos “passivos” e “ativos” – para ser brasileiro, segundo o deputado Rocha Franco, não bastava apenas a naturalidade ou a naturalização, devendo-se somar a tais critérios, a residência no Brasil e a propriedade, o que significava dizer que a residência e a propriedade seriam os caracteres distintivos da cidadania. Quando se votou a proposição da extensão dos direitos de cidadãos aos LIBERTOS, ela foi rejeitada. Aos poucos, a Assembleia ia sendo pautada pelo cotidiano das ruas e pela intensa participação popular, até a sua dissolução. Anteprojeto apresentado pela Constituinte Utilização de alguns princípios iluministas como a soberania e o liberalismo econômico. "Por soberania nacional entendemos a autoridade superior, que sintetiza, politicamente, e segundo os preceitos de direito, a energia coativa do agregado nacional." (Clóvis Beviláqua) - Estado não soberano ou semi- soberano não é Estado. A soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder. Não são soberanos os Estados membros de uma federação. Caráter anticolonialista expresso no xenofobismo contra os portugueses. Limitação do poder do monarca, para tanto a Câmara se tornaria indissolúvel e as Forças Armadas ficariam sob o comando do Legislativo. Eleições indiretas e o voto censitário baseado nos alqueires plantados de mandioca, o que garantiria à elite brasileira o domínio da vida política. O veto de D.Pedro I levou os constituintes ao episódio conhecido como Noite da Agonia. Noite da Agonia O auge da crise ocorreu com a publicação, na ‘Sentinela’, de um texto assinado pelo "Brasileiro Resoluto" (pseudônimo de Francisco Antônio Soares) acusando dois oficiais lusos de traidores. Ofendidos, resolveram punir o autor do artigo. Na noite de 5 de novembro de 1823, mal informados, surraram a bengaladas o farmacêutico Daniel Pamplona Corte Real que nada tinha com o episódio. Pamplona, que não era brasileiro de nascimento, queixou-se à "soberana Assembleia" e o assunto foi discutido em plenário - onde Martim Francisco e Antônio Carlos, exaltados, bradavam por vingança, na sessão do dia 10 de novembro, com um significativo comparecimento da população. O tumulto resultou na suspensão da sessão. O ambiente na Assembleia era de insegurança, de temores e de suspeitas. As tropas começavam a mover-se e a população, preocupada, alarmava-se. Entre discursos e ânimos exaltados, nesta chamada "noite da agonia" da Assembleia - de 11 para 12 de novembro -, os debatesforam bruscamente interrompidos pela entrada do brigadeiro José Manuel de Morais, portador de um decreto assinado por D. Pedro I que dizia: "Havendo eu convocado como tinha direito de convocar a Assembleia Geral no ano próximo passado (...) Hei por bem, como imperador e defensor perpétuo do Brasil, dissolver a mesma Assembleia e convocar uma outra (...) a qual deverá trabalhar sobre o projeto de Constituição que eu hei de em breve apresentar, que será duplicadamente mais liberal do que a extinta assembleia acaba de fazer". Dissolução da Constituinte Com a dissolução da Assembleia Constituinte e a prisão de vários deputados, dentre eles os irmãos Andrada (José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos), o imperador cuidou de criar uma comissão de “notáveis” que elaborassem um projeto de constituição que resultou na Constituição outorgada em 25 de março 1824. Apesar de OUTORGADA, essa constituição marcou o início da institucionalização da monarquia constitucional, configurando-se a partir daí os Poderes do Estado, as garantias de direitos e a contenção de abusos – a prática constitucional somente teria início em maio de 1826, quando se instalou o legislativo. A Constituição de 1824 não diferia muito da proposta dos constituintes de 1823 – a grande diferença é que ela foi imposta pelo imperador ao “povo”, ou seja àquela minoria de brancos e mestiços que tinham participação política. Mantém alguns princípios do antigo projeto, como a noção de soberania. Com relação ao alcance da Constituição de 1824, devemos destacar dois pontos essenciais: Havia um contingente expressivo da população (os escravos) que estava excluído de seus dispositivos. Ainda que a Constituição representasse um avanço do ponto de vista da organização dos poderes, da definição de atribuições e de garantia dos direitos individuais, sua aplicação seria muito relativa, especialmente no campo dos direitos em um país onde a maioria da população livre dependia dos grandes proprietários rurais, onde só uma minoria (bem pequena) tinha alguma instrução e onde existia uma tradição autoritária. Constituição de 1824 Após dissolver a Constituinte, convocada em 1823 (composta por 90 deputados representantes da aristocracia, grandes proprietários, membros da Igreja, bacharéis em leis), D. Pedro I outorga a Constituição em 25 de março de 1824. Marca o início da institucionalização da monarquia constitucional, adotando o princípio político da separação dos poderes e definindo a Assembleia Geral como um dos representantes da Nação brasileira. Essa constituição vigorou, com algumas modificações, até o final do período imperial e apresentou como principais características: Forma de governo: monarquia constitucional hereditária representativa (artigo 3º.). O império teria uma nobreza, mas não uma aristocracia, cujos títulos seriam concedidos pelo imperador, não sendo, todavia, hereditários. A religião católica continuou como religião oficial (o Estado Monárquico Brasileiro era CONFESSIONAL), permitindo-se o culto particular de outras religiões, sem que houvesse, todavia, “forma alguma exterior de templo” (artigo 5º.). O Poder Legislativo foi dividido em duas instâncias: a Câmara dos Deputados e o Senado – para a Câmara, a eleição era temporária, enquanto que, para o Senado, era vitalícia. Por outro lado, o imperador era irresponsável (não respondia pelos seus atos judicialmente). Foi uma das primeiras do mundo a incluir em seu texto (artigo 179) um rol de direitos e garantias individuais. Ainda que valha a pena ressaltar o simbolismo que representa o fato de estarem as disposições gerais e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros localizadas no último artigo da Constituição, o referido rol representa, mesmo que apenas no campo da mera normatividade, um grande avanço. Deve-se, então, ressaltar alguns dos seus dispositivos como inequívocos precursores de direitos e garantias de todas as nossas constituições, inclusive a atual. Os direitos fundamentais e suas dimensões hoje 1ª. Dimensão: chamados de direitos civis e políticos, englobam os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade formal. São direitos relacionados à questão do próprio indivíduo como tal (direitos à vida e à liberdade), ou seja, direitos que limitam a atuação do Estado na liberdade individual. Podem ser classificados como Direitos Civis e Políticos, mas também chamados de Direitos de Liberdade, sendo os primeiros a constarem no documento normativo Constitucional. O primeiro documento que traz a instituição desses direitos é a Magna Carta de 1215, da Inglaterra, assinada pelo rei João Sem Terra. 2ª. Dimensão: direitos econômicos, sociais e culturais com a finalidade de obrigar o Estado a satisfazer as necessidades da coletividade, compreendendo o direito ao trabalho, à habitação, à saúde, educação e inclusive o lazer. Surgiram no final do século XIX, impulsionados pela Revolução Industrial europeia. 3ª. Dimensão: denominados de direitos de solidariedade ou de fraternidade, difusos ou transindividuais, foram desenvolvidos no século XX, compondo os direitos que pertencem a todos os indivíduos, constituindo um interesse difuso e comum, transcendendo a titularidade coletiva ou difusa, ou seja, tendem a proteger os grupos humanos. Referem-se aos direitos à paz, a uma qualidade de vida saudável, à proteção ao consumidor e à preservação do meio ambiente. 4ª. Dimensão: introduzidos pela globalização política, é formada pelos direitos à democracia, à informação, ao pluralismo e de normatização do patrimônio genético (bioética, biodireito, pesquisa genética). Não é unânime a aceitação desta geração de direitos fundamentais. Dentre os que a defendem temos Pedro Lenza, Marcelo Novelino, Erival Oliveira e Norberto Bobbio. Resumindo... Direitos de 1ª. Dimensão: surgiram primeiro, historicamente – direitos individuais, liberdades públicas. (LIBERDADE) O Estado tem o dever principal de não fazer, não agir (direito à vida, às liberdade, à propriedade, etc.) Direitos de 2ª. Dimensão: direitos sociais. (IGUALDADE) O Estado tem o dever de fazer, de agir (direito à saúde, à moradia, à educação, ao trabalho, etc.) Direitos de 3ª. Dimensão: direitos metaindividuais/transindividuais. (FRATERNIDADE) Direitos difusos e coletivos (direito ao meio ambiente, direitos do consumidor, etc.) Direitos de 4ª. Dimensão: ainda controverso. Há duas posições: 1. Decorrentes da evolução da ciência (clonagem, manipulação genética, transgênicos, etc.) 2. Direitos ligados à democracia (possibilidade de plebiscito, referendo, etc.) Direitos e garantias individuais na Constituição de 1824 Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei. II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica. III. A sua disposição não terá effeito retroactivo. IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar. V. Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica. VI. Qualquer póde conservar-se, ou sahir do Imperio, como Ihe convenha, levando comsigo os seus bens, guardados os Regulamentos policiaes, e salvo o prejuizo de terceiro. VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento,ou para o defender de incendio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar. VIII. Ninguem poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os das testermunhas, havendo-as. IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca, poderá o Réo livrar-se solto. X. A' excepção de flagrante delicto, a prisão não póde ser executada, senão por ordem escripta da Autoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar. O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa formada, não comprehende as Ordenanças Militares, estabelecidas como necessarias á disciplina, e recrutamento do Exercito; nem os casos, que não são puramente criminaes, e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados da justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro do determinado prazo. XI. Ninguem será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na fórma por ella prescripta. XII. Será mantida a independencia do Poder Judicial. Nenhuma Autoridade poderá avocar as Causas pendentes, sustal-as, ou fazer reviver os Processos findos. XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um. XIV. Todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja dos seus talentos, e virtudes. XV. Ninguem será exempto de contribuir pera as despezas do Estado em proporção dos seus haveres. XVI. Ficam abolidos todos os Privilegios, que não forem essencial, e inteiramente ligados aos Cargos, por utilidade publica. XVII. A' excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juizos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Commissões especiaes nas Causas civeis, ou crimes. XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade. XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis. XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Por tanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infamia do Réo se transmittirá aos parentes em qualquer gráo, que seja. XXI. As Cadêas serão seguras, limpas, o bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas circumstancias, e natureza dos seus crimes. XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação. XXIII. Tambem fica garantida a Divida Publica. XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos. XXV. Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juizes, Escrivães, e Mestres. XXVI. Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas producções. A Lei lhes assegurará um privilegio exclusivo temporario, ou lhes remunerará em resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisação. XXVII. O Segredo das Cartas é inviolavel. A Administração do Correio fica rigorosamente responsavel por qualquer infracção deste Artigo. XXVIII. Ficam garantidas as recompensas conferidas pelos serviços feitos ao Estado, quer Civis, quer Militares; assim como o direito adquirido a ellas na fórma das Leis. XXIX. Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos. XXX. Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores. XXXI. A Constituição tambem garante os soccorros publicos. XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos. XXXIII. Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes. XXXIV. Os Poderes Constitucionaes não podem suspender a Constituição, no que diz respeito aos direitos individuaes, salvo nos casos, e circumstancias especificadas no paragrapho seguinte. XXXV. Nos casos de rebellião, ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a liberdede individual, poder-se-ha fazer por acto especial do Poder Legislativo. Não se achando porém a esse tempo reunida a Assembléa, e correndo a Patria perigo imminente, poderá o Governo exercer esta mesma providencia, como medida provisoria, e indispensavel, suspendendo-a immediatamente que cesse a necessidade urgente, que a motivou; devendo num, e outro caso remetter á Assembléa, logo que reunida fôr, uma relação motivada das prisões, e d'outras medidas de prevenção tomadas; e quaesquer Autoridades, que tiverem mandado proceder a ellas, serão responsaveis pelos abusos, que tiverem praticado a esse respeito. Voto censitário e descoberto O voto era INDIRETO, DESCOBERTO (não-secreto) e CENSITÁRIO – INDIRETO (até a reforma de 1881) porque os votantes (que corresponderiam à massa atual de eleitores organizados pelas paróquias) votavam em um CORPO ELEITORAL, em ELEIÇÕES PRIMÁRIAS, o qual elegia os deputados, e CENSITÁRIO porque, para ser votante primário, fazer parte do CORPO ELEITORAL (COLÉGIO ELEITORAL), ser deputado ou ser senador, o indivíduo deveria atender a alguns requisitos, dentre os quais (e principalmente) de NATUREZA ECONÔMICA (artigo 90º.). Para votar, a pessoa precisava ter renda anual de, pelo menos, 100 mil réis. Para ser candidato a deputado, a renda anual deveria ser de 400 mil réis, para senador a renda deveria ser maior: 800 mil réis. Só os ricos podiam votar e ser eleitos (artigos 90º. a 97º.). A renda era calculada ao equivalente em alqueires de farinha de mandioca (“Constituição da mandioca”). Eleitores: cidadãos brasileiros em seu gozo dos seus direitos políticos e estrangeiros naturalizados, maiores de 25 anos. Poderes na Constituição de 1824 Poderes constitucionais Poder executivo e poder moderador: exercidos pelo imperador. Poder moderador (art. 98º. – 101º.) – ‘suprapoder’, apenas exercido pelo imperador assessorado pelo Conselho de Estado. Podia dissolver a Câmara dos Deputados, demitir livremente os ministros, suspender magistrados. Poder legislativo: Assembleia Geral (Câmara dos Deputados e Senado). Poder judiciário (art. 151º. – 164º.): Supremo Tribunal de Justiça, magistrados escolhidos pelo imperador (pela Constituição de 1988, art. 101º., os ministros do Supremo Tribunal Federal são indicados e nomeados pelo presidente da República, após sabatina no Senado). Poder moderador A partir de uma teoria política idealizada pelo pensador franco-suíço Henri- Benjamin Constantde Rebeque* (1767 – 1830), se imaginou um quarto poder ao lado dos demais (executivo, legislativo e judiciário), que teria a função sistêmica de equilibrar os demais. Segundo a concepção de Constant de Rebeque, a função natural do poder real em uma monarquia constitucional seria a de um mediador neutro, capaz de resolver os conflitos entre os três poderes instituídos e também entre as facções políticas. Os únicos países a aplicarem essa teoria foram o Brasil, entre 1824 e 1889, e Portugal, entre 1826 e 1910. Na prática, a aplicação da teoria de Constant provou ser uma verdadeira anomalia, com apelo somente ao monarca, que via em seu mecanismo um meio de intervir pessoalmente nas decisões dos três poderes básicos definidos desde a época de Montesquieu e sua teoria da separação de poderes de 1748. *Não confundir com Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), militar, professor e um dos articuladores do levante republicano de 1889. Superpoderes O imperador nomeava os membros vitalícios do Conselho de Estado, os presidentes das províncias, as autoridades eclesiásticas (padres, bispos) da Igreja Católica (padroado). Nomeava e suspendia os magistrados do poder judiciário, assim como nomeava e destituía os ministros do poder executivo. Aprovava ou não as decisões da Assembleia Geral, além de convocar ou dissolver a Câmara dos Deputados. O imperador concentrava um poder sem paralelo, demonstrando um caráter centralizador e autoritário da organização política. Tal situação dividia a sociedade imperial. O protesto mais violento ocorreu em Pernambuco, no episódio conhecido como Confederação do Equador, em 1824 (movimento antimonarquista, originou-se nas constantes crises da economia regional e as cargas tributárias impostas pelo governo. Iniciou com a ação de lideranças e populares pernambucanos, logo tomou corpo e conseguiu a adesão de outros estados do nordeste: Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba). Dezesseis envolvidos na Confederação do Equador foram acusados e executados pelas instituições judiciárias do Império. Entre eles, Frei Caneca teve como pena a morte por fuzilamento. Poder judicial Diferentemente de outras Constituições da época, a atividade jurisdicional no império era também exercida pelo poder moderador, que a si resguardava não só as competências para perdoar e moderar as penas, como também as de suspender os magistrados do exercício de suas funções. Organização: PRIMEIRA INSTÂNCIA Juízes de Paz – para conciliação prévia das contendas cíveis e, pela Lei de 15 de outubro de 1827, para instrução inicial das causas criminais, sendo eleitos em cada distrito. Juízes de Direito – para julgamento das contendas cíveis e criminais, sendo nomeados pelo Imperador. SEGUNDA INSTÂNCIA Tribunais de Relação (Provinciais) - Para julgamento dos recursos das sentenças (revisão das decisões). TERCEIRA INSTÂNCIA Supremo Tribunal de Justiça - Para revista de determinadas causas e solução dos conflitos de jurisdição entre Relações Provinciais (O Supremo Tribunal de Justiça foi efetivamente criado pela Lei de 18 de setembro de 1828, compondo-se de 17 Ministros - ao mesmo tempo em que foi extinta a Casa da Suplicação, o Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens). “ ” O sistema judicial colonial foi um dos alvos da luta independentista. A justiça era considerada anacrônica e distanciada do povo. Contudo, alcançada a emancipação, a despeito de um breve período de práticas liberais, assim na política como na área judicial, o sistema que foi construído manteve o perfil elitista e centralizador. Por essa época, havia muitas contradições na sociedade brasileira. Ao mesmo tempo em que eram defendidas ideias liberais na economia e na luta contra o colonialismo, pouco se avançava no âmbito social. Pesava o medo da Revolução Francesa. Rousseau era proibido. A sociedade se compunha de uma elite culta, de proprietários e altos servidores do Estado, de um lado, e escravos, libertos e pobres, de outro. A elite era altamente educada, tanto que mais de 80% dos ministros e dos senadores do período 1822-1831 possuía curso superior. No entanto, um recenseamento de 1872 indicou que apenas 18% da população era alfabetizada; obviamente, na década de 20 a situação era muito pior. WILSON CARLOS RODYCZ (<https://www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/historia/memorial_do_poder_judiciario/memorial_judiciario_gauc ho/revista_justica_e_historia/issn_1676-5834/v3n5/doc/02-Wilson_Rodycz.pdf>). Após a Independência, uma lei de 15 de outubro de 1827 operou profunda modificação na estrutura judicial vigente. Essa lei regulamentou a função do Juiz de Paz, de provimento eletivo, com ampla competência jurisdicional, trilhando o caminho da descentralização e da submissão da nação aos cidadãos. Lei dos juízes de paz Em cada freguesia ou paróquia devia haver um Juiz de Paz e um suplente. Eram eleitos ao mesmo tempo e maneira por que se elegiam os vereadores. Não se admitia recusa, a não ser por motivo de moléstia ou emprego cujo exercício conjunto fosse impossível. Tinham competência para promover a conciliação das partes e para julgar certas demandas, tendo ainda atribuições policiais. Ao Juiz de Paz competia conciliar as partes antes da demanda, processar e julgar as causas cíveis cujo valor não excedesse a dezesseis mil réis; manter a ordem nos ajuntamentos (reuniões públicas), dissolvendo-os no caso de desordem; pôr em custódia os bêbados durante a bebedice; corrigi-los por vício e turbulência e as prostitutas escandalosas, obrigando-os a assinar termo de bem viver, com a cominação de penas; fazer destruir os quilombos; fazer autos de corpo de delito; interrogar os delinquentes, prendê-los e remetê-los ao juiz competente; ter uma relação dos criminosos para fazer prendê-los; fazer observar as posturas policiais das câmaras; informar o juiz de órfãos sobre incapazes desamparados e acautelar suas pessoas e bens, enquanto aquele não providenciasse; vigiar sobre a conservação das matas públicas e obstar nas particulares ao corte de madeiras reservadas por lei; participar ao presidente da província quaisquer descobertas úteis que se fizessem no seu distrito (minas); procurar a composição das contendas e dúvidas sobre caminhos particulares, atravessadouros e passagens de rios ou ribeiros, sobre uso das águas empregadas na agricultura ou na mineração, dos pastos, pescas e caçadas, sobre limites, tapagens e cercados das fazendas e campos, e os danos feitos por familiares ou escravos; dividir o distrito em quarteirões. Magistrado leigo A criação do juiz de paz, em 1827, foi a primeira grande reforma que sofreu o sistema judicial brasileiro, sinalizando os propósitos do Partido Liberal, então aspirante ao poder. O juiz de paz foi concebido como um magistrado leigo, sem treinamento e não remunerado, sobretudo para conciliar os litigantes potenciais e jurisdicionar nas vilas e nas causas de pequena importância. De fato, entretanto, significava muito mais. Representava a concretização da autonomia e da descentralização administrativa então defendida por aquele partido. A instituição do juiz de paz tornou-se o símbolo da luta contra a herança colonial e foi o núcleo de intensa polêmica jurídica- política que dominou o cenário no nascedouro do Estado brasileiro. Seus adversários viam nele o germe da erosão da autoridade central e uma ameaça ao controle social; seus defensores, a descentralização e a democratização da justiça. O juiz de paz na roça (1838) Peça teatral de Martins Pena (1815-1848) ESCRIVÃO - (LENDO: ) Diz Francisco Antônio, natural de Portugal, porém brasileiro que tendo êle casado com Rosa de Jesus, trouxe esta por dote uma égua. "Ora, acontecendo ter aégua de minha mulher um filho, o meu vizinho José da Silva diz que é dêle, só porque o dito filho da égua de minha mulher saiu malhado como o seu cavalo. Ora, como filhos pertencem às mães e a prova disto é que a minha escrava Maria tem um filho que é meu, peço a V.S.a mande o dito meu vizinho entregar-me o filho da égua que é de minha mulher". JUIZ - É verdade que o senhor tem o filho da égua prêso? JOSÉ D/SILVA - É verdade; porém o filho me pertence. Pois é meu, que é do cavalo. JUIZ - Terá a bondade de entregar o filho a seu dono, pois é aqui da mulher do senhor. JOSÉ D/SILVA - Mas, Sr. Juiz... JUIZ - Nem mais nem meios mais, entregue o filho, senão, cadeia. JOSÉ D/SILVA - Eu vou queixar-me ao Presidente. JUIZ - Pois vá , que eu tomarei a apelação. JOSÉ D/SILVA - E eu embargo. JUIZ - Embargue ou não embargue, embargue com trezentos mil diabos, que eu não concederei revista no auto do processo! JOSÉ D/SILVA - Eu lhe mostrarei, deixe estar. JUIZ - Sr. Escrivão, não dê anistia a êste rebelde, e mande-o agarrar para soldado. JOSÉ D/SILVA - (COM HUMILDADE) Vossa senhoria não se arrenegue! Eu entregarei o pequira. JUIZ - Pois bem, retirem-se; estão conciliados. (SAEM OS DOIS) Não há mais ninguém? Bom, está feichada a sessão. Hoje cansaram- se! Criação dos cursos jurídicos Lei de 11 de agosto de 1827 – cria dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de São Paulo e outro em Olinda (transferido para Recife em 1854). Para Wolkmer, “as escolas de Direito foram destinadas a assumir duas funções específicas: primeiro, ser polo de sistematização e irradiação do liberalismo enquanto nova ideologia político-jurídica capaz de defender e integrar a sociedade; segundo, dar efetivação institucional ao liberalismo no contexto formador de um quadro administrativo profissional.” “A Faculdade de Direito pernambucana expressaria tendência para a erudição, a ilustração e o acolhimento de influências estrangeiras vinculadas ao ideário liberal”. “O intento do Grupo do Recife foi tratar o fenômeno jurídico a partir de uma pluralidade temática, reforçada por leituras naturalistas, biologistas, cientificistas, históricas e sociológicas, apoiando-se fortemente num somatório de tendências que resultavam basicamente no Evolucionismo e no monismo, sem desconsiderar a crítica sistemática a certas formulações jusnaturalistas e espiritualistas.” “Já a Academia de São Paulo, cenário privilegiado do bacharelismo liberal e da oligarquia agrária paulista, trilhou na direção da reflexão e da militância política, no jornalismo e na ‘ilustração’ artística e literária. Aliás, foi o intenso periodismo acadêmico o traço maior que predominou na tradição do Largo de São Francisco, levando os bacharéis ao desencadeamento de lutas em prol de direitos individuais e liberdades públicas.” O bacharelismo brasileiro A criação dos cursos jurídicos brasileiros se dá em 1827, com o objetivo explícito de formar quadros de recursos humanos para a administração pública e para a atividade política no período imperial, ou seja, tinha o condão de formação de uma elite intelectual, cultural e burocrática capaz de exercer atividades inerentes a essa formação. Formavam-se então bacharéis aptos a serem Deputados e Senadores, além de essa formação atender à ocupação de lugares diplomáticos e demais empregos do Estado. Essa tradição de formação de uma elite cultural e burocrática é advinda da antiga metrópole de então, pois que os cursos jurídicos tinham o objetivo de uma formação baseada em conhecimentos universais, humanísticos e filosóficos. “ ” O bacharelismo é, em geral, descrito como o fenômeno social caracterizado pela predominância do bacharel na vida social do país, ocupando ele posição proeminente na atividade política e exercendo funções alheias às sua especialidade ou formação, à falta de profissionais qualificados para exercê-las. MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Do bacharelismo à bacharelice: reflexos desses fenômenos nos cursos jurídicos, ao longo do tempo. In: ENSINO Jurídico: literatura e ética. Brasília: OAB, 2009. “Na vida pública, o prestígio do bacharel só era contrastado, nas comunidades do interior do país, pelo coronel, protagonista de fenômeno semelhante em termos de influência política, que foi o coronelismo.” Algumas outras legislações 1826 – Inglaterra exige renovação dos tratados de redução da tarifa alfandegária (15% para produtos ingleses). 1826 – Renovado por mais 15 anos o Tratado de Aliança e Amizade com a Inglaterra, com meta de extinção do tráfico negreiro até 1830. Direito penal Artigo 179º. da Constituição de 1824 abole açoites, tortura, marca de ferro quente, penas cruéis em geral. 1830 – Entra em vigor o primeiro Código Criminal brasileiro. Representou uma novidade, precedendo, em algumas das suas disposições, códigos europeus. Seu texto considerado conciso, e elogiado por isso, foi inclusive traduzido para o francês, demonstrando a sua importância para inúmeros juristas daqueles tempos. Influenciado pelas ideias de Cesare Beccaria (1738-1794), pensador iluminista italiano que, aos 23 anos, escreve a obra-prima Dos Delitos e Das Penas (1764). Exigia a legalidade e a anterioridade como princípios da tipificação penal e a ‘humanização’ das penas, embora ainda permitisse: trabalhos forçados, prisão perpétua, pena de morte em certos casos. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL EM MATÉRIA PENAL - ART. 1º nullum crimen nulla poena sine lege scripta et praevia (ninguém será punido sem que haja uma lei prévia, escrita, estrita e certa) Código Criminal (1830) Maior incoerência: Inviolabilidade dos direitos civis, igualdade jurídica em uma sociedade escravista. Não prevê crime culposo (conduta voluntária, sem intenção de produzir resultado ilícito, porém, previsível, que poderia ser evitado; resultado de negligência, imperícia ou imprudência). Só há dolo – em que o agente prevê o resultado lesivo de sua conduta (art. 2º. § 1º., reforçado no art. 3º.). Estabelecia três tipos de crimes: 1)os públicos, entendidos como aqueles contra a ordem política instituída, o império e o imperador - dependendo da abrangência seriam chamados de revoltas, rebeliões ou insurreições; 2)os crimes particulares, praticados contra a propriedade ou contra o indivíduo; 3)os policiais contra a civilidade e os bons costumes. Nesses últimos incluíam-se os vadios, os capoeiras, as sociedades secretas e a prostituição. O crime de imprensa era também considerado policial. Em todos esses casos, o governo imperial poderia agir aplicando as penas que constavam no Código - como prisão perpétua ou temporária, com ou sem trabalhos forçados, banimento ou condenação à morte. Código Criminal de 1830 - penas Proporcionalidade entre o crime e a pena. Pena exclusiva do condenado. Humanização da pena de morte (sem tortura). Proibição das penas cruéis. Persistência das penas de degredo, banimento, galés, multas, privação dos direitos políticos, desterro (exílio). Art. 19 – Influirá também no agravamento ou atenuação da pena a sensibilidade do ofendido (status social). Maioridade penal: 14 anos (pelas Ordenações Filipinas: 7 anos, sem pena de morte). Código liberal X aplicação conservadora Vigiar e punir - cap. 1: O corpo dos condenados (Michel Foucault) Desaparece, destarte, em princípios do século XIX, o grande espetáculo da punição física: o corpo supliciado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação da dor. Penetramos na época da sobriedade punitiva. Podemos considerar o desaparecimento dos suplícios como um objetivo mais ou menos alcançado, no período compreendido entre 1830 e 1848. Oafrouxamento da severidade penal no decorrer dos últimos séculos é um fenômeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto, durante muito tempo, de forma geral, como se fosse fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e “humanidade”. Na verdade, tais modificações se fazem concomitantes ao deslocamento do objeto da ação punitiva. Redução de intensidade? Talvez. Mudança de objetivo, certamente. Se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas formas mais duras, sobre o que, então, se exerce? (...) Pois não é mais o corpo, é a alma. À expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições. Mably formulou o princípio decisivo: “Que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo”. Aplicação: articulação teoria e prática Sabe-se que a Constituição Imperial foi a única da história do Brasil que adotou a "divisão" do poder por quatro Poderes. Porém, em mensagem transmitida na abertura do ano judiciário de 2018, a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, afirmou que o Poder Judiciário precisa ser um poder suficientemente forte para enfrentar constantemente as pressões de toda ordem, além de poder fazer face a uma das suas principais características, que é a de um poder moderador ? isto é, capaz de efetivar o seu controle externo sobre os atos dos demais poderes públicos, quando for necessário. Pergunta-se: a) O que caracterizou o chamado Poder Moderador no âmbito do Primeiro Império? b) Relacione a fala da Ministra com a crítica de que a atuação do Poder Judiciário como um poder moderador acaba desaguando em uma judicialização da política. PARA A PRÓXIMA AULA Acessar o ambiente virtual da disciplina no SAVA (no SIA, entrar em Sala de Aulas Virtuais e Minhas disciplinas presenciais), assistir à videoaula 5 e observar outras indicações de materiais para aprofundamento deste conteúdo. Ler o livro texto - Livro didático de História do Direito Brasileiro, da Estácio, até a página 76. Ler o artigo A teoria do poder moderador de Benjamin Constant e a experiência constitucional brasileira no século XIX, de Bonifácio José Suppes de Andrada, disponível em: https://www.diritto.it/a-teoria-do- poder-moderador-de-benjamin-constant-e-a-experiencia-constitucional- brasileira-no-seculo-xix/ Para saber mais sobre a maioridade penal nas legislações brasileiras: Conceito e evolução histórica da maioridade penal no Brasil, de Silvia Rabello Neves Oliveira, disponível em: https://silviarabello.jusbrasil.com.br/artigos/344812010/conceito-e- evolucao-historica-da-maioridade-penal-no-brasil
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