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A compulsão alimentar na mulher e o gozo 
Beatriz São Thiago da Costa Pereira 
Ao receber para atendimento na clínica mulheres com um sofrimento advindo da sua 
relação com a comida, peso e forma física, identifico nessas a presença de uma 
impossibilidade em lidar com a quantidade de comida ingerida, sendo bastante freqüentes os 
episódios de compulsão alimentar. Em um primeiro momento, entendia que a presença de 
compulsão alimentar se relacionava, de algum modo, às dietas alimentares restritivas. A 
compulsão alimentar e as dietas restritivas fariam parte de um circuito de retroalimentação 
iniciado quando havendo um aumento de peso, recorriam a elas. Contrariando esse 
entendimento, entrei em contato com uma descrição de compulsão alimentar já presente 
anteriormente ao uso de dietas restritivas. Ela aparece no DSM-IV no apêndice B, é 
denominada TCAP- Transtorno de compulsão alimentar periódica e está sendo discutida, 
atualmente a sua inclusão no DSM V junto aos transtornos alimentares. Segundo dados de 
pesquisas psiquiátricas, ela está presente em 30% dos obesos que procuram tratamento para 
obesidade e acomete 2% da população em geral e também está presente em não obesos e 
não bulímicos, havendo uma distribuição aproximada entre os sexos (três mulheres para dois 
homens). A reflexão que então elaborei, direcionou-me para investigar a compulsão 
alimentar a partir do episódio de compulsão alimentar que aparece tanto nos problemas 
alimentares em geral quanto no TCAP, e a transcrevê-lo para o referencial da Psicopatologia 
Fundamental e da metapsicologia psicanalítica. 
O TCAP para a psiquiatria: 
O critério de diagnóstico para o TCAP proposto pelo DSM-IV requer a presença de: 
a. Episódios recorrentes de compulsão alimentar. Um episódio de compulsão alimentar 
é caracterizado por ambos os seguintes critérios: 
1. A ingestão, em um período limitado de tempo (por exemplo, dentro de um 
período de duas horas), de uma quantidade de alimentos definitivamente 
maior do que a maioria das pessoas consumiria em um período similar, sob 
circunstâncias similares; 
2. O sentimento de falta de controle sobre o episódio (por exemplo, um 
sentimento de não conseguir parar ou controlar o que ou quanto se come). 
b. Os episódios de compulsão alimentar estão associados a três (ou mais) dos seguintes 
critérios: 
1. Comer muito e mais rapidamente do que o normal; 
2. Comer até sentir-se incomodamente repleto; 
3. Comer grandes quantidades de alimentos, quando não está fisicamente 
faminto; 
4. Comer sozinho por embaraço devido à quantidade de alimentos que 
consome; 
5. Sentimento de repulsa por si mesmo, depressão ou demasiada culpa após 
comer excessivamente. 
c. Acentuada angústia relativa à compulsão alimentar. 
d. A compulsão alimentar ocorre, pelo menos, dois dias por semana, durante seis 
meses. 
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e. A compulsão alimentar não está associada ao uso regular de comportamentos 
compensatórios inadequados (por exemplo, purgação, jejuns e exercícios 
excessivos), nem ocorre durante o curso de anorexia nervosa ou bulimia nervosa. 
“Portanto, de acordo com os critérios de diagnósticos, é necessário que a compulsão 
alimentar se dê em um período de tempo delimitado, o que exclui, por exemplo, indivíduos 
que “beliscam” o dia todo, pequenas quantidades de alimentos. A quantidade de alimentos 
deve ser grande para um determinado período (por exemplo, período de duas horas), mesmo 
considerando-se que esse julgamento seja subjetivo”. (Stefano, 2002) 
A compulsão alimentar na clínica psicanalítica: 
Quando escuto a descrição de um episódio de compulsão alimentar a expressão que 
me ocorre para ele é “orgia alimentar”. Essa poderia nos remeter a cena, do filme 
“Chocolate” com Juliette Binoche, em que o prefeito, que havia se mantido muito rígido e 
contrário à abertura da loja de chocolate, é encontrado, ao amanhecer, na vitrine desta 
mergulhado e todo lambuzado de chocolate. 
Repensar a compulsão alimentar, tendo como referencial a psicanálise, nos direciona 
para a dimensão subjetiva e singular dessa patologia. Ao nos afastarmos da posição 
descritiva e sintomática da Psicopatologia psiquiátrica nos aproximamos do discurso sobre o 
sofrimento, as paixões e a passividade do âmbito da Psicopatologia Fundamental. A 
psiquiatria descreve sintomas e os diagnostica como doença, medica sintomas e faz acreditar 
que está a curar a doença. Para a psicanálise, o sintoma é sinal e substituto. Dessa forma a 
compulsão alimentar será considerada não como mais uma doença a ser descrita no DSM-V, 
mas como um sofrimento que se evidencia nos episódios compulsivos. 
 Em um episódio de compulsão alimentar há uma questão referente à quantidade de 
comida, da ordem do excesso, em que o eu não é senhor desse acontecimento. Esse excesso 
que se evidencia pela desmedida alimentar, que acontece em um pequeno intervalo de 
tempo, que é vivido solitariamente, em um fechamento em si mesmo como em um transe 
hipnótico, é o que me faz perguntar sobre a relação da compulsão alimentar com o conceito 
de gozo em psicanálise. 
Vamos a ele...... 
Segundo Dunker (2002) “O gozo se caracteriza por uma intensidade excessiva (além 
da satisfação), duração repetitiva, estando a meio caminho entre uma grandeza positiva 
(prazer) e negativa (dor). Ele não serve para nada, ele não é um meio para alcançar um fim, 
como o prazer que procura a extinção da tensão.” 
Braunstein, em seu livro Gozo desenvolve uma articulação, em relação a este, 
referenciado no que denominou o quarto momento na história da psicanálise. Aqui “a tese 
central é que o inconsciente está estruturado como uma linguagem, sim, mas depende, como 
tal, do gozo; (o inconsciente) é um processador do gozo por meio do aparelho linguageiro 
que transmuta o gozo em discurso” (Braunstein, 2007). 
Assim sendo, o gozo só pode ser abordado a partir da sua perda, a partir do que vem 
do Outro e que deixa as marcas de sua erosão (Eros) no corpo. Esse Outro sedutor e gozante 
é, também, interditor do gozo. “O gozo fica assim confinado por essa intervenção da 
palavra, em um corpo silenciado, o corpo das pulsões, da busca compulsiva de um 
reencontro sempre fracassado com o objeto. Falo do desejo inconsciente e de seu sujeito”. 
(Braunstein, 2007). 
O aparelho psíquico é a máquina metabólica do gozo, há uma relação de oposição e 
de passagem do gozo ao desejo. Há um gozo primário, o da Coisa. Neste há um pré-sujeito 
S do gozo que se confronta com o Outro da onipotência, absoluto, que se apresenta como 
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Mãe. Mas esse S é um sujeito mítico, que vai perceber que o Outro não é onipotente, está 
submetido à castração, é não completo, é desejante. Inicia-se um 2º momento: o da 
alienação, o da angústia, o sujeito entrando no campo do Outro para preencher, como 
objeto, a falta deste. Saindo do gozo do ser o sujeito se submete à demanda alienante do 
Outro, livrando-se desse modo da carga da vida. Mas não é o que consegue. O Outro está 
barrado por uma falta que o sujeito não preenche. A pergunta sobre o desejo do Outro é um 
enigma e perante a rejeição deste em respondê-lo o sujeito se separa, dividido pelo 
significante e marcado pelo desejo. Temos aqui a relação de oposição e passagem do gozo 
ao desejo, “a incompatibilidade entre gozo e Lei, que é Lei da linguagem, a que obriga 
desejar e abdicar do gozo, convertendo as aspirações ao gozo em termos de discurso 
articulado, vínculo social.” (Braunstein, 2007). 
Para melhor fundamentar esse percurso do gozo, o autor propõe uma revisão da carta 52 de 
Freud a Fliess (1896). Ele observa nesta uma relação com a teoria do gozo, como também, 
uma distinção entre o Isso e o inconsciente que posteriormente levará a 2ª tópica freudiana.Desenvolve, usando a representação topológica da linha reta, o processo de deciframento e 
ciframento do gozo. Esse vai do gozo perdido, que está na ponta esquerda da reta, ao gozo 
reencontrado, que está na direita. Ele identifica cinco pontos no percurso dessa linha reta: 
1. O gozo primordial, originário. Há um registro direto da experiência. Impressões 
sem memória, que serão ou não recuperadas pelas inscrições posteriores. Essas 
primeiras impressões são a manifestação de um real originário do sujeito, 
anterior a simbolização, que é o próprio Gozo e remete ao conceito de Coisa. Um 
protossujeito é impressionado pelo Real . 
2. O ciframento, inscrição ou escritura do gozo originário (Isso)- Primeiro registro, 
primeira transcrição (imprinting) daquelas impressões. Essa transcrição resulta 
nos signos de percepção (alíngua), não susceptíveis de consciência, associados 
por simultaneidade (sincronia), sem ordenação no tempo, sem diacronia. “É um 
registro cifrado das impressões de gozo que marcaram a carne do protossujeito.” 
(Braunstein,2007). A carne se torna corpo nesse processo de ciframento. 
3. O deciframento em um discurso confuso e incoerente (não há pensamento 
organizado pela sintaxe e pela lógica) que manifesta a verdade e ao mesmo 
tempo a dissimula, passagem do gozo ao discurso inconsciente (processo 
primário). Há uma sucessão diacrônica (causalidade: sucessão no tempo de causa 
e efeito) da saída dos signos transcritos para significantes tomados do campo do 
Outro da palavra. Há um discurso onde o gozo será um resto esquecido, é algo 
que se escuta. Da Coisa ficam os objetos fantasmáticos que causam o desejo, 
objeto a, oferecido como mais-de-gozo, como manifestação da falta-a-ser, é 
causa do desejo, razão de ser do movimento pulsional. O gozo rechaçado volta 
como compulsão à repetição, o perdido não é esquecido. 
4. A interpretação, que produz um dizer incorporado ao campo do sentido, 
possibilita um sentido ao inconsciente. Do Inconsciente ao Pré-consciente. Aqui 
há um pensar racional, o encadeamento significante carrega consigo ondas de 
sentido 
5. O esvaziamento desse sentido que recupera a inscrição originária, um saber 
inventado, gozo do decifrado. Gozo apalavreado. Não é um sistema de 
inscrições, mas um momento vivencial que retoma o ponto de partida inicial. 
Gozo recuperado 
Outra idéia desenvolvida por Braunstein no referido livro, importante para fins da 
articulação entre gozo e compulsão alimentar aqui proposta, é a diferenciação que ele faz, 
entre os gozos, por meio da banda de Moebius. O autor, sustentado em uma ampla 
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discussão, propõe uma separação e oposição entre os dois gozos corporais (do ser e do 
Outro), os dois sendo colocados na banda de Moebius, havendo um corte efetivado pelo 
gozo fálico. Assim temos: o gozo fálico, ligado à palavra, efeito da castração de qualquer 
falante, fora do corpo, o gozo do ser perdido pela castração, mítico e ligado à Coisa, anterior 
à significação fálica, identificado nas psicoses e o gozo do Outro, que emergiu para além da 
castração, na passagem pela linguagem, mas fora dela, o gozo feminino. A intromissão do 
significante fálico, a função da castração, produz a separação, abrindo espaço ao gozo fálico, 
acessível aos sujeitos da palavra, o gozo “dos encantos e decepções linguageiras”, gozo sem 
corpo, ficando o gozo do corpo dividido em dois. 
E quais são as articulações possíveis entre o que foi trazido em relação ao gozo e o 
episódio de compulsão alimentar? 
Proponho identificar em um episódio de compulsão alimentar um duplo movimento 
que chamarei de regressivo e prospectivo, e relacioná-los aos gozos do corpo: gozo do ser e 
gozo do Outro (feminino), assim como às duas faces do sintoma: como prejuízo e como 
solução. 
MODO REGRESSIVO (sintoma como prejuízo): As expressões sintomáticas de um 
episódio de compulsão alimentar serão aqui relacionadas ao que foi apresentado em relação 
ao gozo. 
1- Excesso alimentar sem a presença de fome: A hipótese aqui levantada, a partir da 
clínica, é que diante da impossibilidade em atender as exigências referentes aos 
ideais de perfeição e de completude nas relações amorosas e profissionais, e de 
suportar as frustrações daí advindas, uma parte do eu retorna a um lugar de 
alienação ao desejo da mãe. A fantasia é de se desonerar da carga da vida, buscando 
um lugar idealizado que é um ponto de fixação oral. Em outras palavras, diante da 
não aceitação tanto da quantidade de sacrifício do gozo (castração) quanto das falsas 
promessas do ideal do eu para a recuperação deste, há uma volta do eu ao lugar da 
escritura, do ciframento, dos signos/sensações da oralidade e da relação simbiótica 
com uma mãe onipotente, na busca de um lugar em que a privação, na fantasia, está 
ausente. Temos assim, uma passagem do prazer ao gozo do ser, anterior a entrada do 
significante fálico que opera a separação entre os gozos do corpo (do ser e feminino). 
Mas nesse ponto de fixação oral há, também, um grande resto de afetos dolorosos, 
angústias de aniquilamento e separação, que foram excluídos, em que a 
excitabilidade não se ligando a uma significação, não foi decifrada ficando sem 
representação. Por exemplo: a experiência corporal da fome, vivida inicialmente 
como uma ameaça à vida (morte) não está representada, e significada como só fome 
que não mata. Essa significação seria possível a partir da relação com uma mãe 
suficientemente boa, que atribuiria um sentido à experiência de desamparo, 
possibilitando a vivência da privação. Assim sendo, ao não serem colocados limites 
ao mais de gozo (objeto a, comida) pelo sacrifício (falo, castração), chega-se a um 
não se deixar proibir nada, que se expressa no episódio de compulsão alimentar. 
Segundo Dunker (2002) “o falo se encontra no lado masculino e o objeto a no lado 
feminino. Quanto mais a falta se inscreve no plano fálico menos gozo. Inversamente 
quanto mais produção de gozo menos inscrição fálica da falta.” 
2- Grande quantidade de comida em um curto período de tempo: Nesse lugar 
anterior a entrada do significante fálico, onde o eu se refugia, as impressões, os 
signos de percepção estão associados por simultaneidade (sincronia), sem ordenação 
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no tempo, sem diacronia. Estar aqui, sob o império do gozo do ser, é estar fora das 
referências temporais. 
3- Sentimentos de culpa e de vergonha: A culpa presente nesses episódios pode estar 
relacionada à fantasia de uma volta a relação incestuosa com mãe, que seria uma 
transgressão ao interdito do incesto. A vergonha pode se referir ao não querer ser 
vista em um momento de perda da ilusão de completude, fantasiosamente buscada na 
comida que não pode preencher esse vazio do ser. 
4- Momento solitário e perda de controle: No episódio de compulsão alimentar 
vemos a construção de uma dualidade com a comida, sem um terceiro, similar a 
relação dual com a mãe com um fechamento em si mesmo (narcisismo primário). 
Nesse movimento há o apagamento do sujeito (afânise) pelo objeto (comida). O 
sujeito está totalmente entregue a comida, como que hipnotizado por ela. Os afetos 
e sensações, onde estão inscritos os traumatismos reais e imaginários, (p.ex. 
experiência da fome não decifrada pelo princípio do prazer a partir da função 
materna) são atuados (passagem ao ato), são designados através do episódio de 
compulsão alimentar, mas não significados pelo discurso. Há um transbordamento 
pulsional. Aqui “o gozo é uma anomalia da experiência do prazer” (Dunker,2002). 
A relação entre sacrifício e gozo se desestabilizou, há uma crise de gozo. Há um 
gozo masoquista que é o avesso do gozo feminino. 
MODO PROSPECTIVO: no sentido de levar adiante (sintoma como solução). 
Aquio episódio de compulsão alimentar é, também, uma tentativa de tratar o gozo 
feminino que escapa à significação. A comida, que virou veneno no episódio de compulsão, 
também tem uma face de remédio para a angústia do desamparo, para tamponar com ela 
esse vazio do ser. O comer desmedido é uma tentativa de ligação com o corpo, com a 
feminilidade, com o gozo do corpo (gozo do Outro, feminino). Esse restou no deciframento, 
na passagem do Isso para o Inconsciente, e solicita um lugar nessa economia do gozo que 
está mais marcada pelo sacrifício (frustração). Aqui podemos identificar a feminilidade, 
como um modo de gozo para dar conta do desamparo, da incompletude e que tem seu valor 
aumentado ao não ser cifrado e decifrado. “O gozo não cessa de não se inscrever no sintoma 
porque seu valor representa um paradoxo para o sujeito” (Dunker,2002). 
Quais são as possíveis saídas terapêuticas? 
Proponho, como uma hipótese em nossa pesquisa, que o tratamento da compulsão alimentar 
considere o que Julia Kristeva no seu livro “As Novas Doenças da Alma” (2002) se refere 
como “uma genealogia dos signos cognitivos”, fazendo o cogito oscilar em direção a 
sensação. Ela propõe duas etapas: 
1. Mobilizar os afetos e “fazer ampliar o aspecto psicodramático do tratamento”, sendo 
essa “mobilização dos afetos um desinibidor do processo significante no sentido de 
que os novos afetos, atualizados na transferência, desarrumam a função inibitiva 
própria da passagem ao ato”, e “rompam o autismo sensorial aqui presente”. “A 
passagem ao ato ressente-se da falta de sensações”. 
2. “restituir uma imagem do corpo erótico, restituir as sensações e percepções 
nomeando-as”, para ultrapassar a separação entre eu-cogito e ego indexado de afetos 
incomunicáveis. Há uma inibição do tempo sensível. “O tempo sensível não é outro 
senão o da castração simbólica, sem a qual não há tempo nem sujeito”. 
Além disso, repensar e valorizar as vias para a experiência da feminilidade, do gozo 
do Outro (feminino), a feminilidade como eixo fundamental do erotismo, “uma maneira de 
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produzir a erotização, de promover novas formas de sublimação” (Birman,1999). Uma 
sublimação sem a dessexualização da pulsão, havendo uma mudança de objeto. Segundo 
Birman o sujeito se inscreveria no discurso marcando-o pelo ritmo do corpo erógeno. Essa 
manutenção da erotização do psiquismo se daria para além do imperialismo fálico, o que nos 
aproximaria de relações ricas e complexas com o corpo e o gestual: a dança, certos rituais 
religiosos, o canto, a sexualidade não só fálica, a massagem, a meditação. Relação com a 
terra, água, fogo e ar, as sensações, prazeres e gozos do corpo. 
Como, também, aprofundar uma crítica às nossas instituições, à falicidade da nossa 
organização econômico-social, presente no mundo do trabalho e em nossas relações sociais 
e amorosas, para abrirmos mais espaço para o que é do campo da feminilidade, de Eros, que 
está para além do falo. A valorização do que Carla Ravaioli, socióloga do trabalho italiana, 
denominou trabalho reprodutivo, em contraposição ao trabalho produtivo. 
Apesar de nos propormos a pesquisar a compulsão alimentar em mulheres, isso não 
exclui a relevância, de tudo que foi apresentado, para abordá-la também nos homens. A 
prevalência maior entre as mulheres, nos problemas alimentares em geral, pode se relacionar 
com a importância que o gozo feminino tem nessas manifestações. 
Quanto às dietas restritivas, que observamos propiciarem um aumento da compulsão 
alimentar, entendemos que elas remetem fortemente a um tempo de privação, o que ao invés 
de ser uma via de solução acaba sendo uma via de mais prejuízo, aprisionando quem se 
submete a elas em um circuito de privação-compulsão. 
O tratamento psiquiátrico da TCAP se propõe a: anestesiar as angústias, com 
medicação psicotrópica e, através da TCC, treinar um novo comportamento não compulsivo. 
Além disso, o tratamento psiquiátrico não questiona os fatores de risco oriundos do sócio-
cultural. Assim fazendo, ele não alcança o nível de complexidade para o qual a dinâmica e o 
sofrimento de um episódio de compulsão alimentar nos convoca e não constrói, 
criativamente, um novo posicionamento em relação ao grande enigma (inimigo para a 
psiquiatria fálica?) do gozo feminino. 
Referências bibliográficas: 
BIRMAN, J. – Cartografias do feminino. 1.ed.São Paulo: Editora 34 Ltda, 2003. 
BRAUSNTEIN, N. - Gozo. 1.ed.São Paulo: Escuta, 2007. 
DUNKER, C. – O cálculo neurótico do gozo. 1.ed.São Paulo: Escuta, 2002. 
KRISTEVA, J. – As novas doenças da alma. Trad. Joana Angélica D’Ávila Melo. Rio de 
Janeiro: Editora Roco Ltda, 2002 
STEFANO, C., BORGES, M., CLAUDINO, A. – Transtorno da compulsão alimentar 
periódica. In: Psiquiatria na Prática Médica – Unifesp – vol.34, número 4, 2001/2002

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