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LivreEm10Anos.com 1 Bitcoin - Investir ou não investir? Eis a questão! Apresentação ............................................................................................. 2 Sobre o Livre em 10 Anos ........................................................................... 3 Parte 1 | O Bitcoin é um ativo financeiro? ................................................. 4 1.1 – O Bitcoin segundo o seu criador ..................................................... 4 1.2 – O Bitcoin segundo o mercado ......................................................... 5 1.2.1 – O enquadramento do Bitcoin fora do Brasil.............................. 5 1.2.2 – O enquadramento do Bitcoin no Brasil ..................................... 8 Parte 2 | Quanto vale o Bitcoin? .............................................................. 10 2.1 - Modelos de avaliação .................................................................... 11 2.2 - Dificuldades na aplicação dos modelos ao Bitcoin ......................... 12 2.2.1 - Fatores influenciadores dos cenários futuros do Bitcoin ......... 12 2.2.2 - Considerações sobre a taxa de desconto do Bitcoin ................ 14 Parte 3 | O Bitcoin é uma bolha? ............................................................. 18 3.1 - O que é uma bolha financeira ....................................................... 18 3.2 - Afinal, o Bitcoin é ou não é uma bolha? ........................................ 19 3.2.1 – Principais indícios de que há bolha no preço do Bitcoin ......... 20 3.2.2 – Principais indícios de que não há bolha no preço do Bitcoin .. 20 LivreEm10Anos.com 2 Apresentação Embora tenha surgido em 2009, o Bitcoin começou a chamar a atenção de um público maior somente a partir de 2011. Apesar de já existir há alguns anos, muitas questões sobre a moeda (ou tecnologia, ou mercadoria, ou outra classificação que você prefira) ainda são difíceis de responder. Minha intenção com esse e-book é abordar 3 daquelas questões de um ponto de vista mais técnico à luz dos conhecimentos de economia. Na Parte 1 eu abordo a questão: “O Bitcoin é um ativo financeiro?”. Mostro que há um consenso de que sim, ele é um ativo financeiro, embora ainda haja controvérsia sobre a sua natureza. Apresento o ponto de vista de diversos agentes do mercado para que você perceba como cada um enxerga o Bitcoin. Na Parte 2 eu trato da questão que todo mundo quer saber: “Quanto vale o Bitcoin?”. Apresento algumas tentativas do mercado em estimar seu preço futuro e discuto a aplicabilidade do principal modelo de avaliação de ativos financeiros (o CAPM) ao Bitcoin. Na Parte 3 eu discuto outra questão de extrema relevância: “O Bitcoin é uma bolha?”. Explico o conceito de bolha financeira e sua relação com a Parte 2 do e- book. Por fim, apresento alguns indícios para que você reflita se o preço do Bitcoin está ou não inflado. Longe de ser um texto com todas as respostas, esse e-book busca abordar aquelas questões de um ponto de vista mais embasado do que a maioria das discussões que lemos na internet. Espero que, ao final da leitura, você esteja curioso para se aprofundar no entendimento dos questionamentos trazidos. Esse e-book foi baseado em um trabalho feito por mim, Davi Batista, em conjunto com os meus colegas Igor Salviato e Roberto Vita, para a disciplina Mercados e Operações Financeiras do Mestrado em Economia e Administração de Empresas na Universidade do Porto, em Portugal. LivreEm10Anos.com 3 Sobre o Livre em 10 Anos O Livre Em 10 Anos é minha página na internet. Lá eu mostro como está sendo minha caminhada até a Aposentadoria Jovem, prevista para 2022. O objetivo do Livre Em 10 Anos é que ele seja um espaço em que possamos trocar experiências e nos ajudar mutuamente no caminho rumo à aposentadoria em poucos anos. E a fórmula para alcançar a aposentadoria em poucos anos é simples: poupe dois terços do que você ganha. Fazendo isso, você estará pronto para pendurar as chuteiras em uma década! No Livre Em 10 Anos, abordarei finanças pessoais de uma forma menos convencional (embora seja a melhor forma, hehe). A página se destina a pessoas que pretendam alcançar sua aposentadoria na faixa dos 50, 40, ou mesmo dos 30 ou 20 anos de idade. Vale uma observação: Aposentadoria Jovem não significa necessariamente parar de trabalhar. Significa ter mais tempo livre para fazer o que você tem vontade, como arriscar uma carreira em outro ramo. Você pode até mesmo montar uma banda de rock cover do Bon Jovi e tentar viver do seu “dom”. Mas se o plano não der certo, tudo bem! Você já não depende de ganhar dinheiro com isso pra viver. Como diria o Chapolin Colorado: sigam-me os bons!! LivreEm10Anos.com 4 Parte 1 | O Bitcoin é um ativo financeiro? 1.1 – O Bitcoin segundo o seu criador Em 01 de novembro de 2008, Satoshi Nakamoto publicou um artigo com o título “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”1 em um fórum de discussão na internet. Em janeiro de 2009, após o artigo passar pelo escrutínio dos seus colegas, ele publicou a primeira versão do programa computacional relacionado ao que estava escrito em seu artigo. Surgia o Bitcoin. Alguns meses depois, Nakamoto anunciou no fórum de discussão que iria cortar contato com seus colegas para se dedicar a outros assuntos. Ninguém sabe o que aconteceu com ele desde então. Aliás, ninguém sabe se se trata de um homem, de uma mulher ou de um grupo de pessoas. Em seu artigo seminal, Nakamoto apresentou a sua definição para o Bitcoin, além de tratar da sua funcionalidade. Para ele, o Bitcoin seria uma forma eletrônica de dinheiro que permitiria a realização de pagamentos na internet sem a necessidade de intermediação de uma instituição financeira: “A purely peer-to-peer version of electronic cash would allow online payments to be sent directly from one party to another without going through a financial institution.” No artigo, ele ressalta como a inovação eliminaria a necessidade de confiar em terceiros (as instituições financeiras, por exemplo) para realizar transações online. Ao eliminar os intermediários, o Bitcoin reduziria os custos de transação, tornando- as mais baratas: “Commerce on the Internet has come to rely almost exclusively on financial institutions serving as trusted third parties to process electronic payments. While the system works well enough for most transactions, it still suffers from the inherent weaknesses of the trust based model. Completely non- reversible transactions are not really possible, since financial institutions cannot avoid mediating disputes. The cost of mediation increases transaction costs, limiting the minimum practical transaction size and cutting off the possibility for small casual transactions, and there is a broader cost in the loss of ability to make non-reversible payments for non- 1 https://bitcoin.org/bitcoin.pdf LivreEm10Anos.com 5 reversible services. With the possibility of reversal, the need for trust spreads.” Além disso, em sua postagem naquele fórum de discussão, Nakamoto indicou quais seriam as principais propriedades do Bitcoin2: (i) impossibilidade de gastar a mesma moeda mais de uma vez (Double- spending is prevented with a peer-to-peer network), (ii) ausência de necessidade de confiar em terceiros (No mint or other trusted parties), (iii) possibilidade de anonimato (Participants can be anonymous), (iv) modelo de criação de novas moedas pré-definido e conhecido (New coins are made from Hashcash style proof-of-work), e (v) rede distribuída para garantira confiabilidade e segurança do sistema (The proof-of-work for new coin generation also powers the network to prevent double-spending). 1.2 – O Bitcoin segundo o mercado Diversas entidades públicas e privadas já se manifestaram quanto à natureza do Bitcoin. Vale citar que há entendimentos distintos daquele apresentando por Nakamoto, que o vê como um sistema eletrônico de dinheiro. Vejamos como o Bitcoin vem sendo tratado no Brasil e fora dele. 1.2.1 – O enquadramento do Bitcoin fora do Brasil Embora haja opiniões distintas sobre a natureza do Bitcoin, conforme mencionado, o seu reconhecimento como ativo financeiro é inquestionável e disseminado. Por vezes, os documentos emitidos pelos agentes do governo e do mercado usam termos genéricos como “moedas digitais”, “moedas virtuais” ou “cripto-moedas”. No entanto, ao longo de seus textos é possível concluir que seu foco de atenção é o Bitcoin. 2 http://www.mail-archive.com/cryptography@metzdowd.com/msg09959.html LivreEm10Anos.com 6 O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou documento sobre moedas virtuais, categoria na qual inclui o Bitcoin3: “For the sake of specificity, Bitcoin is used as a representative example of a [Virtual Currency] and compared to a home currency, a foreign currency, and a commodity asset based on current arrangements.” O Banco Central Europeu (BCE) enfatiza que as moedas virtuais, como o Bitcoin, não são formas de dinheiro como definidas pela literatura econômica, mas são representações eletrônicas de valor e, em algumas circunstâncias, podem ser usadas como uma alternativa ao dinheiro4: “Although the term “virtual currency” is commonly used – indeed, it often appears in this report – the ECB does not regard virtual currencies, such as Bitcoin, as full forms of money as defined in economic literature. Virtual currency is also not money or currency from a legal perspective. For the purpose of this report, it is defined as a digital representation of value, not issued by a central bank, credit institution or e-money institution, which in some circumstances can be used as an alternative to money.” O Internal Revenue Service (IRS) dos Estados Unidos (algo como a Receita Federal daquele país) afirma que, para fins tributários, as moedas virtuais estão sujeitas ao mesmo tratamento que outros tipos de propriedade5: “(…) virtual currency is treated as property for U.S. federal tax purposes. General tax principles that apply to property transactions apply to transactions using virtual currency.” A Commodity Futures Trading Commission (CFTC), agência do governo dos Estados Unidos que trata do mercado de derivativos financeiros, trata o Bitcoin e outras moedas virtuais como mercadoria (commodity)6: “Bitcoin and other virtual currencies are encompassed in the definition and properly defined as commodities.” 3 https://www.imf.org/external/pubs/ft/sdn/2016/sdn1603.pdf 4 https://www.ecb.europa.eu/pub/pdf/other/virtualcurrencyschemesen.pdf 5 https://www.irs.gov/uac/newsroom/irs-virtual-currency-guidance 6 http://www.cftc.gov/idc/groups/public/@lrenforcementactions/documents/legalpleading/enfcoinfliprorder09172015.pdf LivreEm10Anos.com 7 Em 2014, a Bloomberg, maior plataforma global de serviços financeiros, incluiu o preço do Bitcoin no rol de informações financeiras por ela fornecida aos seus clientes. Em sua justificativa, a Bloomberg deixou claro à época que se trata de uma demanda do mercado, tornando inegável a existência do Bitcoin como ativo financeiro7: “(...) virtual currencies have become increasingly interesting to investors and financial market participants around the world. That’s why we are pleased to announce today that Bloomberg is providing Bitcoin pricing to our 320,000+ global subscribers. (…) Serving the needs and objectives of clients has always been a guiding principle of Bloomberg. Clients are increasingly interested in Bitcoin and other digital currencies and are looking for tools to better monitor developments in these markets.” Segundo pesquisa, o mercado parece encarar o Bitcoin mais como um ouro digital (usando-o como reserva de valor ou investimento) do que como uma moeda digital, conforme o gráfico a seguir8: Fonte: Coindesk.com (State of Blockchain Q1 2017) 7 https://www.bloomberg.com/company/announcements/bitcoin-now-bloomberg/ 8 http://www.coindesk.com/research/state-blockchain-q1-2017/ LivreEm10Anos.com 8 1.2.2 – O enquadramento do Bitcoin no Brasil Para a Receita Federal, embora o Bitcoin não seja moeda nos termos do marco regulatório atual, ele deve ser incluído na declaração do imposto de renda, visto que pode ser equiparado a um ativo financeiro9: “*Item 447+ As moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição. (...) [Item 607] Os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais (bitcoins, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação.” O Banco Central, por sua vez, emitiu comunicado em 2014 em que não se manifestou sobre a natureza do Bitcoin. Limitou-se a utilizar expressões genéricas como “as chamadas moedas virtuais” e ressaltou que está acompanhando a evolução do ativo10: “2. A utilização das chamadas moedas virtuais e a incidência, sobre elas, de normas aplicáveis aos sistemas financeiro e de pagamentos têm sido temas de debate internacional e de manifestações de autoridades monetárias e de outras autoridades públicas, com poucas conclusões até o momento. (...) 9. (...) o Banco Central do Brasil está acompanhando a evolução da utilização de tais instrumentos e as discussões nos foros internacionais sobre a matéria – em especial sobre sua natureza, propriedade e 9 https://idg.receita.fazenda.gov.br/interface/cidadao/irpf/2017/perguntao/pir-pf-2017-perguntas-e-respostas- versao-1-1-03032017.pdf 10 https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?method=detalharNormativo&N=114009277 LivreEm10Anos.com 9 funcionamento –, para fins de adoção de eventuais medidas no âmbito de sua competência legal, se for o caso”. Por fim, embora a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não tenha se manifestado oficialmente sobre o tema, o entendimento do mercado é de que o Bitcoin está fora de sua alçada. Isso porque ele não se enquadra na definição de valor mobiliário da lei que dispõe sobre o assunto (Lei 6.385/76, art. 2º) 11. 11 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6385.htm LivreEm10Anos.com 10 Parte 2 | Quanto vale o Bitcoin? Algumas pessoas e instituições já tentaram encontrar o preço justo do Bitcoin. Entre as tentativas, podemos citar alguns exemplos recentes: Pesquisadores da Universidade de Ryerson, do Canadá, publicaram um estudo em que analizaram o desempenho histórico do Bitcoin e extrapolaram os valores para uma projeção futura. Em seu estudo, estimaramque o preço do Bitcoin alcançaria US$2.550 em 5 anos, o que terminou ocorrendo em menos de 1 ano12; Um analista do Saxo Bank estimou que o preço do Bitcoin poderá alcançar US$100.000 até 2027. Para que isso aconteça, ele calcula que o Bitcoin poderá representar cerca de 10% dos US$5 trilhões negociados diariamente no mercado internacional de moedas (conhecido como mercado Forex)13; Jeremy Liew, o primeiro investidor do Snapchat, projetou que o preço do Bitcoin poderá alcançar US$500.000 em até 2030. Sua estimativa é baseada no aumento do uso do Bitcoin para remessas de dinheiro ao exterior e do uso dos smartphones para realizar pagamentos, além de fatores ligados a riscos geopolíticos nos países (que devem elevar a busca pelo Bitcoin como um ativo de refúgio)14. Contudo, normalmente esses estudos são feitos por entusiastas do Bitcoin, o que nos leva a crer que podem ter um viés excessivamente otimista. É raro encontrar algum estudo que conclua que o preço futuro do Bitcoin não será tão alto como nos exemplos mostrados acima. Além disso, não é comum aprofundarem a análise quanto à possibilidade de que o “experimento” Bitcoin falhe e que seu preço caia abruptamente, podendo chegar a zero. Embora seja informativo (e até divertido) ler tais estudos, algumas pessoas acreditam que eles não passam de “chutes” (mesmo que alguns “chutes” sejam mais sofisticados que outros). Tendo isso em mente, falemos um pouco dos 12 http://www.economist.com/sites/default/files/the_future_of_cryptocurrency.pdf 13 http://www.cnbc.com/2017/05/31/bitcoin-price-forecast-hit-100000-in-10-years.html 14 https://in.finance.yahoo.com/news/first-investor-snapchat-thinks-bitcoin-090500197.html LivreEm10Anos.com 11 modelos de avaliação de ativos financeiros e vejamos alguns problemas em tentar aplicá-los ao Bitcoin. 2.1 - Modelos de avaliação Existem diversas metodologias de avaliação de ativos financeiros. Entre as mais conhecidas e utilizadas, podemos citar a avaliação contábil, a avaliação com base nas negociações de mercado, a avaliação por comparáveis (ou benchmarks) e o fluxo de caixa descontado (que, conforme tratado adiante, inclui três métodos principais). Na avaliação contábil, o ativo é avaliado com base nas suas demonstrações financeiras. Na avaliação de empresas, por exemplo, é uma prática subtrair o valor dos passivos (que são as dívidas da companhia) do valor dos seus ativos (que são os seus direitos) para então encontrar o seu valor patrimonial. No cálculo do valor de mercado, a avaliação do ativo é feita com base no preço pelo qual ele está sendo negociado em um mercado organizado. É uma forma rápida de chegar ao preço atual de um ativo, mas seu valor varia bastante em função das condições e do “humor” do mercado. A análise de benchmark consiste na comparação de parâmetros do ativo em questão com ativos similares negociados em mercado organizado ou com transações ocorridas fora de um mercado organizado. Um exemplo são as famosas avaliações por múltiplos comparáveis. O fluxo de caixa descontado (FCD), por sua vez, é uma metodologia em que são desenhados cenários futuros e, em função deles, estimados parâmetros de referência, como fluxos de caixa ou de dividendos. Por fim, calcula-se o valor presente desses parâmetros utilizando uma taxa de desconto adequada. Há três tipos principais de avaliação na metodologia FCD: o No Free Cash Flow to Firm (FCFF) os fluxos de caixa futuros da empresa são estimados considerando as suas duas fontes de financiamento (capital próprio e capital de terceiros); o No Free Cash Flow to Equity (FCFE) os fluxos de caixa futuros devidos aos acionistas são estimados considerando somente o seu capital próprio; LivreEm10Anos.com 12 o No Modelo de Atualização de Dividendos (Dividend Discount Model – DDM) os valores de referência são os dividendos futuros estimados para o projeto/empresa. 2.2 - Dificuldades na aplicação dos modelos ao Bitcoin Dentre as metodologias de avaliação tratadas na seção anterior, o FCD é, sem dúvida, a mais robusta e utilizada no mercado financeiro. As outras metodologias costumam ser usadas apenas como forma de verificação e validação dos valores encontrados no cálculo do FCD. Contudo, duas dificuldades decorrem dos 3 tipos de avaliação por FCD: 1. Muitas vezes é difícil realizar projeções e estimativas para o futuro sem incorrer em um nível considerável de incerteza, e 2. Calcular a taxa de desconto adequada pode ser uma tarefa complexa. Em se tratando do Bitcoin, essas duas dificuldades são bastante amplificadas, pelo que vamos analisá-las separadamente. 2.2.1 - Fatores influenciadores dos cenários futuros do Bitcoin Projetar cenários futuros para a moeda é quase como escapar de um labirinto intrincado tateando as paredes no escuro. Existe ainda muita incerteza quanto ao que ocorrerá com o Bitcoin dos pontos de vista de regulação pelos governos, tecnológico e de adoção pelo mercado. O já citado estudo da Universidade de Ryerson ouviu a opinião de vários especialistas e concluiu que os cenários futuros do Bitcoin dependem de 7 principais fatores influenciadores. 1. Adesão de mercados emergentes: Mercados emergentes que não possuem uma estrutura financeira suficientemente desenvolvida ou que sofreram grande desvalorização de sua moeda, mas que possuem elevada utilização de celulares e smartphones, apresentam grande potencial de adesão ao Bitcoin. Os autores citam o Quênia como exemplo, que possui mais da metade de seu Produto Interno Bruto operado através de moeda digital. LivreEm10Anos.com 13 2. Adesão de instituições financeiras: O Blockchain é uma tecnologia inovadora por trás do Bitcoin e também foi criada por Satoshi Nakamoto. Muitas instituições financeiras demonstraram interesse em utilizar o Blockchain para aumentar sua eficiência operacional e para atingir mercados novos. Contudo, a maioria das instituições não tem demonstrado interesse na adesão ao Blockchain do Bitcoin, mas sim no desenvolvimento de Blockchains próprios. Apesar de improvável, essa adesão teria grande impacto no Bitcoin. 3. Regulação: O Bitcoin tem se beneficiado da regulação permissiva nos países ocidentais, mas tem enfrentado restrições na Ásia, por exemplo. A regulação governamental das moedas virtuais é uma das grandes incertezas a ser considerada, podendo impactar o Bitcoin tanto positiva como negativamente. 4. Grandes ataques a rede (Hacks): O Bitcoin, por conta da sua tecnologia robusta, oferece grande segurança contra ataques de hackers. Os mercados em que os Bitcoins são negociados (conhecidos como exchanges) são, por outro lado, mais suscetíveis a ataques, o que pode impactar o valor da moeda. Outro risco é a possibilidade do que é conhecido como “ataque de 51%”, em que alguém alcança mais de 50% da capacidade computacional da rede Bitcoin e pode causar danos a ela. 5. Eventos econômicos globais: É possível que o Bitcoin desenvolva uma relação inversa com o estado da economia global, servindo como uma proteção contra eventos econômicos negativos, assim como acontece com o ouro (ativos de refúgio). Pessoas e empresas em lugares com grande volatilidade em suas moedas e forças inflacionárias podem adotar o Bitcoin, influenciando o seu preço. 6. Adesão do comércio eletrônico: As formas atuais de pagamentos possuem um processo de verificação relativamente lento e de alto custo. Ao eliminar estes processos, o Bitcoin pode reduzir bastante os custos de processamento, tornando-se uma alternativa poderosa para transações no comercioeletrônico. 7. Adesão de startups de tecnologia financeira: Inúmeras fintechs (startups focadas em tecnologia financeira) têm desenvolvido aplicações em Blockchain que podem simplificar processos (diminuindo custos) e trazer mais segurança para as operações financeiras. A tecnologia pode também ajudar a aumentar a liquidez em mercados pouco líquidos. LivreEm10Anos.com 14 Esses possíveis cenários relacionados ao Bitcoin possuem um considerável nível de incerteza. Por um lado, isso torna o futuro da moeda menos previsível, aumentando a probabilidade de fracasso. Por outro lado, embute um alto retorno potencial, que será alcançado caso os acontecimentos tomem um rumo favorável. 2.2.2 - Considerações sobre a taxa de desconto do Bitcoin Além da dificuldade de projetar cenários futuros para o Bitcoin, há também a dificuldade em estimar uma taxa de desconto adequada para calcular seu valor presente. O Capital Asset Pricing Model (CAPM) é o modelo mais utilizado para relacionar a rentabilidade esperada de um investimento com o seu risco. Além do CAPM, modelos multifatoriais, como o Arbitrage Pricing Theory (APT), também são muito difundidos no mercado financeiro. Neste ponto, vale discutir a aplicabilidade desses modelos na avaliação do preço do Bitcoin. Para esse fim, vamos centrar a atenção na discussão do CAPM, sem prejuízo de que considerações similares poderiam ser extrapoladas para aqueles modelos multifatoriais. O CAPM é um modelo relativamente simples: Com o CAPM, podemos calcular a rentabilidade esperada do ativo com base em 3 parâmetros: (i) na rentabilidade do ativo livre de risco (geralmente utilizamos títulos emitidos pelo governo dos Estados Unidos), (ii) no Beta, que trataremos com mais detalhes adiante, e (iii) na rentabilidade de uma carteira de ativos de referência. Uma forma de interpretar o Beta é como sendo uma medida de correlação entre o ativo avaliado e o seu benchmark, que é algum índice bolsista como o MSCI World LivreEm10Anos.com 15 Market, S&P500, Dow Jones ou Ibovespa ou ainda algum ativo correlacionado com o ativo avaliado. O grande limitante da aplicação do modelo é a dificuldade em se calcular o Beta do Bitcoin em relação ao benchmark escolhido. Por experiência de mercado, é possível afirmar que o Bitcoin não é correlacionado com nenhum outro índice ou ativo que possa ser usado como referência. Assim, o Beta calculado será um valor próximo de zero. A esse respeito, as empresas ARK Invest e Coinbase, ligadas ao mercado de Bitcoin, elaboraram um estudo com o título “Bitcoin: Ringing the bell for a new asset class”. Elas calcularam a correlação do Bitcoin com outros ativos e concluíram que essa correlação é baixa15: “Strikingly, bitcoin’s price movements have been separate and distinct from those of other asset classes during the last six years. Bitcoin is the only asset that maintains consistently low correlations with every other asset. Remarkably, the maximum correlation, positive or negative, that bitcoin exhibited with each of the other assets is near the minimum correlation, positive or negative, that any of the other paired assets displayed with each other.” A tabela abaixo resume os cálculos feitos pela ARK Invest e Coinbase e apresenta a baixa correlação do Bitcoin com outros ativos. Fonte: ARK Invest e Coinbase (Bitcoin: Ringing the bell for a new asset class) As empresas concluem que o Bitcoin apresenta características que o enquadram em uma classe única de ativos e que ele se diferenciará cada vez mais de outros ativos: 15 http://research.ark-invest.com/hubfs/1_Download_Files_ARK-Invest/White_Papers/Bitcoin-Ringing-The-Bell-For- A-New-Asset-Class.pdf LivreEm10Anos.com 16 “Bitcoin exhibits characteristics of a unique asset class—meeting the bar of investability, and differing substantially from other assets in terms of its politico-economic profile, price independence, and risk-reward characteristics. (...) As Bitcoin’s open-source software evolves, bitcoin will differentiate itself further from other asset classes.” Da equação anterior do CAPM, para um Beta=0, temos que a rentabilidade esperada do Bitcoin seria igual à rentabilidade do ativo livre de risco. Isso faz sentido, uma vez que o Bitcoin não está sujeito a políticas fiscal, monetária ou qualquer outra forma direta de intervenção de entidades governamentais e privadas. Contudo, isso não significa que seu risco é baixo, já que sabemos que sua volatilidade é alta. O fato do Beta do Bitcoin ser zero deve ser interpretado como uma demonstração de que o Bitcoin não está exposto ao mesmo risco de mercado que outros ativos “convencionais”. No entanto, o Bitcoin está exposto ao seu risco específico (que não é captado pelo CAPM) e ao risco sistêmico do seu mercado (em que talvez seja o único ativo relevante participante). A respeito, James Ming Chen esclarece como um Beta nulo pode coexistir com um ativo de alta volatilidade, citando o Bitcoin16: “Under unusual conditions, zero beta may indicate zero correlation with the market despite rampant volatility in the price of an asset. Even if the underlying asset is quite volatile in absolute terms, a complete lack of correlation with the market yields a beta of zero. A purely speculative asset, such as Bitcoin, may exhibit wild swings in price with zero or nearly zero correlation with changes in the price of other tradable assets.” Isto posto, podemos concluir que o CAPM não é um modelo adequado para estimar o retorno esperado do Bitcoin. Como já foi dito, raciocínio análogo poderia ser feito para os modelos multifatoriais, como o APT. 16 “Postmodern Portfolio Theory: Navigating Abnormal Markets and Investor Behavior”, J.M. Chen LivreEm10Anos.com 17 No futuro, conforme o Bitcoin se desenvolva, a tendência é que a nova classe de ativos, da qual o Bitcoin é precursor, passe a ser correlacionada com outros ativos e classes de ativos já existentes no mercado. LivreEm10Anos.com 18 Parte 3 | O Bitcoin é uma bolha? 3.1 - O que é uma bolha financeira A premissa para que se defina se o preço de um ativo está inflado ou não é encontrar um modelo de precificação aplicável a ele. Em geral, estamos na presença de uma bolha especulativa quando um ativo financeiro está sendo transacionado a preços significativamente superiores àqueles que seriam determinados pelo valor fundamental do ativo, que posteriormente se reconhece como absurdos e insustentáveis17. No livro “Bubbles and Contagion in Financial Markets”, o autor afirma que uma bolha ocorre quando um ativo é negociado no mercado a um preço maior do que seus fundamentos econômicos podem sustentar18: “An asset bubble occurs when a financial asset is traded in the market at a price higher than the level its economic fundamentals can sustain, such as when the price of the share grows in the exchange markets for a sustained period of time at a rate much greater than its earnings.” Para a Investopedia, uma bolha é criada por uma subida do preço do ativo que não é garantida pelos seus fundamentos. Assim, quando não há mais investidores dispostos a pagar aquele preço elevado, ocorre um movimento em massa de venda do ativo, causando o estouro da bolha19: “A bubble is an economic cycle characterized by rapid escalation of asset prices followed by a contraction. It is created by a surge in asset prices unwarranted by the fundamentals of the asset and driven by exuberant market behavior.When no more investors are willing to buy at the elevated price, a massive selloff occurs, causing the bubble to deflate.” O estouro da bolha se dá quando algum evento ou série de eventos provoca uma queda significativa e rápida do ativo em questão. Isso ocorre principalmente porque, 17 “Mercados, Produtos e Valorimetria de Activos Financeiros”, Abel L. Costa Fernandes et. al. 18 ”Bubbles and Contagion in Financial Markets, Volume 1: An Integrative View”, E. Porras 19 http://www.investopedia.com/terms/b/bubble.asp LivreEm10Anos.com 19 em razão daqueles eventos, os agentes do mercado são tomados por um sentimento de pânico, o que os levar a tentar vender seus ativos, derrubando seu preço cada vez mais. 3.2 - Afinal, o Bitcoin é ou não é uma bolha? Como vimos, bolha é o desvio do preço de um ativo em relação ao seu valor fundamental, ao seu valor intrínseco. O valor fundamental é aquele determinado por algum modelo de precificação que trate de forma adequada as peculiaridades do ativo em pauta. Espero ter conseguido mostrar na Parte 2 deste texto o quanto é difícil (talvez até impossível no estágio atual) encontrar o valor fundamental do Bitcoin. Assim, se: (i) a bolha é o desvio do preço de um ativo em relação ao seu valor fundamental, e (ii) atualmente, não é possível calcular o valor fundamental do Bitcoin, concluímos que não é possível afirmar se o preço atual do Bitcoin está inflado ou não. A própria definição de bolha econômica dada pela Nasdaq (bolsa de valores dos Estados Unidos focada em empresas de tecnologia) trata da dificuldade em se identificar a existência de uma bolha por conta da dificuldade em se determinar o valor fundamental de um ativo20: “[Economic bubble is a] market phenomenon characterized by surges in asset prices to levels significantly above the fundamental value of that asset. Bubbles are often hard to detect in real time because there is disagreement over the fundamental value of the asset.” Embora não seja possível afirmar de forma categórica se o preço do Bitcoin está ou não inflado, algumas características são consideradas indícios da ocorrência ou não de uma bolha financeira, conforme detalhado nas seções a seguir. Estude-as e tire as suas próprias conclusões. 20 http://www.nasdaq.com/investing/glossary/e/economic-bubble LivreEm10Anos.com 20 3.2.1 – Principais indícios de que há bolha no preço do Bitcoin Entre os principais fatores presentes no mercado de Bitcoin que indicam a existência de uma bolha, podemos citar: a presença de inovação, o crescimento acelerado e o otimismo exagerado. A presença de inovação é uma característica de diversas bolhas financeiras. Como exemplo, podemos citar a bolha das empresas de tecnologia, sobretudo aquelas com negócios relacionados à internet, no início dos anos 2000. Outro exemplo foi a bolha financeira com estouro em 2007/2008, que foi impulsionada por inovações em produtos financeiros ligados ao mercado imobiliário. O Bitcoin é, talvez, a maior inovação tecnológica desde a internet, o que faz com que seja difícil medir o seu valor. O crescimento acelerado do preço de um ativo é, sem dúvida, um indicativo de formação de bolha se os seus fundamentos não estiverem evoluindo na mesma proporção. Considerando a valorização vertiginosa do Bitcoin nos últimos anos, temos dificuldade em saber se os seus fundamentos também evoluíram de modo a justificar o aumento na sua demanda ou se temos apenas uma empolgação irracional dos agentes do mercado. Isso nos leva a um fator relacionado ao aspecto psicológico das pessoas. A psicologia conta com diversos estudos que mostram que as pessoas tendem a ter um otimismo exagerado em algumas situações. Dessa forma, quando surge algum ativo financeiro que apresenta o mesmo comportamento do Bitcoin (presença de inovação e crescimento acelerado, por exemplo) essas pessoas convencem a si mesmas de que dessa vez vai ser diferente (this time is different) e de que não há bolha. Esse otimismo tem o potencial de continuar alimentando a possível bolha, gerando mais aumento da demanda e do preço do ativo. 3.2.2 – Principais indícios de que não há bolha no preço do Bitcoin Entre os principais fatores presentes no mercado de Bitcoin que indicam que não há uma bolha, podemos citar: baixa penetração de derivativos financeiros, ausência de apoio dos governos e ausência de uma “epidemia de Bitcoin”. A pouca disponibilidade de derivativos financeiros no mercado de Bitcoin, como opções, limita a possibilidade de alavancagem (negociar sem ter todos os recursos necessários). A alavancagem é um dos impulsionadores da bolhas econômicas. Esse LivreEm10Anos.com 21 tipo de instrumento financeiro contribuiu, por exemplo, para a ocorrência da crise de 2008. O mercado de Bitcoin, por sua vez, ainda funciona, em grande parte, à vista: você precisa de todo o dinheiro para realizar negociações. A ausência de apoio dos governos é outro fator que limita a formação de bolha no mercado de Bitcoin. Medidas governamentais, como a concessão de crédito sem critérios adequados para o financiamento de imóveis, podem fomentar a formação de bolhas naquele setor. Além disso, eventual confiança demasiada dos agentes na capacidade de regulação e fiscalização do mercado pelos governos pode leva-los a se exporem mais do que o razoável em um determinado ativo. Quem opera no mercado de Bitcoin, por outro lado, não conta com qualquer estímulo ou regulação governamental. Ao contrário, sofre com insegurança regulatória e jurídica, o que faz com que as pessoas sejam mais cautelosas nesse mercado. A ausência de uma epidemia também é um indício de que não há bolha no mercado de Bitcoin. Uma epidemia é algo que afeta grande parte da população. No nosso caso, uma epidemia levaria muitas pessoas a investirem no ativo em questão. Isso ainda está longe de ser o caso do Bitcoin. O seu uso, seja como moeda de troca, tecnologia de pagamento ou ativo para investimento, ainda é bastante restrito ao mundo dos nerds que trabalham com tecnologia da informação ou economia. Esse baixo alcance do Bitcoin, aliás, é a justificativa dos governos para não intervir no mercado. A esse respeito, o Banco Centrou do Brasil afirmou21: “5. Em função do baixo volume de transações, de sua baixa aceitação como meio de troca (...) (...) 9. No Brasil, embora o uso das chamadas moedas virtuais ainda não se tenha mostrado capaz de oferecer riscos ao Sistema Financeiro Nacional (...), o Banco Central do Brasil está acompanhando a evolução da utilização de tais instrumentos e as discussões nos foros internacionais sobre a matéria – em especial sobre sua natureza, propriedade e funcionamento –, para fins de adoção de eventuais medidas no âmbito de sua competência legal, se for o caso.” 21 https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?method=detalharNormativo&N=114009277
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