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Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 1 MED RESUMOS 2012 ARLINDO UGULINO NETTO LUIZ GUSTAVO C. BARROS YURI LEITE ELOY MEDICINA – P7 – 2010.2 CIRURGIA ABDOMINAL REFERNCIAS 1. Material baseado nas aulas ministradas pelos Professores Cssio Virglio, Felipe Rocha e Marcelo Gonalves na FAMENE durante o perodo letivo de 2010.2. 2. DANI, R.; CASTRO, P. L. Gastroenterologia Clnica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. 3. SABISTON, D. C.; TOWNSAND, Jr. Tratado de Cirurgia – As Bases Biol gicas da Prtica Cirrgica Moderna. 16 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. 4. VIEIRA, O. M.; CHAVES, C.P.; MANSO, J. E. F. Clnica Cirrgica – Fundamentos Te ricos e Prticos. 1 ed. So Paulo: Atheneu, 2000. 5. WAY, L.W.; DOHERTY, G.M. Cirurgia: Diagn stico e Tratamento. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 2 MED RESUMOS 2012 NETTO, Arlindo Ugulino. CIRURGIA ABDOMINAL _________ TRAUMA ABDOMINAL (Professor Marcelo Gonçalves) A avaliao do abdome um dos componentes mais desafiadores da avaliao inicial do traumatizado.O trauma abdominal, em especial, uma condio muito frequente nas emergncias hospitalares, da a import ncia de se estudar e entender como socorrer uma vtima de trauma abdominal. Devemos saber, por exemplo, que a prioridade e o melhor mtodo de avaliao abdominal devem ser determinados considerando o mecanismo do trauma, as foras de leso, sua localizao e o estado hemodin mico do doente. A leso intra-abdominal no diagnosticada continua sendo causa frequente de mortes evitveis aps o trauma do tronco. um engano acreditar que a ruptura de uma vscera oca ou o sangramento decorrente de leses de vsceras parenquimatosas sejam reconhecidas precocemente. Por este motivo, qualquer doente que tenha sofrido traumatismos contusos de porte significante afetando o tronco, seja por desacelerao brusca, seja por impacto direto, ou que tenha sido vtima de ferimentos penetrantes no tronco, deve ser encarado como tendo leso vascular ou de vscera abdominal. Para o estudo do paciente com suspeita ou com trauma abdominal concreto, devemos levantar as seguintes questes-chaves: O que o abdome, anatomicamente, para o atendimento no trauma? Qual a prioridade do trauma abdominal no tratamento do paciente com trauma mltiplo? Por que omecanismo do trauma importante? Como descobrir se o choque pode ser devido leso intra-adominal? Como saber se existe leso abdominal? Como deve ser operado (laparotomia)? Como diagnosticar e tratar os pacientes com fratura de bacia? OBJETIVOS DA ABORDAGEM AO TRAUMA ABDOMINAL Em resumo, os objetivos do estudo das bases do atendimento do Trauma Abdominal so: Identificar as principais referências anatômicas do abdome. Para a identificao de trauma abdominal deve- se primeiramente conhecer anatomicamente a regio que se quer estudar, extenso e limitaes, dada principalmente por estruturas anatmicas. Isso de extrema import ncia para a determinao da conduta a ser tomada para com o paciente. Descrever os padrões de lesão no trauma fechado e nos ferimentos penetrantes. Os traumas abdominais podem ser divididos em penetrantes (projtil de arma de fogo, armas brancas) e fechados (agresso fsica, acidentes automobilsticos). Ambos devem ser identificados e descritos corretamente pelo mdico. Cada um produz um conjunto sintomatolgico especfico, exigindo, assim, condutas especficas, seja ela cirrgica ou conservadora. Descrever a avaliação do paciente com suspeita de lesão abdominal. Este passo se faz fundamental quando partimos do pressuposto que nenhum paciente chega ao pronto-atendimento com a queixa de “trauma abdominal”. Por esta razo, devemos saber realizar um exame abdominal especfico ao trauma, excluindo ou selecionando pacientes com leses considerveis. Identificar e utilizar procedimentos diagnósticos e terapêuticos mais apropriados. Devemos conhecer os primeiros procedimentos a serem adotados, envolvendo, inclusive, a realizao de exames complementares. Isso se faz importante, pois nem todos os pacientes com trauma abdominal esto aptos ou hemodinamicamente estveis para suportar o tempo que leva a realizao de uma tomografia computadorizada (TC): pacientes que se apresentam com sangramentos internos podem vir a bito rapidamente pela simples mobilizao visceral. Discutir o tratamento de urgência das fraturas do osso do quadril (bacia). Associado ao estudo do trauma abdominal, de grande import ncia estudar paralelamente as fraturas que ocorrem em nvel da bacia. Isso porque, muitas vezes o paciente apresenta fratura de bacia, ele possui um trauma abdominal associado. Nesses casos, deve-se primeiramente tratar a leso abdominal para s ento intervir no osso. J nas vtimas que possuem somente trauma de bacia, devemos trat-la, quando for necessrio. Contudo, pacientes com trauma de bacia referem dor abdominal importante muito frequentemente e, caso seja tratado primeiramente o abdome, podemos causar outras complicaes ao seu estado fsico. CONSIDERAES ANATMICAS Como foi dito anteriormente, para que o diagnstico de pacientes com trauma abdominal seja realizado, devemos, primeiramente, conhecer os limites anatmicos desta regio. Do ponto de vista topogrfico, abdome a regio do tronco entre o trax e a pelve, limitada posteriormente pelas vrtebras lombares e discos intervertebrais, e ntero- lateralmente por paredes msculo-tendneas. um recipiente din mico e flexvel, que abriga a maioria dos rgos do sistema digestrio e parte dos sistemas urinrio e genital. Do ponto de vista cirrgico e, com especial foco para o trauma, o abdome apresenta os seguintes limites: Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 3 Parede anterior. A parede anterior do abdome limitada pela linha inter-mamilar superiormente (fato este comprovado, pois, durante a expirao, o msculo diafragma – que delimita superiormente a cavidade abdominal – pode se elevar at o nvel da linha mamilar); lateralmente, delimitada pela linha axilar anterior; inferiormente, pelo lio e pela margem superior do pbis. Parede lateral (flanco). A parede lateral do abdome, tambm chamada de flanco, se estende desde a regio axilar superiormente e se estende at a regio da crista ilaca. Portanto, facadas que acometam a regio axilar, se o paciente estiver durante uma expirao vigorosa, podem comprometer vsceras abdominais. Parede posterior (dorso). Estende-se, superiormente, desde a linha formada entre as duas pontas das escpulas at a regio sacral, entre as duas asas dos ossos ilacos. Outra maneira de abordar o abdome consiste em dividi-lo em: abdome superior e inferior. Essa diviso feita atravs da referncia do colo transverso e a borda inferior do gradil costal: entre o colo transverso e a margem costal, temos o abdome superior; entre o colo transverso e a abertura superior da pelve, temos o abdome inferior. Assim, no abdome superior, esto localizados a maioria dos rgos macios (fgado, bao, p ncreas, rins posteriormente). Esta diviso de grande import ncia, pois atravs dela que podemos suspeitar quais os possveis lesionados quando encontramos leses de outros segmentos associadas. Por exemplo: pacientes com trauma torcico podem apresentar acometimento de vsceras do abdome superior. Tal acometimento pode ser resultado de uma simples transferncia de energia, ou ainda, atravs da fratura de costelas e, com isso, provocando a perfurao de algum rgo abdominal. Outra regio de grande import ncia a cavidade plvica, onde esto localizados os rgos genitais, bexiga, artrias e veias de grande calibre (que se lesionados provocam hemorragias importantes), reto e intestinodelgado. Portanto, vtimas apresentando fratura de bacia podem lesionar com facilidade tais estruturas. Por esta razo, no devemos menosprezar o comprometimento da bacia durante a avaliao do abdome (e vice-versa). OBS1: Uma das consideraes importantes sobre os traumatismos de bacia com relao aos sangramentos, pois o paciente pode vir a desenvolver choque hipovolmico no devido ao trauma abdominal, mas devido a um sangramento oriundo de vasos ou vsceras plvicas. Isso ocorre principalmente devido a fratura ssea. Com isso os fragmentos podem vir a lesionar estruturas tais como, msculos, vasos, que levam ao sangramento intenso. Esse sangue fica retido do espao retroperitoneal (localizado posteriormente a cavidade peritoneal). Nesse aspecto o mdico deve ter uma ateno especial, pois geralmente os pacientes com trauma de bacia vo referir dor abdominal baixa e se, por ventura, ocorrer a abertura da cavidade peritoneal, o sangue vai se espalhar, dificultando a localizao da origem do sangramento, para que seja realizada a hemostasia. Da a import ncia de saber identificar corretamente um trauma abdominal de fraturas entre outras leses da bacia. PRIMEIRO ATENDIMENTO AO TRAUMA Sabe-se que, para qualquer vtima de um trauma, devemos seguir, como primeira conduta, a realizao de protocolos estabelecidos pelo ATLS (Suporte Avanado de Vida no Trauma). Assim, temos: A. Vias areas (Airway) e proteo da coluna cervical. Consiste na permeabilizao das vias areas (verificar, na cavidade oral, a presena de corpos estranhos, prtese dentria, sangue a ser aspirado, etc.) e, ao mesmo tempo, proteo da coluna cervical, deixando-a em posio neutra. B. Ventilao (Breathing). Realizar, neste passo, uma breve inspeo da expansibilidade do trax e palpao das costelas. C. Circulao (Circulation). Neste terceiro passo, avalia-se, de um modo geral, o estado hemodin mico do paciente e, se possvel, estabelecer dois acessos venosos com agulha de grosso calibre para reposio volmica com pelo menos 2000 ml de cristalide (ringer lactato ou soro fisiolgico). Se o paciente no respondeu ou responde inadequadamente, ou mesmo se a vtima chegou muito chocada, devemos administrar bolsas de sangue. D. Avaliao neurolgica (Desability). Consiste na avaliao do nvel de conscincia (Escala de Coma de Glasgow), simetria pupilar e presena de dficits focais. Portanto, independente do tipo de trauma, devemos sempre dar prioridade a estas funes vitais mais nobres. Para os pacientes que se encontram estveis no primeiro atendimento, a avaliao do trauma abdominal dever ser feita atravs de exames secundrios, seja por meio do exame fsico do abdome seja atravs da realizao de exames mais complexos, j em ambiente hospitalar. OBS2: Como se sabe uma das principais causas de morte nos politraumatizados o choque hipovolmico. Atravs da clnica apresentada pelo paciente pode-se identificar se o choque foi proveniente de trauma abdominal ou de outra regio. Entre outros choques que esses pacientes podem estar expostos incluem o choque cardiognico, neurognico e sptico. O choque medular decorre de uma flacidez ps-trauma principalmente nos casos daqueles pacientes que sofreram trauma raquimedular. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 4 PRIORIDADE NO TRAUMA ABDOMINAL Epidemiologicamente, o trauma intra-abdominal corresponde a uma das principais causas de morte evitável quando incluímos os pacientes politraumatizados, sendo a falta do diagnóstico da lesão abdominal o real motivo de morte por este trauma. Contudo, independente da gravidade do trauma abdominal ou da presença de lesões em qualquer outra localidade, devemos saber priorizar o atendimento, sempre se baseando nos parâmetros do ATLS. Desta forma, temos: Trauma de crânio e abdome: paciente que se apresenta com traumatismo craniano e com trauma abdominal, se ele estiver hemodinamicamente instável, devemos dar prioridade ao abdome, uma vez que os traumas abdominais expõem um maior risco de sangramentos e instabilidade hemodinâmica (passo C do ATLS). Se o paciente estiver estável do ponto de vista hemodinâmico, podemos voltar nosso estudo ao trauma craniano (passo D do ATLS). Trauma de crânio, tórax e abdome: da mesma forma, se o paciente apresentar alguma alteração ventilatória (passo B do ATLS), devemos voltar o nosso estudo para o tórax. Caso contrário, devemos voltar a nossa atenção para o abdome (pelo risco de choque hipovolêmico; passo C) e, por último, o crânio (passo D). Trauma de crânio, tórax, abdome e extremidades: primeiramente devemos manter pérvias as vias aéreas e prover a imobilização da coluna cervical. Depois disso, devemos seguir a ordem de prioridade: ventilação, avaliando bem o tórax da vítima; circulação, contendo sangramentos abdominais ou de extremidades (ver OBS3) e, por último, checar o traumatismo craniano. Trauma de crânio, tórax, abdome, extremidade e pelve: da mesma maneira que os demais, devemos seguir a prioridade instituída pelo ATLS. Resumindo tudo até agora, devemos avaliar da seguinte maneira: vias aéreas e coluna cervical; avaliação do tórax; avaliação do abdome, pelve (e bacia) e extremidades; e, por fim, avaliação do crânio. OBS3: Na maioria dos casos, a origem do sangramento dos pacientes vítimas de trauma acontece em 4 lugares, apenas: no tórax, no abdome, na bacia e nas extremidades. Portanto, se o paciente está em choque, estas regiões devem ser especialmente avaliadas. MECANISMO DO TRAUMA A cinemática do trauma é de grande importância para analisar quais as possíveis lesões que a eventual vítima pode vir a apresentar. Isto pode ser explicado da seguinte forma: vítima de acidente automobilístico que colidiu contra um poste, poderá ser acometido por, pelo menos, três possibilidades de traumas: (1) trauma do próprio carro versus o poste, (2) trauma do motorista versus o carro, principalmente contra o volante, com possível fratura de costela e perfuração de órgãos torácicos, (3) trauma devido ao choque dos órgãos internos contra a parede de suas respectivas cavidades. Para as vítimas de arma de fogo, é indispensável priorizar o orifício de entrada e saída (quando presente), calibre da arma utilizada, extensão da perfuração, possível trajeto do projétil, para só então suspeitar de quais órgãos podem ter sido lesionados. No que diz respeito ao politraumatizado, devemos selecionar com cautela os pacientes que devem ser encaminhados para o serviço cirúrgico, ou aqueles que permanecerão em observação clínica. Para os pacientes politraumatizados que preenchem critérios clínicos para cirurgia, mas que são atendidos em hospitais de baixa complexidade, o médico de plantão deve mantê-lo estável ao máximo, no intuito de encaminhado imediatamente para um serviço hospitalar que dê um suporte adequado ao paciente. Analisando o mecanismo do trauma, podemos distinguir dois padrões distintos de trauma. São eles: traumas fechados e abertos. TRAUMA FECHADO O trauma fechado, comum nos acidentes automobilísticos e agressões físicas, pode causar lesões através dos seguintes mecanismos: Compressão Esmagamento Cisalhamento Desaceleração (movimentação interna de órgãos fixos) O cisalhamento ocorre quando os órgãos são tracionados na mesma direção, mas em sentidos opostos, devido a diferenças de fixação de cada órgão, causando, assim, uma lesão semelhante a uma torção. Ocorre com frequência na lesão axonal difusa no encéfalo (no advento de um traumatismo cranioencefálico, por exemplo) ou na medula espinhal, quando há fratura de coluna lombar. Como exemplo de lesão por diferença de desaceleração, podemos ter o rompimento de artéria renal, comum em acidentes automobilísticos. Neste mecanismo, o rim continua seu movimento de aceleração enquanto que a artéria renal, fixa à artéria aorta, permaneceno seu leito, o que pode promover o rompimento vascular, gerando um sangramento importante. O rim pode ainda sofrer o mecanismo de compressão ou esmagamento pelo cinto de segurança, se este estiver mal ajustado, ou sofrer impacto direto de colisões laterais. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 5 Nos traumas fechados os órgãos mais frequentemente lesionados são o baço, o fígado e o intestino delgado. Nesses casos, o principal mecanismo de trauma se faz pela desaceleração abrupta dos órgãos. O baço e o fígado, em especial, são órgãos que geralmente são sustentados por estruturas vasculares e possuem poucos ligamentos para sua fixação na cavidade peritoneal. Com isso, quando há uma desaceleração abrupta, tais órgãos permanecem em movimento, facilitando a ruptura dessas estruturas vasculares, o que predispõe a sangramentos graves. Apesar de serem órgãos de intensa vascularização, nem todas as lesões desses órgãos são indicadas para a cirurgia. As pequenas lacerações de baço, por exemplo, podem ser tratados clinicamente, contanto que estes pacientes estejam estáveis hemodinamicamente, sem sinais de choque hipovolêmico, mantêm níveis adequados de hemoglobina e hematócrito, normocorados, normotensos, com frequência cardíaca normal, e apenas uma pequena dor no hipocôndrio esquerdo. Com isso esses pacientes são levados para a realização da TC, para visualização do tamanho, extensão da lesão e com isso, é deixado internado em observação clínica. Um tipo comum de trauma nos acidentes automobilísticos ocorre devido à pressão estabelecida pelo cinto de segurança mal posicionado, que leva a compressão e ruptura de alças intestinais. Neste caso, muito provavelmente, o paciente se apresentará com queixa de dor abdominal sem sinais de choque hipovolêmico, uma vez que o intestino lesado dificilmente causará sangramentos consideráveis. Em contrapartida, este paciente, com cerca de 12 horas após o evento, pode apresentar sinais de choque séptico. Portanto, para estas ocasiões, devemos sempre considerar a indicação cirúrgica. TRAUMA PENETRANTE Os traumas penetrantes são aqueles caracterizados pela presença de uma solução de continuidade. Para isso, algumas propriedades devem existir no elemento causador do trauma, tais como: energia cinética e pressão. Os mecanismos de lesão mais comuns dos ferimentos penetrantes são: Arma branca (facas, punhais, foices, etc.) geralmente apresenta uma pequena transferência de energia, mas uma grande capacidade de provocar lacerações. Arma de fogo, que apresenta alta energia, provocando lesões graves. Além disso, a arma de fogo produz vários outros mecanismos de trauma, como: (1) transferência de energia cinética (energia de movimento) em energia térmica (promovendo a queimadura das estruturas que se encontram tangencialmente à trajetória do projétil); (2) cavitação temporária e permanente; (3) trajeto em cambalhota do projétil, visto que o trajeto do elemento, na maioria das vezes, não é retilíneo, o que nos faz concluir que o projétil pode não fazer o trajeto marcado entre o orifício de entrada e o de saída (ver OBS4), podendo determinar lesões distantes destas referências; (4) capacidade de sofrer fragmentação, o que dificulta ainda mais a localização. Graças a estes mecanismos, um órgão pode se apresentar sem lesões no primeiro atendimento ao trauma. Entretanto, devido à queimadura estabelecida pelo projétil após 4 a 6 horas, ele pode entrar em isquemia e falência. OBS4: É sempre importante, na admissão de um paciente vítima de arma de fogo, localizar o orifício de entrada e o eventual orifício de saída do projétil (quando este for presente). O orifício de entrada é pequeno, com bordas voltadas para dentro, com um halo de queimadura visível e, na maioria das vezes, não sangrantes. O orifício de saída, por sua vez, não possui halo de queimadura, tem bordas voltadas para fora e, na maioria das vezes, é sangrante. Contudo, vale salientar que, devido à capacidade de realizar movimentos em cambalhota, o projétil pode não ter seguido o trajeto retilíneo entre estes dois orifícios. OBS5: Se não for possível determinar o trajeto da bala, a melhor alternativa é a intervenção cirúrgica. Contudo, a intenção principal não é a retirada do projétil, mas sim a correção dos danos vasculares, orgânicos, nervosos, que a mesma ocasionou. Por isso muitas vezes o projétil é deixado no interior do paciente sem causar nenhum dano ao mesmo. Diferentemente do trauma fechado, os principais órgãos lesionados nos traumas penetrantes por arma branca (baixa energia) incluem o fígado, o intestino delgado, o músculo diafragma e o cólon, pois geralmente, as facadas seguem em direção ao abdome e tórax baixo. Já nas lesões por arma de fogo (alta energia), os principais órgãos afetados são: intestino delgado, cólon, fígado e estruturas vasculares. Com isso pode-se concluir que nos traumas fechados os órgãos mais lesionados são os órgãos maciços localizados no abdome superior, enquanto que nos trauma penetrante (arma branca e de fogo), ocorre com maior frequência, lesão de vísceras ocas. AVALIAO CL NICA DO POLITRAUMATIZADO HISTÓRIA TRAUMÁTICA A história do trauma do paciente, como já foi explicado anteriormente, é de grande utilidade principalmente para estabelecer o mecanismo do trauma e quais os principais órgãos que puderam ser lesionados. Assim os principais aspectos que devem ser levados em consideração são: Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 6 Traumas Fechados Velocidade: no momento do acidente o velocímetro registra a velocidade de impacto do veículo no momento do acidente. Ponto de impacto: aspecto de fundamental importância, pois determina o padrão de lesão e modifica o mecanismo do trauma, a depender se houve uma colisão lateral ou frontal. Intrusão do veículo: sinal de lesão grave, que ocorre quando motor do veículo vem de encontro a vítima. Avaliação completa do paciente: não excluindo nenhuma parte do corpo para que lesões não passem despercebidas Condições do veículo: avaliar injúrias maiores que 50 cm que na maioria das vezes refletem traumas graves, capotagens, esmagamentos laterais ou superiores. Avaliar utilização de equipamentos de segurança: utilização de cinto de segurança (ejeção do veículo ou motocicleta, avaliar trauma contra volante), capacete, air-bag, posição em que se encontrava no momento do trauma. Traumas Penetrantes Tipo de arma de fogo e calibre. Isso é importante, pois algumas vezes o orifício de entrada é pequeno, entretanto o comprimento bala é longo, podendo lesionar diversas estruturas. Tipo de arma branca e comprimento: avaliando assim, a profundidade da lesão e se houve penetração ou não da cavidade torácica ou abdominal. Distância entre a vítima e o agressor. Localização da lesão: parede anterior, flanco ou dorso. Avaliar presença de orifício de entrada e saída: Quantidade de lesões Em alguns casos, estas informações não podem ser colhidas por intermédio da própria vítima, devido a suas condições clínicas e, por isso, os bombeiros ou socorristas realizam uma função importante ao repassar todas as informações necessárias aos médicos. Toas essas informações são importantes para o médico avaliar a gravidade do quadro do paciente e determinar a melhor conduta a ser adotada. Vale salientar que, mesmo na presença de um tiro no abdome, devemos sempre avaliar o paciente por completo, dando ênfase ao protocolo do ABC do ATLS, sendo sempre necessário avaliar as vias aéreas em primeiro lugar. EXAME FÍSICO Depois de avaliada toda a história e conhecendo a cinemática do trauma, devemos realizar um minucioso exame físico, que está dividido nas seguintes etapas: Inspeção: avaliar a presença de estigmas de trauma como a presença de ferimentos, lacerações, hematomas, abaulamentos. Ausculta: é uma avaliação subjetiva, principalmente quando está relacionada ao abdome. Através dessa avaliação geralmente não é possível avaliar se há ou não trauma abdominal. Percussão: avaliar hipertimpanismo (indicando o escape de ar de vísceras ocas no caso lesão das mesmas) ou som maciço (devido à quantidade de sangue no interior da cavidade). Palpação: não tem nenhum valor clínico quando o paciente encontra-se inconsciente, choque neurogênico ou embriaguez. Por isso é necessário ter conhecimento da suspeita clínica do paciente, através da cinemática do trauma, mecanismo do trauma e choque hipovolêmico. Entretanto aqueles pacientes que se apresentam com dor a descompressão do abdome (sinal de Blumberg), indicado sinais de peritonite, devem ser encaminhados diretamente para a cirurgia, sem a necessidade de realização de exames complementares. Alguns fatores podem interferir na realização do exame físico do paciente. Entre as principais (que já foram citadas), incluem aquelas que envolvem alterações do nível de consciência. Os principais são: Álcool ou outras drogas Lesão cerebral ou de medula Fratura de costelas, coluna ou bacia No que diz respeito a vítimas de trauma que se apresentam alcoolizadas e com nível de consciência rebaixado, nós nunca devemos associar esta alteração da consciência à ingesta alcoólica. Ao contrário disso, devemos atribuir, primeiramente, a causa da inconsciência aos seguintes fatores: (1) distúrbios das vias aéreas, (2) distúrbios ventilatórios, (3) choque hipovolêmico, (4) TCE. Depois de avaliadas e excluídas todas estas possibilidades, podemos, então, suspeitar como causa da inconsciência a ingestão exagerada de álcool. Outra condição importante de comprometimento do exame inclui a supervalorização de uma determinada lesão. Isto acontece quando o paciente apresenta dor e, sabidamente, diagnosticamos a presença de fraturas, seja nas costelas, na coluna ou na bacia, e, por causa disso, deixamos de avaliar melhor o abdome. Esta condição pode comprometer um bom exame do abdome, o qual poderia demonstrar alterações importantes. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 7 AVALIAÇÃO DO TRAUMA POR ARMA BRANCA No que diz respeito avaliao de leses causadas por arma branca na parede anterior do abdome, em especial, devemos, primeiramente, avaliar as condies de risco de morte preconizadas pelo ATLS, que incluem avaliao das vias areas, ventilao e circulao, procurando sinais clnicos de choque hipovolmico e, logo em seguida, TCE. Enquanto avaliamos e estabilizamos a vtima, devemos pesquisar a histria clnica do paciente, investigando, principalmente, o tipo de arma utilizada, o mecanismo de trauma, a dist ncia e localizao. Depois de realizados todos estes passos, devemos explorar a ferida, que corresponde a realizar a limpeza da leso com assepsia e anti-sepsia adequada seguida de anestesia local. Aps isso, introduz-se o dedo no interior da ferida para melhor avali-la. Se for detectado que o ferimento perfurou a cavidade abdominal de fato, dizemos que a “explorao positiva”, havendo indicao para cirurgia. Diferentemente disso, no devemos explorar com o dedo leses por arma branca quando localizadas na poro inferior do trax, dorso e parede lateral do abdome. Os motivos so claros: Nos traumas torcicos baixos, a introduo do dedo feita erroneamente no espao intercostal pode deslocar um eventual o sangramento para o interior da cavidade pleural, o que agrava ainda mais o quadro. No dorso contraindicada devido presena dos grandes vasos do retro-peritnio, que podem ser acometidos pela abordagem digital. O flanco apresenta rgos vitais logo abaixo da pele, cuja manipulao pode comprometer ainda mais a leso. Portanto, s podemos explorar leses por arma branca na parede anterior do abdome. Para as leses nas demais regies, no intuito de detectar a transfixao da cavidade abdominal, podemos optar por um exame físico de repetição ou ainda realizao de exames complementares, que incluem ultrasonografia, tomografia computadorizada, laparoscopia, toracoscopia, lavado peritoneal diagnstico (paracentese), podendo ser realizado por puno ou abertura (cirrgica; ver OBS6). Se houver sinais de irritao intestinal, devemos encaminhar o paciente para a cirurgia, sob suspeita de peritonite. OBS6: Para a realizao da paracentese diagnstica, colocado cerca de 1000 ml de soro fisiolgico na cavidade abdominal e, posteriormente, o lquido aspirado avaliando seu aspecto ao retorno. No trauma, a aspirao se faz abaixo da cicatriz umbilical, exceto nos casos de gestantes e no trauma de bacia. Se for detectada presena de sangue (100.000 hemcias por campo ou 500 leuccitos), fibras, bile, secreo entrica, o paciente indicado para a realizao de cirurgia. AVALIAÇÃO DE FERIMENTOS PENETRANTES Leses penetrantes em perneo, reto, vagina e/ou regio gltea tambm devem ser minuciosamente avaliadas. Para isso, realiza-se uma inspeo completa nesta regio perineal, avaliando sinais de trauma, seguida da realizao do toque retal. Se houver a presena de sangue (na prpria luva, por exemplo), conclui-se que h leso de rgo abdominal. Se na avaliao da vagina for detectada a presena de sangue, conclui-se leso de rgo ginecolgico. Nos ferimentos da regio gltea, pode haver uma possibilidade iminente de o projtil ter penetrado a regio gltea, principalmente quando o tiro deferido em sentido ascendente. AVALIAÇÃO DE LESÕES POR ARMA DE FOGO NO ABDOME No que diz respeito ao doente que apresenta um possvel ferimento por arma de fogo no abdome, at que se prove o contrrio, sempre a melhor conduta ser a cirurgia. A exceo se faz na suspeita de um tiro de direção tangencial, ou seja, o projtil tem orifcio de entrada muito prximo do orifcio de sada. Isto sugere que a bala atravessou apenas pele e tecido celular subcut neo, sem perfurar o peritnio. Nestes casos, podemos realizar alguns exames antes da indicao cirrgica, tais como: USG, TC, laparoscopia. Se houver dvidas nestes exames, indica-se a cirrgica. Entretanto, ainda pode existir a possibilidade da cavitao temporria, que corresponde queimadura das estruturas prximas ao trajeto do projtil e, com isso, aps 4 a 6 horas, o paciente pode vir a apresentar sinais e sintomas especficos de isquemia desta regio. Da a import ncia da realizao de exames repetitivos nos pacientes com leso por arma de fogo, que no tiveram indicao cirrgica. Sempre nos casos de leses por arma de fogo, devemos procurar o orifcio de entrada e de sada, avaliando os possveis rgos que foram lesionados. Quando o paciente apresentar somente orifcio de entrada, sugere-se que o projtil ficou retido no interior da cavidade abdominal. Como alternativa para este caso, se o paciente estiver em condies clnicas adequadas (estabilidade hemodin mica), podemos realizar uma radiografia simples de abdome, em PA e perfil, para localizao exata do projtil, de seu trajeto (lembrando que nem sempre o sentido estabelecido correto devido aos movimentos internos de “cambalhota” que o projtil realiza) e das provveis leses estruturais. Nas leses por arma de fogo, devemos, pelo menos, solicitar radiografias de trax, bacia e abdome. Embora sejam pouco conclusivos para o trauma, a solicitao de exames laboratoriais sempre deve ser feita. Contudo, na maioria dos casos, a melhor estratgia a cirurgia precoce. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 8 OBS7: O trauma abdominal, de fato, pode levar ao choque. Para chegar concluso de que o paciente apresenta um trauma abdominal, necessrio ter conhecimento do mecanismo e da histria do trauma, logo que se estabiliza o paciente. O modo ideal de aborda-lo realizando uma avaliao repetitiva,realizando os passos ABCD incansavelmente, priorizando sempre o exame fsico. Assim, os pacientes com trauma abdominal podem evoluir para o choque hipovolmico e serem prontamente identificados. Atualmente, as fases do choque hipovolmico so determinadas pela quantidade de sangue que o paciente perdeu. Desta forma, somente os pacientes com perda maior ou igual a 1500 ml de sangue vo permanecer hipotensos, ou seja, perdas de at 1500 ml de sangue no implicam em nenhuma interferncia na presso arterial. Por esta razo, nem sempre as vtimas de trauma vo se apresentar hipotensos, mesmo com hemorragias considerveis. Devemos, portanto, associar outros sinais de choque, tais como queda da frequncia cardaca, sudorese, palidez cut nea, alterao do nvel de conscincia, etc. OBS8: Em resumo, devemos suspeitar de um choque por trauma abdominal diante dos seguintes par metros: Evidncia de leso abdominal pelo mecanismo de trauma, pela histria ou pela avaliao. Sinais de hipotenso. Ultrassom (FAST) positivo ou lavagem peritoneal diagnstica (LPD) francamente positiva. Ausncia de hemotrax macio pela radiografia. MEDIDAS AUXILIARES As medidas auxiliares so procedimentos que podem servir como diagnstico de algumas leses como tambm propeduticas teraputicas, aliviando alguns sintomas do paciente. Passagem de sonda nasogástrica. Durante o atendimento, importante a passagem de uma sonda nasogstrica para o alvio da distenso e descompresso do estmago antes da LPD. Por meio dela, podemos identificar leses do prprio estmago quando h a presena de sangue na sonda. A utilizao de sonda nasogstrica est contraindicada nos casos de fratura de base do cr nio, clinicamente suspeitada pela equimose periorbitria (sinal do guaxinim), ou ainda equimose retroauricular (sinal de battle), liquorreia, otorragia, etc. Nesses casos, a sonda deve ser passada pela boca (orogstrica), pois ao passar pelo nariz, a sonda pode atingir a cavidade intracraniana atravs da fratura. Tambm contraindicada nos pacientes que se apresentem com eminncia de vmito. Nos casos graves deve-se realizar a entubao orotraqueal do paciente evitando aspiraes. Passagem de sonda vesical. um procedimento fundamental para monitoramento do dbito urinrio (o que reflete a volemia do paciente), alm de promover a descompresso da bexiga antes da LPD e servir como diagnstico para leses vesicais ou renais (trauma de via urinria). Devemos tomar cuidado na presena de sinais de fratura de uretra (equimose perineal, sangue no meato uretral, etc.), o que contra-indica a passagem da sonda, sob a pena de piorar a leso. Por estas razes, antes de introduzir a sonda vesical em pacientes masculinos, prudente realizar um toque retal para avaliar a prstata. Na presena de suspeitas de fratura, podemos realizar um exame contrastado de via urinria (uretrocistografia) ou solicitar um urologista. Caso estas opes no sejam possveis, e o paciente apresente bexigoma, podemos optar por puncionar este rgo utilizando um jelco logo acima de osso pbis. EXAMES DIAGNSTICOS NO TRAUMA FECHADO RADIOGRAFIA SIMPLES Sempre no trauma de abdome, devemos solicitar duas radiografias obrigatrias para o trax e a bacia. A avaliao da radiografia do trax serve para identificar algum hemotrax ou pneumotrax associado. A avaliao radiogrfica da bacia serve para identificar possveis fraturas e, assim, avaliar melhor esta regio. O estudo radiogrfico abdominal solicitado principalmente para avaliar o posicionamento do projtil e sua localizao interna. Contudo, s deve ser realizado se o paciente estiver hemodinamicamente estvel – caso contrrio, dever ser encaminhado para cirurgia. De rotina, temos as seguintes indicaes: Para o trauma fechado, sempre devemos solicitar a radiografia de trax e bacia em AP. Para ferimentos penetrantes, solicitar a radiografia de trax em AP e abdome com marcas radiopacas (se hemodinamicamente estvel, tambm podemos solicitar em perfil). EXAMES LABORATORIAIS Esses exames no tm nenhuma import ncia clnica apesar de serem sempre solicitados. Alm disso, no existem exames de sangue obrigatrios, e no vo refletir a gravidade no trauma e leses provveis. Contudo, importante para pacientes anormais hemodinamicamente a realizao da tipagem sangunea e a prova cruzada. Em resumo, os principais exames a serem solicitados so: Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 9 Hemograma (hemoglobina e hematócrito): tem pouca import ncia diagnstica, mas serve para o seguimento e acompanhamento clnico do paciente. Se a hemoglobina e hematcrito do paciente esto em declnio, suspeita-se que o paciente est com sangramento ativo, o que indica a cirurgia. Quando permanecem inalterados, admite-se que o paciente est estvel. Tipagem Sanguínea: importante sua determinao, pois os pacientes vtimas de trauma podem necessitar de reposio sangunea. um exame obrigatrio. Como vimos, durante o passo C do ATLS (circulao), devemos promover dois acessos venosos com jelco calibroso, e estabelecer uma reposio com soro cristalide (ringer lactato ou soro fisiolgico – 2000 ml). Aps essa administrao se no houve resposta por parte do paciente, deve-se administrar sangue. Nos pacientes que esto em emergncia absoluta pode-se administrar o sangue O- ou optar pelo sangue tipo especfico (ou seja, se o paciente do tipo A, administra-se A). Portanto, logo na admisso (preferivelmente, durante o passo C) devemos identificar o tipo sanguneo do paciente, no intuito de reservar as bolsas de sangue. Outros exames: teste de gravidez (obrigatrio para pacientes em idade frtil); pesquisa de lcool ou outras drogas; hematria macroscpica vs microscpica. OBS9: A prioridade do atendimento na ocasio de uma gestao sempre a me. Vale salientar que, se a me se apresenta hipotensa, sinal que o feto j estava hipotenso h um bom tempo. LAVADO PERITONEAL DIAGNÓSTICO (LPD) um procedimento que pode complementar a puno abdominal. Consiste na infuso de lquidos dentro da cavidade abdominal (1500 – 2000 mL no adulto; 15 mL/Kg de peso na criana) seguida de aspirao do mesmo. O lavado peritoneal pode ser realizado em casos de puno negativa de paracentese que ocorre, por exemplo, em suspeita de ruptura de vsceras macias como o fgado ou bao, quando no se tem exames por imagem disponveis no servio de emergncia. Infunde-se lquido na cavidade abdominal, aguarda a homogeneizao do lquido com o sangue e, logo depois, aspira novamente. Se o sangue estiver presente, um forte indicativo de leso visceral, sendo a laparotomia indicada neste caso. A LPD um processo diagnstico invasivo, de rpida execuo, que alcana uma sensibilidade de 98% para a deteco de hemorragia intraperitoneal e que altera, de modo significativo, os achados subsequentes ao exame fsico do doente. Geralmente, utilizado nos pacientes vtimas de trauma fechado que se encontram hipotensos, sem condies clnicas de realizar TC ou USG. Em resumo, deve ser realizado na vigncia de qualquer uma das seguintes situaes: Modificaes agudas no estado de conscincia: TCE, intoxicao por lcool, uso de drogas, etc; Modificaes na sensibilidade: leso da medula; Leses de estruturas adjacentes: ltimas costelas, pelve, coluna lombar; Achados duvidosos ao exame fsico; Previso de longa perda de contato com o doente: anestesia geral, estudos radiolgicos prolongados, etc. Sinal de contuso da parede abdominal por cinto de segurana com suspeita de leso de intestino. Investigao de sangramento abdominal em pacientes instveis hemodinamicamente. FAST O FAST (Focused Abdominal Sonography for Trauma), caracterizado pela realizao de ultrassonografia na sala Emergncia, um exame rpidoe no invasivo, utilizado para deteco de trauma abdominal. realizado em quatro pontos especficos: (1) regio pericrdica, (2) espao entre o fgado e rim direito, (3) loja esplnica e (4) pelve. Nele observa-se a presena de lquido, para deteco de trauma abdominal. Por meio dele, podemos avaliar de maneira efetiva a presena de lquido livre na cavidade peritoneal e a leso de rgos parenquimatosos. Se positivo o achado, h indicao de cirurgia (entretanto, a TC deve ser uma opo adicional caso o paciente esteja estvel). Vale salientar que o FAST um exame examinador-dependente. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (TC) Se o paciente estiver estvel, sem dvida nenhuma, o melhor exame para avaliar o trauma abdominal a TC. Contudo, a TC exige a transferncia do doente para o setor de radiologia, implica na administrao de contraste por via endovenosa e requer o exame do abdome superior, inferior e da pelve. Consome mais tempo para a sua realizao e est indicado apenas nos doentes hemodinamicamente normais, nos quais no h aparente indicao para uma laparotomia de emergncia. A TC fornece informaes sobre a presena e a extenso de leses de rgos retroperitoneais e plvicos, cuja avaliao difcil pelo exame fsico, FAST, ou pela lavagem peritoneal diagnstica. Entre as contraindicaes relativas ao uso de TC podem ser lembradas a demora em ter o tomgrafo disponvel, a falta de colaborao de um doente que no pode ser sedado com segurana e a alergia a contrastes iodados quando no se dispe de um contraste no-inico. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 10 LPD FAST TC Principais indicações - Documentar sangramento se doente hipotenso - Indicao para todos os doentes - Documentar a presena de lquido se doente hipotenso Indicao para todos os doentes - Documentar leso org nica se PA normal - Indicao para todos os pacientes estveis Vantagens - Diagnstico precoce - Realizao rpida - Detecta leso intestinal - No necessita transporte - Diagnstico precoce - Indicao para todos os doentes - No invasivo - Realizao rpida e repetvel - No necessita transporte - O mais especfico para definir leses - Permitir viso panor mica do trauma abdominal Desvantagens - Invasivo - Baixa especificidade - No diagnostica leso de diafragma e de retro-peritnio - No pode ser feito quando h sinais de peritonite (dor descompresso), mesmo se o paciente estiver estvel - Operador-dependente - Distoro da imagem por meteorismo e enfisema subcut neo - No diagnostica leses do diafragma, intestino e leses pancreticas - No pode ser feito quando h sinais de peritonite, mesmo se o paciente estiver estvel - ↑ Custo e tempo - No diagnostica leses de diafragma, intestino e algumas leses pancreticas - Necessita de transporte Tempo de duração Rpido Rpido Prolongado Sensibilidade Alta (98%) Alta (operador-dependente) Alta (92 a 98% de acurcia) Especificidade Baixa Intermediria Alta EXAMES CONTRASTADOS Devemos solicitar alguns exames contrastados, mas de modo secundrio e quando o paciente j estiver estvel. Isso porque so exames que demandam tempo e que no podem ser feitos na sala de emergncia. So eles: Uretrografia Cistografia Urografia excretora por TC Exames contrastados do tubo digestivo (enema opaco, por exemplo) Tomografia contrastada ESTUDOS DIAGNSTICOS NO TRAUMA PENETRANTE O estudo do trauma penetrante exige algumas peculiaridades, a depender da localizao da leso e da disponibilidade de artifcios no servio de antedimento: Ferimentos na parte baixa do tórax (transição tóraco-abdominal): devemos realizar exame fsico repetido, toracoscopia, laparoscopia ou tomografia. Em caso de ferimento traco-abdominal esquerdo por arma de fogo, a poltica mais segura a adoo de laparotomia. Ferimentos por arma branca na parede anterior do abdome: realizar explorao do local do ferimento, LPD, FAST ou exame fsico repetido. Ferimento por arma branca no dorso ou nos flancos: LPD, exame fsico repetido ou tomografia com duplo ou triplo contraste (duplo: oral e venoso; triplo: oral, venoso e retal). INDICAES PARA LAPAROTOMIA Em certo doentes, o discernimento cirrgico o necessrio para determinar o momento e a necessidade da cirurgia. As indicaes abaixo so frequentes para facilitar o processo de deciso do cirurgio em relao a esse problema: Trauma fechado Ferimentos penetrantes ↓PA, suspeita de leso de vscera Pneumoperitnio Ruptura de diafragma Peritonite Positividade no LPD, FAST ou tomografia com contraste Hipotenso Leso peritoneal / retro-peritonial Peritonite Eviscerao Positividade na LPD, FAST ou tomografia com contraste Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 11 CONSIDERAES SOBRE AS FRATURAS DE BACIA O anel pélvico é constituído pelo sacro e pelos ossos inonimados (ílio, isquio e púbis) junto com um grande número de estruturas ligamentares. A constatação de fraturas pélvicas ou de rupturas de ligamentos pélvicos faz supor que o doente foi sujeito à ação de forças de grande intensidade. Doentes com fraturas pélvicas instáveis e choque hemorrágico apresentam quatro fontes potenciais de perda sanguínea: (1) superfícies ósseas fraturadas; (2) plexos venosos pélvicos; (3) lesão arterial pélvica, ou (4) fontes extra- pélvicas. MECANISMOS DE TRAUMA E CLASSIFICAÇÃO Quatro padrões de força que causam fraturas pélvicas incluem: Compressão ântero-posterior: pode ser devida a atropelamento de pedestres, colisão de motocicleta, esmagamento diretamento da pelve ou queda de altura superior a 3,6 metros (12 pés). Compressão lateral: decorre de uma colisão automobilística e resulta em rotação interna da hemipelve envolvida, que pode projetar o púbis contra as vísceras do sistema genito-urinário inferior. Cisalhamento vertical: acontece quando um osso do quadril sobe por sobre o outro, resultando em ruptura dos ligamentos sacroespinhosos e sacrotuberosos, o que provoca um sangramento importante associado a grave instabilidade pélvica. Padrões complexos (combinados) A classificação do trauma de bacia é feita basicamente em fraturas abertas e fraturas fechadas, sendo esta classificação importante pela associação com o trauma abdominal e pela realização de diagnóstico diferencial. Para que a fratura de bacia ocorra, é necessária, ao menos, a presença de uma força traumática significativa. As fraturas pélvicas associam-se, com frequência, a lesões viscerais intra e retroperitoneais e a lesões de estruturas vasculares. O sangramento pode ser oriundo da própria extremidade óssea, da musculatura e de veias/artérias sobrejacentes ao trauma. AVALIAÇÃO É importante que se proceda rapidamente ao exame clínico dos flancos, do escroto e do períneo, para detectar a ocorrência de sangue no meato uretral, de edema ou de equimoses e para verificar se existem lesões acometendo períneo, a vagina, o reto ou as partes moles das nádegas, sugerindo a possibilidade de haver uma fratura pélvica aberta. Devemos seguir a avaliação descrita abaixo: Inspeção da pelve Palpação da próstata Avaliação do anel pélvico: assimetria no tamanho das pernas, rotação externa e dor à palpação da bacia. Uso de manobras manuais, que devem ser realizadas apenas uma vez, durante o exame físico, pois, se repetidas, podem resultar em destamponamento de vasos ocluídos por coágulos. Na presença de dor, devemos parar a manipulação. CONDUTA DE EMERGÊNCIA Devemos proceder da seguinte maneira: Reposição de volume; Definir se a fratura é aberta ou fechada e se há associação com trauma abdominal; Avaliar a presença de lesões perineais / gênito-urinárias associadas; Avaliar a necessidade de transferência do paciente; Proceder com a imobilização da fratura de bacia: enfaixamento da pelve por um lençol, de modo a causar uma rotação interna dos membros inferiores; aplicação de um dispositivo a vácuo de tração longitudinal da cluna; ou aplicação de uma calça pneumática antichoque. Se não houver líquido dentro do abdome na vigência de uma fratura de quadril, não há indicação de laparotomia, uma vez que não há associação trauma abdominal. Para este caso, devemos solicitar uma arteriografia para realizar a embolização do leito sangrante e, depois de parado o sangramento, devemos fixar o quadil com o auxílio da ortopedia. Se durante a avaliação abdominal encontrarmos sangue, não há condições de tratar com embolização. Neste caso, devemos proceder com laparotomia para o controle da hemorragia. Caso não seja possível tamponar o sangramento pélvico, podemos solicitar a ateriorgrafia e, por fim, a fixação óssea. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 12 CONDUTAS CIRRGICAS NO TRAUMA ABDOMINAL Como breve reviso, devemos lembrar que, muito provavelmente, os pacientes com trauma abdominal sero admitidos como politraumatizados, podendo apresentar vrias formas de trauma, alm do abdominal. Para eles, devemos seguir a prioridade de atendimento descrita abaixo: ABCDE do ATLS; Estabilizao do paciente; Definio das prioridades; Exames a depender da estabilidade hemodin mica: Para pacientes instveis, podemos optar pelo hemograma, β-hCG na mulher em idade frtil, tipagem sangunea, ultrassonografia e LPD. Para pacientes estveis, alm de solicitar, da mesma forma, o hemograma, β-hCG na mulher em idade frtil e a tipagem sangunea, temos a opo de fazer uso de TC. Definio da indicao cirrgica; Definir leses associadas; Considerar cirurgia no caso de falha no tratamento conservador. Portanto, so dois tipos de pacientes que sero encaminhados para cirurgia: aqueles que chegam na admisso j instveis hemodinamicamente, e aqueles que se encontravam bem, mas que passaram a apresentar sinais de hipotenso e choque, indicando falha na terapia conservadora. Obviamente, alm da estabilidade hemodin mica, devemos considerar o mecanismo do trauma para definir a conduta teraputica adequada para a vtima. No trauma por arma de fogo, por exemplo, a no ser que tenha sido um tiro tangencial, ser encaminhado para a cirurgia. Assim como nos casos de leses por prfuro-cortantes, que quando h o comprometimento da integridade do peritnio, tem-se indicao cirrgica. O trauma contuso, por sua vez, merece uma melhor avaliao, uma vez que no apresenta uma leso externa visvel e/ou bem definida. Neste caso, temos trs opes a triar: Se o paciente se apresenta instvel, ele deve ser submetido ao USG ou ao LPD, no intuito de avaliar a presena de sangue dentro da cavidade. Neste caso, se o paciente apresenta-se instvel e possui lquido na cavidade abdominal, conclui-se que a fonte de sangramento no abdome, o que exige a realizao de laparotomia nestas vtimas. Se o paciente apresenta-se instvel e, ao USG ou no LPD, no apresenta sangue na cavidade peritoneal, conclui-se que a fonte do sangramento acontece em outro local (trax, bacia ou extremidades). Devemos, portanto, investigar essas outras regies anatmicas. Se o paciente se apresenta estvel, sem qualquer sinal de choque hipovolmico, alterao no nvel de conscincia ou no seu estado de alerta, podemos optar pela TC, logo de incio. A depender do achado da TC, a cirurgia ser indicada ou no. A presena de agitao e inquietude contraindica a realizao da TC (para estes casos, podemos sedar o paciente e/ou lanar mo do US do LPD). Se, nestes casos, o US vier positivo, significa dizer que o paciente tem sangramento (US positivo), sendo necessria uma melhor investigao da causa. Caso contrrio, isto , sem sangramento (US negativo), podemos optar pela observao clnica e tratamento conservador. Antes de realizar a laparotomia exploradora para os pacientes adequados para a cirurgia, devemos realizar os seguintes cuidados: Dois acessos venosos com jelco calibroso (14), de preferncia, um jelco grosso e curto em veia perifrica. Cristalides (Ringer lactato ou soro fisiolgico, 2000ml) Hemoderivados Coleta de sangue Sondagem vesical (contraindicada em pacientes com leso de prstata ou com fratura de perneo) e sondagem gstrica (sonda nasogstrica contraindicada em pacientes com fratura de base de cr nio) Monitorizao Transporte Antibioticoprofilaxia (at 6h do trauma) ou antibioticoterapia (aps 6h do trauma). A escolha do antibitico depende do local lesionado: se for uma leso de estmago, utiliza um antibitico com espectro para gram- negativo; se for leso de intestino, antibiticos que cobrem gram-negativos e anaerbios. Imunizao antitet nica Anestesia geral (obrigatria no trauma). A laparotomia padro para o trauma uma inciso longitudinal mediana supraumbilical ou infraumbilical, a depender da topografia anatmica que se quer abordar. Em caso de leso heptica grave, podemos associar uma inciso subcostal ou lanar mo da toracotomia. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 13 OBS10: Ao se abrir o abdome, seja por laparoscopia ou por laparotomia, devemos proceder com o inventário da cavidade, que consiste na reviso cirrgica sistemtica de toda a cavidade na busca de leses no diagnosticadas por exames prvios. Como sabemos, ferimentos por arma de fogo, por exemplo, no segue uma regra fixa, uma vez que o trajeto do projtil errante, devido aos seus movimentos em cambalhota. Desta forma, devemos obedecer a seguinte sequncia: Avaliao das goteiras parietais direita (espao entre o colo ascendente e o peritnio) e esquerda (espao entre o colo descendente e o peritnio); Avaliao do intestino delgado, iniciando-se pelo ngulo de Treitz (juno duodeno-jejunal), at chegar vlvula leo-cecal. Rebate o intestino e inicia o estudo do colo ascendente, colo transverso, descendente e reto. Estudo do retro-peritnio e restante do abdome inferior. No abdome superior, devemos avaliar, sistematicamente, bao, fgado e parede anterior do estmago. Abrir a retro-cavidade, que o espao situado entre o lobo heptico esquerdo e o estmago, para avaliao do p ncreas e duodeno. Estudar as lojas renais, no retro-peritnio. TRAUMA DE CÓLON Na ocasio de leso do clon, devemos, inicialmente, conhecer o mecanismo do trauma: se foi um trauma contuso ou se foi por ferimento de arma de fogo ou prfuro-cortante. Este passo importante devido s particularidades de cada caso: na vigncia de leso por arma de fogo, por exemplo, devemos realizar o desbridamento da leso em queimadura ao redor da leso aparente, alm de considerar a cavitao permanente e a cavitao temporria. O tempo transcorrido desde a lesão tambm uma informao fundamental na admisso do paciente sala de cirurgia. Por estarmos falando de clon, considera-se uma cirurgia antes de 6 horas de evoluo do trauma como contaminada; quando h mais de 6 horas de durao, cirurgia infectada. prudente conhecer ainda a presena de lesões associadas: trauma de ala intestinal, de fgado, de estmago, etc. Na medida em que se realiza o inventrio da cavidade, estaremos aptos a encontrar tais leses e, neste mesmo momento, j devemos trat-las. Alm de tudo isso, manter a condição hemodinâmica do paciente outro passo fundamental para garantir um bom prognstico. A depender da situao hemodin mica do indivduo, a conduta teraputica pode variar. Condutas. A depender dos par metros vistos anteriormente, podemos realizar as seguintes condutas para o tratamento das leses de clon: Desbridamento da leso por arma de fogo; Sutura primria da leso; Exteriorizao da leso e realizao de colostomia; Resseco da leso e promoo de anastomoses. Com bases nestas condutas, devemos associ-las para melhor servir o paciente e tratar sua leso. Desta forma, pacientes que apresentem ferimentos por armas de fogo associadas a leses muito grandes, devemos desbridar a leso ou ressec-la e realizar a anastomose entre os segmentos remanescentes. O paciente com longa evoluo da leso – que j se encontra infectado – no pode ser submetido sutura primria, sob o risco de formao de fstulas. Pacientes instveis hemodinamicamente devem ser submetidos a cirurgias rpidas, porm efetivas, para que a promoo da estabilizao hemodin mica seja procedida com rapidez. OBS11: Devemos lembrar que, no que diz respeito ao clon direito, seu suprimento sanguneo promovido pela artria mesentrica superior, a qual fornece dois ramos: a artria clica direita e a artria leo-ceco-clica (que irriga o lio terminal, o ceco e a parte proximal do clon direito). Por esta razo, toda vez que alvejamos a retirada do clon direito, devemos ressecar, junto a ele, parte do lio e o ceco. Tal procedimento conhecido como colectomia direita e anastomose íleo-cólica. Escores de lesão colônica. Colon Injury Scale (CIS) I Leso da serosa II Ferimento <50% da circunferncia do clon ou leses parciais mltiplas II Ferimento >50% da circunferncia do clon sem transeco IV Transeco do clon V Transeco do clon com perda de tecido ou desvascularizao de um segmento Flint Score I Leses isoladas com perfuraes menores do clon, choque ausente ou tipo I, contaminao ausente ou mnima e sem retardo na cirurgia. II Leses associadas e transfixao ou lacerao da parede do clon, choque tipo II, contaminao moderada. III Leses associadas, grande destruio tecidual, contaminao grande e choque > tipo III Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 14 Tratamento do trauma de cólon segundo o CIS. Segundo o fluxograma acima, pacientes com CIS I, II ou III (isto é, aqueles pacientes com lesão, mas sem transecção), se estiverem estáveis hemodinamicamente, podem ser submetidos à sutura primária. Se não estiverem estáveis, devem ser submetidos ao controle de dano ou, dependendo do paciente, serem submetidos à sutura primária. Pacientes com CIS IV ou V (isto é, pacientes com transecção de cólon), se estáveis, devem ser submetidos à ressecção de cólon seguida de anastomose. Pacientes que se apresentam instáveis, por se tratar de uma lesão muito grande, deverão ser submetidos à colostomia, basicamente, ou controle de dano. TRAUMA DE RETO Anatomicamente, o reto está dividido em duas porções: o reto extraperitoneal (com cerca de 7 a 10cm, localizado distalmente ao esfíncter externo) e o reto intraperitoneal (localizado internamente ao esfíncter). O reto extraperitoneal está protegido pelos ossos da bacia, assoalho pélvico e órgãos urogenitais. A etiologia das lesões do reto está relacionada com: projétil de arma de fogo, lesões por arma branca, empalamentos (consiste na introdução de objetos pelo reto), intercurso sexual (abuso sexual) e trauma pelviperineal complexo. Devido à associação frequente, toda vez que houver lesão urogenital, devemos investigar lesão retal (e vice- versa). Diagnóstico. Para o diagnóstico do trauma retal, devemos ter o conhecimento dos seguintes parâmetros: Conhecimento do tipo de trauma; Inspeção do períneo; Realização do toque retal (para avaliar próstata, uretra prostática e reflexo anal através do tônus do esfíncter, que é capaz de nos dar informações sobre a medula sacral) e toque vaginal; Retossigmoidoscopia ou anoscopia. Condutas. As condutas básicas para tratamento do trauma retal são: Derivação do conteúdo fecal para evitar a infecção local e a fasceíte necrotizante (síndrome de Fournier). Desbridamento e sutura da lesão (reto proximal ou reto distal), sempre que possível. Lesões no terço médio do reto são mais difíceis de serem suturadas. Enquanto que lesões do reto alto (proximal) podem ser tratadas como lesões colônicas. Drenagem pré-sacral (ver OBS12). Antibioticoterapia para gram-negativos e anaeróbios. Lavagem do coto distal. Correção de lesões associadas. OBS12: Drenagem pré-sacral. Procedimento realizado através do períneo, com o paciente em posição de litotomia, por meio de uma incisão unciforme entre o ânus e o cóccix. Realiza-se, desta maneira, a dissecção do espaço pré-sacral pela abertura da fáscia de Waldeyer, seguida da instalação de drenos laminares ou vácuo. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 15 Complicações. Sepse grave; Abscesso; Fstulas; Incontinncia fecal; Estenoses. TRAUMA DE PÂNCREAS Para entender bem o trauma de p ncreas, devemos conhecer o mecanismo do trauma que acometeu a vtima. Em 70% dos casos, os traumas pancreticos so penetrantes. O restante compreendido por leses contusas, causadas por impacto direto na regio epigstrica. Em 66% dos casos, existem leses associadas (a leso mais associada ao trauma pancretico a leso vascular). Anatomicamente, podemos dividir o p ncreas em cabea (poro circundada pelo duodeno), colo (parte do p ncreas localizada superiormente veia porta, formada pela veia mesentrica superior e veia esplnica) e cauda (mais prxima do bao). A ordem de incidncia de leses com relao topografia do rgo : cabea > corpo (colo) > cauda. Considerações clínicas. Com relao aos aspectos clnicos do trauma pancretico, devemos levar em considerao o seguinte: Mecanismo de trauma e achados clnicos (dor abdominal persistente em abdome superior, com irradiao para o dorso); Quadro clnico frustro ou dependente de leses associadas; Trade clnica: dor, leucocitose e hiperamilasemia (nem sempre); Diagnstico muitas vezes intraoperatrio; Complicaes tardias de traumas no reconhecidos. Diagnóstico. Amilase srica Radiografia e US insatisfatrios para diagnstico especfico TC – exame de escolha Pancreatografia (endoscopia ou intraoperatria) – controverso / proibitivo Colangio-resson ncia (CRNM) para fase aguda e em pacientes estveis. Laparotomia exploradora geralmente indicada por outras razes: Hematoma retroperitonial ou pancretico; Edema peripancretico; Presena de bile na retrocavidade (sinal de leso importante em ducto coldoco). Graduação do trauma pancreático segundo a American Association for the Surgery of Trauma e Condutas. Grau Descrição da lesão I Hematoma Lacerao Contuso pequena sem leso ductal Lacerao superficial sem leso ductal II Hematoma Lacerao Contuso maior sem leso ductal ou perda tecidual Lacerao maior sem leso ductal ou perda tecidual III Lacerao Transeco distal ou leso parenquimatosa com leso ductal IV Lacerao Transeco proximal ( direita da veia mesentrica superior) ou leso parenquimatosa envolvendo a ampola V Lacerao Destruio macia da cabea do p ncreas Desta forma, temos: Leses grau I e II (70%): resoluo com desbridamento, sutura e drenagem. Leses grau III (12%): Pancreatectomia distal aos vasos. Leso grau IV (10%): Resseco proximal aos vasos mesentricos. Leso grau V (2%): duodenopancreatectomia (ver OBS13) ou diverticulizao duodenal. Damage control: este artifcio pode ser utilizado quando o paciente se apresenta instvel hemodinamicamente. Neste caso, devemos realizar a cirurgia do modo mais rpido possvel, retirando as estruturas que realmente devem ser retiradas. Feito isso, instala-se uma sonda e realiza aplicao intra-abdominal de um grande nmero de compressas para parar o sangramento. Depois, fecha temporariamente a laparotomia e envia o paciente para a UTI. Quando o paciente estiver estvel hemodinamicamente,faz-se a concluso do procedimento. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 16 OBS13: A duodenopancreatectomia consiste na retirada da cabea do p ncreas e do duodeno. Neste procedimento, as vias biliares permanecem abertas, assim como o ducto pancretico. A reconstruo realizada com anastomose do estmago com uma ala intestinal (gastrojejunostomia), anastomose do p ncreas com o jejuno (pancreatojejunostomia) e uma derivao lio-digestiva (ou seja, uma ducto-hepaticojejunostomia). Este procedimento tambm muito utilizado no caso de neoplasias que acometam estas estruturas (c ncer de p ncreas, de papila, etc.). TRAUMA DE DUODENO O trauma de duodeno raro, correspondendo a menos que 3% dos traumas abdominais. Quando ocorre, geralmente est associado a outras leses intra-abdominais. O mecanismo, na maioria das vezes, est relacionado com golpes diretos na regio epigstrica. O fato de o duodeno est protegido por outros rgos dificulta o diagnstico de suas leses. Se ele no sofrer perfurao ou sangramento, por exemplo, seu tratamento, muito provavelmente, ser prolongado. Características. As principais caractersticas do trauma de duodeno so: Mecanismo de trauma especfico: golpe na regio epigstrica. Diagnstico difcil. Sintomas frustros ou dependentes de outras leses, assim como o trauma pancretico. O no reconhecimento da leso pode levar a complicaes graves. Isso ocorre porque, no trauma de duodeno, alm da secreo duodenal caindo na cavidade abdominal, h ainda a presena de bile, suco gstrico, etc., caracterizando um quadro bem mais grave que a leso pancretica. Diagnóstico. Radiografia simples: pode mostrar escoliose, ausncia de ar no bulbo duodenal e pneumoretroperitnio. Exame contrastado de esôfago, estômago e duodeno (EED): imagem caracterstica com aspecto de mola espiral ou empilhamento de moedas. TC: ar no retroperitnio. Laparotomia exploradora: geralmente indicada por outras razes, e no para confirmar a suspeita de trauma duodenal. Esta pode mostrar hematomas periduodenais e leses pancreticas. A manobra de Kocher com mobilizao duodenal consiste na rotao do duodeno para avaliao de sua parede posterior. Condutas. Grau Tipo de lesão Descrição 1 Hematoma Lacerao Poro isolada do duodeno Penetrao parcial, sem perfurao 2 Hematoma Lacerao Mais de uma poro Alterao < 50% da circunferncia 3 Lacerao Alterao 50 a 75% da circunferncia de D2 (segunda poro duodeno). Alterao 50 a 100% da circunferncia de D1, D3 e D4 (demais pores). 4 Lacerao Alterao > 75% da circunferncia de D2; ampola ou ducto biliar comum. 5 Lacerao Vascular Alterao macia (destruio) do duodeno / C ncer de p ncreas Desvascularizao duodenal Desta forma, temos: Grau 1 e 2: reparo primrio. Aps 6 horas pode ser necessrio procedimento descompressivo (duodenostomia por tubo). Grau 3: reparo primrio + excluso duodenal ou duodenojejunostomia em Y de Roux (ver OBS14) + descompresso (SNG). Grau 4: reparo do duodeno + reparo biliar com drenagem em tubo T, excluso duodenal + diverticulizao do duodeno. Drenagem em “3 tubos” (contaminao) Grau 5: duodenopancreatectomia. OBS14: Cirurgia em Y de Roux. Anastomose do estmago com jejuno em Y: caracterizada por uma gastrojeunostomia e uma dudodenojejunostomia, em que o estmago ligado a poro distal ao doudeno (incio do jejuno) e este mantido para continuar recebendo as secrees pancreticas e biliares. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 17 TRAUMA HEPÁTICO O trauma heptico geralmente causado por impacto direto. De uma forma geral, o mecanismo do trauma heptico pode ser caracterizado por: 20% dos traumas contusos, estando relacionados com compresso (entre a coluna e as costelas) ou desacelerao do rgo. A maioria dos traumas hepticos penetrante. Geralmente, estes traumas esto associados a choques hipovolmicos (aqueles que no apresentam choque, podem ser tratados conservadoramente, desde que no haja leso importante). Classificação. Grau Tipo Descrição I Hematoma Lacerao Subcapsular, <10% da rea de superfcie Leso capsular, profundidade < 1cm II Hematoma Lacerao Subcapsular, 10 – 50% da rea de superfcie, di metro <10cm Leso capsular, profundidade 1 – 3 cm, extenso <10cm III Hematoma Subcapsular, >50% da rea de superfcie Hematoma intraparenquimatoso >10cm ou em expanso Leso de parnquima > 3 cm IV Lacerao Leso parenquimatosa envolvendo 25 a 75% do lobo ou 1-3 segmentos de Couinauld V Lacerao Vascular Leso parenquimatosa envolvendo > 75% do lobo ou >3 segmentos de Couinauld de um lobo Leso vascular justa-heptica (V. cava retro-heptica, V. heptica central) VI Vascular Avulso heptica Conduta conservadora. Critrios para conduta conservadora: Paciente estvel; Transfuso sangunea < 2 CGV; Sem outras leses cirrgicas associadas ou peritonite; Grau I a III, duvidoso IV a V (embolizao); TC sem extravasamento de contraste na fase arterial; Equipe experiente e compromissada. Seguimento: Hb e Ht de controle; Exame abdominal repetitivo; Sinais vitais; UTI por 48 horas; Jejum por 48 horas; Repete TC em 5 dias; Atividade aps 3 meses. Sobrevida: GI a III > 90% G IV e V ~ 80% Conduta cirúrgica. Quando h indicao para cirurgia (ver critrios abaixo), devemos primeiramente comprimir a leso e tentar parar o sangramento. Se no resolveu, dar-se um ponto de sutura para hemostasia. Se no resolveu, devemos abrir a ferida para controlar o sangramento. Caso o sangramento ainda no seja aliviado com esta conduta, devemos seguir com hepatectomia. Se no resolveu, faz-se damage control, com aplicao de compressas e internao em UTI. A cirurgia estar indicada quando: Pacientes instveis; Grau IV e V (?), VI; Tecido necrtico extenso; Complicaes (biloma e abscesso) Condutas específicas. Hematoma subcapsular: observa-se e drena-se a leso do parnquima associada. Desbridamento: quando h necrose. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 18 Sangramento superficial: sem sucesso com compresso, faz-se flap de omento ou “mesh”. Laceração profunda (III a V): Risco de fstula biliar, hemobilia e abscesso; Se houver necessidade de sutura, deve-se antes ligar os vasos para uma melhor identificao; Fratura heptica – plano no anatmico, digitoclasia; Esqueletizao e ligadura separada; Em ferimento por arma de fogo (FAF), utiliza-se balo. Drenar (> Grau III) Ligar o hilo heptico com clamp vascular durante 40 minutos para controlar um sangramento intenso. Sangramento importante: Ligadura da artria heptica: risco de infarto se leso associada a porta. ltimo caso hepatectomias ou clamp de veia cava retro-heptica. OBS15: A localizao da leso heptica sempre importante e, para isso, Couinauld dividiu os lobos hepticos em segmentos. Desta forma, em resumo, temos: lobo caudado o segmento 1; no lobo esquerdo, temos os seguimentos 4a e 2 (superiormente) e 4b e 3 (inferiormente); no lobo direito, temos os segmentos 8 e 5 (anteriormente), 7 e 6 posteriormente. TRAUMA DE VIAS BILIARES um tipo de trauma muito raro, correspondendo a cerca de 0,07% dos traumas abdominais. 70% deles so por mecanismos penetrantes, estando comumente associados a outras leses. Suas principais complicaes so: fstula biliar, abscesso e hemobilia. Leso do coldoco: At 50%: repara, esqueletiza e drena com Kher. 50% ou total: coledocoenteroanastomose Vescula biliar: rara e devemos proceder com colecistectomia. TRAUMA DE ESTÔMAGO E INTESTINO DELGADO As principais caractersticas deste tipo de trauma que devem ser avaliadas paraa conduta cirrgica so: Avaliar condies clinicas do paciente para definir se o tratamento ser apenas por meio de suturas ou retirada do segmento; Condies da cavidade; Viabilidade do rgo: o principal par metro que diferencia a realizao de sutura ou a retirada do rgo. Dificilmente ser necessria esta resseco, salvo nos casos de comprometimento importante do rgo. Na verdade, geralmente realizamos apenas a sutura. Para o trauma de intestino delgado, podemos optar pela enterorrafia ou pela enterectomia com anastomose, a depender de trs variveis da leso: tamanho, condies clnicas do doente, leses associadas e complicaes (peritonite). TRAUMA ESPLÊNICO O bao o rgo mais lesado nos traumas fechados, principalmente quando h golpes diretos no hipocndrio ou flanco direito. As principais caractersticas do trauma esplnico so: rgo mais lesado em traumas fechados; Fratura de arcos costais inferiores previamente associada; Dor irradiada na face esquerda do pescoo e ombro; Hipersensibilidade abdominal; Hipotenso (choque); Indicao mais comum de esplenectomia (20%); Causa mais comum so acidentes automobilsticos; Risco de sepse ps-esplenectomia (sendo necessria a vacinao para Influenza, Meningococos e Pneumococos). 20 – 40% so indicados para cirurgia, mas tambm podemos optar por tratamento conservador. Graduação do trauma esplênico. Grau I: hematoma subcapsular (<10% da superfcie) ou lacerao (<1cm de profundidade). Grau II: hematoma subcapsular (10 – 50% da superfcie) ou lacerao (1 – 3 cm de profundidade). Grau III: hematoma subcapsular (>50% da superfcie) ou lacerao (>3cm de profundidade). Grau IV: lacerao envolvendo vasos segmentares ou hlares com desvascularizao (>25%) Grau V: lacerao completa ou leso hilar completa. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 19 Condutas. Grau 1 e 2: hemostasia simples ou rafia. Grau 3: hemostasia, esplenectomia parcial ou total. Grau 4: esplenectomia total ou parcial. Grau 5: esplenectomia total. Critérios para conduta conservadora. Paciente estável; Transfusão sanguínea < 2 CGV; Sem outras lesões cirúrgicas associadas ou peritonite; Grau I a III, duvidoso IV a V (embolização); TC sem extravasamento de contraste na fase arterial; Equipe experiente e compromissada. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 20 MED RESUMOS 2012 CORREIA, Luiz Gustavo; NETTO, Arlindo Ugulino. CIRURGIA ABDOMINAL _________ HÉRNIA DA PAREDE ABDOMINAL (Professor Cássio Virgílio de Oliveira) A correção cirúrgica das hérnias abdominais está entre os três procedimentos cirúrgicos mais realizados por cirurgiões nos Estados Unidos, totalizando 700.000 operações por ano. Tais números, além de demonstrarem a impressionante prevalência dessa condição, também nos fornecem a informação que as hérnias acometem todas as faixas etárias, em ambos os sexos. A seguir, estudaremos a anatomia da região inguinofemoral (pré-requisito obrigatório para entendimento das hérnias de parede abdominal), seguindo-se da epidemiológica, clinica e tratamento das hérnias mais frequentes da parede abdominal. Conceitua-se hérnia abdominal como sendo a protrusão de um órgão ou tecido interno através da parede abdominal, demo que a porção exteriorizada se encontre recoberta por um saco peritoneal. Vários são os fatores que propiciam ao aparecimento das hérnias: trauma local repetitivo, mudanças degenerativas por aumento da pressão intra- abdominal, alterações na síntese do colágeno (hidroxiprolina), dentre outros. ANATOMIA DA REGIO INGUINOFEMORAL Antes de iniciarmos a descrição da região inguinal, é importante revisarmos dois conceitos anatômicos, que serão de grande valia para o entendimento e abordagem das hérnias: aponeurose e fáscia muscular. A aponeurose é uma porção tendinosa de determinado grupamento muscular, responsável pela fixação deste à saliência óssea. É formada, predominantemente, por tecido conjuntivo denso. Diferentemente, a fáscia muscular é considerada, para alguns anatomistas, uma bainha de contenção muscular responsável pela compartimentalização muscular. Do mesmo modo que a aponeurose, o tecido conjuntivo também se sobressai na formação da fáscia, porém, a sua natureza é frouxa. Conclui-se, portanto, que a aponeurose é um elemento confiável, dada pela sua firmeza, para um papel de contensão durante a realização de um reparo cirúrgico. A descrição da anatomia da região inguinofemoral deve seguir um plano estratigráfico, seguindo-se dos planos mais superficiais até os mais profundos. TECIDO CELULAR SUBCUTÂNEO Logo abaixo da pele, encontramos o tecido celular subcutâneo (TCSC). Nele, podemos identificar duas camadas distintas, determinadas pela presença de sua fáscia: (1) de Camper e (2) de Scarpa. 1. Fáscia de Camper. É uma fáscia delicada, bem vascularizada, de difícil visualização. Situa-se, anatomicamente, mais superficial em relação à fáscia de Scarpa. 2. Fáscia de Scarpa. É considerada uma fáscia mais espessa, melhor visualizada, localizando-se sobre a superfície externa do M. Oblíquo externo, seguindo-se em direção à bolsa escrotal, local em que se forma a túnica dartos do testículo. APONEUROSE DO M. OBLÍQUO EXTERNO A aponeurose do M. Oblíquo externo se localiza sob a fáscia de Scarpa. Pela anatomia, a porção muscular (ventre muscular) desta musculatura está mais lateral à região inguinal. Logo abaixo da aponeurose, observa-se o canal inguinal; deste modo, o limite anterior deste canal é formado por tal estrutura. Da borda livre da aponeurose do M. Oblíquo externo se forma um espessamento, que segue da espinha ilíaca ântero- superior em direção ao tubérculo púbico, que é o ligamento inguinal (ou de Poupart ou de Falópio). No instante que o ligamento Inguinal se fixa ao tubérculo púbico, forma-se o ligamento lacunar. Arlindo Ugulino Netto – CIRURGIA ABDOMINAL– MEDICINA P7 – 2010.2 21 CANAL INGUINAL O canal inguinal é definido como sendo uma passagem pela musculatura da parede abdominal. Com uma formatação obliqua, de direção látero-medial, este canal tem uma extensão de 4cm, aproximadamente. Por ser uma estrutura não-obliterada, subentende-se que sua função é a de permitir a passagem de estruturas anatômicas. No homem, principalmente, o canal inguinal é responsável pelo trânsito de estruturas do sistema genital masculino da cavidade abdominal em direção ao escroto. Acima do canal inguinal, formando sua parede superior e posterior estão o músculo obliquo interno e o músculo transverso do abdome, com sua aponeurose. Para que as estruturas da cavidade abdominal alcancem a região da bolsa escrotal, no homem, é necessário que as mesmas atravessem dois orifícios presentes nas estruturas musculares recém-descritas: anel inguinal interno (localizado na parede posterior, músculo transverso) e anel inguinal externo (localizado na parte anterior, aponeurose do músculo oblíquo externo). Profundamente ao plano do músculo transverso do abdome, podemos visualizar a fáscia transversal, estrutura-chave para compreensão das hérnias inguinais indiretas. De maneira simplificada, a fáscia transversal é a porção inguinal da fáscia endoabdominal (que é a fáscia que reveste toda a musculatura da parede abdominal). Logo abaixo da fáscia transversal, existe uma porção de gordura pré-peritoneal e, logo em seguida, o peritônio. Algumas estruturas localizadas abaixo do plano da fáscia transversal, ou seja, entre esta e o peritônio, são muito importantes para o reparo das hérnias inguinais e femorais. O ligamento de Cooper, correspondente anatômico do espessamento do periósteo da face interna do ramo superior do púbis, é muito empregado na técnica operatória como ponto de reparo da técnica de McVay. Junto a este ligamento, existe a V.
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