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1 Introdução O fim da Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas estabeleceram as condições necessárias para o aparecimento do tema dos direitos humanos no plano internacional. Já em 1948, surge a Declaração Universal de Direitos Humanos, consagrando em trinta artigos, os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Pode-se dizer, aliás, que nos seus primeiros anos de funcionamento, o regime de direitos humanos das Nações Unidas limitou-se basicamente a isso: elaborar normas e documentos internacionais.1 Essa relativa inércia do regime respondia em grande medida à preocupação das grandes potências em não aceitar mecanismos que pudessem abrir uma fenda no princípio da soberania, e acabassem por autorizar procedimentos de caráter investigativo e inquisitivo.2 A Comissão de Direitos Humanos (CDH), por exemplo, principal órgão do regime, só passou a atuar mais ativamente na proteção a direitos a partir de 1967, com a criação do procedimento 1235, que especificamente confere o poder de “examinar as violações graves de direitos humanos e liberdades fundamentais em todos os países”. Desde então, houve uma evolução lenta e gradual nos mecanismos extraconvencionais3 de controle colocados à disposição da Comissão, buscando-se sempre uma maior efetividade na investigação de violações e na identificação dos países transgressores. Em 1970, surge o procedimento 1503 que autoriza a Comissão a investigar comunicações que revelem um “padrão sistemático e consistente de violações de direitos humanos”. Embora autorize o recebimento de queixas individuais, este 1 Philip Alston. The Commission on Human Rights. In: Philip Alston (Org.). The United Nations and Human Rights: A Critical Appraisal. Clarendon Paperbacks, 1995, p. 139. 2 Ibid., p. 141. 3 Os mecanismos extraconvencionais são assim chamados por vincularem todos os membros das Nações Unidas, independentemente da assinatura de convenções específicas sobre direitos humanos. DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA 11 instrumento foi alvo de pesadas críticas ao longo dos anos, principalmente por seu caráter confidencial, considerado condescendente e cauteloso com as soberanias nacionais. Ainda nos anos 70, a CDH inovou ao criar os órgãos especiais de investigação para países (procedimentos geográficos). Estes têm a incumbência de acompanhar a evolução de determinadas situações nacionais, tanto em contato direto com as autoridades do governo envolvido, se forem cooperativas, quanto indiretamente, em consultas com ONG’s, movimentos de oposição legais ou ilegais e cidadãos no exílio. Apesar de representar um valioso constrangimento sobre determinados países, o mecanismo em questão foi muitas vezes alvo de manipulações políticas, demonstrando clara seletividade em sua atuação.4 Finalmente, nessa linha evolutiva, os grupos de trabalho ou relatores temáticos têm papel de destaque, pois além de incidirem sobre todo e qualquer país independentemente da assinatura de tratados específicos, se assentam em princípios de objetividade e não-seletividade, ausentes muitas vezes nos trabalhos e deliberações da Comissão. Estes mecanismos, além de auxiliarem a Comissão na identificação de países inadimplentes com os direitos humanos, promovem a proteção individual de pessoas específicas, contemplando, inclusive, uma medida cautelar chamada de procedimento de ações urgentes, que conclama os Estados a tomarem certas providências imediatas com o fim de evitarem ou interromperem violações quer coloquem em risco a vida de determinados indivíduos. Assim, pela primeira vez, a CDH buscará a responsabilização internacional do Estado, não apenas com base na “situação geral de direitos humanos”, mas também “pela violação de direitos de indivíduos específicos”. Buscando ilustrar a evolução dos mecanismos extraconvencionais de proteção da Comissão de Direitos Humanos, o presente estudo centra-se na atuação do Grupo de Trabalho Sobre Detenções Arbitrárias, procedimento temático criado em 1991, favorecido em grande medida pelas mudanças conceituais e ideológicas do pós- Guerra Fria. 4 Patrick J. Flood. Effectiveness of U.N. Human Rights Institutions. West Port, CT, USA: Greenwood Publishing Group, 1998, p.42. DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA 12 Dá-se destaque à prevalência de novos conceitos como universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos e legitimidade da atuação internacional na proteção a esses direitos, para justificar a nova postura dos atores estatais em face de mecanismos de controle e proteção, muito mais cooperativa e conciliatória do que tempos atrás, quando predominavam as desconfianças e boicotes para com esses instrumentos. Ressalta-se, então, a ascendência das idéias sobre o comportamento dos Estados (“aprendizado”), influenciando no processo de formação de interesses e preferências, que não são dados e fixos (conforme defendem as teorias racionalistas), mas que variam à medida que os atores estatais aprendem. Beneficiado por esses avanços ideológicos do início dos anos 90, o Grupo de Trabalho teria contado crescentemente com o apoio dos países sob análise, obtendo informações e recebendo, inclusive, convites para a realização de missões de campo. Em suma, esta dissertação objetiva identificar na atuação, característica e métodos de trabalho do Grupo de Trabalho Sobre Detenções Arbitrárias indicadores da evolução dos mecanismos extraconvencionais colocados à disposição da CDH, bem como fatores conducentes a um maior comprometimento com o regime de direitos humanos. Mostra-se, por exemplo, que no seu intuito de investigar casos de privação de liberdade impostos arbitrariamente, o Grupo de Trabalho resulta num valioso mecanismo de monitoramento e coleta de dados acerca da situação de direitos humanos em distintos países, inserindo-se nas estratégias de “managing compliance” propostas por Chayes & Chayes.5 A importância deste trabalho advém, primeiramente, da grande atualidade do tema dos direitos humanos nos anos 90, principalmente no tocante à proteção internacional dos mesmos. Ademais, o fato de se estudar especificamente um dos mais modernos instrumentos de investigação colocados à disposição da CDH contribui de forma decisiva para fazer-se uma avaliação da evolução procedimental ocorrida nos últimos anos e para identificar-se a postura atual dos Estados em face dos mecanismos de investigação e proteção a direitos. 5 Abram Chayes; Antonia Handler Chayes. The New Sovereignty, Compliance with International Regulatory Regimes. Harvard University Press, 1995, parte 2. DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA 13 A dissertação partirá de uma análise mais geral dos direitos humanos (evolução histórica e tratamento global dos mesmos) para uma análise dos mecanismos extraconvencionais no plano da Comissão de Direitos Humanos, terminando com um estudo específico e detalhado do Grupo de Trabalho Sobre Detenções Arbitrárias, como indicador da evolução dos referidos mecanismos e dos novos tempos do regime no pós-Guerra Fria. No primeiro capítulo, far-se-á um breve apanhado histórico da evolução no tratamento dos direitos humanos, elucidar-se-ão algumas questões conceituais (direitos humanos vs. direito humanitário) e descrever-se-á o surgimento do próprio regime das Nações Unidas, chamando atenção para suas características essenciais e para documentos fundamentais como a Declaração Universalde Direitos Humanos e os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O segundo capítulo centrar-se-á no trabalho da Comissão de Direitos Humanos, descrevendo a evolução lenta e gradual de seus mecanismos de controle extraconvencionais. Far-se-á, igualmente, a apresentação do arcabouço teórico a ser usado para entender a evolução dos referidos mecanismos. Por fim, serão apresentados e caracterizados os grupos de trabalho geográficos e temáticos, destacando-se estes últimos como um sinal de fortalecimento no poder investigativo da CDH. O último capítulo considerará apenas o Grupo de Trabalho Sobre Detenções Arbitrárias, apresentando, de início, sua origem, características e funções. Neste ponto, enfatizar-se-á o contexto do pós-Guerra Fria, com suas novidades conceituais relativas a direitos humanos, e sua influência sobre a efetividade e atuação do Grupo. Em seguida, serão destacados alguns pontos importantes como a não-seletividade e objetividade do mecanismo e o procedimento de ações urgentes. O funcionamento e o padrão de comportamento do Grupo serão analisados a partir da consideração de algumas opiniões emitidas no decorrer dos anos 90. Por fim, far-se-á um balanço da atuação do Grupo, tanto em termos de contribuições para a CDH, quanto para o regime de direitos humanos como um todo, mostrando, por exemplo, como o aumento das informações relativas a violações e a clara identificação dos Estados DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA 14 transgressores promovidos pelo Grupo constituem elementos de deterrence, principalmente num contexto internacional em que se teme largamente a exposição pública de violações e o conseqüente abalo da reputação internacional. DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA
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