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. ⁄. ⁄. ● ● , º ● - 187 Regras e auto-regras no contexto terapêutico andré luis jonas* Resumo ● O presente trabalho procurou conceituar e contextualizar o conceito de regra e de comporta- mento controlado por regras dentro da abordagem behaviorista radical, fazendo uma distinção do mesmo em relação ao comportamento controlado pelas contingências, e priorizando os aspectos referentes às instâncias de controle sobre o comportamento e sua utilização no processo terapêutico comportamental. Palavras-chave ● regras, auto-regras, terapia comportamental. Title ● Rules and self-rules in the therapeutic context Abstract ● This paper aims at presenting a concept and a context for rules, as well as for behaviors controlled by rules within the radical behaviorist approach, though a distinction between the latter and behaviors controlled by contingencies, as well as through the priority to aspects concerning instances of control over behavior, and it use in the behaviorist therapeutic process. Keywords ● rules, self-rules, behaviorist therapy. Data de recebimento: 11/12/2003. Data de aceitação: 30/01/2004. * Doutor em Psicologia (Uni versidade d e São Paulo), mest re em Psicologia (Pontifícia Universidade Católica d e Campinas), especialista em Psicologia Clínica, psicólogo clínico, p rofessor do curso de Psicolo gia da USJT. E-mail: prof.ajonas@usjt.br. De acordo com a análise behaviorista radical, todo comportamento humano é modelado pelas con- tingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais (SKINNER, 1990). Um ponto importante nessa análise é compreen- der que a epistemologia behaviorista radical exige tanto a previsão como o controle do comporta- mento (HAYES, 1986; HAYES & BROWNSTEIN, 1986; SKINNER, 1953). Além disso, uma vez que o beha- viorismo radical adota uma posição ambientalista e funcionalista, as explicações do comportamento remetem-se àqueles eventos ambientais direta- mente manipuláveis. Estes eventos seriam adju- tórios para tanto preve r como controlar o comportamento (HAYES & BROWNSTEIN, 1986). Esse pressuposto descarta completamente a possibilidade de o comportamento ser causado por eventos internos (no nível da psicologia, pois podem existir causas fisiológicas). Skinner (1977, 1984) escreveu extensivamente sobre eventos privados e os rejeitou como “causas” do comporta- mento. Isso não significa, contudo, que o behavio- rismo radical negue a existência ou a importância dos eventos internos. Estes eventos são conside- rados como estímulos ou respostas que fazem parte de uma cadeia entre eventos ambientais externos e comportamentos públicos. Essa ênfase na predição e controle tem como preceito que, na visão behaviorista, todas as “causas” são restritas às contingências ambientais. Em outras palavras, o behaviorismo radical aceita que o único caminho para se modificar o comportamento é modificando-se as contingências em que ele ocorre, quer alterando as ocasiões de ocorrência, a resposta ou suas conseqüências. No entanto, o indivíduo pode comportar-se com maior eficiência quando ele é capaz de des- crever seu comportamento e as variáveis das quais ele é função. O seu repertório descritivo das con- tingências que controlam seu comportamento será útil para si e também para os outros. Skinner (1984) dist inguiu o comportamento controlado pelas conseqüências ambientais — comportamento modelado pelas contingências — do comportamento controlado pelas descrições verbais das contingências — comportamento controlado por regras. O comportamento modelado pelas contin- gências é aquele controlado pelas contingências de reforçamento para uma resposta específica. O comportamento controlado por regras pode até ser topograficamente idêntico ao comporta- mento controlado diretamente pelas contingên- cias de reforçamento; contudo, uma vez que a 188 ● Regras e auto-regras no contexto terapêutico resposta de seguir regra também é em parte mantida por contingências sociais para o segui- mento de regra (HAYES, BROWNSTEIN, HAAS & GREENW AY , 1986), os comportamentos são con- trolados por diferentes variáveis. Este é o ponto fundamental para a distinção entre o comporta- mento modelado pelas contingências e o compor- tamento governado por regras. De acordo com Skinner (1984, 1988), o compor- tamento governado por regras e o comportamento modelado por contingências podem ter topogra- fias similares, mas suas variáveis de controle são distintas e, portanto, são operantes distintos. Nesse sentido, o comportamento governado por regras está mais sob controle de antecedentes verbais do que das relações entre o responder e suas conseqüências; ao contrário do comporta- mento modelado pelas contingências, que é direta- mente controlado pelas relações entre respostas e suas conseqüências imediatas (CATANIA ET AL., 1989; HAYES ET AL., 1989). Mais especificamente, as distinções entre regra e contingência em relação a seu efeito sobre o comportamento podem ser assim explicitadas: as contingências caracterizam-se por modelar o comportamento, alterar a probabilidade de sua ocorrência e por conferir-lhe um caráter pessoal e exclusivo; contudo, elas não podem ser descritas com precisão. As regras caracterizam-se principalmente por controlar a topografia da resposta, partem neces- sariamente de um conjunto de contingências, são um objeto no ambiente e podem até gerar insen- sibilidade às contingências. O comportamento governado por regras é usualmente público, trans- cende o indivíduo (no sentido de ser mantido pela comunidade verbal) e não é exatamente igual ao modelado pelas contingências. De acordo com a formulação original feita por Skinner (1984), uma regra funciona como um estímulo discriminativo (SD), ou seja, um antece- dente correlacionado com a disponibilidade de reforçamento. Ela difere, contudo, de um simples SD, no sentido em que é uma afirmação verbal de uma relação contingencial entre o compor- tamento e o meio. Uma outra característ ica de uma regra, quando encarada como um SD, é que ela só é eficiente em controlar o comportamento dependendo das conseqüências para responder ou não à regra. Geralmente uma regra é um “atalho”, uma abre- viação da descrição de uma contingência conhe- cida pela comunidade verbal, e, desta forma, pode especificar apenas um aspecto de um dos termos da tríplice contingência: o antecedente, a resposta ou a conseqüência. Em sua forma mais completa, uma regra pode descrever o tempo, o local e outras condições antecedentes apropriadas para o comporta- mento, a topografia, a freqüência, a duração — e outros componentes de uma classe de respostas —, o t ipo, a quantidade, a qualidade e o esquema das conseqüências (HAYES ET AL. , 1989). Tal precisão, contudo, é rara, e a maioria das regras são apenas descrições parciais das contin- gências, deixando ao indivíduo a tarefa de obter os aspectos que faltam no ambiente e/ou em sua história pessoal. Hayes sugeriu que as regras podem ser vistas como “estímulos verbais que descrevem contin- gências” (1987, p. 329). Neste sentido, uma carac- terística importante da instrução é estabelecer outras contingências, descrevendo as contingên- cias naturais por meio de estímulos discrimina- tivos verbais. Esta propriedade da instrução verbal tem implicações cujo alcance é muito grande. As instruções podem modificar o comportamen- to do ouvinte em situações em que as conseqüên- cias naturais são por si mesmas ineficientes ou são apenas eficazes em longo prazo. Regras podem, contudo, ser correspondentes ou discrepantes em relação às contingências porela descritas, sejam elas naturais ou arbitrárias. Quando as regras correspondem às contingên- cias, freqüentemente geram comportamento (ou desempenho) de acordo com as contingências em operação. Isto é, geram comportamento (ou desem- penho) sensível às contingências. Quando são discrepantes, as regras podem gerar comportamento (ou desempenho) que apresenta mais características de contingências passadas para o comportamento de seguir regra do que de contin- gências atuais. Isto é, podem gerar comportamen- to (ou desempenho) insensível às contingências . ⁄. ⁄. ● ● , º ● - 189 (BARON & GALIZIO, 1983; CATANIA, SHIMOFF & MATTHEWS, 1989; HAYES, ZETTLE & ROSENFARB, 1989). Sendo assim, seria razoável supor também que as experiências idiossincráticas no passado (história de reforçamento) produzem diferenças individuais tanto para muitas das conseqüências naturais do comportamento, quanto para o com- portamento de seguir regra. Nesse sentido, se poderia até especular que pessoas com padrões de respostas “rígidos” ou “neu- róticos” possam ser bons seguidores de regras por causa de sua história de punição por não seguir regras (explícitas ou implícitas) que, no passado, especificavam comportamentos corretos em uma grande variedade de situações. Isso aconteceria porque tais histórias poderiam produzir uma tendência para responder a instru- ções apenas por terem esse caráter, em vez de um padrão de comportamento para seguir regras por causa de as conseqüências especificadas funciona- rem como reforçadores (ZETTLE & HAYES, 1982). Dentro do contexto apresentado até agora, a intervenção terapêutica pode ser considerada como um tipo de comportamento verbal, mais especifi- camente, um conjunto de regras (no sentido de as intervenções serem consideradas como descri- ções de contingências) que são apresentadas ao cliente tendo em vista a alteração ou manutenção de determinados comportamentos. Ou seja, ao apresentar uma regra (descrição, intervenção) para o cliente, o terapeuta está procurando estabelecer elementos que levem o cliente a discriminar sob que condições seu comportamento ocorre, seja esse funcional ou disfuncional. As intervenções do terapeuta (o controle do comportamento por regras), contudo, são menos eficientes do que o controle exercido diretamente pelas contingências atuais e passadas de sua his- tória de vida. Tal diferença entre as forças de ambos os controles sobre o comportamento deve-se ao fato de que, no primeiro caso (controle por regras), o comportamento é instruído e, no segundo (controle pelas contingências), ele é modelado e, como tal, diretamente exposto a suas conse- qüências reforçadoras. Uma vez que as intervenções do terapeuta têm como objetivo último levar o cliente à auto- observação e ao autoconhecimento (ser capaz de descrever as contingências às quais responde e influir nelas), o processo terapêutico ocorrerá por meio de questões que, feitas pelo terapeuta (comu- nidade verbal), levariam o cliente a descrever seu comportamento, sentimentos e a relacionar esses comportamentos e sentimentos com o ambiente (GUILHARDI, 1999). Segundo Zettle (1990), as descrições verbais de contingências que o cliente chega a fazer (com ajuda, ou não, do terapeuta) subseqüentemente podem vir a controlar o comportamento do próprio cliente. Dessa forma, um passo importante na terapia consiste em planejar contingências (intervenções, estratégias, planos terapêuticos, etc.) que levem o cliente a estabelecer uma correspondência entre pensar, dizer e fazer. Quando o indivíduo segue as próprias descrições verbais das contingências (auto-regras), ele está mais bem preparado para responder às exigências da seqüência pensamen- to-ação. Quando um cliente adquire comporta- mento de seguir regras e auto-regras, ele está mais bem preparado para lidar com o mundo, “porque ele mesmo pode, então, reagir mais eficazmente no momento em que o comportamento modela- do por contingências estiver enfraquecido” (SKINNER, 1988, p. 159). Clinicamente falando, contudo, podemos con- siderar que nem sempre o que o cliente diz des- creve as reais contingências em operação. Uma vez que o cliente está diretamente envolvido nas con- tingências, sua discriminação a respeito delas pode ser parcial, equivocada ou até mesmo inexistir. Nesse sentido, tanto as regras como as auto- regras podem evitar que o cliente entre em contato com a realidade. Isso acabaria por gerar um con- trole fraco das contingências sobre o comporta- mento do cliente, uma vez que ele estaria preferencialmente respondendo a regras inade- quadas, não entrando em contato direto com as conseqüências de seu comportamento. Sendo assim, o papel do processo terapêutico deverá sempre ser o de facilitar que o cliente entre em contato com as conseqüências de seu compor- tamento, pois “a separação entre o comportamento e suas conseqüências naturais é, segundo Skinner, alienação” (MICHELET TO & SÉRIO, 1993, p. 20). 190 ● Regras e auto-regras no contexto terapêutico Portanto, o processo terapêutico deverá ser sempre uma relação inseparável entre a prática ou vivência (o cliente entra em contato real com as conseqüências de seus atos) e a reflexão ou teoria (o terapeuta auxilia o cliente a identificar as con- tingências às quais responde e a estabelecer novas regras mais adaptativas e/ou funcionais). Essa relação dinâmica envolvendo, portanto, o conhecer as contingências às quais responde, o estabelecimento de novas regras e suas conseqüên- cias levará o cliente a entrar em contato com as contingências que confirmarão ou não essas “novas” regras e, sendo necessário, o levarão a uma nova descrição das contingências em operação, a um novo teste de realidade, e assim sucessivamente. Para tanto, o terapeuta deve atuar em dois níveis, em que “uma primeira possibilidade é a manipulação direta das contingências, na qual criam-se as contingências que modificam ou influenciam o comportamento; e uma segunda, que seria descre ver as contingências para o cliente” (G UILHARDI, 1999). Contudo, a mera descrição não basta. O que fazemos ao descrever as contingências é permitir ao cliente visualizar quais são os determinantes de seu comportamento, tanto aqueles que o levam a sofrer como aqueles que lhe trazem satisfação e promovem seu desenvolvimento. O ponto crítico é a estimulação para que essas contingências sejam testadas no cotidiano. Quando o indivíduo ouve uma descrição das contingências, está diante de uma hipótese que o terapeuta levanta, mas trata-se de uma hipótese que deverá ser testável. Finalizando, o comportamento não é auto- determinado nem tem uma automanutenção; o comportamento é determinado e mantido pelas contingências ambientais, que são de natureza física, química, biológica e principalmente compor- tamental. O comportamento é meio para produzir mais comportamento. O segredo não está na verbali- zação (descrição) das contingências, “mas na possibi- lidade que a verbalização traz para que o indivíduo, consciente do que pode estar determinando suas ações, possa testar e, ao testar, comprovar ou refutar a possibilidade de ser aquela contingência funcio- nalmente relevante; e, como conseqüência disso, influenciar para modificá-la” (GUILHARDI, 1999). Referências bibliográficas BARON, A. & GALIZIO, M. “Instructional control of human operant behavior”. Psychological Record, 33, 1983. CATANIA, A.C.; SHIMOFF, E. & MATTHEWS, A. “An experimental analysis of rule-governed behavior”. In: HAYES, S.C. (org.). Rule-governed behavior: Contingences,cognition, and instrumental cont rol. Nova York: Plenum, 1989, pp. 119-50. GUILHARDI, H.J. “Com que contingências o terapeuta trabalha em sua atuação clínica?” In: Sobre comportamento e cognição: Aspectos teóricos e conceituais. São Paulo: ARBytes, 1999, 9, pp. 45-78. HAYES, S.C. “The case of the silent dog — Verbal reports and the analysis of rules: A review of Ericsson and Simon’s protocol analysis — Verbal report as data”. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 45, 1986, pp. 351-63. __________. “A contextual approach to therapeutic change”. In: JACOBSON, N.S. (org). Psychotherapists in clinical prac tice: Cognitive and behavioral perspectives. Nova York: Guilford, 1987, pp. 327-87. 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