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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – ProPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA POLÍTICA – CPCP PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP ÁREA DE CONCENTRAÇÃO – GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: uma reavaliação das políticas existentes no sistema prisional FRANCIELI A. CORREA BIZATTO Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Roesler Co-Orientador: Prof. Dr. Julian Borba Itajaí [SC], julho de 2005. 2 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – ProPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA POLÍTICA – CPCP PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP ÁREA DE CONCENTRAÇÃO – GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: uma reavaliação das políticas existentes no sistema prisional Dissertação submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito final à obtenção de título de Mestre em Gestão de Políticas Públicas FRANCIELI A. CORREA BIZATTO Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Roesler Co-Orientador: Prof. Dr. Julian Borba Itajaí [SC], julho de 2005. 3 Dedicatória Dedico o presente trabalho a todos aqueles que estiveram ao meu lado nos momentos difíceis, e não apenas nas horas boas. 4 Agradecimentos Agradeço a Deus e à minha Família todo o apoio dispensado. Não podia deixar de citar o meu eterno agradecimento a minha Mãe Dona Elci Ligowski pelo apoio e incentivo e ao meu sogro Dr. José Ildefonso Bizatto pelas palavras de incentivo, apoio, dedicação e compreensão prestados. 5 "A descentralização social nada mais é do que a expressão da ampliação das funções do Estado e a devolução, à sociedade, do exercício de funções, antes sob sua responsabilidade, que foram sendo absorvidas pelo aparelho estatal". Carlos Vasconcelos Domingues 6 Esta Dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Gestão de Políticas Públicas e aprovada, em sua versão final, pela Coordenação do Programa de Mestrado em Gestão de Políticas Públicas – PMGPP, da Universidade do Vale do Itajaí [PMGPP/ UNIVALI]. Profª. Drª. Cláudia Roesler Orientadora Prof. Dr. Julian Borba Coordenador do PMGPP Apresentada perante a Comissão Avaliadora composta dos Professores: Dr. Drª. Cláudia Roesler Orientadora e Presidente da Comissão Dr. Julian Borba Membro titular da Comissão Dr. Flávio Ramos Membro titular da Comissão Dr. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger Membro titular da Comissão Itajaí [SC], 18 de julho de 2005. 7 DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total respon- sabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do Programa de Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas - PMGPP, a Comissão Avaliadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí [SC], 18 de julho de 2005. Francieli A. Correa Bizatto Mestranda 8 ROL DE CATEGORIAS Apenado Indiciado condenado em processo penal e que cumpre regularmente a sanção aflitiva em estabelecimento penal1. Egresso Entende-se por egresso o detento ou recluso que, tendo cumprido a pena, ou por outra causa legal, se retirou do estabelecimento penal. Execução É o poder de decidir o conflito entre o direito público subjetivo e os direitos subjetivos concernentes à liberdade do cidadão2. Execução Penal É a atividade desenvolvida pelos órgãos judiciários para dar atenção à sanção, que se realiza através dos processos de igual nome, mediante os meios executórios de aplicações jurídicas e práticas nele contidas3. Pena Pena "é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos"4. Pena Privativa de Liberdade As penas privativas de liberdade são aquelas que afetam a jus libertatis do condenado, através de seu enclausuramento em estabelecimento penal. 1 SOIBELMAN, Leib. Dicionário Geral de Direito. São Paulo: J. Bushatsky. 1973, v. 2, p. 526. 2 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 30. 3 BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 43. 4 SOLER, Derecho penal argentino, Buenos Aires, Tipografia Editora Argentina, 1970, v. 2, p. 342. Apud JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 21. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, p. 517. 9 Penitenciária Presídio especial ao qual se recolhem os condenados às penas de detenção e reclusão e onde o Estado, ao mesmo tempo que os submete à sanção das suas leis punitivas, presta-lhes assistência e lhes ministra instrução primária, educação moral e cívica e conhecimentos necessários a uma arte ou ofício à sua escolha, a fim de que assim possam regenerar-se ou reabilitar-se para o convívio da sociedade5. Políticas Públicas Política Pública é o processo de estabelecimento de princípios, prioridades e diretrizes que organizam o conjunto de programas e serviços para uma população6. Reclusão Regime prisional consistente na privação da liberdade pessoal do condenado por tempo que varia segundo a natureza ou espécie da infração ou infrações que cometeu7. Regime Penitenciário Regime Penitenciário relaciona-se ao local em que se dará o cumprimento da sanção penal, bem como às regras a que ficará sujeito o apenado durante a execução da pena privativa de liberdade. O regime Penitenciário, não poderá, durante a execução, avançar para um regime menos rigoroso (passar do fechado para o semi-aberto e deste para o regime aberto). Ressocialização Ato ou efeito de ressocializar, socializar-se novamente. Assistir o preso psicológica e profissionalmente, para que possa voltar à sociedade como um cidadão útil, após o cumprimento da pena8. 5 FELIPPE, Donaldo J. Dicionário Jurídico. 6. ed. Campinas: Julex Livros, 1991, p. 124. 6 Programa de Qualificação e Conselhos Estaduais de Trabalho (MTb/FLACSO, 1999). 7 SOIBELMAN, Leib. Dicionário Geral de Direito, p. 509. 8 XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa. 2. ed. reform. São Paulo: Ediouro, 2000, p. 815. 10 SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................................ ix ABSTRACT .........................................................................................................x1 INTRODUÇÃO.................................................................................................1 2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A NECESSIDADE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE................................................... 6 2.1 BREVE HISTÓRICO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ........................6 2.2 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL..................................................................11 2.3 TIPOS DE PENA E SUA FUNÇÃO.................................................................17 2.4 O EGRESSO: características, estigmas, preconceito e reincidências .....26 2.5.O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A CRISE FALENCIAL NA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO ............................................................ 33 2.6.A REALIDADE PRISIONAL: superlotação, precariedade e degradação humana .......................................................................................................... 37 3 O ESTADO E A EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA..................... 44 3.1 O ESTADO E SUA FUNÇÃO SOCIAL ...........................................................44 3.2 A LEI Nº 7.210/84: objetivos, filosofia e aplicabilidade social ...................47 3.3 OS REGIMES PENITENCIAIS DA LEI Nº 7.210/84 .......................................55 3.4 BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO PENAL NA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE .........................................................................................................61 3.5 O FRACASSO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO NA APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE .................................. 66 11 3.6 A NECESSIDADE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A REINSERÇÃO SOCIAL ................................................................................. 69 4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE REINSERÇÃO SOCIAL DO APENADO EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE .......................................... 75 4.1 ESTADO, NEOLIBERALISMO E O PROBLEMA DA EXCLUSÃO SOCIAL .75 4.2 ESCORÇO HISTÓRICO E CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS .............85 4.3.DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À EXCLUSÃO SOCIAL E À VIOLÊNCIA..................................................................................................... 89 4.4.DA ATUAL SITUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO AO APENADO ....................................................................................................... 95 4.5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: os problemas atualmente apresentados e sugestões .................................... 99 4.5.1 Qualificação dos Agentes Carcerários...................................................100 4.5.2 Os Estabelecimentos Prisionais .............................................................102 4.5.3 Da Assistência ao Preso e à sua Família ...............................................104 4.5.4.O Trabalho Penitenciário e sua Profissionalização como Forma de Inclusão Social ......................................................................................... 106 4.6.AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO FORMA DE EFETUAR A RESSOCIALI-ZAÇÃO DO APENADO: uma proposta sob a ótica social. 107 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................113 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS...............................................118 12 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 01. Presos reincidentes nos últimos anos.................................................29 Tabela 02. População carcerária por regime de condenação...............................37 Tabela 03. População carcerária fora do sistema prisional...................................39 Tabela 04. Total geral - Brasil ...............................................................................40 Tabela 05. Vagas e presos no sistema prisional e na polícia ..........................40/41 13 RESUMO Trata-se a presente Dissertação de Mestrado de um estudo acerca da pena privativa de liberdade no Direito brasileiro, com ênfase na questão da aplicação de Políticas Públicas adequadas para a ressocialização do apenado, nos moldes idealizados na Lei de Execução Penal. O trabalho está dividido em três capítulos, sendo o primeiro, destinado à pena privativa de liberdade, com uma abordagem histórica, conceitual e uma breve explicação dos tipos de pena existentes no ordenamento jurídico brasileiro, tratando, ainda, da questão do egresso e da crise falencial do sistema prisional. O segundo capítulo destina-se ao estudo da execução penal brasileira e a função social do Estado, com uma abordagem nas espécies de regimes penitenciais e benefícios previstos na Lei de Execução Penal, bem como uma análise a respeito da necessidade da pena privativa de liberdade e a ressocialização do apenado. Finalmente, no terceiro capítulo será dada ênfase às Políticas Públicas de ressocialização do apenado, com uma análise destas em relação à exclusão social, à violência e, principalmente, em relação ao preso, para, ao final, apresentar propostas de melhorias das condições dos presídios frente ao que determina a Lei de Execução Penal. 14 ABSTRACT It is treated to present Dissertation of Master's degree of a study concerning the private feather of freedom in the Brazilian Right, with emphasis in the subject of the application of appropriate Public Politics for the resocialization of the prisoner, in the molds idealized in the Law of Penal Execution. The work is divided in three chapters, being the first, destined to the private feather of freedom, with an approach historical, conceptual and an abbreviation explanation of the existent feather types in the Brazilian juridical legislation, treating, still, of the subject of the exit and of the crisis of the system of prison. The second chapter is destined to the study of the Brazilian penal execution and the social function of the State, with an approach in the species of penitential regimes and benefits foreseen in the Law of Penal Execution, as well as an analysis regarding the need of the private feather of freedom and the resocialization of the prisoner. Finally, in the third chapter emphasis will be given to the Public Politics of resocialization of the prisoner, with an analysis of these in relation to the social exclusion, to the violence and, mainly, in relation to the prisoner, for, at the end, to present proposed of improvements of the conditions of the prisons front to the that determines the Law of Penal Execution. 15 1 INTRODUÇÃO A prisão é tida, pelo ordenamento jurídico pátrio, como a exceção, sendo que a regra geral se constitui na liberdade do indivíduo, tal qual consagrado no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Assim, embora o direito à liberdade seja garantia constitucionalmente assegurada de todo o cidadão, excepcionalmente a liberdade de ir e vir pode ser restringida, no cumprimento da pena privativa de liberdade ou, também, durante a investigação criminal. Destarte, muito tem sido discutido, hodiernamente, sobre a pena privativa de liberdade e a forma como a Lei de Execução Penal vem sendo aplicada pelos agentes da Administração. A Lei de Execução Penal brasileira é considerada apta a assegurar a ressocialização do apenado, ao mesmo tempo que estabelece a observância das garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas a qualquer cidadão, inclusive ao condenado. A crítica que tem sido tecida quanto à pena privativa de liberdade refere-se à forma como vem sendo cumprida, ou seja, à execução administrativa dos estabelecimentos, na condução do Estado, que se demonstra eivada de descuidos, vícios, distorções,corrupção, falta de estrutura, de funcionários etc. Diante deste quadro, a doutrina brasileira, bem como os órgãos responsáveis, vem reconhecendo que a finalidade da pena, estabelecida no Preâmbulo do Código Penal Brasileiro, não está sendo alcançada por omissão Estatal. Considerando isto, a presente Dissertação de Mestrado tem por escopo realizar um estudo acerca da pena privativa de liberdade no Direito 16 brasileiro, dando ênfase à questão da aplicação de Políticas Públicas adequadas para a ressocialização do apenado, nos moldes idealizados na Lei de Execução Penal. O que se procura estudar, assim, é a forma como o Estado vem tratando da questão de políticas públicas de ressocialização do apenado, e para tanto, realiza-se a presente pesquisa no sentido de se descobrir o que vem sendo feito no que tange às políticas públicas de ressocialização do apenado, bem como apresentar sugestões de melhorias. Estabeleceram-se, aqui, duas espécies de objetivos: o institucional e o investigatório. O objetivo institucional consiste em produzir uma Dissertação de Mestrado Profissionalizante, para obtenção do Título de Mestre em Gestão de Políticas Públicas pelo Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Política – CPCP – da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Já o objetivo investigatório subdivide-se em geral e específico. O geral consiste em pesquisar, na área do Direito brasileiro, sobre a ressocialização do apenado submetido à pena privativa de liberdade, especificamente no tocante às questões que envolvem as políticas públicas pertinentes, fazendo uma reavaliação destas. O específico é assim estabelecido: a) sintetizar as etapas históricas da pena privativa de liberdade, na Antigüidade e, posteriormente, no Brasil, bem como as regras gerais de direitos humanos voltados ao preso; b) promover abordagem panorâmica da ação federal e da execução penal, avaliando a função social da pena, confrontando o modelo ressocializador atual e procedendo a uma análise da sua eficiência ou falibilidade, e c) analisar a questão da política de ressocialização então vigente, apontando as deficiências e imperfeições, procedendo uma proposta de um sistema prisional mais adequado. Para a investigação do objeto desta pesquisa, o método a 17 ser utilizado, através da pesquisa bibliográfica, será o indutivo. Este vem a ser um processo mental, e por intermédio dele, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que as premissas nas quais se basearam9. Os dados foram coletados por meio de consultas a periódicos, artigos de revistas especializadas no assunto, bibliografia, etc. Os dados da pesquisa foram coletados entre o período de agosto de 2004 a maio de 2005. Para a análise dos dados coletados, utilizou-se a metodologia na análise de conteúdo, na modalidade de análise temática. Os resultados são apresentados em cinco categorias finais: o sistema prisional brasileiro, a necessidade da pena privativa de liberdade, o Estado e a execução penal, a função social da pena e políticas públicas de reinserção social. Detectou-se que o Estado não vem conseguindo alcançar o seu mister no que diz respeito à ressocialização do apenado, na medida em que não possui políticas públicas adequadas para tal desiderato, fazendo-se necessário, portanto, a aplicação de políticas eficazes para resolver ou minorar os problemas apresentados pelo sistema prisional brasileiro. Decorrente dos mencionados objetivos investigatórios foram elaborados três problemas e respectivas hipóteses que serviram de base para o desenvolvimento da pesquisa, que serão a seguir analisadas. Primeiro problema: Qual a origem da pena privativa de liberdade e como se processou seu desenvolvimento ao longo da história de modo a assumir a matiz atualmente existente? Hipótese: A pena privativa de liberdade surgiu do próprio convívio do homem em sociedade, como mecanismo de defesa, progresso e interação social, sendo que como é posta atualmente não existia nas sociedades antigas. Havia a privação da liberdade, porém, esta 9 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 47. 18 apenas era usada para assegurar a execução da pena definitiva, que na sua maioria era de morte. Somente com o advento do cristianismo é que assumiu o caráter de sanção. Segundo problema: Qual a função social do Estado frente à imposição da pena privativa de liberdade e como este vem desempenhando suas atividades de modo a viabilizar o alcance dos objetivos teoricamente estabelecidos na legislação pátria? Hipótese: O Estado da atualidade possui a função social de pacificar os conflitos, assegurando a continuidade das relações sociais de forma harmoniosa e sem afronta às garantias individuais, de modo que necessita sopesar, quando da aplicação da pena, a resposta esperada pela sociedade com relação ao indivíduo infrator, com as garantias individuais deste em receber o tratamento estatal adequado à sua ressocialização. Terceiro problema: Existe a necessidade de um novo modelo ressocializador para a pena privativa de liberdade e quais são as propostas de novas políticas públicas adequadas à efetivação da função educacional da pena? Hipótese: O modelo da pena privativa de liberdade atualmente estabelecida pelo Estado brasileiro não tem alcançado os seus fins, de modo que a função tríplice do encarceramento do infrator encontra-se preterida em razão de outras prioridades. O atual modelo de correção não atende às exigências sociais e nem individuais do violador da norma legal. A segregação não pode ser feita de modo a violentar as garantias constitucionais, donde se faz necessária a implementação de novas políticas públicas para enfrentar a problemática. Esta dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro capítulo apresenta uma abordagem histórica da pena, bem como da sua evolução no direito brasileiro. Trata, também, dos diversos tipos de pena, com breves explicações sobre a função de cada uma delas no ordenamento jurídico brasileiro. Ao final, discorre sobre a questão do egresso, com explanações sobre características, estigmas, preconceitos e 19 reincidência, culminando com breve análise sobre o sistema prisional brasileiro e a crise falencial na ressocialização do egresso. O segundo capítulo é dedicado ao estudo da função social do Estado e a execução penal no Brasil. Abordam-se, ainda, os regimes penitenciais brasileiros, bem como a questão dos benefícios da pena privativa de liberdade e o fracasso do sistema prisional brasileiro. O terceiro capítulo faz uma abordagem acerca do neoliberalismo, bem como analisa as Políticas Públicas de reinserção do apenado, na pena privativa de liberdade, com destaque para o seu conceito e seu histórico. Traz, ainda, um estudo a respeito das políticas públicas de combate à exclusão social de infratores, como também uma análise sobre a atual situação das políticas públicas em relação ao apenado. Por derradeiro, disserta-se acerca sobre os problemas que envolvem as políticas públicas de ressocialização e as sugestões para o aprimoramento do atual sistema penitenciário brasileiro. As categorias estratégicas deste trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais estarão contempladas ao longo da pesquisa, sem quaisquer destaques. Em relação aos procedimentos de pesquisa, optou-se por, num primeiro momento, fazer uma análise do histórico das penas, bem comofazer uma explanação sobre elas, para depois, tratar da questão da função do Estado neste contexto e, finalmente, fazer uma abordagem sobre as políticas públicas atualmente adotadas no que diz respeito à função ressocializadora da pena e, só então, trazer sugestões de melhorias no tocante a elas. 20 2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A NECESSIDADE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE 2.1 HISTÓRICO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE A pena privativa de liberdade, como é posta atualmente, não existia nas sociedades antigas. Havia a privação da liberdade, porém, esta era usada apenas para assegurar a execução da pena definitiva, que na sua maioria era de morte. Explica Oliveira10 que A Lei Mosaica não mencionava uma única vez a pena detentiva de prisão. Se o “Pentateuco”, não previa a pena de prisão, posteriormente as “Crônicas” e o “Livro de Jeremias”, em muitas passagens, falavam em prisões, fossas e entraves, como medidas preventivas em que os acusados aguardavam o julgamento. É só no “Livro de Esdras”, que, pela primeira vez, o aprisionamento é considerado pena. O antecedente remoto da prisão era o cárcere que significava masmorra, subterrâneo ou torres. Os indivíduos da época viviam amontoados aguardando seu julgamento ou pena que eram castigos corporais, morte, etc. O cárcere era usado como local de retenção provisória, não era uma pena. A pena surgiu na Idade Média por influência da Igreja, sendo aplicada no século V11. Foi na sociedade cristã que a prisão tomou forma de sanção. Na Idade Média, o Direito Canônico impunha a reclusão para os clérigos que incorressem em infrações eclesiásticas e também para os hereges e delinqüentes 10 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social. 2. ed. revista e ampliada. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1996, p. 44. 11 SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos. O papel desempenhado pelo trabalho do (a) preso(a) no seu processo de reinserção social. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2003, p. 18. 21 julgados pela jurisdição da Igreja12. A palavra penitência nos primórdios do cristianismo significava "volta sobre si mesmo", com o espírito de compunção, para reconhecer os próprios pecados ou delitos. Abominá-los e propor-se a não tornar a reincidir13. Neste período, castelos, fortalezas e conventos mantinham espaço como prisão. A Igreja, em suas leis, admitia a pena privativa de liberdade, sendo consagrado, nesta época, o termo “penitenciária”14. No século XVI, surgiram as galés ou galeras. Navios que serviam de prisão, onde o preso cumpria a pena de remar, com dura jornada de trabalho forçado. Alguns governos da Europa, como a Áustria, vendiam condenados a outros países para o trabalho nas galés, pois representava apreciável valor econômico. As galés desaparecem com o desenvolvimento da navegação15. Surgiram, também, neste período, as chamadas casas de força, que eram destinadas a internar os mendigos, vagabundos, prostitutas e jovens entregues à vida desonesta, os quais estavam sujeitos ao regime de trabalho obrigatório16. Em seguida, surgiram os presídios militares, em decorrência da necessidade de mão-de-obra para os serviços de fortificações. Depois se passou para os presídios de obras públicas com a condenação de réus a trabalharem em canais e prédios públicos, presos a correntes, vigiados por pessoal armado, permanecendo à noite em barracas ao ar livre. Como havia a concorrência ao trabalhador livre, essa tendência não prosperou. Assim, optou-se pelo encarceramento dos prisioneiros em velhas edificações que antes serviam 12 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 56. 13 SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos. O papel desempenhado pelo trabalho do (a) preso(a) no seu processo de reinserção social, p. 18. 14 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 56. 15 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 58. 16 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 46. 22 aos religiosos17. O modelo prisional com caráter reeducacional originou-se na Holanda com a criação de casas correcionais para homens e mulheres na cidade de Amsterdã, no final do século XVI. Essas prisões destinavam-se, a princípio, a ser uma espécie de presídio abrigando vadios, mendigos e prostitutas. Posteriormente surgiram em outros países da Europa, no século XVII, penitenciárias com a mesma finalidade. Embora esses estabelecimentos se destinassem ao específico cumprimento da pena com caráter educativo, é importante ressaltar que penas de suplícios continuaram a ser aplicadas em grande escala18. Entre os séculos XVII e XVIII surgiu um grande número de estabelecimentos de detenção para os condenados, porém estes não obedeciam a nenhum princípio penitenciário, como também não tinham nenhuma forma de higiene, pedagogia e moral19. Em meio aos movimentos de reforma do regime carcerário, adveio a Revolução Francesa, época em que o povo de Paris investiu contra a Bastilha, que era o símbolo da opressão20. Houve também, neste período, um grande avanço no Direito Penal, especialmente com Cesare Beccaria e John Howard, que causaram uma verdadeira revolução no que diz respeito ao direito de punir. Esses autores, em suas famosas obras “Dos Delitos e das Penas”, de Beccaria, publicado em 1764, e “O Estado das prisões na Inglaterra e País de Gales”, de Howard, lançado em 17 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 58. 18 ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Histórico, p. 1. 19 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 46. 20 A Bastilha era uma antiga fortaleza construída em 1370, em Paris, pelo Rei Charles V. A fortaleza veio a tornar-se prisão do Estado sob Luis XIII. Tinha capacidade para 42 presos. Quando a Revolução Francesa teve início, a primeira coisa que o povo fez foi atacar e destruir a Bastilha, no dia 14 de julho de 1789. Nessa ocasião só havia na Bastilha 7 detentos, no entanto, a sua tomada pela massa popular foi de vital importância, pois representou a vitória do povo sobre o arbítrio da realeza (GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998, V. 3, p. 678. 23 1776, levantaram a questão das concepções pedagógicas de pena naquela época, pela grande preocupação que trouxeram no combate aos abusos e torturas que eram cometidos em nome do Direito Penal. Uma das primeiras vozes a repercutir na consciência pública para a reforma da sistemática penal foi de Césare Beccaria. A partir deste momento, os primeiros indícios de respeitabilidade dos direitos indisponíveis do condenado, proclamadas nos princípios adotados pela Declaração dos Direitos do Homem21. Na França, em 1819, o rei Luis XVIII criou o “Conseil Supérieur des Prisons” (Conselho Superior das Prisões). Com a criação desse conselho, vários procedimentos de investigação foram instaurados, no sentido de sanar as mazelas e improbidades, nos estabelecimentos franceses destinados a receber presos e infratores submetidos à medida de segurança por enfermidade mental22. Com a morte de Howard, suas idéias tiveram prosseguimento por meio do criminalista e filósofo inglês Jeremy Bentham, que apresentou um modelo de estabelecimento prisional de forma diferente, conhecido como panóptico. Essa nova concepção penitenciária mereceu destaque pelo seu correcional apresentado, com a separação dos presos por sexo, a importância de adequada alimentação, vestuário, limpeza, trabalho, assistênciaà saúde, educação e ajuda aos liberados23. O Panóptico era uma espécie de prisão celular de forma radial, de modo que uma só pessoa, colocada em um ponto estratégico, poderia fazer a vigilância de todas as celas, sendo que os aprisionados nada podiam ver nem mantinham contato com os companheiros de celas vizinhas. Nenhum tipo de projeto, influência, contágio e outras barbáries havia possibilidade de serem 21 ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Histórico, p. 1. 22 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 60. 23 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 46. 24 executadas. Por abrigar apenas um prisioneiro em cada cela, todas voltadas para o centro do pavilhão, contendo neste uma torre de vigia, eram eles guardados com maior segurança e economia. Explica Foucault24 que o desenho do sistema panóptico permitia um controle global do espaço à sua volta, poder esse que incide sobre os homens e suas relações, através de intervenções psíquicas, com objetivo de “desmanchar suas perigosas misturas” sem fechar os condenados em instituições. O funcionamento era automático e considerava o indivíduo como objeto observável e não sujeito da relação de dominação. O sistema panóptico permitia a transferência da vigilância para o vigiado, reduzindo custos com ferramentas de controle: “o detento nunca deve saber se está sendo observado; mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo”25. Já no século XX, destaca-se um período triste da história da humanidade, o qual Oliveira26 chama de “o quadro marcante da desmoralização da prisão” retratada nos desumanos campos de concentração projetados, na Europa, pelo plano nazista do Terceiro Reich, liderado por Adolf Hitler, em nome de horrenda política anti-semita. Auschwitz, na Polônia, que funcionou de 1940 a 1945, foi um dos grandes campos de concentração para encarcerar e exterminar, em câmaras de gás e fornos crematórios, milhares de judeus. Nos dias atuais, apesar dos avanços, a prisão continua sendo como um meio segregatório pouco eficaz na ressocialização do delinqüente. O que mais se vê são casos trágicos, causados pelas pressões, das quais se destacam: a morte de 43 presos, por policiais, na Penitenciária de Attica, em Nova Iorque, em dezembro de 1971; o motim, em fevereiro de 1995, na Penitenciária Central de Argel, que culminou com a morte, por policiais, de 96 presos liderados por ativistas pertencentes ao grupo islâmico que lutava contra o 24 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. 174. 25 FOUCALT, Michel. Vigiar e punir, p. 178. 26 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 60. 25 Governo da Argélia; o massacre da Prisão de Carandiru, São Paulo, em 2 de outubro de 1992, resultando na morte de 111 presos, por integrantes da Polícia Militar de São Paulo; a matança, por policiais, de 290 presos ligados ao Movimento Sendero Luminoso, em abril de 1986, no Peru, nas Prisões de Santa Bárbara, San Pedro e El Frontón27. 2.2 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL Antes do descobrimento do Brasil, entre os habitantes que aqui viviam, há registros da aplicação da pena corporal como forma de punição, conforme explicação de Gonzaga28, segundo o qual As penas corporais foram comumente empregadas, embora não se tenha notícias de métodos torturantes. A pena de morte era executada com o uso do tacape, recorrendo-se também a venenos, sepultamento de pessoas vivas, especialmente crianças, e enforcamento. Menciona ainda como forma de execução capital o enforcamento. A pena de açoites é também referida, mas a privação da liberdade existia como forma de prisão semelhante à atual “prisão processual”, destinando-se à detenção de inimigos, em seguida à captura, ou como recolhimento que antecipava a execução da morte. Já a partir do descobrimento, a história do sistema prisional brasileiro começa a se difundir com a de Portugal, lugar onde, naquele período, vigoravam as Ordenações Afonsinas, promulgadas em 1446, sob o reinado de D. Afonso V, influenciadas pelo direito romano e canônico29. Assim, como nos demais países do mundo dessa época, a prisão era vista como uma medida preventiva, com o escopo de evitar a fuga do delinqüente até o seu julgamento, sendo que em raras hipóteses figurava como 27 OLIVEIRA, Edmundo. Origem e Evolução Histórica da Prisão, p. 60. 28 GONZAGA, João Bernardino. O Direito penal indígena: à época dos descobrimentos do Brasil. São Paulo: Max Limonad, s.d., p. 171. 29 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 2, p. 26. 26 um modo de coerção para obrigar o autor ao pagamento da pena pecuniária30. Com a promulgação das Ordenações Manoelinas, em 1521, por determinação de D. Manuel I, manteve-se o sistema da legislação anterior, com a previsão da prisão com o caráter coercitivo até o julgamento e a condenação do delinqüente31. Apesar de estar vigente à época do descobrimento, as Ordenações Afonsinas não tiveram influência no Brasil, pois, neste período, que vigorava o regime das capitanias, o arbítrio dos donatários é que impunha as regras jurídicas. Tal poder tinha respaldo nas cartas de doação, que lhes davam competência para o exercício da justiça32. Bitencourt33 afirma que com estes donatários se instalou um regime jurídico despótico, sustentado em um neofeudalismo luso-brasileiro que, distantes do poder da coroa, possuíam um ilimitado poder de julgar e administrar os seus interesses e que desta forma, essa fase colonial brasileira reviveu os períodos mais obscuros, violentos e cruéis da História da Humanidade, vividos em outros continentes. Com o advento dos governos-gerais, a legislação portuguesa tornou-se mais efetiva, haja vista o caráter administrativo que então se implantou, de modo centralizado, o que propiciava uma justiça mais disciplinada34. Consoante Dotti35, as Ordenações Filipinas, em vigor a partir de 1603, foram as que mais tiveram aplicação no Brasil e acresceram o elenco de infrações e reações tratadas no diploma anterior. Nesse ordenamento, penas 30 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 42. 31 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 43. 32 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. 2. ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 7. 33 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 27. 34 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica, p. 7. 35 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 45. 27 extremamente graves eram cominadas aos infratores. Essas Ordenações, assim como as anteriores, desvendaram durante dois séculos a “face negra” do Direito Penal e um dos clássicos exemplos deste período é a sentença de Tiradentes, que revela toda a crueldade deste período da história. Com a Proclamação da Independência do Brasil, em 1822, inúmeras mudanças ocorreram em diversos campos do Direito. A Constituição de 25 de março de 1824 foi uma delas, ao declarar, em seu artigo 179, a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos, tendo por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade. Previu, também, a organização urgente de um código criminal “fundado nas sólidas bases de justiça e eqüidade”36. Em 1832, os estudiosospreocupavam-se em melhorar a sorte dos presos, até então ninguém se preocupava. A segurança nas prisões precisava de atenção pública, pois a preocupação era dos especialistas no Brasil - colônia, o Código Penal de 1830, não estabelecia um regime penitenciário, nem se referia a tipos especiais de presídios, prevalecendo a confusão de detentos e a promiscuidade, desobedecendo qualquer princípio de ordem, higiene e moral37. A partir deste período, grandes mudanças ocorreram em matéria criminal. O Código Criminal do Império do Brasil foi sancionado pelo Imperador D. Pedro I, em 16 de dezembro de 1830 e seguiu o exemplo das idéias liberais que dominavam a Inglaterra, França, os Estados Unidos e outros países38. Com a Proclamação da República, em 1889, e, em conseqüência da recém abolição da escravidão, que acarretou algumas modificações no Código, com a supressão de algumas figuras delituosas, houve a necessidade da elaboração de um novo diploma criminal. Assim, em 1890 foi 36 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 49-50. 37 SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos. O papel desempenhado pelo trabalho do (a) preso(a) no seu processo de reinserção social, p. 23. 38 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 51. 28 expedido o Decreto 817 que mandava observar o novo Código Penal39. O Código Penal de 1890 foi mais avançado quanto as penitenciárias agrícolas, mas o sistema adotado não foi posto em execução, pois as colônias agrícolas, estágio para a obtenção do livramento condicional, regulamentado pelo decreto 16.665 de 06/11/1924, não foram estabelecidas, continuando as penas, sem distinção, cumprindo-se em cadeias e presídios, havendo desrespeito à pessoa do preso, o que feria a própria Constituição de 198140. Este diploma previa as seguintes modalidades de penas privativas de liberdade: a) prisão celular, aplicável a quase todos os crimes e algumas contravenções, tendo como característica o isolamento celular com obrigação de trabalho, a ser cumprida “em estabelecimento especial”; b) reclusão, executada em fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares; c) prisão com trabalho obrigatório, cominada para os vadios e capoeiras a serem recolhidos às penitenciárias agrícolas destinadas para tal fim ou aos presídios militares; d) prisão disciplinar destinada aos menores até a idade de 21 anos, a ser executada em estabelecimentos industriais especiais41. Em 1921 foi inaugurada a “Penitenciária do Estado”, no Carandiru, que durante muito tempo foi considerada modelo quanto aos aspectos arquitetônico e administrativo. Ali, desde o seu princípio, foi implementado o “sistema celular e progressivo”, sendo que esta progressão estava adaptada às condições brasileiras42. Ocorre que este “modelo de penitenciária” denominada Carandiru, aos poucos foi esmorecendo, chegando a pontos críticos nos seus últimos anos de funcionamento, tendo como um de seus destaques o massacre ocorrido em 2 de outubro de 1992, com a morte de 111 presos, por integrantes da 39 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 54. 40 SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos. O papel desempenhado pelo trabalho do (a) preso(a) no seu processo de reinserção social, p. 23. 41 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 55. 42 FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social? São Paulo: Ícone, 1998, p. 55. 29 Polícia Militar de São Paulo. Com o advento do Código Penal Brasileiro de 1940 veio a simplificação, com a classificação das penas em duas categorias: principais e acessórias. Aquelas subdivididas em reclusão, detenção e multa. Estas, em perda da função pública, interdição de direitos e publicação das sentenças. Neste período já existia em alguns lugares, principalmente nos Estados-membros mais ricos, alguma estrutura apta para observar as distinções introduzidas pelo então recente Código Penal, que aclarava os conceitos e aplicações das penas de reclusão e detenção, além de estabelecer o sistema progressivo em quatro períodos: isolamento, trabalho, remoção para a Colônia Agrícola e livramento condicional43. Com o passar dos anos, o Código Penal Brasileiro de 1940 foi se desatualizando e várias foram as tentativas de melhorar a legislação penal. Em 1957 foi criada a Lei nº 3.274, em 02 de outubro, dispondo sobre o regime penitenciário. Com esta lei declarou-se expressamente a necessidade de se garantir a individualização das penas, a classificação dos delinqüentes, a separação dos presos provisórios e dos condenados, a concessão do trabalho e a percepção do salário, a educação moral, intelectual, física e profissional dos sentenciados, a assistência social aos condenados, aos egressos, e às suas famílias e às famílias das vítimas44. Nos anos 60, vinte anos após a publicação do Código Penal, a doutrina e a jurisprudência reconhecem e proclamam as dificuldades e o desprestígio da execução das penas privativas de liberdade. O Decreto-lei nº 1.004, de 21 de outubro, ou Código Penal de 1969, como ficou conhecido, foi uma dessas tentativas de melhorar a legislação penal, porém nem chegou a entrar em vigor devido às grandes dificuldades de natureza político-institucional e obstáculos burocráticos, tendo 43 FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social?, p. 55. 44 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 71. 30 sido revogado pela Lei nº 6.578/78, constituindo o exemplo tragicômico da mais longa vacacio legis45 de que se tem notícia46. Finalmente, em 1984, foi promulgada a Lei nº 7.209, de 11 de julho, que deu nova redação à Parte Geral do Código Penal Brasileiro. Essa lei manteve a pena privativa de liberdade, nas suas duas modalidades, reclusão e detenção, como também trouxe algumas modificações, tais como: o repúdio à pena de morte, novas penas patrimoniais, a extinção das penas acessórias e a revisão das medidas de segurança47. Também em 11 de julho de 1984 foi promulgada a Lei nº 7.210 (Lei de Execução Penal), que buscava trazer avanços no que diz respeito ao tratamento dado aos condenados. Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, um novo tratamento foi dado aos autores de crimes hediondos, através da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Esta lei estabeleceu que estes crimes, bem como a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo são insuscetíveis de indulto, graça, anistia, fiança e liberdade provisória, devendo a pena ser cumprida integralmente em regime fechado48. Poucos anos depois, em 1995, a Lei nº 9.099, de 26 de setembro, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais trouxe um novo tratamento às infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, as contravenções penais e os crimes cominados com pena máxima não superior a 45 Vacacio legis: Dispensa ou isenção da lei (vacância). SOIBELMAN, Leib. Dicionário Geral de Direito, p. 526. 46 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 28. 47 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 93-100. 48 Art. 2º. Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança e liberdade provisória. § 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado. § 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidiráfundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. § 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. 31 um ano49. Esta lei foi um grande avanço em matéria penal, haja vista a simplicidade e desburocratização processual, além de ser uma nova oportunidade aos autores de pequenas infrações, sem a necessidade do prejudicial encarceramento. Atualmente o sistema prisional brasileiro passa por múltiplas crises, com presídios e penitenciárias que não oferecem segurança, tampouco ressocializam os detentos. O grande avanço vislumbrado neste escorço histórico diz respeito às infrações de menor potencial ofensivo, que agora têm um tratamento diferenciado, sem a necessidade da privação da liberdade do indivíduo. A pena privativa de liberdade não tem cumprido o seu mister, de modo que a busca por penas substitutivas para aqueles crimes de menor potencial ofensivo pode ser a chance da uma melhora no sistema prisional, que há tempos vem mostrando sinais de falência. 2.3 TIPOS DE PENA E SUA FUNÇÃO As discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca das espécies de pena estão concentradas na utilidade de cada uma delas. Entendem os doutrinadores que a pena não pode ser uma vingança do Estado em relação a um mal praticado. A pena tem uma razão filosófica em si mesma: reeducar para reinserir o infrator ao meio social. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 32, a respeito das espécies de pena, dispõe que: Artigo 32. As penas são: 49 Artigo 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial. 32 I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa. No que tange às penas privativas de liberdade, estas podem ser de reclusão e de detenção. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto ou aberto, salvo necessidade de transferência para o regime fechado (artigo 33 a 36, do Código Penal Brasileiro). O artigo 33, §1º do Código Penal Brasileiro também explica que se considera regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; regime semi-aberto, a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. As penas restritivas de direitos, de acordo com a nova redação dada ao artigo 4350 e seguintes do Código Penal Brasileiro, pela Lei nº 9.714/98, dividem-se em cinco modalidades: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade social pública ou privativa com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos51. 50 Artigo 43. As penas restritivas de direitos são: I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – (VETADO); IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana. 51 Código Penal Brasileiro, Artigo 45. (omissis) § 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. (Incluído pela Lei nº 9.714/98) 33 A perda de bens e valores consiste na subtração de bens pertencentes aos condenados em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime52. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, aplicável a condenações superiores a seis meses de privação de liberdade, consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado53. As penas de interdição temporária de direitos, dependendo do delito praticado pelo condenado são: proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e proibição de freqüentar determinados lugares54. Finalmente, a limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa do albergado ou outro estabelecimento adequado, sendo que durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas55. No que tange à pena de multa, esta consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa, sendo, no mínimo, de dez, e, no máximo, de trezentos e sessenta dias-multa56. A respeito da função da pena, há que se dizer que no Direito Penal é quase unânime o entendimento de que esta se justifica por sua necessidade. No entanto, existem diversas teorias que tentam explicar o sentido, a função e a finalidade da sanção penal. Entre estas se destacam algumas mais 52 Artigo 45, §3º, Código Penal Brasileiro (Incluído pela Lei nº 9.714/98). 53 Artigo 46, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998. 54 Artigo 46, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998. 55 Artigo 48, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984. 56 Artigo 49, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984. 34 importantes: teorias absolutas ou retributivas, teorias relativas (prevenção geral e prevenção especial) e teorias unificadoras ou ecléticas. De acordo com a teoria absoluta, a finalidade da pena é simplesmente o castigo pelo mal praticado, com isso havendo a reparação moral57. Esta teoria advém do Estado absolutista, que considerava que o poder soberano era-lhe concedido diretamente por Deus. A idéia que se tinha da pena era a de ser um castigo com o qual se expiava o mal (pecado) cometido58. Foi neste período que teve origem a teoria do “contrato social”, segundo a qual aquele que contrariasse esse contrato social era tido como traidor, haja vista que sua atitude não cumpria o compromisso de conservar a organização social59. O grande idealizador desta teoria foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Para ele, que era avesso ao absolutismo, a solução dos problemas estatais residia na conferência de toda legitimidade da ação política à vontade geral (povo). Daí se extrai que para Rousseau a soberania estava no povo e não no Estado, portanto, aquele poderia rebelar-se contra este. Rousseau60, em sua obra “Do contrato Social” defendia que: Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cadaum, unindo-se a todos, só obedeça, portanto, a si mesmo, e permaneça tão livre como antes. É esse o problema fundamental para o qual o contrato social dá a solução. Desta forma, para Rousseau61, 57 SILVA, Jorge Vicente. Execução penal. 2. ed. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 12. 58 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 42. 59 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 43. 60 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. SABINO JR, Vicente (trad.), São Paulo: CD, 2003, p. 30. 35 As cláusulas desse contrato são de tal maneira determinadas pela natureza do ato que a menor alteração as tornaria vãs e de defeito nulo; de sorte que, embora jamais tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas em todas as partes, tacitamente admitidas e reconhecidas em todas as partes; até que, violado o pacto social, cada um retorne então aos seus primeiros direitos e retorne a sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual ele renunciou. Bobbio62 afirma que tanto Hobbes quanto Rousseau concebem o contrato social como um “contrato de alienação” dos próprios direitos (tratando-se, portanto, de um verdadeiro pactum subiectioneis), que é exatamente a vontade dos indivíduos contraentes. No entanto, diferentemente da renúncia de Hobbes, que leva a abandonar a liberdade natural para obter a servidão civil, a renúncia de Rousseau deveria levar a abandonar, sim, a liberdade natural, mas para reencontrar uma liberdade mais plena e superior, que é a liberdade civil, ou liberdade no Estado. Destarte, para Rousseau63, “a liberdade consiste na obediência à lei que prescrevemos a nós mesmos”, possuindo a teoria absolutista, neste sentido, cunho meramente vingativo. De acordo com o esquema retribucionista, a pena tem como único fim a realização da justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena. Destacam-se como principais representantes desta teoria, Kant e Hegel, havendo, no entanto, uma diferença entre a formulação de um e outro: enquanto em Kant a fundamentação é de ordem ética, em Hegel é de ordem jurídica64. 61 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. SABINO JR, Vicente (trad.), São Paulo: CD, 2003, p. 30. 62 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. FAIT, Alfredo (trad.). 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 46-47. 63 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político, p. 58. 64 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 43. 36 A teoria relativa vê na pena cunho exclusivamente preventivo, valendo a segregação como forma de proteção da sociedade, além de oportunidade de ressocializar o criminoso65. De acordo com as teorias preventivas a pena não visa retribuir o fato delitivo cometido, mas sim prevenir a sua prática. Esta teoria divide-se em duas direções: prevenção geral e prevenção especial. A prevenção geral fundamenta-se em duas idéias básicas: a idéia de intimidação ou a utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem. Já a prevenção especial procura evitar a prática do delito, mas, ao contrário da prevenção geral, dirige-se exclusivamente ao delinqüente em particular, objetivando que este não volte a delinqüir66. Para a teoria mista, a sanção penal por sua própria natureza é castigar o infrator pelo mal praticado, porém, tem a finalidade também de prevenir educando e corrigindo-o67. Esta teoria tenta agrupar em um conceito único os fins da pena, buscando recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. No âmbito político atual, está na pauta do dia a discussão sobre as funções manifestas e latentes (reais) do poder punitivo estatal, no qual aquilo que parece estar se concretizando é um absoluto predomínio da utilização – com fins políticos – da pena privativa de liberdade em suas funções não declaradas, portanto latentes, sobre aquelas funções cujos fins estão pretensamente legitimados pela doutrina penal e que estão inseridos no conceito do jus puniendi, as funções manifestas ou reais68. 65 SILVA, Jorge Vicente. Execução penal, p. 12. 66 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 43. 67 SILVA, Jorge Vicente. Execução penal, p. 12. 68 ZAFFARONI, Eugênio Raul et al, apud GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática. Disponível em 37 Neste sentido, Mir Puig69 faz uma aproximação axiológica entre os fins da pena e os fins do Estado que, para ele, deve ser Social e Democrático de Direito o que, em última instância, fará com que os fins da pena estejam intimamente ligados aos fins pugnados pelo Estado. Destarte, afasta-se a absolutização das penas fundadas em uma concepção metafísica de justiça desvinculada dos fins políticos garantidos pela Constituição do Estado Social e Democrático de Direito, garantindo-se desse modo, uma correta e fundamentada aplicação das sanções punitivas70. Todo o discurso penal tradicional hoje pode ser condensado em um discurso militar, ou seja, na guerra contra o crime. É bom que se lembre, na guerra não há leis, ou melhor, há a lei da guerra, segundo a qual tudo é permitido para vencer o inimigo. Destarte, mister que se erija um novo pensamento, fundado no reconhecimento dos efeitos degradantes da prisão, da seletividade do sistema penal como realidade incontestável, do fenômeno da prisionização, da existência da cifra negra da criminalidade oculta, do poder descontrolado das agências executivas do sistema penal, do pequeno poder que detêm as agências judiciais frente aos sistemas penais paralelos e subterrâneos. Enfim, uma nova teoria da pena passa necessariamente pela desconstrução do que está posto, pela oposição a todo um discurso que impõe o consenso como forma de manutenção do poder, já que pretender conservar um poder exercido mediante um discurso falso, quando se sabe que este legitima – e sustenta – um poder diverso exercido por outros, que custa vidas humanas, que <http://www.pgj.ma.gov.br/ampem/artigos/artigos2005/cadowr9p.pdf>. Acesso em 10 jun 2005, p. 1. 69 MIR PUIG, Santiago, apud GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática, p. 1. 70 GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática, p. 2. 38 degrada um grande número de pessoas (tanto aquelas que o sofrem quanto as que o exercem) e que se trata de uma constante ameaça aos âmbitos sociais de auto-realização, é, a todas as luzes, eticamente reprovável71. Uma das mais atualizadas teorias críticas sobre as funções da Pena denomina-se “Teoria negativa ou agnóstica da pena”, que se resume em não acreditar que a pena possa cumprir – na grande maioria dos casos – nenhuma das funções manifestas a ela atribuídas. Esta teoria, segundo Guedes72 trata de toda e qualquer coerção que impõe uma privação de direitos ou uma dor, sem reparar nem restituir, nem tampouco deter as lesões em curso ou neutralizar perigos eminentes, sendo, na verdade, uma manifestaçãodo poder punitivo que abrange diversas formas de coerção, tais como o poder de vigiar, observar, controlar movimentos e idéias, obter dados da vida privada dos cidadãos, processá-los e arquivá-los, impor restrições à liberdade sem controle judicial. Em razão de negar os possíveis efeitos positivos da pena, a teoria agnóstica se volta para a contenção do poder punitivo, da violência a ele imanente, dirigindo todos os seus esforços para as agências judiciais, como possíveis instâncias de contenção da criminalização desenfreada e de seus efeitos nefastos73. Diferentemente das demais correntes de pensamento, a teoria negativa é constituída não com o escopo de justificar o poder punitivo, mas sim de contê-lo. A função do Direito Penal deixa de ser retributiva ou preventiva, passando a ser garantista, não lhe cabendo “fazer justiça” ou “coibir a prática de 71 ZAFFARONI, Eugênio Raul et al, apud GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática. 72 GUEDES, Guilherme. Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do delito. Disponível em O Direito.com. <http://www.odireito.com>. Publicado em 09 fev. 2005. Acesso em 14 jun 2005, p. 1. 73 GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática, p. 1. 39 delitos” (já que para isto mostrou-se incapaz), mas sim neutralizar a constante ameaça dos elementos do estado de polícia74. Assim, concebe-se a pena como toda e qualquer “coerção que impõe uma privação de direitos ou uma dor, mas não repara nem restitui, nem tampouco detém as lesões em curso ou neutraliza perigos eminentes”. Em outros termos, para a teoria negativa, a pena passa a ser compreendida como mero ato de poder que só tem explicação política, sendo uma manifestação do poder punitivo que abrange diversas formas de coerção, tais como o poder de vigiar, observar, controlar movimentos e idéias, obter dados da vida privada dos cidadãos, processá-los e arquivá-los, impor restrições à liberdade sem controle judicial75. Em relação ao fundamento da pena, sustenta-se que a sanção punitiva não deve “fundamentar-se” em nada que não seja o fato praticado, qual seja, o delito. Em resumo, esta teoria aceita a retribuição e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena como sanção jurídico penal. A pena não pode, pois, ir além da responsabilidade decorrente do fato praticado76. A Lei de Execução Penal, em seu artigo 1º, dispõe que: Artigo 1º A execução penal tem por objetivo efetuar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. No entanto, conforme assevera Silva77, não se pode deixar de questionar a instituição da prisão na medida em que atribui à pena uma dúplice 74 GUEDES, Guilherme. Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do delito, p. 1. 75 GUEDES, Guilherme. Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do delito, p. 1. 76 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 44. 77 SILVA, Franciny Abreu de Figueiredo e. Crimes hediondos: o regime prisional único e suas conseqüências práticas no sistema punitivo de Santa Catarina. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p. 23. 40 função: ressocializadora e retributiva. A respeito deste assunto, Bitencourt78 assevera que A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre uma função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação. Deste modo, pode até ser que a pena possa curar ou reeducar, mas não se pode afirmar que a pena por si só sirva ou possa servir para reeducar o apenado, principalmente na realidade brasileira. A verdade é que a pena constitui uma reação da sociedade que, frente ao delito, reage de forma vingativa, voltando-se contra o réu e desejando sua punição e castigo. Assim, a pena reforça no cidadão uma atitude de fidelidade à lei, apesar de não ser este o “fim oficial” da pena privativa de liberdade79, isto porque ela possui função ressocializadora. É preciso reavaliar as verdadeiras finalidades da pena privativa de liberdade, pois, da forma como ela está sendo colocada atualmente não está se prestando aos fins a que se destina, fazendo-se necessária, portanto, uma mudança drástica no sistema prisional brasileiro. 2.4 O EGRESSO: características, estigmas, preconceito e reincidências Entende-se por egresso o detento ou recluso que, tendo cumprido a pena, ou por outra causa legal, se retirou do estabelecimento penal. A lei fala em “assistência ao egresso”, abrangendo, de acordo com a concepção moderna de execução da pena, tanto o “egresso 78 BITENCOURT, Cezar Roberto. O objetivo ressocializador na visão da criminologia crítica. Revista dos Tribunais. SP, V. 662, p. 247 – 255, dez. 1990, p. 250. 79 SILVA, Franciny Abreu de Figueiredo e. Crimes hediondos: o regime prisional único e suas conseqüências práticas no sistema punitivo de Santa Catarina, p. 24. 41 definitivo”, como o “egresso provisório”. Nesse conceito de “egresso definitivo” deve-se entender o liberado definitivamente, que já cumpriu completamente a sua pena em estabelecimento prisional, ou que já ultrapassou o período de provas da liberação provisória ou condicional. Já o “egresso provisório” é aquele que se encontra sob livramento condicional ou em qualquer modalidade do regime aberto: prisão- albergue, trabalho externo, etc. Rosa80 faz uma interessante explanação sobre a condição do egresso através dos tempos dizendo que uma das penas mais usadas no Direito Penal antigo e medieval era a chamada “perda da paz”, com a “interdição à água e ao fogo”, muito conhecida dentre os romanos. Através dela o condenado era proscrito da sociedade e considerado um fora da lei. O fora da lei poderia ser morto por qualquer um, pois “pode ser morto meritoriamente, sem a proteção da lei, o que não viver conforme a lei” – dizia a lei. Bastava que o grupo retirasse a sua mão protetora do delinqüente para sua vida correr perigo. Para quem perdia a paz deixava de existir o benefício da solidariedade e ficava aberto o caminho para as forças destruidoras que viviam a seu redor. Da destruição do que perdia a paz se encarregavam os espíritos, os inimigos e aos animais ferozes81. Tratamento parecido é dispensado ao egresso até os dias de hoje. O delinqüente, depois que paga pelo seu crime, ao ingressar novamente na sociedade sofre diversos tipos de preconceitos. D’urso82 avalia que um dos maiores desafios da sociedade moderna é assistir ao homem que enfrenta os problemas advindos do encarceramento, quer durante o cumprimento da pena de prisão, quer após esta, 80 ROSA, Antônio José Miguel Feu. Execução penal, p. 118-119. 81 ROSA, Antônio José Miguel Feu. Execução penal, p. 119. 82 D’URSO, Luiz Flávio Borges. O egresso do cárcere. Disponível em <www.noticias- forenses.com.br/artigos/nf188/luiz-durso-188.htm. Acesso em 11 de agosto de 2004, p. 2. 42 quando esse homem é devolvido à liberdade. O egresso vem do sistema prisional brasileiro que hoje conta com aproximadamente 230 mil presos, os quais estão acomodados em pouco mais de 100 mil vagas, levando a um “déficit” de aproximadamente 130mil vagas e a sua superlotação inimaginável. Além disso, há a crueza do sistema que impõe as sevícias físicas e sexuais ao encarcerado, num contingente que hoje tem 30% de infectados com AIDS e 70% de portadores do bacilo da tuberculose83. Ao sair para a sociedade, muitas vezes, cheio de doenças e problemas, o egresso encontra pessoas arredias e temerosas de dar-lhe uma chance. A assistência da família, que se constitui num importante pilar, às vezes também lhe é negada. Ademais, o egresso também tem que enfrentar os próprios medos, pois, ao sair do presídio, sente a angústia de ter que deixar um mundo isolado para enfrentar novamente aquela sociedade que o segregou. Às vezes é difícil para este administrar tal situação, levando-o, na maioria das vezes, a delinqüir novamente. D’Urso84 assevera que de nada adianta todo o esforço para melhorar o sistema prisional brasileiro, se ao libertar-se o homem, a sociedade o rejeita, o estigmatiza, o repugna e o força a voltar à criminalidade por absoluta falta de opção. Relatos de ex-presos colhidos em entrevista feita por Saint- Clair85, em reportagem para a Revista Época demonstram a angústia que os ex- detentos têm que passar para conseguir sobreviver sem ter que voltar a criminalidade. Transcrevem-se abaixo alguns depoimentos colhidos: 83 D’URSO, Luiz Flávio Borges. O egresso do cárcere, p. 1. 84 D’URSO, Luiz Flávio Borges. Liberdade de volta: Ex-presidiário precisa de apoio da sociedade. Disponível em <http://www.suigeneris.pro.br/direito_dp_liberdadevolta.htm>. Acesso em 12 de agosto de 2004, p. 01. 85 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua. Disponível em <http://revistaepoca.globo.com- /Epoca/0,6993,EPT369288-1664-1,00.html>. Acesso em 12 de agosto de 2004, p. 02. 43 Já paguei meus cinco anos por tráfico de drogas e não volto nunca mais para a prisão. Já trabalhei em oficina mecânica e sei tudo de pintura de carros. Ninguém pinta melhor do que eu. É claro que estou meio desatualizado com as cores, mas ainda sei que táxis levam o amarelo-java e o azul-báltico. Tentei, mas ninguém dá emprego a ex-presidiário. Graças a Deus consegui licença para montar esta barraca de doces aqui no Centro do Rio, com um empréstimo de R$ 100 no Banco da Providência. Pago ainda R$ 10 por dia para dormir numa pensão e outros R$ 3 para almoçar. Quase não sobra dinheiro para repor mercadoria, mas vou levando. A vida aqui está dura, mas é pior na cadeia. Verifica-se com este relato que, às vezes, mesmo possuindo qualificação, o ex-apenado sofre discriminação, que dificulta o seu reingresso no mercado de trabalho, obrigando-o a partir para o mercado informal, se não quiser voltar à criminalidade. A matéria relata ainda que de cada dez presos nas cadeias brasileiras, entre cinco e sete já passaram pelas mãos do Estado. A maioria é de pequenos assaltantes ou traficantes sem poder na hierarquia da bandidagem e mesmo depois de cumprir pena e acertar as contas com a Justiça, dificilmente voltam a conseguir um emprego e acabam retornando ao banditismo. E revela mais: 34% dos ex-detentos tornam a cometer crimes em menos de seis meses; 12%, entre seis meses e um ano; e 10%, entre um ano e um ano e meio86. Pode-se verificar que a estatística apresentada pela matéria espelha, sem sombra de dúvidas, a realidade prisional. De acordo com a tabela abaixo, que apresenta dados prisionais do Estado do Rio de Janeiro, percebe-se que os índices de reincidência são bastante alarmantes, e aumentam a cada dia que passa. Tabela 01. PRESOS REINCIDENTES NOS ÚLTIMOS ANOS 2000 2002 2003 Homens 26% Homens 27% Homens 32% 86 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua, p. 02. 44 Mulheres 22% Mulheres 37% Mulheres 18% Fonte: Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro. Disponível em <www.supersaude.rj.gov.br/pesquisas/resumo_pit_2003.pdf>. Acesso em 14 nov. 2004. De acordo com estes dados, verifica-se que, entre a população carcerário masculina, mais de 28% são reincidentes, e entre a população feminina este índice é menor, mas não menos alarmante, pois passa dos 25%. Este fato provoca grande preocupação, tendo em vista que, entres os homens e mulheres que cometem infração e são presos, mais de um quarto volta a delinqüir novamente, e isto se atribui, muitas vezes, ao tratamento dispensado ao egresso, ao sair da prisão. Dentre tantos problemas enfrentados pelo egresso, o mais grave inconveniente é a sua marginalização. Muito embora ele possa ter possibilidades de ser reintegrado ao convívio da comunidade, com o seu afastamento da sociedade o mesmo passa a encontrar resistências que dificultam ou impedem a sua reinserção social87.Outro egresso relata, na mesma reportagem, o seguinte: Ainda tenho quatro anos e meio de condicional a cumprir. Fui condenado a 12 anos por assalto. Sou eletricista formado, já espalhei meu currículo, mas ainda não consegui nada. Enquanto estive no regime aberto, e dormia na prisão, trabalhei para a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), no Rio. Tirava R$ 350 por mês cavando buracos na rua. Quando ganhei liberdade condicional, perdi o emprego. Junto comigo foram uns 200 ex-detentos. No presídio tem gente que nem quer sair do regime aberto para não perder o trabalho. Outros, que saem, cometem pequenos delitos só para voltar. Eu não volto. Já fiz muita gente sofrer. Meus filhos mudaram de escola porque eram discriminados por colegas e até professores88. Pelo depoimento deste egresso pode-se observar, com 87 MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal, p. 84. 88 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua, p. 03. 45 clareza, que a sociedade não aceita o ex-presidiário junto aos demais no mercado de trabalho. Outro fato triste, mas não raro, é a discriminação sofrida pela família do condenado. Percebe-se assim, que mesmo o condenado que cumpriu completamente a sua pena e agora está definitivamente liberado, ou seja, pagou integralmente a sua dívida para com a sociedade, que nada mais pode reclamar dele, não tem a recepção necessária para manter-se dentro do convívio com os demais. O auxílio ao egresso, previsto na Lei de Execução Penal é, portanto, algo somente teórico, que não condiz com realidade dos fatos. O egresso, ao sair da prisão, tem a necessidade, de ajuda e assistência, para poder retomar a sua vida normal, mas, diante de tantas falhas apresentadas pelo sistema, este dever do Estado é praticamente nulo. Aliás, o simples fato de conseguir um emprego torna-se uma missão quase impossível para quem carrega o estigma de criminoso: “Quando ficam sabendo que você tem a ficha suja, a fisionomia até muda. Dizem que vão te ligar e não ligam nunca mais”89. Disso se depreende que há um grave preconceito por parte da sociedade quando o assunto é reintegrar um ex-detento. A maioria tem muito medo e não quer se incomodar com os problemas alheios, haja vista que, na maioria das vezes, os egressos são provisórios, que ainda estão em liberdade condicional. Outro problema enfrentado pelo egresso é a própria polícia, que na maioria das vezes trata o ex-presidiário como se este ainda fosse um criminoso, como se pode observar pelo depoimento colhido por Saint-Clair90: Peguei seis anos por assalto. Minha pena acaba em março de 2003. Faço curso de computação com a ajuda da Arquidiocese do Rio, mas cheguei a trabalhar um mês como faxineiro. Tinha até 89 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua, p. 03. 90 SAINT-CLAIR, Clóvis. A pena perpétua, p. 02.
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