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ANTROPOLOGIA CULTURAL Professor Me. Gilson Aguiar GRADUAÇÃO Unicesumar Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção de Operações Chrystiano Mincoff Direção de Mercado Hilton Pereira Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção Operacional de Ensino Katia Coelho Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nalva Aparecida da Rosa Moura Design Educacional Camila Zaguini Silva Jaime de Marchi Junior Larissa Finco Maria Fernanda Canova Vasconcelos Nádila de Almeida Toledo Rossana Costa Giani Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Editoração Daniel Fuverki Hey Robson Yuiti Saito Fernando Henrique Mendes Revisão Textual Ana Paula da Silva Jaquelina Kutsunugi Keren Pardini Nayara Valenciano C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância: Antropologia Cultural. Gilson Aguiar Maringá - PR, 2014. 303 p. “Graduação - EaD”. 1. Antropologia 2. Cultural . 3. História 4. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 907 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar – assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quan- do investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequente- mente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa- zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa- tível com os desafios que surgem no mundo contem- porâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó- gica e encontram-se integrados à proposta pedagó- gica, contribuindo no processo educacional, comple- mentando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inse- ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproxi- mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi- bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pes- soal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cres- cimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda- gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi- bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en- quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus- sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. Diretoria Operacional de Ensino Professor Me. Gilson Aguiar Possui graduação em História pela Universidade Estadual de Maringá (1991) e mestrado em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1999). A U TO RE S SEJA BEM-VINDO(A)! Este trabalho é, antes de qualquer coisa, a possibilidade de dividir com você um olhar sobre a espécie humana que se quer um todo, mas é um mosaico. Em toda a minha vida acadêmica nunca me entreguei a um trabalho como este, tanto em intensidade como em tempo. A elaboração deste livro está para além de sentar e escrever, uma vez que também exigiu momentos em que precisei analisar, refletir e repensar. Depois disto voltar e refazer. Uma tarefa que necessitou paciência em momentos de angústia e an- siedade. Sou um historiador com mestrado em História e Sociedade, porém apaixonado pela trajetória que a Antropologia construiu como ciência. Minhas misturas nos campos do conhecimento me fizeram abandonar as fronteiras tradicionais das ciências sociais e perceber o quanto elas caminham rápido para um novo “universalismo”, uma ruptura com os objetos definidos de forma precisa. Agora, em relação à Antropologia e à Histó- ria, principalmente, o campo específico de conhecimento está invadido um pelo outro. Claude Lévi-Strauss afirmou em entrevista a Jacque Le Goff, em 1968: “a Antropologia é a história do homem”. A História, por sua vez, passou a se apoderar da etnografia e etno- logia, áreas sagradas e consagradas da Antropologia. Na reformulação sofrida na Europa com o advento da “Escola de Annales”, a partir de 1929, com Marc Bloch e LucienFebvre, a historiografia mergulha na procura de uma nova identidade e encontra na Antropo- logia, na linguagem, por exemplo, um revigoramento de sua análise. Michel Foucault (1985) foi o elo entre o campo do conhecimento historiográfico centrado no homem e o campo do conhecimento historiográfico centrado no ambiente. A simbologia, a lingua- gem, em sua forma mais complexa, e a semiótica, em sua melhor definição, ampliaram o leque de uma Antropologia que se encontrava em crise. Não podemos esquecer que a segunda metade do século XX gerou uma angústia para os antropólogos, eles estavam diante de uma ciência em decomposição. O estudo das civilizações não ocidentais deixava de ser o objeto dos antropólogos na proporção em que iam desaparecendo. A colonização europeia se intensificou e condenou os “selva- gens”, “bárbaros” ou “primitivos” ao desaparecimento gradativo ou à incorporação dos valores ocidentais. Antes a Antropologia buscavaentender o “Outro”, depois passou gradativamente a utilizar os métodos que usava para observar o estranho para olhar e analisar a sua própria sociedade. O ocidental seria o objeto de estudo do Antropólogo, em grande parte, também um ocidental. Neste trabalho, você notará como vários campos de conhecimento perpassam a análise antropológica – a psicologia, a história, a geografia, a linguística e a sociologia. Esta ati- vidade foi gratificante por permitir perceber o quanto não há fronteiras para o cientista social, se elas existem, servem para definir formalmente a ciência. Foi isto que gerou a Antropologia como a conhecemos hoje. Se a antropologia não tivesse vivido a crise em relação ao seu objeto de estudo, ela não teria se recriado e encontrado a sua existência impregnada em meio às demais ciências sociais. Lévi-Strauss (1983) e Parsons (1978) merecem destaque nesse contexto. O francês e o norte-americano recuperaram teses APRESENTAÇÃO ANTROPOLOGIA CULTURAL do estruturalismo e da fenomenologia para alargar o campo de análise da antropo- logia, que não teria sobrevivido sem eles. Por isso, não poupamos esse cruzamento dos focos das ciências sociais. Aqui deno- minamos formalmente o que nos parece natural, o rompimento entre as fronteiras entre os objetos de estudo das ciências humanas. Por isso, só por convenção, mas sem querer definir desta forma, a “interdisciplinaridade” é o termo que usamos para dar um título ao que este trabalho busca expressar. Antropologia se tornou refúgio e fio condutor do que se desvia e retorna, faz e refaz o objeto e, por fim, consolida o que colocamos anteriormente, “o homem por inteiro”. Em vários momentos do livro você notará o quanto desdobraremos temas, refor- mularemos a compreensão e detalharemos os pontos apresentados. Sei que em di- versos lugares tudo também poderia ter sido analisado e explicado com mais deta- lhes, contudo não conseguiria dar conta de tudo, seria desumano. Espero, inclusive, que você fique com vontade de buscar mais análises, de entender melhor os temas abordados e mesmo de discordar das abordagens apresentadas. Isso é o que faz as ciências sociais ser o que são, no caso, complexas. Faz-se necessário lembrar que olhar para a espécie humana e se dispor a compreen- dê-la não são tarefas fáceis. Para muitos, desperta-se uma busca por uma explica- ção final, conclusiva sobre o ser humano, isso é impossível. Aconselho você, caro(a) aluno(a), a ir além do que está neste trabalho, a não procurar respostas prontas. Em determinados momentos traço, com certa ironia, determinados aspectos da traje- tória da humanidade. Não o faço para polemizar, mas apenas para puxar a reflexão de uma forma mais picante, esquentar o tema. Ser um escritor incendiário ajuda a aquecer a frieza com que se trata certos temas da vida humana. Tentei deixar gravado o máximo de informação e trançá-la a temas diversos sobre os quais se devem ter olhares múltiplos para se chegar a determinadas conclusões, as quais nunca são finais. Sempre haverá alguém cuja função é instigar a busca de uma nova forma de compreender determinados temas, nesse sentido, foi esse o papel que busquei desempenhar neste trabalho. Um detalhe importante são as notas de rodapé. Elas são muitas e merecem ser li- das. Não é uma prática comum se ater a elas muitas vezes consideradas detalhes. Contudo, elas são desdobramentos de uma discussão central. Neste trabalho, e aqui um vício do autor, elas representam um aprofundamento de temas, correlações e relações que irão construir, ao longo da obra, reflexões que dão riqueza ao aos te- mas abordados. Considero que, na produção de um material com esta envergadura, há um compro- metimento em seguir adiante, ir além. Não se pode passar por um campo fértil sem semeá-lo ao máximo. As notas de rodapé têm esse interesse. Em um determinado momento, elas deveriam se tornar um capítulo à parte, mas são tantos os temas que abordam e de forma descomprometida com as fronteiras do tema, que abuso delas. Ao mesmo tempo em que justifico a abundância, reafirmo a importância. É possí- APRESENTAÇÃO vel ler o texto desconsiderando-as, mas muitas informações nelas contidas podem passar despercebidas. Quanto à linha de raciocínio deste texto, ela é simples. Parti da construção da con- dição social humana e da formação das civilizações ao longo da história, destaque para os encontros entre os grupos humanos. Foi nesse caminho que a constituição da civilização ocidental foi o elemento de maior interesse. Somos ocidentais. Nós, brasileiros, somos um fruto da expansão europeia, não podemos negar nossa ori- gem, temos que entendê-la. Dentro desta ótica se faz necessário perceber a importância da formação das ins- tituições nas quais estamos inseridos. Quando afirmamos nossa ocidentalização, estamos estudando nossa própria identidade, nossa construção enquanto seres humanos. Construída em uma expansão além do continente europeu, os ocidentais se en- controu com inúmeras outras civilizações. A história deste encontro é marcada pela violência. Os relatos dos povos considerados “estranhos” foram realizados por uma grande quantidade de viajantes. A imposição da civilização europeia sobre o mundo conquistado foi o elemento vital para os primeiros relatos sobre os “selvagens”. Os diários dos viajantes contam muito da consideração que se tinha sobre quem era, de forma genérica, um não europeu. Em um segundo momento, é vital falar do nascimento da Antropologia como ciên- cia, desde o que chama Laplantine de, “a pré-história da Antropologia”, onde os rela- tos dos homens ocidentais são carregados de definições teológicas, considerando o “selvagem” como um ser exótico entre a pureza, ingenuidade, sem pecados e ne- cessitando da conversão cristã; ou como um ser demoníaco, perdido, jogado em um barbarismo onde a escravidão e o extermínio seriam seu destino. Os relatos trazidos pelos viajantes são publicados na Europa e despertam análises sobre o “Outro”. Uma longa jornada eurocêntrica marcou os relatos sobre os povos que se relacio- naram com as nações européias. O nascimento da Antropologia é como um instru- mento ocidental de descrição e classificação sobre os chamados de “selvagens”. Em uma fase posterior, com o amadurecimento da Antropologia como ciência, se racionaliza o homem não europeu. Enquadravam-se os povos e estabelecia-se uma escala de desenvolvimento, na qual a Europa “civilizada” estaria no topo dessa evo- lução e, por isso, teria uma condição quase que natural de se impor. Conhecer os po- vos não europeus está, nessa fase, ligada à necessidade de propagar a racionalidade e enquadrar os primitivos na linha do tempo da evolução. Hegel é radical ao analisar os povos não europeus a partir dos relatos trazidos pelos viajantes: eles estão fora da história humana, à margem das civilizações. Malinowski e Boas (ano) ganham destaque na fase de consolidação da Antropologia como ciência. São eles que inauguram a pesquisa participativa. Aquela que deter- mina a vivência com o povo estranho, conhecer aqueles que não fazem parte da ci- APRESENTAÇÃO vilização ocidental. Nessa fase, surgem o funcionalismo e o estruturalismo, campos de conhecimento que tendem a compreender os nãoeuropeus em sua vida natural. A Antropologia se torna um laboratório a “céuaberto”. Malinowski considerava que o antropólogo é hospede e aluno da civilização que observa. Deve saber ouvir, ver, cheirar e escutar. Ele é o que deve absorver todas as informações possíveis e consti- tuir um mosaico do que vê. Os dois autores clássicos da Antropologia consolidaram a ciência, mas são acusados de contribuir para a exploração dos povos que estudaram. As informações obtidas permitiram gerar governos de coparticipação com nativose usá-los para atender aos interesses dos colonizadores. Vamos analisar, neste trabalho,o quanto o conhe- cimento científico serviu, de uma forma geral, para desenvolver mecanismos de do- minação. Por fim, vamos analisar a Antropologia na atualidade. Seus novos objetos de análise na sociedade urbana. A cidade é hoje o mais importante espaço de concentração humana. A maioria da população do Planeta reside em cidades. As grandes, com mais de 300 mil habitantes, vão ser a moradia de 40% da população global até o meio deste século. Por isso, nos ativemos, por certo tempo,à compreensão dos fe- nômenos urbanos, o “mundo das novas tribos”. São nas duas últimas unidades deste trabalho que repousam o maior desafio, a for- mação social brasileira e a questão afro-indígena. A construção da nação é fruto da formação do caldo, com afirma em sua obra, “O povo brasileiro”, Darcy Ribeiro (1995). A mistura, o caldo, gerou a pátria e ao mesmo tempo a unidade e conflito na formação do Brasil. Gilberto Freyre (2005), Sérgio Buarque de Holanda (1995) e Darcy Ribeiro (1995) são as referências para a construção de uma análise sobre a for- mação social do Brasil. Clássicos são para serem lidos e relidos, mais que as interpre- tações sem a mesma envergadura. Eles vão às raízes ibéricas para falar da formação brasileira, passam pelo encontro étnico e pela construção dos elementos culturais que formam a identidade brasileira. Por fim, o maior desafio foi falar da cultura afro-indígena. Há uma ausência de ma- teriais de pesquisa confiáveis, assim, pus-me a ler uma coleção publicada pela ONU sobre a história da África. Sofri, mas percebi que, apesar de ter lido várias obras so- bre o tema, foi a produção deste material que amadureceu ainda mais minha paixão pela “ponte sobre o Atlântico”. Nunca esquecendo que o Brasil é o país mais afro fora da África. Bom, espero que você goste deste livro na mesma proporção em que gostei pro- duzi-lo. Se for algo que acrescente a sua vida, eu terei realizado meu objetivo. Rom- per preconceitos e pré-conceitos é conhecer, aqui está uma oportunidade que não perdi. Espero que ela te ajude, também, a superar um pouco do olhar viciado que temos sobre os “Outros”, eles nada mais são do que nós de outra forma. Gilson Aguiar APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 11 UNIDADE I O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA 17 Introdução 18 Construção da Identidade Humana 22 Os Encontros entre as Civilizações 24 O Nascimento do Ocidente 54 Os Primeiros Passos da Antropologia 68 Considerações Finais UNIDADE II ANTROPOLOGIA CULTURAL 75 Introdução 76 A Racionalidade como Forma de Compreensão das Civilizações não Europeias 82 O Papel de Dominação que a Antropologia Exerceu em seu Nascimento como Ciência 93 A Questão da Emancipação do Evolucionismo e a Formação de uma Antropologia fundada na Pesquisa Participativa SUMÁRIO UNIDADE III A CRISE DO HOMEM OCIDENTAL 125 Introdução 127 A Crise de Identidade da Antropologia como Ciência 137 O Estudo do Homem Contemporâneo e seus Dilemas 151 Os Novos Rituais de Consumo e a Simbologia Como Diferença 182 Considerações Finais UNIDADE IV BRASIL: A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE E DE UM ESTADO AUTORITÁRIO 187 Introdução 188 As Condições Sociais, Econômicas e Culturais para a Formação da Colonização Portuguesa 209 A Instalação da Colonização e o Papel do Engenho 224 Brasil, Uma Nação do Futuro Desde o Passado 245 Clássicas Saídas e os Pensadores Clássicos 258 Considerações Finais SUMÁRIO 13 UNIDADE V O ENCONTRO COM O INDÍGENA E A PONTE COM A ÁFRICA 267 Introdução 268 Moradores da Terra Brasilis 279 Encontros Étnicos e a Formação do Brasil 294 Considerações Finais 299 Conclusão 301 Referências U N ID A D E I Professor Me.Gilson Aguiar O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Objetivos de Aprendizagem ■ Conhecer a formação da Antropologia como ciência e sua relação com a formação da civilização ocidental. ■ Compreender a Antropologia como o resultado da expansão do Ocidente sobre as demais civilizações no mundo. ■ Entender o dilema da construção da identidade humana, como ela está associada à visão que o Ocidente estabeleceu sobre inúmeros povos. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Construção da identidade humana ■ Os encontros entre as civilizações ■ O nascimento do Ocidente ■ Expansão Ocidental ■ Os primeiros passos da Antropologia 17 Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . INTRODUÇÃO Somos ocidentais. Essa afirmação precisa ser entendida para podemos compre- ender o ambiente em que a Antropologia nasce. Sua formação como ciência viria mais tarde, mas a condição em que ela foi gerada está relacionada diretamente à formação da civilização ocidental. Foi nesse berço de incentivo à conquista, à expansão das fronteiras, que a Antropologia nasceu. Se hoje ela não tem mais esse aspecto funcional de conquista, sua origem está impregnada de preconceito sobre as demais civilizações. Quando falamos em observar as condições do homem como um ser total, único, o qual a Antropologia pretende como objeto na atualidade, estamos falando do resultado de uma jornada iniciada na Grécia Antiga, com filósofos e sua busca de um sentido para a existência. O homem europeu enquadrou o “estranho”, o “outro”, e lhe deu um valor que foi inspirado nele mesmo, no pró- prio homem cristão europeu, diante de um mundo para conquistar. Nesta unidade, queremos abordar esse olhar construído ao longo da história ocidental, seus interesses econômicos, suas relações sociais e seus símbolos cultu- rais. Tais elementos foram geradores de uma civilização conquistadora que ousou ser planetária e realizou essa ambição. O mundo sentiu o peso do Ocidente, e a Antropologia foi a ciência que ajudou a conhecer os povos que dominou, dan- do-lhes um sentido para enquadrá-los no plano mundial. Para que a conquista planetária fosse bem-sucedida, foi preciso compreender a simbologia gestada ao longo de mil anos. Como o cristianismo, por exemplo, que foi fundamental para orientar o interesse da ambição comercial. Se o lucro era um desejo, restava saber onde ele se encaixava na compreensão de um uni- verso concebido por um “Deus único” onipresente e onipotente. Diante disso, qual o papel que os Estados Nacionais desempenharam para que isso ocorresse? Essas são questões que também compõem parte desta unidade. O primeiro relato sobre os povos que se relacionaram com a civilização ocidental gera a produção de “impressões” sobre os não europeus, o que será determinante para a conduta do ocidente diante do que se chamou de “selva- gem”. O europeu se considerou o “salvador de almas” e também o “exterminador dos pecadores”. Nesse sentido, apropriar-se das riquezas que o mundo oferecia © sh ut te rs to ck O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I e tornou mais compreensivo dentro da lógica de que ele estava cumprindo uma predestinação divina. Por isso, se a Antropologia, em sua fase de reconhecimento como ciência, lançava seu olhar sobre outros povos, hoje ela lança o olhar sobre o próprio ser humano ocidental. Assim, a descoberta é nutritiva, mas, em certos momentos, pode ser amarga, ao descobrirmos que muitos dos que denominamos “selva- gens” são dóceis em comparação com nossos atos de selvageria. CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE HUMANA UM “SER” EM BANDO: BREVE CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO As civilizações se formaram de elementos que geraram unidade, integração, entre seus membros. Esses elementos foram os mais variados. Paraalguns, a atividade econômica desempenhou um papel central nas relações estabelecidas entre os mais diferentes agentes sociais, dando a tais relações uma forma. Porém, não podemos considerá-la como elemento único, isso seria um facilitador que não gostaríamos de utilizar aqui, portanto, outros elementos devem ser considerados. 19 Construção da Identidade Humana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Há, na construção das civilizações, essa integração que se estabeleceu em diversas partes do mundo e gerou a construção de instituições sociais comple- xas, caracterizando uma diferenciação de papéis sociais necessários para atender ao organismo que se construía ao sabor das necessidades nascidas de sua fer- mentação. As relações entre os homens, em determinados momentos históricos, devem ser compreendidas levando em consideração condições específicas em que a ordem se constituiu. Há efeitos de uma natureza associados às condições em que as relações sociais se estabelecem herdando do passado os significados das necessidades presentes. Temos que entender que o significado de uma pos- teridade também está presente na construção dos sentidos sociais. Logo, o que quero estabelecer aqui, caro(a) leitor(a), é que a construção de uma civilização, como a chinesa, por exemplo, tem suas peculiaridades. Há, nessa perspectiva, pouco significado na tentativa de buscar uma semelhança na constituição das civilização mesopotâmica e egípcia, as quais, de certa forma, no tempo cronológico, foram contemporâneas. As condições em que cada civilização se estabeleceu atenderam a necessidades próprias. Assim, outras civilizações que não delimitaram o mesmo formato das civilizações citadas se encaixam na mesma consideração, devem ser entendidas em suas condições específicas de formação. A especificidade de uma civilização é constituída quando ela se coloca diante da natureza e traça suas condições de sobrevivência, desenvolvendo mecanismos de apropriação desse meio. Da mesma forma, podemos dizer que característi- cas que limitam o ser humano também são formadoras de certos aspectos que individualizam determinada cultura. O traço que gera o que, ao longo do tempo, molda uma civilização, como uma digital, singulariza a sua forma de organi- zação em relação a qualquer outra que existiu, existe ou existirá na história da espécie humana. Por mais que a Antropologia Clássica buscasse a constituição de uma linha evolutiva e classificatória para as civilizações que habitaram ou habitam a Terra, ela nunca conseguiu se estabelecer em documentações empíricas, em provas docu- mentais materiais ou imateriais. Não há evolução, mas, sim, construção de uma civilização. Há a formação de uma singularidade que se estabelece ao longo do tempo de encontros. Mesmo entre as civilizações expansionistas, que vieram a submeter uma quantidade significativa de outras civilizações ao seu poder, essa O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I padronização ou determinação comum não foi eficiente. Se utilizarmos o exemplo do antigo Império Romano e a imensa quanti- dade de povos que dominou, então, perceberemos que a relação estabelecida com o poder central da república ou do império centrado na Península Itálica foi diferenciada. As instituições romanas, como as leis, a língua latina, a ativi- dade econômica, formalizaram a integração. Mas por si só não foram capazes de amputar a originalidade. Claro que os efeitos do domínio romano ficaram no que se constituiu como herança do império. A língua latina e o cristianismo são exemplos, mas a singularidade permaneceu para construir uma identidade única. Não podemos considerar como idênticas, em intenção e identificação, as civilizações que cumpriram ao longo da história humana papéis distintos, uma vez que o julgamento de valor comparando-as gera deformações. Não é possível classificar como “melhor” ou “pior” civilizado. Não há a organização “perfeita”. Se fôssemos buscar essa resposta, teríamos que partir de uma escala de valor preestabelecida, o que denunciaria um preconceito gerador de um pré-conceito. Anteporíamos nós mesmos a qualquer outro. Por muito tempo, a Antropologia foi o resultado dessa perspectiva1. O processo civilizador se alterou, ao longo da jornada humana, com o con- tato estabelecido entre os diversos povos. Esse contato se intensificou com o desenvolvimento das práticas mercantis, como já falamos. Além do intercâm- bio de produtos, há o movimento de pessoas, mudança de seus hábitos, assim como transformação da linguagem, da interpretação e da ação sobre o mundo. As migrações tiveram efeitos devastadores para muitas civilizações. Em deter- minados momentos da história humana, o estrangeiro se impregna e refaz as identificações chamadas de “nativas”. Ao longo do tempo, há exemplos de como o movimento de pessoas foi determinante para a humanidade, da migração hebraica ao tráfico negreiro, do holocausto judeu à xenofobia na atual Europa. Não se pode desprezar os encontros humanos, muito menos os seus resul- tados. Na atualidade, na formação de um mundo integrado pelo capitalismo, as 1 Não só a Antropologia, a produção do conhecimento ocidental ligado às ciências sociais serviu de instrumento de imposição e dominação na trajetória que construiu a contemporaneidade. Essa prática ainda não cessou. Ela continua sendo para muitos o motor que justifica a análise sobre as civilizações que habitam o mundo. A busca pela ordem perfeita que justifica todos os atos de dominação, extermínio e imposição de interesses econômicos e culturais. 21 Construção da Identidade Humana Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . movimentações se intensificam e seus resultados se aceleram, e muitos deles ainda estão por vir, o que gera uma dificuldade de conceituá-los e de entender seus efeitos. Mas eles se fazem sentir, existem e dificultam nosso entendimento sobre os limites de nossa civilização. Muitos dos que chamamos de “bárbaros” hoje, na prática, são um de nós. Hoje, no mundo contemporâneo, discute-se sobre os efeitos de uma “glo- balização” de uma economia mundial e sobre a mídia de massas. Para os que ainda sustentam os efeitos da mundialização, termo cunhado por Octávio Ianni (1999), há uma integridade que rompe fronteiras, aproxima, manipula a regiona- lidade e gera possibilidades múltiplas. Dessa forma, temos que concordar com o que ele apresenta com um “globalismo”. Estamos integrados, mas isto não signi- fica massificados. Há um outro ou “outros” e suas singularidades. Não podemos esquecer isso. Não romperemos com essa condição de identidade singular de uma coleti- vidade, já que essa condição faz parte da própria relação que estabelecemos com nossas heranças, com o lugar onde vivemos, com o que denominamos “nosso” mundo. A forma como constituímos nossos vínculos e estabelecemos a fronteira entre o “nós” e os “outros” são construções incessantes da dinâmica social, que, por sua vez, é fruto das relações que estabelecemos. O homem que produz, crê, se expressa pela linguagem e ritualiza simbolicamente sua existência ocasiona a singular humanização do humano. Em determinado momento, a Antropologia chegou a buscar esse homem na sua totalidade. Ela percorreu inúmeros caminhos para atingi-lo. Porém, ela, mais do que qualquer outra ciência, tem a condição de responder, a esse ser de forma integral e em sua particularidade civilizadora. Hoje, as cores das cidades se misturam e a diversidadeamplia o leque de possibilidades que os movimentos humanos desenham. Haverá mais integração, sim. Porém, há uma diversidade singular acontecendo em cada canto, isso é inegável. Mais do que nunca, a antro- pologia tem um campo vasto para crescer e vasculhar o mundo mexido por esse homem total. © sh ut te rs to ck O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I OS ENCONTROS ENTRE AS CIVILIZAÇÕES Somos uma espécie marcada pelo movimento. O ser humano é um migrante cons- tante e assim foi construída a existência sobre o Planeta. O andante eterno que por fatores múltiplos se desloca em todas as direções. As ocupações territoriais desenhadas ao longo da história humana podem ser analisadas em muitos aspec- tos. Falar das necessidades econômicas, entender os rituais, a cultura que tem em si o estímulo a buscar “além do horizonte”. A migração é uma constante social. Na antiguidade, o aparecimento das primeiras civilizações no Oriente Médio, na Ásia ou na África demonstrou que foi por meio dos deslocamentos constantes que as civilizações se organizaram com uma estrutura social e econômica. Esse fato daria início à longa história da espécie humana cuja complexidade demonstra os registros mantidos até hoje. O sedentarismo foi fundado na produção agrí- cola, em que a lavoura de subsistência foi, depois, substituída pela produção do excedente, e marcou o desenvolvimento dos instrumentos, da possibilidade da organização familiar patriarcal, da formalização do Estado, como agente de orga- nização e estabelecimento do poder sobre um determinado território. A identificação social gerou as primeiras religiões, nelas o convívio social passaria a obedecer a uma ética complexa que se colocava mais eficiente que os rituais mágicos que predominavam em grande parte dos grupos sedentários. Os monarcas que se constituíram como representantes de estado nas primei- ras civilizações, eram vistos como representantes de divindades religiosas. Eles eram ao mesmo tempo o elemento unificador da norma coletiva e a legitima- ção da posse do território. Claro que, ao se falar do exercício de dominação sobre uma porção de terra, 23 Os Encontros entre as Civilizações Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . é importante se lembrar da longa jornada de combates que permitiram o esta- belecimento do poder sobre o território. A organização militar necessitou da formação de uma rede de produção para o abastecimento das tropas em tempos de guerra e também para mantê-las em treinamento constante em períodos de paz. O tempo de permanência em um determinado território não foi o fim dos processos migratórios que formaram as primeiras civilizações. Elas continua- ram sua jornada, mantiveram sua busca e se desdobraram em expedições que percorreram regiões vizinhas e promoveram, em alguns casos, a expansão terri- torial. Nasceram os “impérios”: Chinês, Babilônico, Egípcio, Persa, Macedônico e, mais tarde, o poderoso Império Romano. Mas, se os impérios nasceram na Ásia, também se propagaram pela África, como é o caso do Império do Sudão (Núbia), parte do antigo império egípcio. Na América, os Impérios Inca, Maia e Asteca se desenvolveram e promoveram conquistas entre os séculos VIII e XVI. A história da humanidade pode ser mar- cada pela formação dos impérios, mas, mais do que isso, ela é o resultado do movimento, do povoamento, do domínio. A formação das civilizações que constituíram o Estado e que se estabelece- ram em determinados territórios fundou-se na exploração de uma determinada atividade econômica. A agricultura foi o elemento mais importante, assim como a criação de animais. Porém, os desdobramentos da prática comercial em mui- tos dos povos da antiguidade deram oportunidade para que ocorresse o contato entre as civilizações. Entre as civilizações mercantis da antiguidade, se destaca- ram fenícios, gregos e romanos. Entre os fenícios, se desenvolveu o alfabeto fonético que viria a se tornar elemento fundamental para a gramática que chegou ao ocidente. Mesmo as civilizações que os sucederam utilizaram este alfabeto para agilizar a re- lação entre as nações nas quais se promoveu o comércio. Esta capacidade de desenvolver a língua comum ou elementos simbólicos que permitam conhecer o outro, se torna fundamental entre os homens. O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I O NASCIMENTO DO OCIDENTE Fica cada vez mais claro que não conseguimos nos livrar de nossa carga ociden- tal nem quando estamos analisando ou descrevendo o processo de formação das diversas civilizações. Continuamos a determinar que a Europa ocidental tem o papel de formar a civilização e de conferir sentido ao estudo de outros povos e sociedades que ocupam o Planeta. Poderíamos abordar, quando discutimos o desenvolvimento das práticas mercantis ou do processo de ocupação dos territórios, o que aconteceu na Ásia, quando da expansão da economia mercantil chinesa ocorreram contatos que esta civilização fez com outros povos que habitavam o Oceano Pacífico e a Oceania. As navegações do Império Celestial chegaram ao Oceano Índico e mantiveram relações comerciais com a costa oriental da África e com o território da Índia. Não podemos deixar de mencionar as viagens chinesas à costa da América pelo Oceano Pacífico. Os mapas que os europeus utilizaram em suas navegações eram chineses2. O curioso da produção cartográfica chinesa é que o Império Celestial estava no centro do mundo desenhado em seus mapas (REGO, 2012)3. O que nos parece intrigante é que diante de um desenvolvimento cartográfico singular para seu tempo, os chineses não promoveram uma conquista planetá- ria como a civilização Ocidental Cristã Europeia implantou. Mesmo tendo as condições materiais, técnicas e humanas para essa aventura de dominar outros povos, a China preferiu o cerco de suas muralhas. Elas nos dão uma dimensão do que o discurso de superioridade possibilita em duas ações aparentemente antagônicas: na primeira, a busca de conquistar e submeter; a segunda, o caso 2 A navegação europeia pelo Oceano Atlântico dependeu dos mapas chineses. A Itália foi o centro comercial que permitiu que estes documentos chegassem à Europa, às nações ibéricas, os quais eram isntrumentos para o sucesso das expedições pelos monarcas católicos de Portugal e Espanha. A astúcia dos navegadores era, em grande parte, justificada pela documentação cartográfica produzida pelo império asiático. 3 Neste trabalho de dissertação de mestrado está o relato e os desdobramentos de uma análise documental da presença da Companhia de Jesus em território Chinês, no século XVII. A relação entre o pensamento cristão e a influência do confucionismo. Mais tarde, no século XIX, a influência ocidental será hostilizada na China. Muitas das comunidades católicas foram eliminadas e as que sobreviveram sofrem discriminação. Um dos principais personagens que produziram os documentos, que são fontes da análise de Luís Rego, é o jesuíta Nicolas Trigault (1577-1628). Ele viveu, a partir de 1612, entre os chineses e desvendou documentos que mostram que a China concebia sua civilização no centro do Universo e suas províncias como as regiões civilizadas do mundo. ©shutterstock 25 O Nascimento do Ocidente Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . chinês, o de se isolar para não se contaminar com o “estranho”, o “impuro”, o “inferior”.Os nossos muros que cercam condomínios e casas nos dão a dimen- são deste significado. O importar-se com o outro, querer entendê-lo, dominá-lo, conhecê-lo é um exercício que os ocidentais cristãos promoveram como nenhuma outra civiliza- ção da história. A ciência é considerada “universal” pela batuta ocidental, esta é geradora de inúmeros campos de saber, entre eles a Antropologia, a qual, por sinal, foi a que melhor expressou o olhar do europeu sobre o mundo. A curiosidade sobre o “estranho”, chamado ao longo da história de bárbaro, selvagem ou primitivo, demonstra a necessidade de conhecer, em muitos casos, para dominar. O saber que se constituiu sobre as inúmeras civilizações do Planeta foi vital para o sucesso da empresa conquistadora em que se transformou a Europa. Para atingir tal sucesso, algumas etapas tiveram que ser superadas, vamos então falar sobre elas e também deste ocidentalismo que constitui o “campo fértil” da Antropologia. Esse é o nosso próximo passo, a nossa próxima “aventura”4 . SOMOS OCIDENTAIS Não é fácil admitir nossa enraizada origem de concei- tos e preconceitos que define nossa própria existência. Vou chamá-la aqui, só para dar uma dimensão inicial do que estamos falando, de a “água de Mileto”. O pen- sador grego considerava que o elemento que existe em todas as coisas do universo deveria ser a sua essência. Como a água estava presente na maioria dos elementos do Mundo, ela poderia ser essa essência. Mas o que chamo aqui de “essência ocidental” é a 4 Gosto deste termo “aventura” ao desenvolver a análise e apresentação do conteúdo sobre a Antropologia. Diversos fatores me levam a crer que, ao constituir uma abordagem sobre um tema tão complexo e difuso, temos que ter a dimensão do que ele representa e do que não se propõe a ser. Toda e qualquer análise tem suas oposições, suas convergências e divergências. Por isso, ela cai, em muitos casos, na construção que o pesquisador dá a ela no momento em que produz sua abordagem. Os efeitos que ela promoverá, as questões que pode despertar e as oposições que venha a disseminar fazem parte desta “aventura”. O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I impregnada conceituação do mundo a partir de um arquétipo que nos constrói nos elementos mínimos e o qual não podemos abandonar. Ele é nós mesmos, ainda que queiramos negá-lo. Talvez, só possamos fazer a negação porque temos a certeza de que existe, está em nós. Platão, o filósofo grego, considerava que o arquétipo do bem é que faz todas as coisas boas que existe no mundo. O bem é para nós o que conceituamos como tal, assim como o mal. Dessa forma, a civilização ocidental, através de seus pensadores, se posiciona no universo e nele coloca um sentido, dando-lhe uma forma original que seria a base para o que seria construído ao longo da história da conquista planetária por cinco séculos. A ocidentalização do mundo não é mais do que a realização do que o ocidente estabeleceu, o seu próprio universo. François Laplantine (2000, p.52), em sua obra “Aprender Antropologia”, argumenta ao falar do olhar dos ocidentais sobre os outros povos que encontrou em suas conquistas: Tais são as diferentes construções em presença (nas quais a repulsão se transforma rapidamente em fascínio) dessa alteridade fantasmática que não tem muita relação com a realidade. O outro – o índio, o taitiano, mas recentemente o basco ou o bretão – é simplesmente utilizado como suporte de um imaginário cujo lugar de referência nunca é a América, Taiti, o País Basco ou a Bretanha. São objetos-pretextos que podem ser mobilizados tanto com vistas à exploração religiosa ou à emoção esté- tica. Mas, em todos os casos o outro não é considerado para si mesmo. Mal se olha para ele. Olha-se a si mesmo nele. EXPANSÃO OCIDENTAL Para se compreender a dimensão da ocidentalização para a Antropologia, se faz necessário compreender a própria formação ocidental e lançar um olhar antro- pológico e etnográfico sobre o “próprio berço” do observador. É preciso, ainda, entender, pelas nossas ferramentas de pesquisa e análise, como constituímos uma civilização capaz de submeter os povos do mundo sob a regência de uma economia de mercado fundada no sentido do lucro, da acumulação racional da riqueza, instrumentalizada pelo desenvolvimento da ciência e pela concepção de superioridade civilizadora ou, infelizmente, pela superioridade racial. 27 O Nascimento do Ocidente Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Se formos estudar a formação ocidental, então temos que resgatar os ele- mentos que fizeram da Europa Cristã o local, em tempo e espaço, ideal para a formação dessa civilização. A decadência de um Império Romano e a emergên- cia de um ruralismo bárbaro impregnado de um misticismo simbólico pode nos ajudar muito. Em nenhum momento de toda a sua trajetória como religião de raiz hebraica o cristianismo viu a incorporação de símbolos e rituais como na cristianização romana e, na sequência, na conversão dos germânicos, os cha- mados “bárbaros”. Ao mesmo tempo em que a cultura cristã se coloca como aquela que inclui, essa confere ao ocidente a legitimidade de sua representação. A santificação de todo o lugar está diretamente relacionada à sua cristianização, havendo, assim, a necessidade de converter para salvar, de ir onde o infiel está. As peregrinações, as cruzadas, as conversões missionárias que percorreram a história e ainda hoje se processam têm esse fundamento. Nesse ato de levar a fé se legitima o direito à conquista, ao estabelecimento das instituições “civilizadoras” e “catequizadoras”. O olhar sobre o “outro” ganha um contorno pré-disposto a relacioná-lo à obra divina. Um universo que tem como fronteira o infinito e como autor o Deus oci- dental. Assim, tudo o que existe no mundo estabelecido tem sob a perspectiva da civilização o direito à “apropriação” no sentido de fazer de todos os lugares uma parte da “digna” obra civilizadora do ocidente. É com esta apropriação que a civi- lização ocidental se lançou para a conquista planetária. O domínio de diversos territórios e a produção dos discursos de supremacia civilizadora ocidental cristã. O BERÇO Para que brote a planta, se faz necessário o cultivo da terra. É preciso que o solo tenha todas as condições necessárias para a fertilização. Em solo fraco, se faz necessária uma semente capaz de sobreviver com pouco estímulo. Em determi- nados campos férteis, mesmo tendo uma origem medíocre, a semente brota e a planta cresce. Uma civilização também obedece aos estímulos do ambiente, os quais podem vir das heranças incrustradas ao longo do tempo que geram perma- nências que se moldam e absorvem o novo, também podem vir dos encontros, © sh ut te rs to ck O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I dos valores estrangeiros que dão um significado ao que as heranças não são capazes de responder. Para analisar a construção da civilização ocidental, é preciso entender o seu berço, o continente europeu. Poderíamos defini-lo como uma arena onde diversas civilizações brotaram e se entrelaçaram ao longo de séculos. Nessa interposição de movimentos e redefinições de territórios, línguas, comandos e religiosida- des, o Império Romano foi o mais estável no que se refere à manutenção de seu poder. A hegemonia latina estava para além do domínio das terras, sua cultura estava presente na construção de um conceito de ser humano, do homem euro- peu. Roma soube conciliar sua herança à cultura dos conquistados ao mesmo tempo em que desta absorviao melhor. A história do Império é a de uma multi- culturalidade. Diversas culturas povoaram as cidades romanas. Se a regionalidade permaneceu nos campos de trigo, nas regiões de mineração e nas províncias mais distantes, em cidades como Roma, Alexandria, Antioquia e Bizâncio ocorreram uma intensificação da cultura cosmopolita5. Não quero deixar de mencionar a construção da intelectualidade romana e o eixo condutor da lógica que a constrói. Da cidade latina, Roma, ao pode- roso império que se propagou do Atlântico ao deserto arábico, a absor- vência de múltiplas civilizações tem um eixo condutor que orienta o sen- tido e dá personalidade ao Estado. Propaga-se nos discursos dos impe- radores romanos a civilidade, ela é helênica, é grega. Importante pensar que os gregos foram para os macedô- nicos assim como para os romanos 5 Um dos objetos de estudo sedutores da antropologia é a cidade. Tanto ao longo da história de inúmeras civilizações como no decorrer das suas transformações. Na antiguidade, como no caso das cidades romanas tratadas aqui, ou na atualidade, com as imensas metrópoles que determinam a vida da humanidade além de suas fronteiras, as cidades representam um ambiente que refaz o ser humano. Ela é o ponto de encontro, o campo de convergência e onde a divergência ganha um impulso extraordinário. A vida tem na cidade o seu principal palco. 29 O Nascimento do Ocidente Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . uma referência de civilidade. A racionalidade dos gregos ampara-se na lógica das instituições. O com- portamento do homem romano tem na ética e na estética grega um parâmetro, o qual foi polido pela praticidade que Roma deu às suas instituições e ações, expresso nos templos, nas obras públicas, na necessidade da funcionalidade. Mesmo no coliseu, no espetáculo, a relação entre o homem, o Estado e a civili- dade está presente Roma deu humanidade à perfectibilidade buscada pelos gregos. Na filosofia de Séneca, “o Jovem”, é possível entender essa característica. O filósofo romano se dizia abnegado de desejos no discurso, mas ambicioso na prática. O pensador foi uma contradição dentro de suas próprias ideias. O governo romano valoriza a ética, “a estética do bom comportamento”, segundo Russel, falando do pensa- mento epicurista, considera a valorização dos prazeres materiais como condição para a felicidade (RUSSEL, 2001, p.150-1). Porém, não será na prática que vamos identificá-la e sim na sua intenção6. O que se propagou como o sentido do poder não é o que o sustenta. A luta pelo poder e conquista demonstra a eficiência que não passa pelo cumprimento 6 Costumeiramente se coloca a intenção como uma busca necessária. Se ela for fundada em uma ética humanitária, teremos, no futuro, um ser mais humano. Como uma reflexão, ou mesmo com a intenção de gerar um debate, lanço a questão: você já imaginou se o cavalo que busca comer a cenoura colocada à sua frente soubesse que ela jamais será seu alimento, o que ele faria? Acredito que esta busca da ética tem uma relação próxima com a cenoura e nós com o cavalo. Muitas vezes, no espetáculo do futebol em nosso tempo, nas transmissões de competições mundiais em que se utiliza de todos os aparatos para causar ao espectador o sentido grandioso que o evento dá aos seus patrocinado- res, há uma identificação com o que Roma promoveu nos jogos do gladio ou no extermínio planejado de seus inimigos como um espetáculo para o “povo” romano. A civilidade se mostra e simboliza sua superioridade. O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I da ética. O olhar sobre o legado que a antiguidade nos deixou deve ter este crité- rio para sua consideração. Temos que considerar o poder instituído pela condição que o formou, ele não tem uma origem idealizada, o que o pensamento grego e romano produziu deu-se dentro de um ambiente que lhe serve de negação e afirmação. Na análise antropológica, esse cuidado deve estar presente, assim como na história e na sociologia. Em quantas civilizações a construção do poder veio acompanhada de uma lógica que o inspira, mas nem sempre cumprida. O que se propaga como verdade pode ser contrário à possibilidade que a divulga. Quem chega ao poder não denunciará como propaganda a sua forma cruel de conquistá-lo. Da cidade romana ao campo feudal e da cultura agrária ao cristianismo A decadência da civilização romana foi marcada pela fragmentação do poderoso império. Sua grandeza foi também o mal que o diluiu. A diversidade romana se alimentava de conquistas, embates constantes com os inimigos em fronteiras que se moviam cada vez mais “além”. Pela própria natureza da sociedade escra- vista romana, alimentada por trabalhadores obtidos, principalmente, nas guerras expansionistas, a reprodução da ordem social estava ameaçada, com data de validade consolidada. Nada surgiu para dar outro destino ao Império Romano. Não consideramos que somente o escravismo teria colocado o fim na civili- zação romana. A queda romana foi consequência da própria relação estabelecida com as civilizações que dominava. O que os romanos pretendiam manter pela eternidade não poderia resistir às condições que a forma de dominação gerou. A grandiosidade das instituições romanas não estav imune às relações que as mantinham. A escravidão foi o maior exemplo e fator da queda romana. Nada disso perpetuou a ordem, tudo se refez em outra constituição social cujo funcio- namento era adverso ao que atendia ao poder implantado pelo império secular, que, a partir do século III, já sentia os efeitos das rachaduras em suas estruturas. A ampliação de um território integrado só é possível na proporção em que se flexibilize a relação estabelecida em cada parcela do território e se torne rígida a eficiência da vida econômica, política e jurídica, as quais respaldam o sentido da obediência. A autoridade do imperador passou a representar interesses distintos nas diversas províncias romanas. Não por acaso, as legiões romanas, o exército 31 O Nascimento do Ocidente Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . do império, instituição fundamental para a garantia da obediência, se trans- formaram, em muitos casos, em milícias, que disputavam o poder com grupos rebeldes locais7. Os generais romanos que se espelhavam no poder do império e através dele se colocavam no comando de uma comunidade provincial passa- ram a almejar o poder do Imperador formando seu próprio reino. Os elementos invasores traziam consigo seus rituais, que semeavam uma nova compreensão das condições em que o Império estava estabelecido e suas culturas se propagavam. O cristianismo foi um tipo de contestação à Roma, foi o princi- pal discurso de ruptura com a ordem do Império que o perseguiu. Contudo, sua permanência após a queda romana não se dará da mesma forma que surgiu, ou seja, como opositor dos césares. As instituições e valores romanos seriam funda- mentais para dar ao cristianismo a longevidade. O próprio discurso e os rituais religiosos cristãos incorporaram a simbologia romana, retrabalharam os ritu- ais bárbaros e formaram uma cristandade sincrética, mas também original. O livro de Hilário Franco Júnior (2001), “Idade Média: o nascimento do ocidente”, é uma leitura obrigatória para entender esta sociedade agrária que vai gerir em seu seio os elementos que formaram a ocidentalização. Nesse território latinizado, surgem os dialetos, se constrói no localismo um cerco de muralhas que oscastelos simbolizaram, mergulha-se na espiritualidade, na introspecção, na redenção do homem pela negação da matéria. Em tudo o que Séneca buscou como ideal o homem medieval mergulhou. Isso não ocorre, contudo, pela escolha, mas pela falta dela. A perda da integração comercial rura- lizou e isolou, em muitos casos, a vida social. Estimulou o localismo com uma ruptura e não por meio de uma mudança gradativa. As guerras, pestes, fome pas- saram a ser a máquina da eliminação. Em 300 anos, entre os séculos V a VIII, a Europa vê decrescer sua população de 24 milhões no século III para 16 milhões 7 Aqui não queremos fazer nenhuma relação de semelhança de fatores ou relações que comparem qualitativamente ou quantitativamente os dois momentos, mas nas guerras urbanas que assistimos nas metrópoles mundiais, na Cidade do México, Bogotá, Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo, demonstram a perda de eficiência do aparato de segurança pública. A desobediência se alastra e novos rituais surgem de reconhecimento do chamado “poder paralelo”. Não por acaso, os milicianos, líderes de ordens criminosas organizadas, ganham prestígio, seguidores e produções culturais que exaltam o feito do contraventor. Nas periferias urbanas se produzem música e dança que têm como tema os conflitos armados, o comportamento dos rebeldes, e decantam os feitos realizados contra a força pública. No sentido inverso e apontando para a mesma direção de decadência da ordem, está o aparato de segurança pública que reproduz dentro do seu corpo a mesma lógica dos chamados “subversivos”, “marginais” e “bárbaros” que combatem. O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I no século VII (FRANCO JR., 2001, p. 19). A morte se avizinhou, talvez por isso a religiosidade tenha se transformado em um elemento vital para dar sentido a uma vida curta. A forma como organizamos nossa sociedade para a sobrevivência, para a produção diária de nossa existência, está diretamente relacionada ao sentido que damos a ela e à forma como construímos os elementos que dão suporte às relações sociais estáveis, à família, ao trabalho, à propriedade, à cultura etc. Necessitamos reforçar o comportamento esperado para que seja cumprida a expectativa de cada elemento e a coletividade como um todo. O que se coloca, muitas vezes, ao estudar um determinado tempo histórico ou uma comunidade, é entender as mudanças. Estas são um reflexo de transformações que vão se pro- cessando, fermentando, com o tempo. O ambiente romano promoveu o encontro de inúmeras civilizações, mais que isso, estimulou determinadas práticas reforçadas pelo próprio Estado roma- no,;houve também aqueles que agiam em sua contrariedade – os opositores também se manifestavam e buscavam na lógica do dominador uma oposição necessária. O embate entre o cristianismo e o Império Romano foi marcado pela descaracterização do imperador como o senhor de todas as coisas, uma nega- ção, da autoridade máxima romana. Ao mesmo tempo em que se transformou na negação o cristianismo sobreviveu e se propagou dentro das estruturas gera- das pelo Império Romano. A sobrevivência do cristianismo só foi possível se alimentando e perpetuando o legado romano. Ao mesmo tempo em que a sociedade agrária que se constituía isolada e buscava a sobrevivência com as condições que a localidade lhe dava, o cristia- nismo lhe foi herança do dominador decadente e combatido. Foi também o refúgio para o entendimento da vida que se constituía nas relações agrárias. A servidão e o senhorio nascem simbolizados pela redenção religiosa. Se a magia já fazia parte das religiões germana, bretã, céltica e goda, incorporaram do cris- tianismo sua universalidade. Não por acaso, ainda hoje, na Igreja Católica, há uma grande quantidade de santos. Personagens intermediários entre a divindade maior (Deus) e elementos menores. Os deuses dos chamados “bárbaros”, polite- ístas, diga-se de passagem, seguiam essa ordem. 33 O Nascimento do Ocidente Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Temos que considerar que essa foi a condição sob a qual o cristianismo sobreviveu na Europa, se transformou pelo sincretismo e surgiu com aspectos de originalidade. A fé se cria naquilo que sustenta as práticas que dão sentido à vida. Ainda hoje, em muitos locais onde o cristianismo se estabeleceu no mundo, esse sincretismo se expressa. O cristianismo foi trazido pelo europeu “civiliza- dor”, e essa foi a justificativa dos conquistadores durante a aventura planetária da expansão marítima, tal pretexto tornou-se ainda ingrediente para a constru- ção de aspectos únicos, particulares, do cristianismo, os quais permitiram que se criasse um canal vital para que se estabelecesse uma relação de dominação. Hoje, em relação à diversidade de aspectos que o cristianismo apresenta em algu- mas partes do mundo, o Brasil é um bom exemplo, pois demonstra o quanto a cultura dominante se impregna da cultura nativa. Essa é uma característica que o cristianismo já carrega dentro de si desde sua origem romana, o que fez toda a diferença para garantir a dominação ocidental. A Europa gestou um cristianismo exclusivamente seu. Ele nasceu das correntes humanas e de suas lutas para preservar a religiosidade agrária e a sobrevivên- cia de uma frágil unidade que deu corpo ao que o “homem ocidental” viria a se tornar depois. O feudo, unidade de produção dos senhores, se constituiu da defesa do invasor generalizado. Não há uma guerra de reinos desenhada de forma lógica pela historiografia que existiu na Europa. Há, porém, entre os séculos V a No Brasil, a Umbanda é uma expressão de um sincretismo original. Uma ex- pressão do que estamos argumentando como a condição de sobrevivência de rituais emaranhados com outro. A sobrevivência de uma África dentro de um cristianismo europeu com nova forma. Mas muito além disso é a condi- ção de gerar a possibilidade de uma nova religião para garantir o convívio entre os opostos. O senhor de escravos tolera o afro que incorpora a estética cristã dos santos – São Jorge, Nosso Senhor do Bonfim e Santa Bárbara, mas esconde por de trás Ogum, Oxalá e Iansã. © sh ut te rs to ck O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I VIII, uma desagregação do império e uma sequência de conflitos em forma de orlas armadas nos quais se confunde o guerreiro e o camponês, a sobrevivência e o prazer pelo combate. As invasões bárbaras nada mais são que as pilhagens, a busca de superar a fome, de obter a terra, de estabelecer o domínio e de se pre- parar para a estabilidade que se busca ou virá. Uma mistura entre a busca da paz por quem tem o amor à guerra8. O desenho dos feudos europeus demonstra que a fertilidade do solo e a pos- sibilidade de um clima estável, ou pelo menos previsível ao longo do ano, durante as estações, determinou a concentração populacional, assim como a das guer- ras. Na geografia desenhada na Europa medieval, a população se concentrou nas regiões mais produtivas. A luta pela terra reflete a da sobrevivência, sua represen- tação cultural, uma construção do sentido da vida. No cotidiano agrário, foram alimentados mais que os seres humanos, também a simbologia da linguagem, o exercício da autoridade, a representação social fundamental para a identificação com o trabalho. A vida imaterial do homem europeu medieval foi mais intensa do que se descreve costumeiramente. A AUTORIDADE DA IGREJA E O PREÇO DAS VIDAS O processo de centralização religiosa é outro aspecto importante no entendimento da formação da oci- dentalização. O cristianismo,e suas múltiplas faces, ter sobrevivido em uma Europa medieval foi uma consequência da própria forma como a economia e a sociedade se constituram com a queda romana. O Império Romano viveu com a diversidade religiosa 8 Se fossemos comparar com a atualidade, onde há territórios de guerras intermináveis, não teríamos qualquer semelhança com a intenção. Os “bárbaros” de hoje fizeram da guerra uma profissão desconectada da paz. Não há a busca da estabilidade na instabilidade. Ao contrário, a defesa de uma guerra permanente. Só assim se alimenta o instinto e se aniquila a razão. 35 O Nascimento do Ocidente Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . que não esteve associada diretamente ao reconhecimento da autoridade do impe- rador. Ao contrário do que se estabeleceu no medievalismo, quando o Império Franco se constituiu, iniciou uma associação da autoridade do imperador ao cris- tianismo. A herança romana se torna, para o Império Franco, um mecanismo de imposição do poder sobre as terras do centro e ocidente europeu. Ao longo da história medieval se multiplicaram os conflitos religiosos, tendo o cristianismo no centro de sua simbologia. Este centralismo é, ao mesmo tempo, a eficiência que se estabelece com a rede de propagação do poder e da associa- ção desta autoridade ao exercício do governo e da repressão aos elementos que se opõem a ele9. Vale lembrar que a Europa viveu a retomada do crescimento populacional a partir do século XI. A estabilidade populacional gera um ambiente de ativi- dades econômicas estáveis, propício para a retomada da economia mercantil, o sistema de trocas e uma produtividade melhor – quantitativa e qualitativamente. O campo absorve o valor religioso e gera significados distintos aos elementos simbólicos da sociedade. A ruralização consolida as relações feudais, fundadas na produção agrí- cola local. A classe senhorial, se reconhecida patrimonialmente, estabelece uma hereditariedade estável fundada e reconhecida no prestígio social. O discurso religioso associado ao poder territorial senhorial confunde a obediência com a obrigação de fé. A simbologia que associa o servo ao senhor irá delimitar dife- rentes perfis de resistência na Europa. Enquanto em uma França, no coração da Europa, o Estado monárquico necessitará do reconhecimento senhorial para esta- belecer seu poder, na Inglaterra, serão os senhores que se unirão para formar o Estado, irão manter o prestígio, mas se adequarão às mudanças que o comércio irá determinar. Na Alemanha, que nascerá somente no século XIX, o senhorio se consolidará e manterá sua autoridade, mesmo com as mudanças promovidas com as relações mercantis10. 9 Importante lembrar e frisar que não há aqui uma intenção de construir uma relação direta entre o poder e a imposição da força como algo arquitetado estrategicamente pelas lideranças medievais. Há uma preocupação em gerar tanto na história, na sociologia e na antropologia, nas ciências sociais, de uma forma geral, esta relação determinista. A construção de uma religiosidade cristã que se impôs sobre as demais foi fruto das forças que se estabeleceram naquele momento na Europa. 10 A classe senhorial alemã, o junker, manteve-se como autoridade local durante todo o Período Moderno e parte do Contemporâneo. Enquanto na França, Inglaterra, Espanha e Portugal os senhores feudais ruíram, O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I A FORMAÇÃO OCIDENTAL IBÉRICA Se tentamos traçar um caminho que desenvolveu entre nós uma linha de cons- trução da brasilidade, é nas raízes ibéricas, portuguesa em especial, que repousa a origem brasileira. Raymundo Faoro (2001) estabeleceu esta relação com efici- ência, assim como Gilberto Freyre (2005). A construção da identidade brasileira tem uma relação com a formação portuguesa. Para isso, é preciso entender a for- mação dos Estados nacionais ibéricos, Portugal e Espanha. A centralização do poder em torno dos monarcas foi marcada pela aliança entre a aristocracia feudal e a Igreja Católica. Mesmo o desenvolvimento marítimo, como veremos, teve uma forte influência do ideário cristão. Há uma diferença, nesses momentos ,entre a formação portuguesa e a espanhola, que deve ser delimitada. Enquanto Portugal nasce da monárquica centralizadora que lhe dá forma e garante sua integridade, a formação espanhola estabelece as concessões regionais entre Astúrias e Castela. O nascimento da nação portuguesa é o misto entre as guerras de reconquista que dominaram a Península Ibérica entre os séculos XI e XV, e a necessidade de resistir à busca de anexação castelhana. O fato de Portugal ser voltado para o mar garantia sua existência como território nacional. A expansão portuguesa se consolidou com as guerras, que possibilitaram a formação das colônias lusas, as quais eram uma extensão do território pátrio. O sentimento de unidade lusitano foi construído ao longo da trajetória da centralização do poder, da construção de uma burocracia de nobres ligados ao Estado. Esse grupo de herdeiros do poder irá se reproduzir no território colonial e na formação brasileira ao longo da história11. O medievalismo é considerado um importante elemento para entender a for- mação do ocidente, porém, sua trajetória vai além, chegará em territórios que a Europa ocidental colonizou e influenciará na formação de novas identidades na Alemanha se mantiveram como elementos predominantes. Mesmo quando a Reforma Luterana atingiu as relações entre a Igreja Católica e a nobreza germânica, a servidão manteve-se fiel aos seus senhores. Foram eles que definiram o destino da religiosidade nos territórios alemães. 11 Na formação do Estado brasileiro, a herança portuguesa se fez presente na construção do poder. A formação de um governo central na colônia, ligado diretamente à política nepotista colonial, onde o parentesco e proximidade com quem detinha o poder eram o elementos mais importantes para o acesso ao poder, deixou seus traços na formação política no Brasil, como a relação de interferência do poder central nas questões locais. Vamos observar ao longo da antropologia política, na formação dos rituais do poder, o quanto os elementos familiares terão importância para constituir uma associação hereditária entre a aristocracia política e a hereditariedade familiar. O sobrenome faz diferença na escolha de quem detém o poder. 37 O Nascimento do Ocidente Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . locais. Ocorreu, durante a expansão ocidental, o que Edgar Morin (2002, p.23) denominou de “Era Planetária”, a aventura da conquista que levará ao movi- mento de pessoas, de produtos, de termos e sentidos. A expansão comercial foi para o Ocidente um dos eventos fundamentais para o exercício da alteridade, o qual será resolvido com a imposição dos modelos culturais ocidentais de forma intensa. Desta forma, dominar é colocar sobre o outro uma vigilância cultural, construir pela cultura a dominação. Governar o outro é determinar sobre ele o “olhar do ocidente”. Voltando a falar na formação ibérica, temos uma luta constante entre os ele- mentos de centralização e a resistência da regionalidade. No território em que se formou a Espanha, essa condição foi sempre uma tensão que persiste até a atu- alidade. Os conflitos de separatismo e regionalismo em torno da nacionalidade espanhola, castelhana, basca, ou catalã se constituíram na própria identidade espanhola, irresolvível. Em Portugal, essa separação regionalse submeteu intensamente. Foi dessa fragmentação que nasceu o Estado nacional português. Porém, a centralização passou por elementos de construção que nos permitem dar um significado à rura- lização e, posteriormente, à urbanização litorânea portuguesa. Uma Portugal do mar e outra da terra. Como se duas Portugal se encontrassem, uma que se fez e manteve-se da atividade mercantil que remonta ao Império Romano (Coimbra, Porto e a própria Lisboa), e outra originária das relações de conquista agrária, como Portucale12, Alcobaça e Santarém. Vale destacar que a região de Alcobaça, território banhado pelo Rio Alcoa e Baça, região litorânea central portuguesa, foi conquistada pelos mouros, pela ação do rei Dom Henrique, no século XII. Nessa ação de conquista, o príncipe portucalense contou com o apoio papal para sua conquista, por meio da aliança e colonização das terras pela doação da Ordem de Citeaux, também chamada de Ordem de Cister. Os cistercienses foram uma ordem vital para a unidade cristã e para o reconhecimento da autoridade papal na Europa ocidental. Atuaram desde 12 Na formação portuguesa ao foco inicial da conquista, o Condado Portucalense, localizado ao norte da atual Portugal. A região remonta o Império Romano e posteriormente o Reino Suevo, quando se chamava Portu Cale, ou “Porto Caia”. Esta região caiu sob a dominação Moura no século VIII e recebeu a influência da cultura sarracena. © sh ut te rs to ck O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I a Alemanha até Portugal e tinham sua sede na França. Na ocupação e desenvolvimento agrícola de Alcobaça, integraram a região ao reino português ao se aliarem à autoridade do Rei Henrique de Borgonha. O monarca concedeu as terras entre os rios Alcoa e Baça aos cistercienses, ele obteve uma frente de contato com a população que deu sentido ao trabalho, à língua e à religião ligados à autoridade do rei. Portugal nasceu da cruzada da fé e da espada promovida pela Igreja Católica e, principalmente, da consolidação do poder do Rei, mais do que em nenhuma outra nação da Europa, a formação do território nacional obedeceu a essa diretriz simbólica13. A relação da instituição religiosa com a formação da nação portuguesa é tão importante que mesmo a formatação da língua portuguesa está relacionada à Ordem de Citeaux e Cluny. Já falada na região portucalense, mas exercitada como o galego, o lusitano será organizado pelas ordens religiosas através de uma estrutura gramatical francesa. O uso da língua portuguesa escrita e estru- turada, oficializado pelo Rei a partir do Século XIII, fará dela um dos principais instrumentos de identificação da unidade nacional. Não por acaso, seu desdobra- mento foi fundamental para a garantia da unidade territorial com suas colônias. No Brasil, a história da língua portu- guesa tem suas peculiaridades que se inscrevem na resistência, miscigena- ção e regionalização dos encontros e “desencontros” que formaram a com- posição social brasileira. Em Portugal, a construção da nação voltada para a navegação e orga- nização da empresa mercantil obedece a dois momentos distintos. Em pri- meiro lugar, a ameaça da anexação 13 O uso das ordens religiosas pelo Estado e sua fusão entre a obra da fé e a obra pública irão permanecer ao longo da história portuguesa e do Brasil. Hoje ainda se percebe essa relação entre a herança de uma religiosidade, que determina o sentido moral da ação, e a relação entre os temas do poder público. O que as ordens religiosas representaram irá repercutir ao longo da história portuguesa pelos séculos seguintes. Na educação essa condição se fortaleceu nos colégios e universidades que geraram o que consideramos ainda hoje “a boa educação”. 39 O Nascimento do Ocidente Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . castelhana durante o século XIV, que se convencionou chamar de Revolução de Avis (1383-1385). A ascensão de uma nova dinastia ligada aos empreendimen- tos náuticos só foi possível graças ao arranjo de forças que se deslocaram a favor da centralização, rompendo com a nobreza tradicional portuguesa, fiel aos inte- resses castelhanos. Foi sob o comando da família Avis que as sequências de conquistas marítimas foram realizadas. Inicialmente eram voltadas para o norte da África, a cidade de Ceuta, na sequência, se estendeu pelo litoral do continente afro, e as con- quistas foram transformando-se em uma rede de pontos comerciais do reino lusitano. As chamadas especiarias que motivaram a relação de Portugal com o comércio ultramarino foram levadas a cabo por empresários ligados ao Estado, mas também estrangeiros. Italianos e flamengos se empolgaram com as práti- cas mercantis lusas e perceberam nelas uma fonte de enriquecimento além das empresas italianas. Quando se fala da Revolução de Avis, estamos diante de um dos momentos mais importantes na manutenção da nacionalidade portuguesa, a resistên- cia à Castela (Espanha). A busca por unir a Península Ibérica em torno de uma única monarquia se processa em toda a organização dos reinos católi- cos ibéricos. As navegações terão, junto com o apoio da Igreja Católica por- tuguesa, um papel vital na manutenção da independência. Quando o trono português fica vago, em 1383, ocorre uma disputa pela coroa. De um lado a busca dos castelhanos por anexar o reino portucalense, do outro, a luta pela independência. A vitória da emancipação acabou sendo simbolizada pela coroação do Mestre de Avis, Dom João. Com ele se inicia uma relação entre a empresa mercantil e o Estado absolutista, selada pelos interesses da Igreja e a participação popular. Ao final, esse ingrediente de forças será fundamental na expansão lusitana pelo Atlântico. O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I A DOENÇA E O MAR Outra associação que se faz necessário entender na Europa é a relação entre a Peste Negra e o desenvolvimento das atividades náuticas. Por mais que se colo- que de forma automática, ela existiu. A peste foi necessária para “empurrar” as rotas mercantis para o litoral europeu. Ela garantiu, de certa forma, o crescimento das rotas comerciais dos empresários que faziam as rotas comerciais de abaste- cimento nas principais cidades europeias. A propagação da doença no interior da Europa feriu um dos mais importantes eixos comerciais no centro do conti- nente, a rota de Champagne14. Mas o que foi a Peste Negra? Foi uma doença transmitida por pulgas alo- jadas em ratos deslocados do oriente para o ocidente. Muitos atribuem sua origem à Mongólia, outros à Índia. Ela se propagou na Europa no século XIV e atingiu várias regiões da Europa onde a movimentação populacional era mais intensa. Transmitida pela bactéria Yersinia Pestis, tinha como hospedeiro pul- gas do chamado “rato preto”; ela chegou à Europa por meio das rotas comerciais com o oriente. A doença atingiu, ao longo de mais de 150 anos, diversas par- tes do continente. A doença poderia atacar pelas vias respiratórias ou sanguíneas. No primeiro caso, promovia a morte em poucos dias, dois ou três. Já pela via sanguínea, gerava o aparecimento de bulbos na virilha ou axilas, levando à morte em pouco mais de uma semana. A desinformação sobre os fatores que promoviam a expansão da peste levou a práticas confusas divulgadas pelas autoridades. Em alguns casos, geraram um ambiente ainda mais propício para que a epidemia se alastrasse. Antônio Martins relata o enfrentamento da fatalidade por meio da crença sem fundamento científico. 14 Nessa rota, originária do auge do feudalismo,
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