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Gilson Aguiar Antropologia Cultural

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Prévia do material em texto

ANTROPOLOGIA 
CULTURAL
Professor Me. Gilson Aguiar
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
NEAD - Núcleo de Educação a Distância
Direção de Operações
Chrystiano Mincoff
Direção de Mercado
Hilton Pereira
Direção de Polos Próprios
James Prestes
Direção de Desenvolvimento
Dayane Almeida 
Direção de Relacionamento
Alessandra Baron
Direção de Planejamento de Ensino
Fabrício Lazilha
Direção Operacional de Ensino
Katia Coelho
Supervisão do Núcleo de Produção de 
Materiais
Nalva Aparecida da Rosa Moura
Design Educacional
Camila Zaguini Silva
Jaime de Marchi Junior
Larissa Finco
Maria Fernanda Canova Vasconcelos
Nádila de Almeida Toledo
Rossana Costa Giani
Projeto Gráfico
Jaime de Marchi Junior
José Jhonny Coelho
Editoração
Daniel Fuverki Hey
Robson Yuiti Saito
Fernando Henrique Mendes
Revisão Textual
Ana Paula da Silva
Jaquelina Kutsunugi
Keren Pardini 
Nayara Valenciano
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a 
Distância:
 Antropologia Cultural. Gilson Aguiar 
 Maringá - PR, 2014. 
 303 p.
“Graduação - EaD”.
 
 1. Antropologia 2. Cultural . 3. História 4. EaD. I. Título.
CDD - 22 ed. 907
CIP - NBR 12899 - AACR/2
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário 
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um 
grande desafio para todos os cidadãos. A busca 
por tecnologia, informação, conhecimento de 
qualidade, novas habilidades para liderança e so-
lução de problemas com eficiência tornou-se uma 
questão de sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilida-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos-
sos farão grande diferença no futuro.
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar – 
assume o compromisso de democratizar o conhe-
cimento por meio de alta tecnologia e contribuir 
para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a 
educação de qualidade nas diferentes áreas do 
conhecimento, formando profissionais cidadãos 
que contribuam para o desenvolvimento de uma 
sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi-
tário Cesumar busca a integração do ensino-pes-
quisa-extensão com as demandas institucionais 
e sociais; a realização de uma prática acadêmica 
que contribua para o desenvolvimento da consci-
ência social e política e, por fim, a democratização 
do conhecimento acadêmico com a articulação e 
a integração com a sociedade.
Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al-
meja ser reconhecido como uma instituição uni-
versitária de referência regional e nacional pela 
qualidade e compromisso do corpo docente; 
aquisição de competências institucionais para 
o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con-
solidação da extensão universitária; qualidade 
da oferta dos ensinos presencial e a distância; 
bem-estar e satisfação da comunidade interna; 
qualidade da gestão acadêmica e administrati-
va; compromisso social de inclusão; processos de 
cooperação e parceria com o mundo do trabalho, 
como também pelo compromisso e relaciona-
mento permanente com os egressos, incentivan-
do a educação continuada.
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está 
iniciando um processo de transformação, pois quan-
do investimos em nossa formação, seja ela pessoal 
ou profissional, nos transformamos e, consequente-
mente, transformamos também a sociedade na qual 
estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando 
oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa-
zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa-
tível com os desafios que surgem no mundo contem-
porâneo. 
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de 
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo 
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens 
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó-
gica e encontram-se integrados à proposta pedagó-
gica, contribuindo no processo educacional, comple-
mentando sua formação profissional, desenvolvendo 
competências e habilidades, e aplicando conceitos 
teóricos em situação de realidade, de maneira a inse-
ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais 
têm como principal objetivo “provocar uma aproxi-
mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi-
bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos 
conhecimentos necessários para a sua formação pes-
soal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cres-
cimento e construção do conhecimento deve ser 
apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda-
gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi-
bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente 
Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en-
quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus-
sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de 
professores e tutores que se encontra disponível para 
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de 
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
Diretoria Operacional 
de Ensino
Professor Me. Gilson Aguiar
Possui graduação em História pela Universidade Estadual de Maringá (1991) 
e mestrado em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio 
de Mesquita Filho (1999).
A
U
TO
RE
S
SEJA BEM-VINDO(A)!
Este trabalho é, antes de qualquer coisa, a possibilidade de dividir com você um olhar 
sobre a espécie humana que se quer um todo, mas é um mosaico. Em toda a minha 
vida acadêmica nunca me entreguei a um trabalho como este, tanto em intensidade 
como em tempo. A elaboração deste livro está para além de sentar e escrever, uma vez 
que também exigiu momentos em que precisei analisar, refletir e repensar. Depois disto 
voltar e refazer. Uma tarefa que necessitou paciência em momentos de angústia e an-
siedade.
Sou um historiador com mestrado em História e Sociedade, porém apaixonado pela 
trajetória que a Antropologia construiu como ciência. Minhas misturas nos campos do 
conhecimento me fizeram abandonar as fronteiras tradicionais das ciências sociais e 
perceber o quanto elas caminham rápido para um novo “universalismo”, uma ruptura 
com os objetos definidos de forma precisa. Agora, em relação à Antropologia e à Histó-
ria, principalmente, o campo específico de conhecimento está invadido um pelo outro. 
Claude Lévi-Strauss afirmou em entrevista a Jacque Le Goff, em 1968: “a Antropologia é 
a história do homem”. A História, por sua vez, passou a se apoderar da etnografia e etno-
logia, áreas sagradas e consagradas da Antropologia. Na reformulação sofrida na Europa 
com o advento da “Escola de Annales”, a partir de 1929, com Marc Bloch e LucienFebvre, 
a historiografia mergulha na procura de uma nova identidade e encontra na Antropo-
logia, na linguagem, por exemplo, um revigoramento de sua análise. Michel Foucault 
(1985) foi o elo entre o campo do conhecimento historiográfico centrado no homem e o 
campo do conhecimento historiográfico centrado no ambiente. A simbologia, a lingua-
gem, em sua forma mais complexa, e a semiótica, em sua melhor definição, ampliaram 
o leque de uma Antropologia que se encontrava em crise.
Não podemos esquecer que a segunda metade do século XX gerou uma angústia para 
os antropólogos, eles estavam diante de uma ciência em decomposição. O estudo das 
civilizações não ocidentais deixava de ser o objeto dos antropólogos na proporção em 
que iam desaparecendo. A colonização europeia se intensificou e condenou os “selva-
gens”, “bárbaros” ou “primitivos” ao desaparecimento gradativo ou à incorporação dos 
valores ocidentais. Antes a Antropologia buscavaentender o “Outro”, depois passou 
gradativamente a utilizar os métodos que usava para observar o estranho para olhar e 
analisar a sua própria sociedade. O ocidental seria o objeto de estudo do Antropólogo, 
em grande parte, também um ocidental.
Neste trabalho, você notará como vários campos de conhecimento perpassam a análise 
antropológica – a psicologia, a história, a geografia, a linguística e a sociologia. Esta ati-
vidade foi gratificante por permitir perceber o quanto não há fronteiras para o cientista 
social, se elas existem, servem para definir formalmente a ciência. Foi isto que gerou a 
Antropologia como a conhecemos hoje. Se a antropologia não tivesse vivido a crise em 
relação ao seu objeto de estudo, ela não teria se recriado e encontrado a sua existência 
impregnada em meio às demais ciências sociais. Lévi-Strauss (1983) e Parsons (1978) 
merecem destaque nesse contexto. O francês e o norte-americano recuperaram teses 
APRESENTAÇÃO
ANTROPOLOGIA CULTURAL
do estruturalismo e da fenomenologia para alargar o campo de análise da antropo-
logia, que não teria sobrevivido sem eles.
Por isso, não poupamos esse cruzamento dos focos das ciências sociais. Aqui deno-
minamos formalmente o que nos parece natural, o rompimento entre as fronteiras 
entre os objetos de estudo das ciências humanas. Por isso, só por convenção, mas 
sem querer definir desta forma, a “interdisciplinaridade” é o termo que usamos para 
dar um título ao que este trabalho busca expressar. Antropologia se tornou refúgio 
e fio condutor do que se desvia e retorna, faz e refaz o objeto e, por fim, consolida o 
que colocamos anteriormente, “o homem por inteiro”.
Em vários momentos do livro você notará o quanto desdobraremos temas, refor-
mularemos a compreensão e detalharemos os pontos apresentados. Sei que em di-
versos lugares tudo também poderia ter sido analisado e explicado com mais deta-
lhes, contudo não conseguiria dar conta de tudo, seria desumano. Espero, inclusive, 
que você fique com vontade de buscar mais análises, de entender melhor os temas 
abordados e mesmo de discordar das abordagens apresentadas. Isso é o que faz as 
ciências sociais ser o que são, no caso, complexas.
Faz-se necessário lembrar que olhar para a espécie humana e se dispor a compreen-
dê-la não são tarefas fáceis. Para muitos, desperta-se uma busca por uma explica-
ção final, conclusiva sobre o ser humano, isso é impossível. Aconselho você, caro(a) 
aluno(a), a ir além do que está neste trabalho, a não procurar respostas prontas. Em 
determinados momentos traço, com certa ironia, determinados aspectos da traje-
tória da humanidade. Não o faço para polemizar, mas apenas para puxar a reflexão 
de uma forma mais picante, esquentar o tema. Ser um escritor incendiário ajuda a 
aquecer a frieza com que se trata certos temas da vida humana. 
Tentei deixar gravado o máximo de informação e trançá-la a temas diversos sobre os 
quais se devem ter olhares múltiplos para se chegar a determinadas conclusões, as 
quais nunca são finais. Sempre haverá alguém cuja função é instigar a busca de uma 
nova forma de compreender determinados temas, nesse sentido, foi esse o papel 
que busquei desempenhar neste trabalho. 
Um detalhe importante são as notas de rodapé. Elas são muitas e merecem ser li-
das. Não é uma prática comum se ater a elas muitas vezes consideradas detalhes. 
Contudo, elas são desdobramentos de uma discussão central. Neste trabalho, e aqui 
um vício do autor, elas representam um aprofundamento de temas, correlações e 
relações que irão construir, ao longo da obra, reflexões que dão riqueza ao aos te-
mas abordados. 
Considero que, na produção de um material com esta envergadura, há um compro-
metimento em seguir adiante, ir além. Não se pode passar por um campo fértil sem 
semeá-lo ao máximo. As notas de rodapé têm esse interesse. Em um determinado 
momento, elas deveriam se tornar um capítulo à parte, mas são tantos os temas que 
abordam e de forma descomprometida com as fronteiras do tema, que abuso delas. 
Ao mesmo tempo em que justifico a abundância, reafirmo a importância. É possí-
APRESENTAÇÃO
vel ler o texto desconsiderando-as, mas muitas informações nelas contidas podem 
passar despercebidas.
Quanto à linha de raciocínio deste texto, ela é simples. Parti da construção da con-
dição social humana e da formação das civilizações ao longo da história, destaque 
para os encontros entre os grupos humanos. Foi nesse caminho que a constituição 
da civilização ocidental foi o elemento de maior interesse. Somos ocidentais. Nós, 
brasileiros, somos um fruto da expansão europeia, não podemos negar nossa ori-
gem, temos que entendê-la. 
Dentro desta ótica se faz necessário perceber a importância da formação das ins-
tituições nas quais estamos inseridos. Quando afirmamos nossa ocidentalização, 
estamos estudando nossa própria identidade, nossa construção enquanto seres 
humanos. 
Construída em uma expansão além do continente europeu, os ocidentais se en-
controu com inúmeras outras civilizações. A história deste encontro é marcada pela 
violência. Os relatos dos povos considerados “estranhos” foram realizados por uma 
grande quantidade de viajantes.
A imposição da civilização europeia sobre o mundo conquistado foi o elemento vital 
para os primeiros relatos sobre os “selvagens”. Os diários dos viajantes contam muito 
da consideração que se tinha sobre quem era, de forma genérica, um não europeu.
Em um segundo momento, é vital falar do nascimento da Antropologia como ciên-
cia, desde o que chama Laplantine de, “a pré-história da Antropologia”, onde os rela-
tos dos homens ocidentais são carregados de definições teológicas, considerando 
o “selvagem” como um ser exótico entre a pureza, ingenuidade, sem pecados e ne-
cessitando da conversão cristã; ou como um ser demoníaco, perdido, jogado em um 
barbarismo onde a escravidão e o extermínio seriam seu destino. Os relatos trazidos 
pelos viajantes são publicados na Europa e despertam análises sobre o “Outro”.
Uma longa jornada eurocêntrica marcou os relatos sobre os povos que se relacio-
naram com as nações européias. O nascimento da Antropologia é como um instru-
mento ocidental de descrição e classificação sobre os chamados de “selvagens”.
Em uma fase posterior, com o amadurecimento da Antropologia como ciência, se 
racionaliza o homem não europeu. Enquadravam-se os povos e estabelecia-se uma 
escala de desenvolvimento, na qual a Europa “civilizada” estaria no topo dessa evo-
lução e, por isso, teria uma condição quase que natural de se impor. Conhecer os po-
vos não europeus está, nessa fase, ligada à necessidade de propagar a racionalidade 
e enquadrar os primitivos na linha do tempo da evolução. Hegel é radical ao analisar 
os povos não europeus a partir dos relatos trazidos pelos viajantes: eles estão fora 
da história humana, à margem das civilizações.
Malinowski e Boas (ano) ganham destaque na fase de consolidação da Antropologia 
como ciência. São eles que inauguram a pesquisa participativa. Aquela que deter-
mina a vivência com o povo estranho, conhecer aqueles que não fazem parte da ci-
APRESENTAÇÃO
vilização ocidental. Nessa fase, surgem o funcionalismo e o estruturalismo, campos 
de conhecimento que tendem a compreender os nãoeuropeus em sua vida natural. 
A Antropologia se torna um laboratório a “céuaberto”. Malinowski considerava que 
o antropólogo é hospede e aluno da civilização que observa. Deve saber ouvir, ver, 
cheirar e escutar. Ele é o que deve absorver todas as informações possíveis e consti-
tuir um mosaico do que vê.
Os dois autores clássicos da Antropologia consolidaram a ciência, mas são acusados 
de contribuir para a exploração dos povos que estudaram. As informações obtidas 
permitiram gerar governos de coparticipação com nativose usá-los para atender 
aos interesses dos colonizadores. Vamos analisar, neste trabalho,o quanto o conhe-
cimento científico serviu, de uma forma geral, para desenvolver mecanismos de do-
minação.
Por fim, vamos analisar a Antropologia na atualidade. Seus novos objetos de análise 
na sociedade urbana. A cidade é hoje o mais importante espaço de concentração 
humana. A maioria da população do Planeta reside em cidades. As grandes, com 
mais de 300 mil habitantes, vão ser a moradia de 40% da população global até o 
meio deste século. Por isso, nos ativemos, por certo tempo,à compreensão dos fe-
nômenos urbanos, o “mundo das novas tribos”.
São nas duas últimas unidades deste trabalho que repousam o maior desafio, a for-
mação social brasileira e a questão afro-indígena. A construção da nação é fruto 
da formação do caldo, com afirma em sua obra, “O povo brasileiro”, Darcy Ribeiro 
(1995). A mistura, o caldo, gerou a pátria e ao mesmo tempo a unidade e conflito 
na formação do Brasil. Gilberto Freyre (2005), Sérgio Buarque de Holanda (1995) e 
Darcy Ribeiro (1995) são as referências para a construção de uma análise sobre a for-
mação social do Brasil. Clássicos são para serem lidos e relidos, mais que as interpre-
tações sem a mesma envergadura. Eles vão às raízes ibéricas para falar da formação 
brasileira, passam pelo encontro étnico e pela construção dos elementos culturais 
que formam a identidade brasileira. 
Por fim, o maior desafio foi falar da cultura afro-indígena. Há uma ausência de ma-
teriais de pesquisa confiáveis, assim, pus-me a ler uma coleção publicada pela ONU 
sobre a história da África. Sofri, mas percebi que, apesar de ter lido várias obras so-
bre o tema, foi a produção deste material que amadureceu ainda mais minha paixão 
pela “ponte sobre o Atlântico”. Nunca esquecendo que o Brasil é o país mais afro fora 
da África. 
Bom, espero que você goste deste livro na mesma proporção em que gostei pro-
duzi-lo. Se for algo que acrescente a sua vida, eu terei realizado meu objetivo. Rom-
per preconceitos e pré-conceitos é conhecer, aqui está uma oportunidade que não 
perdi. Espero que ela te ajude, também, a superar um pouco do olhar viciado que 
temos sobre os “Outros”, eles nada mais são do que nós de outra forma.
Gilson Aguiar
APRESENTAÇÃO
SUMÁRIO
11
UNIDADE I
O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA
17 Introdução
18 Construção da Identidade Humana 
22 Os Encontros entre as Civilizações 
24 O Nascimento do Ocidente 
54 Os Primeiros Passos da Antropologia 
68 Considerações Finais 
UNIDADE II
ANTROPOLOGIA CULTURAL
75 Introdução
76 A Racionalidade como Forma de Compreensão das Civilizações não 
Europeias
82 O Papel de Dominação que a Antropologia Exerceu em seu Nascimento 
 como Ciência
93 A Questão da Emancipação do Evolucionismo e a Formação de uma 
Antropologia fundada na Pesquisa Participativa
SUMÁRIO
UNIDADE III
A CRISE DO HOMEM OCIDENTAL
125 Introdução
127 A Crise de Identidade da Antropologia como Ciência 
137 O Estudo do Homem Contemporâneo e seus Dilemas 
151 Os Novos Rituais de Consumo e a Simbologia Como Diferença 
182 Considerações Finais 
UNIDADE IV
BRASIL: A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE E DE UM ESTADO 
AUTORITÁRIO
187 Introdução
188 As Condições Sociais, Econômicas e Culturais para a Formação da 
Colonização Portuguesa
209 A Instalação da Colonização e o Papel do Engenho 
224 Brasil, Uma Nação do Futuro Desde o Passado 
245 Clássicas Saídas e os Pensadores Clássicos 
258 Considerações Finais 
SUMÁRIO
13
UNIDADE V
O ENCONTRO COM O INDÍGENA E A PONTE COM A ÁFRICA
267 Introdução 
268 Moradores da Terra Brasilis 
279 Encontros Étnicos e a Formação do Brasil 
294 Considerações Finais 
299 Conclusão
301 Referências
U
N
ID
A
D
E I
Professor Me.Gilson Aguiar
O NASCIMENTO DA 
ANTROPOLOGIA
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Conhecer a formação da Antropologia como ciência e sua relação 
com a formação da civilização ocidental.
 ■ Compreender a Antropologia como o resultado da expansão do 
Ocidente sobre as demais civilizações no mundo.
 ■ Entender o dilema da construção da identidade humana, como ela 
está associada à visão que o Ocidente estabeleceu sobre inúmeros 
povos.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ Construção da identidade humana
 ■ Os encontros entre as civilizações
 ■ O nascimento do Ocidente
 ■ Expansão Ocidental
 ■ Os primeiros passos da Antropologia
17
Introdução
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INTRODUÇÃO
Somos ocidentais. Essa afirmação precisa ser entendida para podemos compre-
ender o ambiente em que a Antropologia nasce. Sua formação como ciência viria 
mais tarde, mas a condição em que ela foi gerada está relacionada diretamente 
à formação da civilização ocidental. Foi nesse berço de incentivo à conquista, à 
expansão das fronteiras, que a Antropologia nasceu. Se hoje ela não tem mais 
esse aspecto funcional de conquista, sua origem está impregnada de preconceito 
sobre as demais civilizações. 
Quando falamos em observar as condições do homem como um ser total, 
único, o qual a Antropologia pretende como objeto na atualidade, estamos 
falando do resultado de uma jornada iniciada na Grécia Antiga, com filósofos 
e sua busca de um sentido para a existência. O homem europeu enquadrou o 
“estranho”, o “outro”, e lhe deu um valor que foi inspirado nele mesmo, no pró-
prio homem cristão europeu, diante de um mundo para conquistar. 
Nesta unidade, queremos abordar esse olhar construído ao longo da história 
ocidental, seus interesses econômicos, suas relações sociais e seus símbolos cultu-
rais. Tais elementos foram geradores de uma civilização conquistadora que ousou 
ser planetária e realizou essa ambição. O mundo sentiu o peso do Ocidente, e a 
Antropologia foi a ciência que ajudou a conhecer os povos que dominou, dan-
do-lhes um sentido para enquadrá-los no plano mundial.
Para que a conquista planetária fosse bem-sucedida, foi preciso compreender 
a simbologia gestada ao longo de mil anos. Como o cristianismo, por exemplo, 
que foi fundamental para orientar o interesse da ambição comercial. Se o lucro 
era um desejo, restava saber onde ele se encaixava na compreensão de um uni-
verso concebido por um “Deus único” onipresente e onipotente. Diante disso, 
qual o papel que os Estados Nacionais desempenharam para que isso ocorresse? 
Essas são questões que também compõem parte desta unidade. 
O primeiro relato sobre os povos que se relacionaram com a civilização 
ocidental gera a produção de “impressões” sobre os não europeus, o que será 
determinante para a conduta do ocidente diante do que se chamou de “selva-
gem”. O europeu se considerou o “salvador de almas” e também o “exterminador 
dos pecadores”. Nesse sentido, apropriar-se das riquezas que o mundo oferecia 
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O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
I
e tornou mais compreensivo dentro da lógica de que ele estava cumprindo uma 
predestinação divina.
Por isso, se a Antropologia, em sua fase de reconhecimento como ciência, 
lançava seu olhar sobre outros povos, hoje ela lança o olhar sobre o próprio ser 
humano ocidental. Assim, a descoberta é nutritiva, mas, em certos momentos, 
pode ser amarga, ao descobrirmos que muitos dos que denominamos “selva-
gens” são dóceis em comparação com nossos atos de selvageria.
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE HUMANA
UM “SER” EM BANDO: BREVE CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO
As civilizações se formaram de elementos que geraram unidade, integração, entre 
seus membros. Esses elementos foram os mais variados. Paraalguns, a atividade 
econômica desempenhou um papel central nas relações estabelecidas entre os 
mais diferentes agentes sociais, dando a tais relações uma forma. Porém, não 
podemos considerá-la como elemento único, isso seria um facilitador que não 
gostaríamos de utilizar aqui, portanto, outros elementos devem ser considerados.
19
Construção da Identidade Humana
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Há, na construção das civilizações, essa integração que se estabeleceu em 
diversas partes do mundo e gerou a construção de instituições sociais comple-
xas, caracterizando uma diferenciação de papéis sociais necessários para atender 
ao organismo que se construía ao sabor das necessidades nascidas de sua fer-
mentação. As relações entre os homens, em determinados momentos históricos, 
devem ser compreendidas levando em consideração condições específicas em 
que a ordem se constituiu. Há efeitos de uma natureza associados às condições 
em que as relações sociais se estabelecem herdando do passado os significados 
das necessidades presentes. Temos que entender que o significado de uma pos-
teridade também está presente na construção dos sentidos sociais.
Logo, o que quero estabelecer aqui, caro(a) leitor(a), é que a construção de 
uma civilização, como a chinesa, por exemplo, tem suas peculiaridades. Há, 
nessa perspectiva, pouco significado na tentativa de buscar uma semelhança na 
constituição das civilização mesopotâmica e egípcia, as quais, de certa forma, no 
tempo cronológico, foram contemporâneas. As condições em que cada civilização 
se estabeleceu atenderam a necessidades próprias. Assim, outras civilizações que 
não delimitaram o mesmo formato das civilizações citadas se encaixam na mesma 
consideração, devem ser entendidas em suas condições específicas de formação.
A especificidade de uma civilização é constituída quando ela se coloca diante 
da natureza e traça suas condições de sobrevivência, desenvolvendo mecanismos 
de apropriação desse meio. Da mesma forma, podemos dizer que característi-
cas que limitam o ser humano também são formadoras de certos aspectos que 
individualizam determinada cultura. O traço que gera o que, ao longo do tempo, 
molda uma civilização, como uma digital, singulariza a sua forma de organi-
zação em relação a qualquer outra que existiu, existe ou existirá na história da 
espécie humana.
Por mais que a Antropologia Clássica buscasse a constituição de uma linha 
evolutiva e classificatória para as civilizações que habitaram ou habitam a Terra, 
ela nunca conseguiu se estabelecer em documentações empíricas, em provas docu-
mentais materiais ou imateriais. Não há evolução, mas, sim, construção de uma 
civilização. Há a formação de uma singularidade que se estabelece ao longo do 
tempo de encontros. Mesmo entre as civilizações expansionistas, que vieram a 
submeter uma quantidade significativa de outras civilizações ao seu poder, essa 
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padronização ou determinação comum não foi eficiente.
Se utilizarmos o exemplo do antigo Império Romano e a imensa quanti-
dade de povos que dominou, então, perceberemos que a relação estabelecida 
com o poder central da república ou do império centrado na Península Itálica 
foi diferenciada. As instituições romanas, como as leis, a língua latina, a ativi-
dade econômica, formalizaram a integração. Mas por si só não foram capazes 
de amputar a originalidade. Claro que os efeitos do domínio romano ficaram no 
que se constituiu como herança do império. A língua latina e o cristianismo são 
exemplos, mas a singularidade permaneceu para construir uma identidade única.
Não podemos considerar como idênticas, em intenção e identificação, as 
civilizações que cumpriram ao longo da história humana papéis distintos, uma 
vez que o julgamento de valor comparando-as gera deformações. Não é possível 
classificar como “melhor” ou “pior” civilizado. Não há a organização “perfeita”. 
Se fôssemos buscar essa resposta, teríamos que partir de uma escala de valor 
preestabelecida, o que denunciaria um preconceito gerador de um pré-conceito. 
Anteporíamos nós mesmos a qualquer outro. Por muito tempo, a Antropologia 
foi o resultado dessa perspectiva1. 
O processo civilizador se alterou, ao longo da jornada humana, com o con-
tato estabelecido entre os diversos povos. Esse contato se intensificou com o 
desenvolvimento das práticas mercantis, como já falamos. Além do intercâm-
bio de produtos, há o movimento de pessoas, mudança de seus hábitos, assim 
como transformação da linguagem, da interpretação e da ação sobre o mundo. 
As migrações tiveram efeitos devastadores para muitas civilizações. Em deter-
minados momentos da história humana, o estrangeiro se impregna e refaz as 
identificações chamadas de “nativas”. Ao longo do tempo, há exemplos de como 
o movimento de pessoas foi determinante para a humanidade, da migração 
hebraica ao tráfico negreiro, do holocausto judeu à xenofobia na atual Europa.
Não se pode desprezar os encontros humanos, muito menos os seus resul-
tados. Na atualidade, na formação de um mundo integrado pelo capitalismo, as 
1 Não só a Antropologia, a produção do conhecimento ocidental ligado às ciências sociais serviu de 
instrumento de imposição e dominação na trajetória que construiu a contemporaneidade. Essa prática 
ainda não cessou. Ela continua sendo para muitos o motor que justifica a análise sobre as civilizações que 
habitam o mundo. A busca pela ordem perfeita que justifica todos os atos de dominação, extermínio e 
imposição de interesses econômicos e culturais.
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movimentações se intensificam e seus resultados se aceleram, e muitos deles 
ainda estão por vir, o que gera uma dificuldade de conceituá-los e de entender 
seus efeitos. Mas eles se fazem sentir, existem e dificultam nosso entendimento 
sobre os limites de nossa civilização. Muitos dos que chamamos de “bárbaros” 
hoje, na prática, são um de nós.
Hoje, no mundo contemporâneo, discute-se sobre os efeitos de uma “glo-
balização” de uma economia mundial e sobre a mídia de massas. Para os que 
ainda sustentam os efeitos da mundialização, termo cunhado por Octávio Ianni 
(1999), há uma integridade que rompe fronteiras, aproxima, manipula a regiona-
lidade e gera possibilidades múltiplas. Dessa forma, temos que concordar com o 
que ele apresenta com um “globalismo”. Estamos integrados, mas isto não signi-
fica massificados. Há um outro ou “outros” e suas singularidades. Não podemos 
esquecer isso.
Não romperemos com essa condição de identidade singular de uma coleti-
vidade, já que essa condição faz parte da própria relação que estabelecemos com 
nossas heranças, com o lugar onde vivemos, com o que denominamos “nosso” 
mundo. A forma como constituímos nossos vínculos e estabelecemos a fronteira 
entre o “nós” e os “outros” são construções incessantes da dinâmica social, que, 
por sua vez, é fruto das relações que estabelecemos. O homem que produz, crê, 
se expressa pela linguagem e ritualiza simbolicamente sua existência ocasiona a 
singular humanização do humano.
Em determinado momento, a Antropologia chegou a buscar esse homem 
na sua totalidade. Ela percorreu inúmeros caminhos para atingi-lo. Porém, ela, 
mais do que qualquer outra ciência, tem a condição de responder, a esse ser de 
forma integral e em sua particularidade civilizadora. Hoje, as cores das cidades 
se misturam e a diversidadeamplia o leque de possibilidades que os movimentos 
humanos desenham. Haverá mais integração, sim. Porém, há uma diversidade 
singular acontecendo em cada canto, isso é inegável. Mais do que nunca, a antro-
pologia tem um campo vasto para crescer e vasculhar o mundo mexido por esse 
homem total.
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OS ENCONTROS ENTRE AS CIVILIZAÇÕES
Somos uma espécie marcada pelo movimento. O ser humano é um migrante cons-
tante e assim foi construída a existência sobre o Planeta. O andante eterno que 
por fatores múltiplos se desloca em todas as direções. As ocupações territoriais 
desenhadas ao longo da história humana podem ser analisadas em muitos aspec-
tos. Falar das necessidades econômicas, entender os rituais, a cultura que tem em 
si o estímulo a buscar “além do horizonte”. A migração é uma constante social.
Na antiguidade, o aparecimento das primeiras civilizações no Oriente Médio, 
na Ásia ou na África demonstrou que foi por meio dos deslocamentos constantes 
que as civilizações se organizaram com uma estrutura social e econômica. Esse 
fato daria início à longa história da espécie humana cuja complexidade demonstra 
os registros mantidos até hoje. O sedentarismo foi fundado na produção agrí-
cola, em que a lavoura de subsistência foi, depois, substituída pela produção do 
excedente, e marcou o desenvolvimento dos instrumentos, da possibilidade da 
organização familiar patriarcal, da formalização do Estado, como agente de orga-
nização e estabelecimento do poder sobre um determinado território.
A identificação social gerou as primeiras religiões, nelas o convívio social 
passaria a obedecer a uma ética complexa que se colocava mais eficiente que os 
rituais mágicos que predominavam em grande parte dos grupos sedentários. 
Os monarcas que se constituíram como representantes de estado nas primei-
ras civilizações, eram vistos como representantes de divindades religiosas. Eles 
eram ao mesmo tempo o elemento unificador da norma coletiva e a legitima-
ção da posse do território. 
Claro que, ao se falar do exercício de dominação sobre uma porção de terra, 
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é importante se lembrar da longa jornada de combates que permitiram o esta-
belecimento do poder sobre o território. A organização militar necessitou da 
formação de uma rede de produção para o abastecimento das tropas em tempos de 
guerra e também para mantê-las em treinamento constante em períodos de paz. 
O tempo de permanência em um determinado território não foi o fim dos 
processos migratórios que formaram as primeiras civilizações. Elas continua-
ram sua jornada, mantiveram sua busca e se desdobraram em expedições que 
percorreram regiões vizinhas e promoveram, em alguns casos, a expansão terri-
torial. Nasceram os “impérios”: Chinês, Babilônico, Egípcio, Persa, Macedônico 
e, mais tarde, o poderoso Império Romano.
Mas, se os impérios nasceram na Ásia, também se propagaram pela África, 
como é o caso do Império do Sudão (Núbia), parte do antigo império egípcio. 
Na América, os Impérios Inca, Maia e Asteca se desenvolveram e promoveram 
conquistas entre os séculos VIII e XVI. A história da humanidade pode ser mar-
cada pela formação dos impérios, mas, mais do que isso, ela é o resultado do 
movimento, do povoamento, do domínio.
A formação das civilizações que constituíram o Estado e que se estabelece-
ram em determinados territórios fundou-se na exploração de uma determinada 
atividade econômica. A agricultura foi o elemento mais importante, assim como 
a criação de animais. Porém, os desdobramentos da prática comercial em mui-
tos dos povos da antiguidade deram oportunidade para que ocorresse o contato 
entre as civilizações. Entre as civilizações mercantis da antiguidade, se destaca-
ram fenícios, gregos e romanos.
Entre os fenícios, se desenvolveu o alfabeto fonético que viria a se tornar 
elemento fundamental para a gramática que chegou ao ocidente. Mesmo 
as civilizações que os sucederam utilizaram este alfabeto para agilizar a re-
lação entre as nações nas quais se promoveu o comércio. Esta capacidade 
de desenvolver a língua comum ou elementos simbólicos que permitam 
conhecer o outro, se torna fundamental entre os homens.
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O NASCIMENTO DO OCIDENTE
Fica cada vez mais claro que não conseguimos nos livrar de nossa carga ociden-
tal nem quando estamos analisando ou descrevendo o processo de formação das 
diversas civilizações. Continuamos a determinar que a Europa ocidental tem o 
papel de formar a civilização e de conferir sentido ao estudo de outros povos e 
sociedades que ocupam o Planeta. 
Poderíamos abordar, quando discutimos o desenvolvimento das práticas 
mercantis ou do processo de ocupação dos territórios, o que aconteceu na Ásia, 
quando da expansão da economia mercantil chinesa ocorreram contatos que esta 
civilização fez com outros povos que habitavam o Oceano Pacífico e a Oceania. 
As navegações do Império Celestial chegaram ao Oceano Índico e mantiveram 
relações comerciais com a costa oriental da África e com o território da Índia. 
Não podemos deixar de mencionar as viagens chinesas à costa da América pelo 
Oceano Pacífico. Os mapas que os europeus utilizaram em suas navegações eram 
chineses2. O curioso da produção cartográfica chinesa é que o Império Celestial 
estava no centro do mundo desenhado em seus mapas (REGO, 2012)3.
O que nos parece intrigante é que diante de um desenvolvimento cartográfico 
singular para seu tempo, os chineses não promoveram uma conquista planetá-
ria como a civilização Ocidental Cristã Europeia implantou. Mesmo tendo as 
condições materiais, técnicas e humanas para essa aventura de dominar outros 
povos, a China preferiu o cerco de suas muralhas. Elas nos dão uma dimensão 
do que o discurso de superioridade possibilita em duas ações aparentemente 
antagônicas: na primeira, a busca de conquistar e submeter; a segunda, o caso 
2 A navegação europeia pelo Oceano Atlântico dependeu dos mapas chineses. A Itália foi o centro comercial 
que permitiu que estes documentos chegassem à Europa, às nações ibéricas, os quais eram isntrumentos 
para o sucesso das expedições pelos monarcas católicos de Portugal e Espanha. A astúcia dos navegadores 
era, em grande parte, justificada pela documentação cartográfica produzida pelo império asiático.
3 Neste trabalho de dissertação de mestrado está o relato e os desdobramentos de uma análise documental 
da presença da Companhia de Jesus em território Chinês, no século XVII. A relação entre o pensamento 
cristão e a influência do confucionismo. Mais tarde, no século XIX, a influência ocidental será hostilizada 
na China. Muitas das comunidades católicas foram eliminadas e as que sobreviveram sofrem discriminação. 
 Um dos principais personagens que produziram os documentos, que são fontes da análise de Luís Rego, é o 
jesuíta Nicolas Trigault (1577-1628). Ele viveu, a partir de 1612, entre os chineses e desvendou documentos 
que mostram que a China concebia sua civilização no centro do Universo e suas províncias como as regiões 
civilizadas do mundo.
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chinês, o de se isolar para não se contaminar com o “estranho”, o “impuro”, o 
“inferior”.Os nossos muros que cercam condomínios e casas nos dão a dimen-
são deste significado.
O importar-se com o outro, querer entendê-lo, dominá-lo, conhecê-lo é um 
exercício que os ocidentais cristãos promoveram como nenhuma outra civiliza-
ção da história. A ciência é considerada “universal” pela batuta ocidental, esta 
é geradora de inúmeros campos de saber, entre eles a Antropologia, a qual, por 
sinal, foi a que melhor expressou o olhar do europeu sobre o mundo. 
A curiosidade sobre o “estranho”, chamado ao longo da história de bárbaro, 
selvagem ou primitivo, demonstra a necessidade de conhecer, em muitos casos, 
para dominar. O saber que se constituiu sobre as inúmeras civilizações do Planeta 
foi vital para o sucesso da empresa conquistadora em que se transformou a Europa. 
Para atingir tal sucesso, algumas etapas tiveram que ser superadas, vamos então 
falar sobre elas e também deste ocidentalismo que constitui o “campo fértil” da 
Antropologia. Esse é o nosso próximo passo, a nossa próxima “aventura”4 .
SOMOS OCIDENTAIS
Não é fácil admitir nossa enraizada origem de concei-
tos e preconceitos que define nossa própria existência. 
Vou chamá-la aqui, só para dar uma dimensão inicial 
do que estamos falando, de a “água de Mileto”. O pen-
sador grego considerava que o elemento que existe em 
todas as coisas do universo deveria ser a sua essência. 
Como a água estava presente na maioria dos elementos 
do Mundo, ela poderia ser essa essência.
Mas o que chamo aqui de “essência ocidental” é a 
4 Gosto deste termo “aventura” ao desenvolver a análise e apresentação do conteúdo sobre a Antropologia. 
Diversos fatores me levam a crer que, ao constituir uma abordagem sobre um tema tão complexo e difuso, 
temos que ter a dimensão do que ele representa e do que não se propõe a ser. Toda e qualquer análise tem 
suas oposições, suas convergências e divergências. Por isso, ela cai, em muitos casos, na construção que o 
pesquisador dá a ela no momento em que produz sua abordagem. Os efeitos que ela promoverá, as questões 
que pode despertar e as oposições que venha a disseminar fazem parte desta “aventura”.
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impregnada conceituação do mundo a partir de um arquétipo que nos constrói 
nos elementos mínimos e o qual não podemos abandonar. Ele é nós mesmos, 
ainda que queiramos negá-lo. Talvez, só possamos fazer a negação porque temos 
a certeza de que existe, está em nós. Platão, o filósofo grego, considerava que o 
arquétipo do bem é que faz todas as coisas boas que existe no mundo. O bem é 
para nós o que conceituamos como tal, assim como o mal.
Dessa forma, a civilização ocidental, através de seus pensadores, se posiciona 
no universo e nele coloca um sentido, dando-lhe uma forma original que seria a 
base para o que seria construído ao longo da história da conquista planetária por 
cinco séculos. A ocidentalização do mundo não é mais do que a realização do 
que o ocidente estabeleceu, o seu próprio universo. François Laplantine (2000, 
p.52), em sua obra “Aprender Antropologia”, argumenta ao falar do olhar dos 
ocidentais sobre os outros povos que encontrou em suas conquistas:
Tais são as diferentes construções em presença (nas quais a repulsão se 
transforma rapidamente em fascínio) dessa alteridade fantasmática que 
não tem muita relação com a realidade. O outro – o índio, o taitiano, 
mas recentemente o basco ou o bretão – é simplesmente utilizado como 
suporte de um imaginário cujo lugar de referência nunca é a América, 
Taiti, o País Basco ou a Bretanha. São objetos-pretextos que podem ser 
mobilizados tanto com vistas à exploração religiosa ou à emoção esté-
tica. Mas, em todos os casos o outro não é considerado para si mesmo. 
Mal se olha para ele. Olha-se a si mesmo nele.
EXPANSÃO OCIDENTAL
Para se compreender a dimensão da ocidentalização para a Antropologia, se faz 
necessário compreender a própria formação ocidental e lançar um olhar antro-
pológico e etnográfico sobre o “próprio berço” do observador. É preciso, ainda, 
entender, pelas nossas ferramentas de pesquisa e análise, como constituímos 
uma civilização capaz de submeter os povos do mundo sob a regência de uma 
economia de mercado fundada no sentido do lucro, da acumulação racional da 
riqueza, instrumentalizada pelo desenvolvimento da ciência e pela concepção de 
superioridade civilizadora ou, infelizmente, pela superioridade racial.
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Se formos estudar a formação ocidental, então temos que resgatar os ele-
mentos que fizeram da Europa Cristã o local, em tempo e espaço, ideal para a 
formação dessa civilização. A decadência de um Império Romano e a emergên-
cia de um ruralismo bárbaro impregnado de um misticismo simbólico pode nos 
ajudar muito. Em nenhum momento de toda a sua trajetória como religião de 
raiz hebraica o cristianismo viu a incorporação de símbolos e rituais como na 
cristianização romana e, na sequência, na conversão dos germânicos, os cha-
mados “bárbaros”.
Ao mesmo tempo em que a cultura cristã se coloca como aquela que inclui, 
essa confere ao ocidente a legitimidade de sua representação. A santificação de 
todo o lugar está diretamente relacionada à sua cristianização, havendo, assim, 
a necessidade de converter para salvar, de ir onde o infiel está. As peregrinações, 
as cruzadas, as conversões missionárias que percorreram a história e ainda hoje 
se processam têm esse fundamento. Nesse ato de levar a fé se legitima o direito à 
conquista, ao estabelecimento das instituições “civilizadoras” e “catequizadoras”. 
O olhar sobre o “outro” ganha um contorno pré-disposto a relacioná-lo à obra 
divina. Um universo que tem como fronteira o infinito e como autor o Deus oci-
dental. Assim, tudo o que existe no mundo estabelecido tem sob a perspectiva da 
civilização o direito à “apropriação” no sentido de fazer de todos os lugares uma 
parte da “digna” obra civilizadora do ocidente. É com esta apropriação que a civi-
lização ocidental se lançou para a conquista planetária. O domínio de diversos 
territórios e a produção dos discursos de supremacia civilizadora ocidental cristã.
O BERÇO
Para que brote a planta, se faz necessário o cultivo da terra. É preciso que o solo 
tenha todas as condições necessárias para a fertilização. Em solo fraco, se faz 
necessária uma semente capaz de sobreviver com pouco estímulo. Em determi-
nados campos férteis, mesmo tendo uma origem medíocre, a semente brota e a 
planta cresce. Uma civilização também obedece aos estímulos do ambiente, os 
quais podem vir das heranças incrustradas ao longo do tempo que geram perma-
nências que se moldam e absorvem o novo, também podem vir dos encontros, 
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dos valores estrangeiros que dão um significado ao que as heranças não são 
capazes de responder.
Para analisar a construção da civilização ocidental, é preciso entender o seu 
berço, o continente europeu. Poderíamos defini-lo como uma arena onde diversas 
civilizações brotaram e se entrelaçaram ao longo de séculos. Nessa interposição 
de movimentos e redefinições de territórios, línguas, comandos e religiosida-
des, o Império Romano foi o mais estável no que se refere à manutenção de seu 
poder. A hegemonia latina estava para além do domínio das terras, sua cultura 
estava presente na construção de um conceito de ser humano, do homem euro-
peu. Roma soube conciliar sua herança à cultura dos conquistados ao mesmo 
tempo em que desta absorviao melhor. A história do Império é a de uma multi-
culturalidade. Diversas culturas povoaram as cidades romanas. Se a regionalidade 
permaneceu nos campos de trigo, nas regiões de mineração e nas províncias mais 
distantes, em cidades como Roma, Alexandria, Antioquia e Bizâncio ocorreram 
uma intensificação da cultura cosmopolita5.
Não quero deixar de mencionar a construção da intelectualidade romana e o eixo 
condutor da lógica que a constrói. 
Da cidade latina, Roma, ao pode-
roso império que se propagou do 
Atlântico ao deserto arábico, a absor-
vência de múltiplas civilizações tem 
um eixo condutor que orienta o sen-
tido e dá personalidade ao Estado. 
Propaga-se nos discursos dos impe-
radores romanos a civilidade, ela é 
helênica, é grega. Importante pensar 
que os gregos foram para os macedô-
nicos assim como para os romanos 
5 Um dos objetos de estudo sedutores da antropologia é a cidade. Tanto ao longo da história de inúmeras 
civilizações como no decorrer das suas transformações. Na antiguidade, como no caso das cidades romanas 
tratadas aqui, ou na atualidade, com as imensas metrópoles que determinam a vida da humanidade além de 
suas fronteiras, as cidades representam um ambiente que refaz o ser humano. Ela é o ponto de encontro, o 
campo de convergência e onde a divergência ganha um impulso extraordinário. A vida tem na cidade o seu 
principal palco.
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uma referência de civilidade. 
A racionalidade dos gregos ampara-se na lógica das instituições. O com-
portamento do homem romano tem na ética e na estética grega um parâmetro, 
o qual foi polido pela praticidade que Roma deu às suas instituições e ações, 
expresso nos templos, nas obras públicas, na necessidade da funcionalidade. 
Mesmo no coliseu, no espetáculo, a relação entre o homem, o Estado e a civili-
dade está presente
Roma deu humanidade à perfectibilidade buscada pelos gregos. Na filosofia de 
Séneca, “o Jovem”, é possível entender essa característica. O filósofo romano se 
dizia abnegado de desejos no discurso, mas ambicioso na prática. O pensador 
foi uma contradição dentro de suas próprias ideias. O governo romano valoriza 
a ética, “a estética do bom comportamento”, segundo Russel, falando do pensa-
mento epicurista, considera a valorização dos prazeres materiais como condição 
para a felicidade (RUSSEL, 2001, p.150-1). Porém, não será na prática que vamos 
identificá-la e sim na sua intenção6. 
O que se propagou como o sentido do poder não é o que o sustenta. A luta 
pelo poder e conquista demonstra a eficiência que não passa pelo cumprimento 
6 Costumeiramente se coloca a intenção como uma busca necessária. Se ela for fundada em uma ética 
humanitária, teremos, no futuro, um ser mais humano. Como uma reflexão, ou mesmo com a intenção de 
gerar um debate, lanço a questão: você já imaginou se o cavalo que busca comer a cenoura colocada à sua 
frente soubesse que ela jamais será seu alimento, o que ele faria? Acredito que esta busca da ética tem uma 
relação próxima com a cenoura e nós com o cavalo.
Muitas vezes, no espetáculo do futebol em nosso tempo, nas transmissões 
de competições mundiais em que se utiliza de todos os aparatos para causar 
ao espectador o sentido grandioso que o evento dá aos seus patrocinado-
res, há uma identificação com o que Roma promoveu nos jogos do gladio 
ou no extermínio planejado de seus inimigos como um espetáculo para o 
“povo” romano. A civilidade se mostra e simboliza sua superioridade.
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da ética. O olhar sobre o legado que a antiguidade nos deixou deve ter este crité-
rio para sua consideração. Temos que considerar o poder instituído pela condição 
que o formou, ele não tem uma origem idealizada, o que o pensamento grego 
e romano produziu deu-se dentro de um ambiente que lhe serve de negação e 
afirmação. Na análise antropológica, esse cuidado deve estar presente, assim 
como na história e na sociologia. Em quantas civilizações a construção do poder 
veio acompanhada de uma lógica que o inspira, mas nem sempre cumprida. O 
que se propaga como verdade pode ser contrário à possibilidade que a divulga. 
Quem chega ao poder não denunciará como propaganda a sua forma cruel de 
conquistá-lo.
Da cidade romana ao campo feudal e da cultura agrária ao cristianismo
A decadência da civilização romana foi marcada pela fragmentação do poderoso 
império. Sua grandeza foi também o mal que o diluiu. A diversidade romana 
se alimentava de conquistas, embates constantes com os inimigos em fronteiras 
que se moviam cada vez mais “além”. Pela própria natureza da sociedade escra-
vista romana, alimentada por trabalhadores obtidos, principalmente, nas guerras 
expansionistas, a reprodução da ordem social estava ameaçada, com data de 
validade consolidada. Nada surgiu para dar outro destino ao Império Romano.
Não consideramos que somente o escravismo teria colocado o fim na civili-
zação romana. A queda romana foi consequência da própria relação estabelecida 
com as civilizações que dominava. O que os romanos pretendiam manter pela 
eternidade não poderia resistir às condições que a forma de dominação gerou. 
A grandiosidade das instituições romanas não estav imune às relações que as 
mantinham. A escravidão foi o maior exemplo e fator da queda romana. Nada 
disso perpetuou a ordem, tudo se refez em outra constituição social cujo funcio-
namento era adverso ao que atendia ao poder implantado pelo império secular, 
que, a partir do século III, já sentia os efeitos das rachaduras em suas estruturas. 
A ampliação de um território integrado só é possível na proporção em que se 
flexibilize a relação estabelecida em cada parcela do território e se torne rígida a 
eficiência da vida econômica, política e jurídica, as quais respaldam o sentido da 
obediência. A autoridade do imperador passou a representar interesses distintos 
nas diversas províncias romanas. Não por acaso, as legiões romanas, o exército 
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do império, instituição fundamental para a garantia da obediência, se trans-
formaram, em muitos casos, em milícias, que disputavam o poder com grupos 
rebeldes locais7. Os generais romanos que se espelhavam no poder do império 
e através dele se colocavam no comando de uma comunidade provincial passa-
ram a almejar o poder do Imperador formando seu próprio reino.
Os elementos invasores traziam consigo seus rituais, que semeavam uma nova 
compreensão das condições em que o Império estava estabelecido e suas culturas 
se propagavam. O cristianismo foi um tipo de contestação à Roma, foi o princi-
pal discurso de ruptura com a ordem do Império que o perseguiu. Contudo, sua 
permanência após a queda romana não se dará da mesma forma que surgiu, ou 
seja, como opositor dos césares. As instituições e valores romanos seriam funda-
mentais para dar ao cristianismo a longevidade. O próprio discurso e os rituais 
religiosos cristãos incorporaram a simbologia romana, retrabalharam os ritu-
ais bárbaros e formaram uma cristandade sincrética, mas também original. O 
livro de Hilário Franco Júnior (2001), “Idade Média: o nascimento do ocidente”, 
é uma leitura obrigatória para entender esta sociedade agrária que vai gerir em 
seu seio os elementos que formaram a ocidentalização. 
Nesse território latinizado, surgem os dialetos, se constrói no localismo um 
cerco de muralhas que oscastelos simbolizaram, mergulha-se na espiritualidade, 
na introspecção, na redenção do homem pela negação da matéria. Em tudo o 
que Séneca buscou como ideal o homem medieval mergulhou. Isso não ocorre, 
contudo, pela escolha, mas pela falta dela. A perda da integração comercial rura-
lizou e isolou, em muitos casos, a vida social. Estimulou o localismo com uma 
ruptura e não por meio de uma mudança gradativa. As guerras, pestes, fome pas-
saram a ser a máquina da eliminação. Em 300 anos, entre os séculos V a VIII, a 
Europa vê decrescer sua população de 24 milhões no século III para 16 milhões 
7 Aqui não queremos fazer nenhuma relação de semelhança de fatores ou relações que comparem 
qualitativamente ou quantitativamente os dois momentos, mas nas guerras urbanas que assistimos nas 
metrópoles mundiais, na Cidade do México, Bogotá, Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo, demonstram 
a perda de eficiência do aparato de segurança pública. A desobediência se alastra e novos rituais surgem de 
reconhecimento do chamado “poder paralelo”. Não por acaso, os milicianos, líderes de ordens criminosas 
organizadas, ganham prestígio, seguidores e produções culturais que exaltam o feito do contraventor. Nas 
periferias urbanas se produzem música e dança que têm como tema os conflitos armados, o comportamento 
dos rebeldes, e decantam os feitos realizados contra a força pública. No sentido inverso e apontando para a 
mesma direção de decadência da ordem, está o aparato de segurança pública que reproduz dentro do seu 
corpo a mesma lógica dos chamados “subversivos”, “marginais” e “bárbaros” que combatem.
O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA
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no século VII (FRANCO JR., 2001, p. 19). A morte se avizinhou, talvez por isso 
a religiosidade tenha se transformado em um elemento vital para dar sentido a 
uma vida curta. 
A forma como organizamos nossa sociedade para a sobrevivência, para a 
produção diária de nossa existência, está diretamente relacionada ao sentido 
que damos a ela e à forma como construímos os elementos que dão suporte 
às relações sociais estáveis, à família, ao trabalho, à propriedade, à cultura etc. 
Necessitamos reforçar o comportamento esperado para que seja cumprida a 
expectativa de cada elemento e a coletividade como um todo. O que se coloca, 
muitas vezes, ao estudar um determinado tempo histórico ou uma comunidade, 
é entender as mudanças. Estas são um reflexo de transformações que vão se pro-
cessando, fermentando, com o tempo.
O ambiente romano promoveu o encontro de inúmeras civilizações, mais 
que isso, estimulou determinadas práticas reforçadas pelo próprio Estado roma-
no,;houve também aqueles que agiam em sua contrariedade – os opositores 
também se manifestavam e buscavam na lógica do dominador uma oposição 
necessária. O embate entre o cristianismo e o Império Romano foi marcado pela 
descaracterização do imperador como o senhor de todas as coisas, uma nega-
ção, da autoridade máxima romana. Ao mesmo tempo em que se transformou 
na negação o cristianismo sobreviveu e se propagou dentro das estruturas gera-
das pelo Império Romano. A sobrevivência do cristianismo só foi possível se 
alimentando e perpetuando o legado romano.
Ao mesmo tempo em que a sociedade agrária que se constituía isolada e 
buscava a sobrevivência com as condições que a localidade lhe dava, o cristia-
nismo lhe foi herança do dominador decadente e combatido. Foi também o 
refúgio para o entendimento da vida que se constituía nas relações agrárias. A 
servidão e o senhorio nascem simbolizados pela redenção religiosa. Se a magia 
já fazia parte das religiões germana, bretã, céltica e goda, incorporaram do cris-
tianismo sua universalidade. Não por acaso, ainda hoje, na Igreja Católica, há 
uma grande quantidade de santos. Personagens intermediários entre a divindade 
maior (Deus) e elementos menores. Os deuses dos chamados “bárbaros”, polite-
ístas, diga-se de passagem, seguiam essa ordem. 
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Temos que considerar que essa foi a condição sob a qual o cristianismo 
sobreviveu na Europa, se transformou pelo sincretismo e surgiu com aspectos 
de originalidade. A fé se cria naquilo que sustenta as práticas que dão sentido à 
vida. Ainda hoje, em muitos locais onde o cristianismo se estabeleceu no mundo, 
esse sincretismo se expressa. O cristianismo foi trazido pelo europeu “civiliza-
dor”, e essa foi a justificativa dos conquistadores durante a aventura planetária 
da expansão marítima, tal pretexto tornou-se ainda ingrediente para a constru-
ção de aspectos únicos, particulares, do cristianismo, os quais permitiram que 
se criasse um canal vital para que se estabelecesse uma relação de dominação. 
Hoje, em relação à diversidade de aspectos que o cristianismo apresenta em algu-
mas partes do mundo, o Brasil é um bom exemplo, pois demonstra o quanto a 
cultura dominante se impregna da cultura nativa. Essa é uma característica que 
o cristianismo já carrega dentro de si desde sua origem romana, o que fez toda 
a diferença para garantir a dominação ocidental.
A Europa gestou um cristianismo exclusivamente seu. Ele nasceu das correntes 
humanas e de suas lutas para preservar a religiosidade agrária e a sobrevivên-
cia de uma frágil unidade que deu corpo ao que o “homem ocidental” viria a 
se tornar depois. O feudo, unidade de produção dos senhores, se constituiu da 
defesa do invasor generalizado. Não há uma guerra de reinos desenhada de forma 
lógica pela historiografia que existiu na Europa. Há, porém, entre os séculos V a 
No Brasil, a Umbanda é uma expressão de um sincretismo original. Uma ex-
pressão do que estamos argumentando como a condição de sobrevivência 
de rituais emaranhados com outro. A sobrevivência de uma África dentro de 
um cristianismo europeu com nova forma. Mas muito além disso é a condi-
ção de gerar a possibilidade de uma nova religião para garantir o convívio 
entre os opostos. O senhor de escravos tolera o afro que incorpora a estética 
cristã dos santos – São Jorge, Nosso Senhor do Bonfim e Santa Bárbara, mas 
esconde por de trás Ogum, Oxalá e Iansã.
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VIII, uma desagregação do império e uma sequência de conflitos em forma de 
orlas armadas nos quais se confunde o guerreiro e o camponês, a sobrevivência 
e o prazer pelo combate. As invasões bárbaras nada mais são que as pilhagens, a 
busca de superar a fome, de obter a terra, de estabelecer o domínio e de se pre-
parar para a estabilidade que se busca ou virá. Uma mistura entre a busca da paz 
por quem tem o amor à guerra8.
O desenho dos feudos europeus demonstra que a fertilidade do solo e a pos-
sibilidade de um clima estável, ou pelo menos previsível ao longo do ano, durante 
as estações, determinou a concentração populacional, assim como a das guer-
ras. Na geografia desenhada na Europa medieval, a população se concentrou nas 
regiões mais produtivas. A luta pela terra reflete a da sobrevivência, sua represen-
tação cultural, uma construção do sentido da vida. No cotidiano agrário, foram 
alimentados mais que os seres humanos, também a simbologia da linguagem, o 
exercício da autoridade, a representação social fundamental para a identificação 
com o trabalho. A vida imaterial do homem europeu medieval foi mais intensa 
do que se descreve costumeiramente.
A AUTORIDADE DA IGREJA E O PREÇO DAS 
VIDAS
 
O processo de centralização religiosa é outro aspecto 
importante no entendimento da formação da oci-
dentalização. O cristianismo,e suas múltiplas faces, 
ter sobrevivido em uma Europa medieval foi uma 
consequência da própria forma como a economia e 
a sociedade se constituram com a queda romana. O 
Império Romano viveu com a diversidade religiosa 
8 Se fossemos comparar com a atualidade, onde há territórios de guerras intermináveis, não teríamos 
qualquer semelhança com a intenção. Os “bárbaros” de hoje fizeram da guerra uma profissão desconectada 
da paz. Não há a busca da estabilidade na instabilidade. Ao contrário, a defesa de uma guerra permanente. 
Só assim se alimenta o instinto e se aniquila a razão.
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que não esteve associada diretamente ao reconhecimento da autoridade do impe-
rador. Ao contrário do que se estabeleceu no medievalismo, quando o Império 
Franco se constituiu, iniciou uma associação da autoridade do imperador ao cris-
tianismo. A herança romana se torna, para o Império Franco, um mecanismo de 
imposição do poder sobre as terras do centro e ocidente europeu.
Ao longo da história medieval se multiplicaram os conflitos religiosos, tendo 
o cristianismo no centro de sua simbologia. Este centralismo é, ao mesmo tempo, 
a eficiência que se estabelece com a rede de propagação do poder e da associa-
ção desta autoridade ao exercício do governo e da repressão aos elementos que 
se opõem a ele9. 
Vale lembrar que a Europa viveu a retomada do crescimento populacional 
a partir do século XI. A estabilidade populacional gera um ambiente de ativi-
dades econômicas estáveis, propício para a retomada da economia mercantil, o 
sistema de trocas e uma produtividade melhor – quantitativa e qualitativamente. 
O campo absorve o valor religioso e gera significados distintos aos elementos 
simbólicos da sociedade.
A ruralização consolida as relações feudais, fundadas na produção agrí-
cola local. A classe senhorial, se reconhecida patrimonialmente, estabelece uma 
hereditariedade estável fundada e reconhecida no prestígio social. O discurso 
religioso associado ao poder territorial senhorial confunde a obediência com a 
obrigação de fé. A simbologia que associa o servo ao senhor irá delimitar dife-
rentes perfis de resistência na Europa. Enquanto em uma França, no coração da 
Europa, o Estado monárquico necessitará do reconhecimento senhorial para esta-
belecer seu poder, na Inglaterra, serão os senhores que se unirão para formar o 
Estado, irão manter o prestígio, mas se adequarão às mudanças que o comércio 
irá determinar. Na Alemanha, que nascerá somente no século XIX, o senhorio 
se consolidará e manterá sua autoridade, mesmo com as mudanças promovidas 
com as relações mercantis10. 
9 Importante lembrar e frisar que não há aqui uma intenção de construir uma relação direta entre o poder 
e a imposição da força como algo arquitetado estrategicamente pelas lideranças medievais. Há uma 
preocupação em gerar tanto na história, na sociologia e na antropologia, nas ciências sociais, de uma forma 
geral, esta relação determinista. A construção de uma religiosidade cristã que se impôs sobre as demais foi 
fruto das forças que se estabeleceram naquele momento na Europa. 
10 A classe senhorial alemã, o junker, manteve-se como autoridade local durante todo o Período Moderno e 
parte do Contemporâneo. Enquanto na França, Inglaterra, Espanha e Portugal os senhores feudais ruíram, 
O NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA
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A FORMAÇÃO OCIDENTAL IBÉRICA
Se tentamos traçar um caminho que desenvolveu entre nós uma linha de cons-
trução da brasilidade, é nas raízes ibéricas, portuguesa em especial, que repousa 
a origem brasileira. Raymundo Faoro (2001) estabeleceu esta relação com efici-
ência, assim como Gilberto Freyre (2005). A construção da identidade brasileira 
tem uma relação com a formação portuguesa. Para isso, é preciso entender a for-
mação dos Estados nacionais ibéricos, Portugal e Espanha. A centralização do 
poder em torno dos monarcas foi marcada pela aliança entre a aristocracia feudal 
e a Igreja Católica. Mesmo o desenvolvimento marítimo, como veremos, teve uma 
forte influência do ideário cristão. Há uma diferença, nesses momentos ,entre a 
formação portuguesa e a espanhola, que deve ser delimitada. Enquanto Portugal 
nasce da monárquica centralizadora que lhe dá forma e garante sua integridade, a 
formação espanhola estabelece as concessões regionais entre Astúrias e Castela.
O nascimento da nação portuguesa é o misto entre as guerras de reconquista 
que dominaram a Península Ibérica entre os séculos XI e XV, e a necessidade 
de resistir à busca de anexação castelhana. O fato de Portugal ser voltado para o 
mar garantia sua existência como território nacional. A expansão portuguesa se 
consolidou com as guerras, que possibilitaram a formação das colônias lusas, as 
quais eram uma extensão do território pátrio. O sentimento de unidade lusitano 
foi construído ao longo da trajetória da centralização do poder, da construção de 
uma burocracia de nobres ligados ao Estado. Esse grupo de herdeiros do poder irá 
se reproduzir no território colonial e na formação brasileira ao longo da história11.
O medievalismo é considerado um importante elemento para entender a for-
mação do ocidente, porém, sua trajetória vai além, chegará em territórios que 
a Europa ocidental colonizou e influenciará na formação de novas identidades 
na Alemanha se mantiveram como elementos predominantes. Mesmo quando a Reforma Luterana atingiu 
as relações entre a Igreja Católica e a nobreza germânica, a servidão manteve-se fiel aos seus senhores. 
Foram eles que definiram o destino da religiosidade nos territórios alemães.
11 Na formação do Estado brasileiro, a herança portuguesa se fez presente na construção do poder. A 
formação de um governo central na colônia, ligado diretamente à política nepotista colonial, onde o 
parentesco e proximidade com quem detinha o poder eram o elementos mais importantes para o acesso 
ao poder, deixou seus traços na formação política no Brasil, como a relação de interferência do poder 
central nas questões locais. Vamos observar ao longo da antropologia política, na formação dos rituais do 
poder, o quanto os elementos familiares terão importância para constituir uma associação hereditária entre 
a aristocracia política e a hereditariedade familiar. O sobrenome faz diferença na escolha de quem detém 
o poder. 
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locais. Ocorreu, durante a expansão ocidental, o que Edgar Morin (2002, p.23) 
denominou de “Era Planetária”, a aventura da conquista que levará ao movi-
mento de pessoas, de produtos, de termos e sentidos. A expansão comercial foi 
para o Ocidente um dos eventos fundamentais para o exercício da alteridade, o 
qual será resolvido com a imposição dos modelos culturais ocidentais de forma 
intensa. Desta forma, dominar é colocar sobre o outro uma vigilância cultural, 
construir pela cultura a dominação. Governar o outro é determinar sobre ele o 
“olhar do ocidente”.
Voltando a falar na formação ibérica, temos uma luta constante entre os ele-
mentos de centralização e a resistência da regionalidade. No território em que se 
formou a Espanha, essa condição foi sempre uma tensão que persiste até a atu-
alidade. Os conflitos de separatismo e regionalismo em torno da nacionalidade 
espanhola, castelhana, basca, ou catalã se constituíram na própria identidade 
espanhola, irresolvível. 
Em Portugal, essa separação regionalse submeteu intensamente. Foi dessa 
fragmentação que nasceu o Estado nacional português. Porém, a centralização 
passou por elementos de construção que nos permitem dar um significado à rura-
lização e, posteriormente, à urbanização litorânea portuguesa. Uma Portugal do 
mar e outra da terra. Como se duas Portugal se encontrassem, uma que se fez e 
manteve-se da atividade mercantil que remonta ao Império Romano (Coimbra, 
Porto e a própria Lisboa), e outra originária das relações de conquista agrária, 
como Portucale12, Alcobaça e Santarém.
Vale destacar que a região de Alcobaça, território banhado pelo Rio Alcoa 
e Baça, região litorânea central portuguesa, foi conquistada pelos mouros, pela 
ação do rei Dom Henrique, no século XII. Nessa ação de conquista, o príncipe 
portucalense contou com o apoio papal para sua conquista, por meio da aliança 
e colonização das terras pela doação da Ordem de Citeaux, também chamada de 
Ordem de Cister. Os cistercienses foram uma ordem vital para a unidade cristã e 
para o reconhecimento da autoridade papal na Europa ocidental. Atuaram desde 
12 Na formação portuguesa ao foco inicial da conquista, o Condado Portucalense, localizado ao norte da 
atual Portugal. A região remonta o Império Romano e posteriormente o Reino Suevo, quando se chamava 
Portu Cale, ou “Porto Caia”. Esta região caiu sob a dominação Moura no século VIII e recebeu a influência 
da cultura sarracena.
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a Alemanha até Portugal e tinham sua sede na França. 
Na ocupação e desenvolvimento agrícola de Alcobaça, integraram a região 
ao reino português ao se aliarem à autoridade do Rei Henrique de Borgonha. 
O monarca concedeu as terras entre os rios Alcoa e Baça aos cistercienses, ele 
obteve uma frente de contato com a população que deu sentido ao trabalho, à 
língua e à religião ligados à autoridade do rei. Portugal nasceu da cruzada da fé 
e da espada promovida pela Igreja Católica e, principalmente, da consolidação 
do poder do Rei, mais do que em nenhuma outra nação da Europa, a formação 
do território nacional obedeceu a essa diretriz simbólica13. 
A relação da instituição religiosa com a formação da nação portuguesa é 
tão importante que mesmo a formatação da língua portuguesa está relacionada 
à Ordem de Citeaux e Cluny. Já falada na região portucalense, mas exercitada 
como o galego, o lusitano será organizado pelas ordens religiosas através de 
uma estrutura gramatical francesa. O uso da língua portuguesa escrita e estru-
turada, oficializado pelo Rei a partir do Século XIII, fará dela um dos principais 
instrumentos de identificação da unidade nacional. Não por acaso, seu desdobra-
mento foi fundamental para a garantia da unidade territorial com suas colônias. 
No Brasil, a história da língua portu-
guesa tem suas peculiaridades que se 
inscrevem na resistência, miscigena-
ção e regionalização dos encontros e 
“desencontros” que formaram a com-
posição social brasileira.
Em Portugal, a construção da 
nação voltada para a navegação e orga-
nização da empresa mercantil obedece 
a dois momentos distintos. Em pri-
meiro lugar, a ameaça da anexação 
13 O uso das ordens religiosas pelo Estado e sua fusão entre a obra da fé e a obra pública irão permanecer 
ao longo da história portuguesa e do Brasil. Hoje ainda se percebe essa relação entre a herança de uma 
religiosidade, que determina o sentido moral da ação, e a relação entre os temas do poder público. O que as 
ordens religiosas representaram irá repercutir ao longo da história portuguesa pelos séculos seguintes. Na 
educação essa condição se fortaleceu nos colégios e universidades que geraram o que consideramos ainda 
hoje “a boa educação”.
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castelhana durante o século XIV, que se convencionou chamar de Revolução de 
Avis (1383-1385). A ascensão de uma nova dinastia ligada aos empreendimen-
tos náuticos só foi possível graças ao arranjo de forças que se deslocaram a favor 
da centralização, rompendo com a nobreza tradicional portuguesa, fiel aos inte-
resses castelhanos. 
Foi sob o comando da família Avis que as sequências de conquistas marítimas 
foram realizadas. Inicialmente eram voltadas para o norte da África, a cidade 
de Ceuta, na sequência, se estendeu pelo litoral do continente afro, e as con-
quistas foram transformando-se em uma rede de pontos comerciais do reino 
lusitano. As chamadas especiarias que motivaram a relação de Portugal com o 
comércio ultramarino foram levadas a cabo por empresários ligados ao Estado, 
mas também estrangeiros. Italianos e flamengos se empolgaram com as práti-
cas mercantis lusas e perceberam nelas uma fonte de enriquecimento além das 
empresas italianas. 
Quando se fala da Revolução de Avis, estamos diante de um dos momentos 
mais importantes na manutenção da nacionalidade portuguesa, a resistên-
cia à Castela (Espanha). A busca por unir a Península Ibérica em torno de 
uma única monarquia se processa em toda a organização dos reinos católi-
cos ibéricos. As navegações terão, junto com o apoio da Igreja Católica por-
tuguesa, um papel vital na manutenção da independência. Quando o trono 
português fica vago, em 1383, ocorre uma disputa pela coroa. De um lado a 
busca dos castelhanos por anexar o reino portucalense, do outro, a luta pela 
independência. A vitória da emancipação acabou sendo simbolizada pela 
coroação do Mestre de Avis, Dom João. Com ele se inicia uma relação entre a 
empresa mercantil e o Estado absolutista, selada pelos interesses da Igreja e 
a participação popular. Ao final, esse ingrediente de forças será fundamental 
na expansão lusitana pelo Atlântico. 
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A DOENÇA E O MAR
Outra associação que se faz necessário entender na Europa é a relação entre a 
Peste Negra e o desenvolvimento das atividades náuticas. Por mais que se colo-
que de forma automática, ela existiu. A peste foi necessária para “empurrar” as 
rotas mercantis para o litoral europeu. Ela garantiu, de certa forma, o crescimento 
das rotas comerciais dos empresários que faziam as rotas comerciais de abaste-
cimento nas principais cidades europeias. A propagação da doença no interior 
da Europa feriu um dos mais importantes eixos comerciais no centro do conti-
nente, a rota de Champagne14. 
Mas o que foi a Peste Negra? Foi uma doença transmitida por pulgas alo-
jadas em ratos deslocados do oriente para o ocidente. Muitos atribuem sua 
origem à Mongólia, outros à Índia. Ela se propagou na Europa no século XIV e 
atingiu várias regiões da Europa onde a movimentação populacional era mais 
intensa. Transmitida pela bactéria Yersinia Pestis, tinha como hospedeiro pul-
gas do chamado “rato preto”; ela chegou à Europa por meio das rotas comerciais 
com o oriente. A doença atingiu, ao longo de mais de 150 anos, diversas par-
tes do continente. 
A doença poderia atacar pelas vias respiratórias ou sanguíneas. No primeiro 
caso, promovia a morte em poucos dias, dois ou três. Já pela via sanguínea, gerava 
o aparecimento de bulbos na virilha ou axilas, levando à morte em pouco mais 
de uma semana. A desinformação sobre os fatores que promoviam a expansão 
da peste levou a práticas confusas divulgadas pelas autoridades. Em alguns casos, 
geraram um ambiente ainda mais propício para que a epidemia se alastrasse. 
Antônio Martins relata o enfrentamento da fatalidade por meio da crença 
sem fundamento científico. 
14 Nessa rota, originária do auge do feudalismo,

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