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FOTOSSENSIBILIZAÇÃO HEPATÓGENA EM BOVINOS ASSOCIADA À INGESTÃO DE Brachiaria brizantha RODRIGO V. SALA1, ARITA C. M. CREMASCO1, CRISTIANE P. CALDEIRA1, MÁRCIO B. BANDARRA1, RAFAEL NERY1, CAROLINA D.C. SANCHES 1, PEDRO PINCZOWSKI2, HELDER E. THOMÉ3, VERIDIANA M. B. D. DE MOURA3, ENIO P. BANDARRA3 1 Graduando da Faculdade de Medicina Veterinária “Octávio Bastos”, São João da Boa Vista, SP. 2 Aprimorando da Faculdade de Medicina Veterinária “Octávio Bastos”, São João da Boa Vista, SP. 3 Docentes da Faculdade de Medicina Veterinária Octávio Bastos, São João da Boa Vista, SP. RESUMO: A condição conhecida como fotossensibilização ou dermatite fotossensível é diagnosticada há várias décadas em bovinos, ovinos, suínos e, ocasionalmente, em eqüinos, sendo identificados três tipos de fotossensibilização: tipo I ou primária, em que pigmentos vegetais ou medicamentos intrinsecamente fotodinâmicos são ingeridos, absorvidos e ingressam na circulação sistêmica; tipo II, protoporfiria ou porfiria eritropoética congênita, onde ocorre um defeito hereditário no metabolismo da porfirina; e tipo III, hepatotóxica ou hepatógena, em que há uma interface com a excreção da filoeritrina, um produto metabólico da clorofila. O animal foi encaminhado ao HOVET do UNIFEOB, São João da Boa Vista, SP, para realização da eutanásia e exame necroscópico, onde foram observadas lesões cutâneas alopécicas, eritematosas e disseminadas por toda a extensão tegumentar, assim como fibrose hepática, vesícula biliar repleta, distendida e obstruída pela presença de cálculos em ducto cístico. Microscopicamente observou-se degeneração dos hepatócitos, áreas de necrose e acentuada fibrose hepática periportal. As características clínicas associadas aos achados microscópicos determinaram o diagnóstico de fotossensibilização hepatógena associada a ingestão de Brachiaria brizantha. PALAVRAS-CHAVE: bovino, colangiohepatite, fígado, fotossenssibilização INTRODUÇÃO A condição conhecida como fotossensibilização ou dermatite fotossensível é diagnosticada há várias décadas em bovinos, bubalinos, ovinos, caprinos, suínos e, ocasionalmente, em eqüinos, sendo identificados três tipos de fotossensibilização: tipo I ou primária, em que pigmentos vegetais ou medicamentos intrinsecamente fotodinâmicos são ingeridos, absorvidos e ingressam na circulação sistêmica; tipo II, protoporfirina ou porfirina eritropoética congênita, onde ocorre um defeito hereditário no metabolismo da porfirina; e tipo III, hepatotóxica ou hepatógena, em que há uma interface com a excreção da filoeritrina, um produto metabólico da clorofila (SCHENK et al., 1991; BLOOD e RADOSTITS, 1991; JONES et al., 2000). Quando essas substâncias fotodinâmicas entram em contato com os raios solares (UV), ocorre a formação de radicais livres de oxigênio no citosol da célula, que causa ruptura de mitocôndrias e lisossomos, degranulação de mastócitos cutâneos, degradando membranas fosfolípidicas, polipeptídios protéicos e ácidos nucléicos, ocorrendo uma intensa inflamação que caracteriza a fotodermatite (SMITH, 1994; JONES et al., 2000). O presente relato tem por objetivo descrever o caso de um bovino, nelore, fêmea, oito meses de idade, mantido em pastagem de Brachiaria brizantha e histórico de lesões cutâneas difusas de caráter crônico. RELATO DE CASO O presente relato descreve o caso de um bovino, nelore, fêmea, oito meses de idade, mantido em pastagem de Brachiaria brizantha e histórico de lesões cutâneas difusas de caráter crônico. O animal foi encaminhado ao HOVET do UNIFEOB, São João da Boa Vista, SP, para realização da eutanásia e exame necroscópico, onde foram observadas lesões cutâneas alopécias, eritematosas, ulceradas, necróticas e disseminadas por toda extensão tegumentar, assim como edema subcutâneo generalizado, pneumonia difusa com áreas fibróticas, pericardite, pleurite, degeneração renal, fibrose hepática multifocal e vesícula biliar repleta e obstruída pela presença de cálculos em ducto cístico. Microscopicamente observaram-se em fígado moderada degeneração dos hepatócitos, infiltrado leucocitário heterogêneo difuso, proliferação de ductos biliares, colestase leve, cristais no interior dos ductos biliares, congestão, áreas de necrose e acentuada fibrose hepática periportal, caracterizando colangiohepatite crônica ativa. As características clínicas associadas aos achados microscópios determinaram o diagnóstico de fotossensibilização hepatógena associada à ingestão de Brachiaria brizantha. DISCUSSÃO O diagnóstico de fotossensibilização hepatógena baseou-se na história clínica e achados macro e microscópicos, sendo estes semelhantes aos citados por SALAM ABDULLAH et al. (1989), LEMOS et al. (1997) e ABAS-MAZNI et al. (1985). O animal citado no presente relato pertencia a um lote de 200 animais de diferentes idades, mantidos em pasto de Brachiaria brizantha, sendo o único a apresentar a enfermidade. Ao exame macroscópico foram observadas fibrose hepática, vesícula biliar repleta, distendida e obstruída por cálculos em ducto cístico e, microscopicamente, observaram-se degeneração dos hepatócitos, áreas de necrose e acentuada fibrose hepática periportal, características estas descritas em bovinos (LEMOS et al., 1997), ovinos (LEMOS et al., 1996; SOARES et al., 2000; CRUZ, 2001), e caprinos (LEMOS et al., 1998) com fotossensibilização. No estudo desenvolvido por LEMOS et al. (1998), os caprinos que apresentaram dermatite fotossensível eram jovens, em período pós-desmame, como o bovino deste caso, contudo, mantidos em pastagem de Brachiaria decumbens. Da mesma forma, SCHENK e SCHENK (1983) afirmam que bovinos em fase de desmame até os dois anos são os mais acometidos, ressaltando ainda a ocorrência de fotossensibilização em bezerros entre 20 a 45 dias de vida alimentados apenas com leite materno de mães mantidas em pastagem de Brachiaria decumbens (FAGLIARI et al., 1983). Inúmeros trabalhos sobre fotossensibilização hepatógena em animais mantidos em pastagem de Brachiaria spp relatam a existência do fungo Pithomyces chartarum e sugerem o mesmo como agente etiológico das lesões hepáticas e, conseqüentemente responsáveis pela fotossensibilização. O trabalho conduzido por SOARES et al. (2000) descreve um surto de fotossensibilização em ovinos mantidos em pastagem de Brachiaria decumbens, onde 17 de 110 animais apresentaram sintomas compatíveis com a afecção, sendo acometidos animais jovens e adultos. No exame das amostras de pastagem foram encontrados conídeos do fungo Pithomyces chartarum, assim, o autor conclui que os problemas hepáticos foram causados pelo fungo. SCHENK e SCHENK (1983) também consideram a participação do fungo Pithomyces chartarum como a principal causa da fotossensibilização hepatógena em bovinos. Em contrapartida, LEMOS et al. (1998) relatam casos de dermatite fotossensível de origem hepatógena em caprinos mantidos em pastos de Brachiaria decumbens, mas com amostras negativas para Pithomyces chartarum. No primeiro caso, em um lote de 18 caprinos e 50 ovinos foram observados dois caprinos de quatro meses de idade com sintomas da afecção. No segundo caso, em uma propriedade de 100 caprinos, 15 adoeceram e posteriormente morreram, todos com idade entre três e quatro meses. Surpreendentemente, as amostras de pastagem coletadas para isolamento fúngico apresentaram resultado negativo, sendo então sugerida a possibilidade das lesões hepáticas nos caprinos terem sido originadas a partir de componentes intrínsecos da própria pastagem. LEMOS et al. (1997) também não encontraram números significativos de Pithomyces chartarum em pastagens de Brachiaria decumbens e Brachiaria brizantha onde ovinos, caprinos e bovinos adoeceram. CRUZ (2001) submeteu nove ovinos a pastoreio contínuo em pastagem de Brachiaria decumbens, tendoausência quase que total dos esporos de Pithomyces chartarum. Aos 89 dias da pesquisa um animal apresentou sinais de fotossensibilização, sendo que ao final do delineamento todos os animais foram submetidos à eutanásia e à necropsia e apresentaram lesões hepáticas caracterizadas por colangite multifocal marcada nas tríades portais, proliferação de ductos biliares e cristais nos ductos ou próximos a eles. Resultado semelhante foi obtido por DRIEMEIER et al. (1997) e DRIEMEIER et al. (1998), onde ovinos e bovinos mantidos em pastagem de Brachiaria spp com baixa contagem de esporos de Pithomyces chartarum, apresentaram colangiopatia com acúmulo de cristais em ductos biliares no exame post mortem. Contudo, DRIEMEIER et al. (1998) sugerem que os bovinos não apresentaram lesões macroscópicas de fotossensibilização devido ao discreto grau das lesões hepáticas apresentadas por esses animais. Embora a ocorrência de fotossensibilização hepatógena seja relacionada, na maioria das vezes, a pastagens de Brachiaria decumbens com altas contagens de Pithomyces chartarum, os estudos supracitados não excluem a possibilidade de manifestação da enfermidade em animais criados em pastos com outras espécies de Brachiaria e livres de fungos, incluindo a Brachiaria brizantha. Assim, apesar de não terem sido colhidas amostras de pastagem no caso em questão, a ocorrência de um único caso suscita a possível ação hepatotóxica da planta em um indivíduo suscetível, como citam SCHENK e SCHENK (1983). Estes autores sugerem que a fotossensibilização associada a Brachiaria spp pode estar relacionada não somente à presença de quantidades importantes de Pithomyces chartarum nessas pastagens, mas também a uma predisposição individual de animais jovens, podendo inclusive apresentar envolvimento genético. CONCLUSÃO Assim, conclui-se que ovinos, caprinos, bovinos e, eventualmente, eqüinos são animais que podem desenvolver dermatite fotossensível do tipo hepatógena quando mantidos em pastagens de Brachiaria spp com ou sem níveis tóxicos de Pithomyces chartarum. Contudo, na ausência do fungo a morbidade é baixa, sendo possível a ocorrência isolada em animais jovens. Nesses casos, inclusive no que se apresenta, a etiopatogenia da doença não é totalmente estabelecida, mas há possibilidade da ação hepatotóxica de substâncias intrínsecas à planta, como saponinas (SMITH e MILES, 1993; CRUZ, 2001), além da provável susceptibilidade de indivíduos jovens (SCHENK e SCHENK, 1983). Apesar disso, pastagens constituídas de Brachiaria spp deram grande impulso à pecuária de corte no Brasil e os benefícios adquiridos são, sem dúvida, superiores aos problemas de fotossensibilização que estas pastagens possam favorecer. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABAS-MAZNI, O.; SHARIF, H.; KHUSAHRY, M. Photosensitization in goats grazed on Brachiaria decumbens. Mardi Reachearch Bulletin. Selangov. West Malaysia. V. 13, n.2, p.203-206, 1985. BLOOD, D.C. e RADOSTITS, O.M. Clínica Veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. 410 - 411 p. DRIEMEIER, D.; BARROS, S.S.; PEIXOTO, P.V. Estudos histológicos, histoquímico e ultra estrututarl de fígados e linfonodos de bovinos com presença de macrófagos espumosos (“foam cells”). Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 18, n. 1, p. 29- 34, 1998. DRIEMEIER, D.; KREIMEIER, R.D.; COLODEL, E.M. Colangiopatia experimental induzida por alimentação de ovinos com Brachiaria decumbens. VIII Encontro Nacional de Patologia Veterinária. Resumo, Pirassununga, SP: p. 16, 1997. FAGLIARI, J.J.; PASSIPIERI, M.; OLIVEIRA, J.A. Sintomas de fotossensibilização em bezerros alimentados com leite materno. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 35, n. 4, p. 479-484, 1983. JONES, T.C.; HUNT, R.D. e KING, N.W. Patologia Veterinária. 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SCHENK, M.A.M.; SCHENK, J.A.P. Fotossensibilização hepatógena em bovinos: aspectos gerais. Comunicado Técnico Embrapa, n. 19, 1983. SMITH, B.L.; MILES, C.O. A letter to the editor: A role for Brachiaria decumbens in hepatogenous photosensitizantion of ruminants? Veterinary and Human Toxicology, v. 35, p. 256-257, 1993. SMITH, B.P. Tratado de Medicina Interna de Grandes Animais. São Paulo: Manole, v.2: 1994. 1285; 1245 p. SOARES, P.C.; MOTA, R.A.; TEIXEIRA, M.N. et al. Aspectos epidemiológicos e clínicos da intoxicação por Pithomyces chartarum em ovinos da raça Sta Inês, no município de Gravatá – PE. Revista Brasileira de Ciência Veterinária, v. 7, n. 2, p. 78-82, 2000.
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