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ZETETICA E DOGMATICA JURIDICA IED

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FACVLDADE MAURÍCIO DE NASSAU – PARNAÍBA 
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 
BLOCO I – CURSO DE DIREITO (M/N) 
PROF. ESP. PHABLO RODRIGUES 
 
ZETÉTICA E DOGMÁTICA JURÍDICA 
 
 
1) EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA DO DIREITO 
 
 Uma teoria é uma explicação sobre alguma coisa, explicação essa que é feita 
mediante um conjunto de proposições. Uma teoria da física ou até mesmo da 
química pode ser considerada ultrapassada na medida em que se descobre, com os 
estudos, que seus pressupostos ou conclusões eram falsos. O mesmo não ocorre 
com a ciência do direito. Não há teorias jurídicas verdadeiras ou falsas. Há teorias 
jurídicas atuantes ou não atuantes. Isso porque as teorias jurídicas lidam com dados 
construídos pelo homem, e não dados fornecidos, prontos. O direito é construído, e 
não descoberto, encontrado. 
 O que se estuda nas ciências jurídicas é a possibilidade de determinadas 
teorias serem atuantes na sociedade em que se desenvolvem, bem como as 
consequências da atuação dessas teorias no convívio social. O fim pacificador do 
direito é sempre verificado. É sempre a finalidade do cientista do direito. No 
momento das análises científicas, o teórico deve verificar se o direito estará 
cumprindo seu papel de regrar e possibilitar a vida harmoniosa em sociedade. 
 A peculiaridade da ciência do direito se dá em razão da comunicação das 
teorias. Expliquemos melhor: quando um teórico estuda determinado assunto, ele se 
dispõe a comunicar suas investigações. Assim é que, muitas vezes, uma teoria 
matemática pode ser demonstrada mediante uma equação. Essa comunicação 
assume, sempre, um caráter informativo. Em outras palavras, no exemplo da 
matemática, formula-se uma equação com a finalidade apenas de comunicar a 
teoria, informando o que acontece. Exemplo: temos a teoria da adição, mediante a 
qual 30 + 50 = 80. Há, simplesmente, uma descrição de como as coisas acontecem. 
2 
 
 Porém, com o direito não é tão simples assim. O direito tem o escopo de 
regrar a sociedade, direcionando os comportamentos dos seres que dela fazem 
parte. Isso indica a chamada função diretiva da comunicação. A linguagem utilizada 
pela ciência do direito não somente busca informar sobre as teorias, mas também 
determinar como devem se dar os comportamentos humanos, qual é o ideal, o 
correto. Em outras palavras, as proposições podem ter a função de direcionar 
comportamentos, além da função de informar as teorias. 
 Essa diferença é muito bem explicada pelo grande jurista Tércio Sampaio 
Ferraz Jr: 
“Uma comunicação tem sentido informativo quando utiliza a linguagem 
para descrever certo estado das coisas. Por exemplo, “esta mesa está 
quebrada”. Tem sentido diretivo quando a língua é utilizada para dirigir o 
comportamento de alguém, induzindo-o a adotar uma ação. Por exemplo, 
“conserte a mesa”. Ora, quando um físico define o movimento, prepondera 
a função informativa. Suas definições teóricas superam-se à medida que o 
estado de coisas referido muda, ou porque se descobrem novos aspectos 
relevantes, ou porque os aspectos antes tidos por relevantes não o são 
mais. Já quando o jurista define a posse, mesclam-se as duas funções. Ele 
não informa apenas sobre como se entende a posse, mas também como 
ela deve ser entendida. Assim, suas definições teóricas superam-se à 
medida que deixam de ser guia para a ação. No caso do físico, a definição 
é superada porque se tornou falsa. No caso do jurista, porque deixou de 
ser atuante. Ou seja, as definições da física, em geral, são lexicais, as do 
jurista são redefinições. Nesse sentido, se diz também que a ciência 
jurídica não apenas informa, mas também conforma o fenômeno que 
estuda, faz parte dele. A posse é não apenas o que é socialmente, mas 
também como é interpretada pela doutrina jurídica.”1 
 
 Logo, importa que a ciência do direito lida com as funções informativa e 
diretiva da linguagem na comunicação de suas proposições. 
 
 
2) ZETÉTICA E DOGMÁTICA 
 
 Continuando o pensamento anterior é possível que um estudo do direito se dê 
apenas no plano informativo. Dizendo de outra forma, é possível que as proposições 
de uma teoria tenham somente a tarefa de informar. Mas há também, como já 
demonstrado acima, a possibilidade de as proposições de uma teoria terem a função 
de direcionar comportamentos. Aí que entra a distinção proposta por Tércio Sampaio 
Ferraz Jr. entre enfoque zetético e enfoque dogmático da ciência do direito. 
 
1
 Introdução ao estudo do direito, p. 39-40. 
3 
 
 Ora, se o que se busca no estudo do direito é privilegiar a função informativa 
da linguagem dizemos que prepondera o enfoque zetético. Se, ao contrário, se 
busca ressaltar a função diretiva, temos o enfoque dogmático do estudo do direito. 
Vejamos pormenorizadamente a distinção entre ambos: 
 Zetética deriva de zetein, que significa perquirir, questionar. Dogmática advém 
de dokein, que significa ensinar, doutrinar. Ao longo do curso de direito muito se 
ouvirá falar em dogmática jurídica. Quase nada ouvirão sobre zetética. 
 Tércio Sampaio Ferraz Jr, ensina, com a maestria de sempre: 
 
“O enfoque dogmático revela o ato de opinar e ressalva algumas das 
opiniões. O zetético, ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-
as em dúvida. Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e 
são infinitas. Questões dogmáticas têm uma função diretiva explícita e são 
finitas. Nas primeiras, o problema tematizado é configurado como um ser 
(que é algo?). Nas segundas, a situação nelas captada configura-se como 
um dever-ser (como deve ser algo?). Por isso, o enfoque zetético visa 
saber o que é uma coisa. Já o enfoque dogmático preocupa-se em 
possibilitar uma decisão e orientar a ação”.2 
 
 Latente, pois, que o enfoque zetético se relaciona com a função informativa 
da linguagem, ao passo que o enfoque dogmático se ocupa da função diretiva. 
 No enfoque zetético não se admitem como verdadeiras as premissas da 
investigação científica, isto é, os questionamentos voltam-se inclusive às premissas. 
Ocorre o contrário no enfoque dogmático: se as premissas da investigação forem 
colocadas em dúvida, haverá prejuízo do aspecto diretivo do direito. Tomemos um 
exemplo: Quando um policial militar se depara com uma situação em que um sujeito 
tenha subtraído um objeto de outro, ele deverá, imediatamente, prender aquele, pois 
ele praticou um crime (furto). Nesse exemplo não é permitido ao policial colocar em 
dúvida algumas premissas tais como o que significa crime, qual o motivo do furto 
etc. O enfoque do policial é dogmático, pois visa, em último caso, direcionar o 
comportamento das pessoas, informando-as de que furtar é errado. Se, ao invés de 
efetuar a prisão, o policial começa a questionar as premissas, seu enfoque será 
zetético, pouco prático, e o ladrão fugirá. 
 
 
 
 
 
2
 Op. cit., p. 41. 
4 
 
a) Disciplinas zetéticas 
 
 São chamadas disciplinas zetéticas aquelas que não são jurídicas 
propriamente ditas, são gerais, mas que admitem o direito como objeto de estudo. 
Exemplo: sociologia (sociologia jurídica); filosofia (filosofia do direito); história (do 
direito); antropologia (jurídica) etc. 
 
“Vamos partir de um exemplo. Suponhamos que o objeto de investigação 
seja a Constituição. Do ângulo zetético o fenômeno comporta pesquisa de 
ordem sociológica, política, econômica, filosófica, histórica etc. Nessa 
perspectiva, o investigador preocupa-se em ampliar as dimensões do 
fenômeno, estudando-o em profundidade, sem limitar-se aos problemas 
relativos à decisão dos conflitos sociais, políticos, econômicos. Ou seja, 
pode encaminhar sua investigação para os fatores reais do poder que 
regem uma comunidade, para as bases econômicas e sua repercussão na 
vida sociopolítica, paraum levantamento dos valores que informam a 
ordem constitucional, para uma crítica ideológica, sem preocupar-se em 
criar condições para a decisão constitucional dos conflitos máximos da 
comunidade. Esse descompromissamento com a solução de conflitos torna 
a investigação infinita, liberando-a para a especulação.”3 
 
 
b) Disciplinas dogmáticas 
 
 São disciplinas que partem de dogmas/premissas que não podem ser tidos 
como verdadeiros ou falsos, mas que em razão da dúvida, alguém acaba fixando-os 
na sociedade e impondo sua obrigatoriedade. Peguemos o exemplo de um fato 
social que pode ou não ser caracterizado como crime. O fato de casar-se já sendo 
casado, ou seja, casar-se pela segunda vez, é considerado crime pela nossa 
legislação. A lei que caracteriza (tipifica) tal conduta como crime é uma decisão 
fixada por uma autoridade que impõe sua obrigatoriedade. Mas percebam que, uma 
vez existente a lei, o estudo dogmático não mais indagará se tal lei é ou não justa, 
qual seu papel social, quais suas consequências em determinadas regiões do país. 
O estudo dogmático se preocupará com os detalhes da regra, não negando sua 
existência. O fato de considerarmos a poligamia como crime indica que escolhemos 
esse dogma, essa opinião, como correta. A partir desse momento, não se discute, 
no enfoque dogmático, se tal regra é justa ou não, se a poligamia foi permitida em 
alguns momentos da história etc., pois isso cabe ao enfoque zetético do problema, 
da questão. 
 
3
 Tércio Sampaio Ferraz Jr. Op. cit., p. 44. 
5 
 
 Não se pode, portanto, negar certos pontos de partida no estudo dogmático, 
sob pena de não se chegar a resultado prático nenhum. Trata-se do princípio da 
inegabilidade dos pontos de partida. No direito brasileiro, o ponto de partida que 
nunca se nega é o texto legal. Não se questiona a existência ou não do texto, mas 
sim quais devem ser suas consequências jurídicas (e não sociais) no cotidiano. 
 Assim, todas as disciplinas que partem dos campos sociais preenchidos pelo 
legislador são disciplinas dogmáticas: direito constitucional, direito civil, direito 
processual civil, direito penal, direito empresarial, direito penal, direito administrativo, 
direito previdenciário, direito do consumidor, direito eleitoral etc. 
 Nos ocupamos, numa faculdade de direito, muito mais das matérias 
dogmáticas do que das zetéticas. Isso tem explicação: a preocupação é formar 
profissionais que lidarão com problemas concretos. Serão juízes, promotores, 
advogados. Porém, o excesso no enfoque dogmático sempre atrapalha o jurista, 
pois antes de jurista é necessário que seja humano, o que só é possível mediante 
um paritário enfoque zetético da ciência do direito.

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