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ÉTICA “ Quando os nazistas pegaram os comunistas, eu me calei, porque não era comunista. Quando prenderam os social-democrata, continuei em silêncio, porque não era social-democrata. Quando começaram a perseguir os católicos, não protestei, uma vez que não sou católico. Quando, afinal me pegaram, já não havia mais ninguém que pudesse protestar.” Esse texto – bastante conhecido – é do teólogo protestante Martin Niemüller, que era o líder espiritual do povo luterano de Dahlem, um bairro de Berlim. Em 1937, foi preso e condenado pelos nazistas a sete meses de prisão. Cumprido a pena, como o pastor não se dispunha a conciliar com a ditadura de Hitler, foi encaminhado ao campo de concentração de Sachsenhausen, onde ficou detido durante três anos. Depois, foi transferido para o campo de concentração de Dachau. E, em 1945, terminada a guerra, foi libertado por soldados norte -americanos . Muito magro, abatido, porém vivo e inteiro. Outro que não ele poderia se dar por satisfeito consigo mesmo pela resistência oferecida contra o regime ditatorial. Martin Niemüller, porém, é um homem exigente consigo mesmo. Ele conta que um ano após sua libertação, foi visitar o campo de Dachau e ficou impressionado com uma placa onde se lia que ali, naquele campo, entre 1933 e 1945, tinham sido assassinados 238.756 seres humanos. Imaginou-se interpelado por Deus a respeito do que tinha feito para combater aquela monstruosidade. E, ao responder à interpelação do Senhor, percebeu que não dispunha de uma justificativa suficiente para a conduta que tinha seguido entre 1933 e 1937: “ Meu álibi só bastava durante o período em que estive preso, de 1 de julho de 1937 a 15 de junho de 1945.” Inquieto, o teólogo recordou os primeiros anos do nazismo, a perseguição violenta desencadeada contra comunistas e judeus, contra ciganos e social- democratas, contra artistas de vanguarda e pessoas com “desvios sexuais”. Perguntou-se, angustiado, se condenou com suficiente energia a selvagem repressão. Não teria “amolecido” sua crítica aos abusos, talvez por falta de simpatia pelos que, então, estavam sendo vítimas das medidas abusivas? Foi nesse movimento de balanço autocrítico, de reflexão ética valente, que Martin Niemüller redigiu o texto que transcrevemos acima, cujo objetivo era sacudir a alma de seus concidadãos, alertando-os para os riscos de uma atrofia no sentimento de solidariedade, em face da ascensão de movimentos inumanos na sociedade. Haveria muito que contar a respeito de Niemüller. O teólogo suíço Karl Barth, por exemplo, relata um diálogo curioso com o alemão. Barth lhe disse: “Martin, o que me espanta é que você, com tão pouca teologia sistemática, assuma quase sempre a posição correta.” E Niemüller respondeu: “Karl, o que me espanta é que você, com tanta teologia sistemática, assuma quase sempre a posição correta.” O que pretendemos, aqui, entretanto, é sublinhar a advertência do pastor de Berlim-Dahlem a respeito da necessidade de uma ampla mobilização de todas as energias de todos os cidadãos contra todas as tendências ostensivamente voltadas para a morte da cidadania. Se não nos erguemos resolutamente contra o inaceitável, pode ser que venhamos precisar de um novo Martin Niemüller, para escrever algo assim: Quando massacraram os presidiários rebelados numa cadeia em São Paulo, eu não protestei, porque não sou presidiário e muito menos rebelado. Quando mataram os meninos de rua na Candelária, no Rio, eu fiquei em silêncio, porque não sou menino de rua e nunca fui pivete. Quando exterminaram os índios na Amazônia , não sei exatamente quantos eram, nem se estavam no Brasil ou na Venezuela, permaneci quieto no meu canto, porque – é claro – não sou índio. Quando fuzilaram os favelados de Vigário Geral, não abri a boca, porque, afinal, não moro em Vigário Geral. E quando me pegarem não sei se vai haver gente para ouvir o meu grito. Leandro Konder.
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