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1 REVISÃO DE ECONOMIA MONETARIA 1. A moeda: conceito, importância e funções 1.1 O sistema de escambo (trocas diretas) É sabido que desde os primórdios da humanidade, nos primeiros agrupamentos humanos, que foram designados de nômades, estes teriam sobrevivido das seguintes atividades econômicas: caça, pesca, colheita de produtos silvestres. Tais grupos não conheciam a moeda, e quando recorriam às atividades de troca, realizavam trocas diretas em espécie, denominadas escambo. Por muitos séculos e até hoje encontramos esta forma rudimentar de comércio, entre povos de economia primitiva, em regiões cujo acesso é muito difícil, pois há escassez de meio circulante, e ainda hoje, observa-se que algumas pessoas efetuam permuta de objetos sem a preocupação de sua equivalência de valor. As mercadorias utilizadas para escambo geralmente se apresentam em estado natural, variando conforme as condições de meio ambiente e as atividades desenvolvidas pelo grupo, correspondendo a necessidades fundamentais de seus membros. A troca é dita direta, quando a transação é realizada sem o auxílio de um instrumento intermediário de troca. Apesar de muito utilizada no início da civilização até os dias atuais, a economia das trocas, ou seja, o escambo possui custos envolvendo pessoas, serviços e objetos, tais como: (i) necessidade de dupla coincidência – a necessidade de que ambos os negociadores desejem o que cada um deseje oferecer a um preço acordado por ambos; e, (ii) para cada bem transacionado, deve ser estabelecido um preço em termos de outro bem. A primeira revolução agrícola – traduziu-se na fixação de certos grupos humanos em determinadas áreas, como os deltas dos rios Nilo, Tigre, Eufrates. Pratica-se a agricultura organizada e a domesticação de animais. O nomadismo vai, gradualmente cedendo lugar a uma forma de vida mais sedentária, o que aumenta a complexidade das relações sociais. A produção se diversifica. 2 Manifesta-se uma pequena especialização e divisão social do trabalho: guerreiros, agricultores, pastores, artesão, sacerdotes. Os meios de se obter benefícios da especialização são as trocas, nas quais cada indivíduo troca o seu produto diretamente com outro indivíduo. O abandono do sistema de escambo (trocas diretas) e a criação da moeda Quando a divisão do trabalho se tornou mais complexa, aumentou o número de bens e serviços exigidos para satisfação das necessidades humanas estimuladas pelo caráter sedentário da vida; a dupla coincidência dos desejos de modo que fica mais difícil e dispendiosa em termos de tempo e recursos, logo, as trocas, que antes eram acessórias nos agrupamentos primitivos, torna-se agora fundamental para o desenvolvimento e para a sobrevivência do grupo. Um importante problema num sistema de escambo (ou de trocas diretas) é que qualquer indivíduo que deseja realizar uma troca deve encontrar outro indivíduo com os bens que deseja vender. Para permitir o desenvolvimento das trocas, o escambo foi sendo substituído por processos indiretos de pagamento. Inicialmente, determinados produtos, que eram recebidos em pagamentos referentes às transações econômicas configura a origem da moeda. Determinados produtos irão desempenhar a função de intermediários de trocas, mesmo que eles não tenham valor de uso ou não sejam desejados pelos que os recebam, mas são amplamente aceitos por todos os membros do grupo para a finalidade de intermediar trocas. As trocas agora passam a ser indiretas, isto é, utiliza-se um intermediário – a moeda. As operações de compra e venda de mercadorias são agora intermediadas por produtos que possuem aceitação geral e atual como moeda. De agora em diante, o valor de todos os bens passa a ser medido em relação aos produtos-padrão. Desde o seu estágio mais primitivo, a moeda é usada para intermediar processos rudimentares de troca, pode ser conceituada como um bem econômico qualquer que 3 desempenha as funções básicas de intermediária de trocas, que serve como medida de valor e que tem aceitação geral. 1.2 Conceito, funções e formas assumidas pela moeda A moeda como conhecemos hoje representa o conjunto de meios de pagamento é uma instituição que responde a uma necessidade social decorrente da divisão do trabalho. Consiste na totalidade dos ativos financeiros (papel moeda, depósitos bancários, cheques de viagens) possuídos pelo público que pode ser utilizada a qualquer momento para liquidação de qualquer compromisso futuro ou à vista. Moeda é o conjunto de ativos da economia usados regularmente pelos agentes econômicos para comprar bens e serviços uns dos outros. Sendo assim, a moeda inclui apenas os poucos tipos de ativos que são regularmente aceitos por vendedores e compradores em suas transações. O que diferencia a moeda dos outros ativos da economia é a sua liquidez, ou seja, a facilidade que esse ativo tem de ser trocado por outros bens e serviços. Por exemplo, é deveras complicado trocar televisores de 60 polegadas por sacos de arroz ou por imóveis residenciais. Já a moeda, seja a moeda bancária ou o papel-moeda, pode ser trocado facilmente por qualquer um dos dois. A moeda possui três funções que a distinguem dos outros tipos de ativos da economia: (1) Função de instrumento ou meio de troca. - A principal função da moeda é a de ser meio de pagamento. Logo, a moeda é um ativo que pode ser usado na troca de bens e serviços e em operações de compra ou venda. No entanto, para ser meio de pagamento é fundamental que a moeda seja amplamente aceita e que toda a sociedade tenha confiança nela. A utilização da moeda como uma intermediária de trocas possibilita a sensível redução do tempo empregado em transações, reduzindo sensivelmente os custos de transação. A moeda como meio de troca torna desnecessária que exista uma dupla coincidência de necessidades nas trocas e promove a eficiência, reduzindo o tempo gasto no intercâmbio dos bens. 4 (2) Função de unidade de conta. – função, a moeda é tida como o denominador comum nos quais todos os bens e serviços são medidos. Ela possibilita, portanto, que os valores de todos os bens ou serviços na economia sejam expressos em moeda nacional. A moeda usada com unidade de conta reduz os custos de transação numa economia reduzindo o número de preços que se necessita considerar numa troca. Os benefícios desta função crescem à medida em que a economia se torna mais complexa. A introdução de uma unidade de conta na qual são expressas e comparadas os valores de diferentes bens e serviços é importante para a eficiência econômica, pois isto reduz o número de cálculos requeridos para se alcançar a valoração dos bens quando estes crescem. Esta função é a de evitar cálculos desnecessários, adotando uma determinada linguagem na qual se possa expressar o valor dos bens e serviços. (3) Função de reserva de valor. - Quando as pessoas recebem moeda em troca de bens ou serviços, não há a necessidade imediata de gastá-la, pois a moeda pode manter o seu valor, isto é, pode ser usada como reserva de valor. A moeda é uma reserva por excelência do poder de compra, devido a sua liquidez e pelos graus de incerteza quanto as possibilidades futuras de conversão das outras formas de ativo (títulos, ações, terra, obras de arte, joias, carros, bônus,etc). 1.3 Formas assumidas pela Moeda - A moeda pode assumir três tipos de formas na sociedade: 1. Moedas metálicas - Estas constituem pequena parcela dos meios de pagamento na economia e visam facilitar as operações de pequeno valor. São emitidas pelo Banco Central. 2. Papel-moeda em poder do público (PMPP) - Esta representa parcela significativa da quantidadede dinheiro em poder do público, e também são emitidas pelo Banco Central. O papel moeda e as moedas metálicas em poder do público são denominados moedas manuais. 3. Moeda escritural ou bancária (DVbc) - é representada pelos depósitos à vista nos bancos comerciais (depósitos em conta corrente). 5 1.4 Meios de Pagamento: Conceito e Composição A moeda, assim como qualquer outro bem ou serviço tem seu preço e quantidade determinados pela oferta e demanda. A oferta de moeda constitui-se nos recursos financeiros colocados à disposição do público pelas autoridades monetárias e pelos bancos comerciais para atender às necessidades da sociedade. O público – aí incluídos os indivíduos e as empresas – possui, de uma forma geral, diversos ativos ou haveres – isto é, coisas que têm valor econômico e que constituem seu patrimônio, podendo ser citados entre estes os imóveis, fazendas, carros, depósitos de poupança, aplicações financeiras em bancos, títulos do governo, depósitos à vista nos bancos comerciais, papel-moeda em espécie em seu poder, ações e outros tantos. Cada ativo deste possui um grau diferente de liquidez – medido este pela capacidade de o ativo se transformar em moeda ou em dinheiro propriamente dito. Assim, quanto mais fácil for transformar um ativo em dinheiro, maior se diria que é o seu grau de liquidez. A oferta de moeda também é chamada de meios de pagamento. Os meios de pagamento (MP) no sistema econômico são dados pela soma da moeda manual com a moeda escritural, ou seja: MP = PMPP + DVbc. Quando nos referimos à moeda como o ativo mais líquido na economia, queremos enfatizar com isso, sua capacidade e disponibilidade de ser prontamente aceita para ser usada nas mais diversas transações econômicas. Aos meios de pagamento conceituados como moeda de liquidez imediata na literatura econômica chamamos de M ou ativos monetários: M1 = MP = PMPP + DVbc. Dessa forma, os meios de pagamento no conceito de M1 - correspondem à soma de duas formas da moeda: moeda em poder do público mais os depósitos à vista nos bancos comerciais. É possível também conceituarmos outros ativos ou haveres não monetários de alta liquidez (embora não tão imediata) que rendem juros denominados de quase-moedas, tais como: M1 = papel moeda em poder do público + depósitos à vista 6 M2 = M1 + depósitos especiais remunerados + depósitos de poupança+ títulos emitidos por instituições depositárias. M3 = M2 + quotas de fundos de renda fixa + operações compromissadas (Selic) M4 = M3 + títulos públicos de alta liquidez. 1.5 Quais são os instrumentos que servem como moeda, isto é, que desempenham as funções da moeda na economia Brasileira? Os meios de pagamentos são aqueles vários ativos em poder dos agentes públicos e privados que podem ser utilizados para o pagamento de compromissos (dívidas) assumidas e/ou para pagamentos à vista. Os meios de pagamento, em conceito restrito (M1), envolve o papel-moeda em poder do público (moeda manual) e os depósitos à vista (moeda escritural) nos bancos comerciais. O Banco Central emite o papel-moeda (PME) legal de curso forçado. Uma parte desse papel-moeda emitido pelo Banco Central é retida pelos bancos comerciais na forma de encaixes ou reservas bancárias. O restante se torna papel moeda em poder do público não bancário (PMPP). Os Bancos Comerciais são os agentes responsáveis/autorizados a receber depósitos à vista. Ao conjunto de instituições responsáveis pela criação de M1 denomina-se Sistema Monetário ou Bancário e é constituído, no Brasil, pelo Banco Central e pelos Bancos Comerciais. Os demais ativos financeiros, M2, M3, M4, são considerados ativos não monetários assim como as instituições que os emitem são chamadas instituições não bancárias. Essas definições são, em certo sentido, bastante arbitrárias uma vez que muitos dos ativos não- monetários são utilizados e aceitos como meios de pagamentos. Por exemplo, em algumas transações o governo aceita títulos públicos em poder do comprador como meio de pagamento. Outro exemplo: títulos privados, como depósitos a prazo, são altamente líquidos, isto é, podem ser convertidos em M1 instantaneamente sem 7 perda de valor (ainda que o aplicador possa perder o rendimento a que tinha direito). A questão da definição do que é meio de pagamento está relacionada com as regras de conversão dos vários ativos em moeda do governo (isto é, moeda aceita pelo governo no pagamento de tributos) e a moeda dos bancos comerciais (os depósitos à vista). As regras de conversão dos meios de pagamentos em M1 estão, por seu turno, relacionadas ao grau de organização dos mercados e a regras de conversão dos demais agregados monetários estabelecidas pelo governo para sua moeda. Por exemplo, os próprios depósitos à vista são considerados moeda porque o Estado garante que os mesmos sejam plenamente conversíveis na moeda do Estado. 1.6 O Sistema Monetário O sistema financeiro nacional é constituído de dois grupos de instituições: o chamado sistema monetário e o sistema não monetário. O sistema-monetário é constituído pelas instituições financeiras que criam moeda, ou seja, é constituído de apenas o Banco Central – que emite moeda – e dos bancos comerciais – que recebem depósitos à vista. Já o sistema não-monetário é constituído de todas as demais instituições financeiras (as que não criam meios de pagamento), aí compreendidos os bancos de investimento, os bancos de desenvolvimento, as sociedades de crédito, financiamento e investimento (financeiras), o sistema brasileiro de poupança e empréstimo (cadernetas de poupança), as distribuidoras, as corretoras e tantas outras. Os bancos comerciais são agentes especiais dentro do sistema porque seus passivos (depósitos à vista) são reconhecidos pelo estado como plenamente conversíveis em moeda do estado (meio de pagamentos aceitos na liquidação de tributos). Por isso mesmo, essas instituições recebem regulação específica do Banco Central. Assim, os bancos comerciais são obrigados a manterem uma reserva compulsória que é estabelecida e recolhida pelo Banco Central e que serve para mostrar a solvabilidade dos bancos comerciais na forma de moeda do estado. 8 Entretanto, os próprios bancos comerciais têm interesse em manter a estabilidade de seus balanços de forma que eles mesmos mantêm uma reserva voluntária em seus ativos. Dessa forma, se em um determinado dia um banco recebe mais saques do que depósitos, o banco poderá fazer os pagamentos sem ter de recorrer ao mercado ou ao Banco Central. Os bancos comerciais agentes no sistema monetário autorizados a receberem depósitos à vista, e por esta razão, são importantes fontes de criação de moeda. As pessoas preferem manejar a moeda escritural, isto é, moeda bancária comparativamente ao uso da moeda manual, para a liquidação de suas transações. As razões que explicam essa preferência são, em síntese, as seguintes: a) Os depósitos bancários à vista são mais seguros e oferecem maiores garantias aos seus detentores. Comparativamente com a moeda manual, são menos passíveis de perdas e roubo. b) O manejo de cheques, para efetuar pagamentos, é mais fácil, principalmente quando se trata de transações de grande vulto. c) A manutenção de saldos monetários nos bancos comerciais facilita a obtenção de empréstimos, quer por parte das empresas (para o financiamento do processo de produção), quer por parte das unidades familiares (para o financiamento do consumo de bens e serviços, em antecipação a rendimentos que estas esperam auferir no futuro). d) Os pagamentos por intermédio de cheques permitem o melhor controle e amelhor contabilização das despesas, ao mesmo tempo em que podem servir de comprovante para determinadas finalidades legais, especialmente quando nominais e cruzados. e) A concessão de aberturas automáticas e limitadas de crédito, superiores aos saldos existentes, de que são exemplos os cheques especiais, levam os agentes econômicos a se utilizarem, de forma generalizada, dos bancos comerciais como depositários de suas reservas monetárias. 9 1.7 Conceitos de base monetária e multiplicador dos meios de pagamento O Banco Central- a principal autoridade monetária de um país - influencia a oferta de moeda, mas não é o único no sistema econômico, pois, tanto os bancos comerciais quanto os indivíduos podem afetar também, a oferta de moeda. Qual a relação entre oferta de moeda e base monetária? O banco comercial capta recursos diretamente do público - os depósitos - e faz empréstimos a partir desses recursos. Para evitar prejuízos aos depositantes, o governo obriga os bancos a manterem reservas: uma percentagem (fração) determinada dos depósitos à vista fica retida no BACEN. Os bancos também detêm uma parcela de seus recursos denominada de reservas voluntárias no banco, para sua própria segurança. O papel–moeda emitido (PME) pelo Banco Central menos o caixa do Banco Central (CBC) é igual ao montante de papel-moeda em circulação (PMC), ou meio circulante. Dessa forma, PME menos CBC = PMC. Os bancos comerciais retêm parte do PMC, para fazer seu caixa. Assim, o PMC menos o encaixe (reserva) total dos bancos comerciais (Et) é igual ao PMPP (papel - moeda em poder do público). As Reservas Bancárias: Ets são constituídas pelos depósitos compulsórios dos bancos comerciais e outras instituições incluídas no conceito convencional de meios de pagamento junto ao Banco Central, DBCAM, mais o papel-moeda em caixa dos bancos comerciais, PMBC, Et = DBCAM + PMBC. Logo, PMC menos Et = PMPP. Portanto, o papel-moeda emitido é igual caixa do BACEN mais reservas bancárias mais papel-moeda em poder do público, ou PME = CBC + Et + PMPP. A base monetária é chamada de emissão primária de moeda e constitui-se na principal variável de política monetária do governo cuja soma compreende dois 10 componentes: o papel-moeda em poder do público (PMPP) com o total de reservas (ou encaixes) dos bancos comerciais (Et), ou, B = PMPP+ Et = PMC. A base monetária é, portanto, igual ao total da moeda colocada em circulação pelo Banco Central. Se o PMPP = MP menos DVbc. Então, a base monetária pode ser redefinida da seguinte forma: base monetária(B) é igual aos meios de pagamento – MP - menos os depósitos à vista nos bancos comerciais - DVbc mais as reservas dos bancos comerciais – Et, ou B = MP - DVbc + Et. Deve-se destacar que o Banco Central tem controle da base monetária, pois ele pode expandir (ou contrair) a mesma ao decidir aumentar (ou reduzir) o seu estoque de ativos ou pode ainda reduzir (ou aumentar) o seu passivo não monetário. 1.8 Criação e Destruição de Base e de Meios de Pagamento Deve-se entender a criação ou destruição de moeda como a mesma coisa que a criação ou destruição de meios de pagamentos. Sabendo que este último é constituído por todos os ativos de liquidez imediata possuídos pelo setor não bancário da economia, conclui-se que a criação ou destruição de moeda envolve uma transação entre o setor bancário e setor não bancário da economia. Diariamente, o público - isto é, os indivíduos e as empresas, realiza operações com o setor bancário comercial, operações estas traduzidas em depósitos, saques, pagamentos diversos (luz, telefone), tomada ou quitação de empréstimos, etc. Dependendo da natureza dessas operações, o total de ativos monetários da economia – isto é, os meios de pagamento (M1) – poderá se reduzir ou aumentar. Se o resultado for um aumento dos meios de pagamento, tem-se aí uma criação de moeda; se ocorrer uma redução dos meios de pagamento, tem-se uma destruição de moeda. Então, o que se tem de verificar, após a operação bancária, é se o total de meios de pagamento se alterou para mais ou para menos. 11 Para um melhor entendimento da explicação a seguir, é interessante que você conheça dois conceitos novos: primeiro, o conceito de haver monetário; segundo, o de haver não-monetário. Haver ou ativo monetário corresponde a um dos componentes dos meios de pagamento (M1), ou seja, ou é o papel-moeda em poder do público ou é o depósito à vista. Já haver não-monetário é todo ativo possuído pelo público que não seja meio de pagamento (M1), como, por exemplo, ações, promissórias, títulos do governo, carro, lote, imóveis, etc. Isto posto, exemplificamos agora o que se entende por criação e a destruição de moeda. Ocorrerá criação de moeda quando ocorrer uma troca entre um ativo não monetário (de liquidez não imediata) do setor não bancário por um ativo monetário do setor bancário. Ocorrerá destruição de moeda se a troca for entre um entre um ativo monetário do setor não bancário por um ativo não monetário do setor bancário. Exemplos: a. um indivíduo efetua um depósito a vista em um banco comercial em moeda corrente ou cheque: não há criação ou destruição de moeda pois nos depósitos a vista será compensado pelo decréscimo no PMPP. b. desconto de duplicata cria meios de pagamentos: troca de um haver não monetário por moeda. c. depósito nas cadernetas de poupança: reduzem o M1 (aumenta o passivo não monetário das instituições financeiras). Portanto: (i) há criação ou destruição de base sempre que houver uma operação ativa do Banco Central não compensada por uma operação de passivo não monetário; (ii) há criação de meios de pagamento sempre que o setor bancário adquirir algum haver não monetário do setor não bancário da economia com M1; 12 (iii) Meios de pagamentos são destruídos quando vendem ao público quaisquer haveres não monetários em troca do recebimento de moeda. Fica claro que para haver criação de meios de pagamento é necessário haver transações entre o setor não bancário com o setor bancário. Vale repetir que a criação ou destruição de moeda só ocorre se, da operação entre o público e o banco, resultar uma alteração do total de meios de pagamento do público. Isto significa dizer que, se um indivíduo paga sua conta de luz com um cheque de sua conta corrente não haverá nem criação nem destruição de moeda, pois a queda de seus depósitos à vista é compensada pelo aumento dos depósitos da companhia de eletricidade – que também é público. Da mesma forma, se um correntista vai ao banco e saca de sua conta corrente, com um cheque seu, nada ocorre, de vez que ele trocou um ativo monetário (depósito à vista) por outro (dinheiro em espécie). Mas, claro, se ele saca de sua conta de poupança, há criação de meios de pagamento, pois os depósitos de poupança são considerados haveres não monetários. 1.9 Multiplicador Bancário ou Monetário De uma forma simplificada, o processo se dá da seguinte maneira: as autoridades monetárias injetam dinheiro no sistema econômico, ou seja, há um aumento dos meios de pagamento. Por exemplo: vamos supor que o BACEN compra títulos da dívida de um agente no valor de 200 mil reais. O agente econômico deposita este dinheiro em um banco comercial. Por simplicidade, consideraremos que o agente deposita todo o dinheiro no banco comercial. O banco comercial não mantém a totalidade do depósito em caixa, mas empresta este dinheiro a outro agente. No final, a moeda criada pelos bancos comerciais será dada pelo depósito inicial no sistema bancário multiplicado por uma constante, que se chama Multiplicador dos Meios de Pagamento.Como os bancos mantêm um volume de reservas muito inferior ao volume de depósitos à vista, segue-se que eles criam “meios de pagamento”. O multiplicador 13 monetário mostra qual será o acréscimo no volume de meios de pagamento decorrente de um determinado acréscimo no volume de base monetária. PMPP/M1 = c = Expressa o comportamento do público em relação ao papel moeda que deseja manter; DVBC/M1 = d = Expressa o quanto o público tem de depósitos nos bancos; r = RdM1= Expressa o quanto os bancos manterão de reservas como proporção dos depósitos; Podemos escrever a Base Monetária, agora, como segue: B = PMPP + Reservas bancárias = cM1 + RdM1, E Sabemos que c = 1 – d Assim temos: B = (1 - d)M1 + RdM1 = M1 – d(1 – R)M1 Ou M1/B = 1/ 1 - d( 1 – R) Exemplo 1: Mostraremos a seguir através de uma situação hipotética o conceito de multiplicador monetário em termos práticos. Primeiro, faremos algumas suposições: (1) A emissão primária da moeda pelo BACEN seja R$ 100.000, sendo essa quantidade de moeda entregue ao público; (2) As pessoas depositarão todo o dinheiro nos bancos comerciais para movimentá-lo através de cheques (moeda em poder do público é nula); (3) Os bancos precisam manter em reservas técnicas, compulsórias e voluntárias 40% dos depósitos; e (4) Os bancos irão reter apenas o necessário para cobrir as reservas e emprestarão os recursos remanescentes. 14 Afinal, quanto deve ter sido o montante de dinheiro criado pelo sistema bancário na economia? O aumento da oferta de moeda na economia deve ser igual ao valor acrescentado inicial dividido pelas reservas dos bancos. Logo, o aumento da Oferta Monetária = R$ 60.000/R$ 0,40 = R$150.000 2. A Teoria Quantitativa da Moeda Os assuntos a serem abordados nesta unidade referem-se às temáticas: Breve Histórico de um Longo Debate: A Controvérsia Bulhonista: 1797-1821; A Controvérsia Continua: 1821 em diante e A Teoria Quantitativa da Moeda: a herdeira da posição Bulhonista. 2.1 A Teoria Quantitativa da Moeda de Fisher à teoria da demanda por moeda de Friedman A Teoria Quantitativa da Moeda estabelece que o estoque de moeda, “M”, é o principal determinante do nível geral de preços, “P”. Os economistas clássicos/neoclássicos chegaram a esta conclusão, a partir da hipótese de que o produto real a preços constantes de qualquer economia depende exclusivamente de variáveis reais (fatores de produção e função de produção agregada) e que a velocidade de circulação da moeda varia de forma lenta e previsível a longo prazo (dependendo de fatores como o grau de desenvolvimento do setor bancário, frequência de pagamentos e recebimentos, rapidez de transporte e comunicações), podendo ser considerada uma constante no curto prazo. A conclusão de que o produto real a preços constantes depende somente de fatores reais é obtida a partir da hipótese de flexibilidade de preços, tanto no mercado de bens e serviços quanto no mercado de trabalho, tornando-se conhecida na literatura como “equilíbrio clássico de pleno emprego” (Ackley 1978, cap. VI). Em meados do século XVIII, David Hume em seu ensaio Of Money, de 1752, foi o primeiro pensador a analisar de modo mais rigoroso a relação entre variáveis monetárias e variáveis reais. 15 A primeira versão da Teoria Quantitativa da Moeda apareceu na literatura econômica como Equação Quantitativa na forma de transações, sendo formulada por Simon Newcomb, em 1885 (Spiegel, 1992, p. 617) mas foi Irving Fisher, em 1911, em The Purchasing Power of Money, quem popularizou esta teoria. A TQM desenvolve a Equação Quantitativa cujo objetivo é mostrar a identidade existente entre o total de pagamentos em moeda e o total de bens e serviços transacionados. Note-se que, em cada ato de compra e venda de um bem ou serviço qualquer, os pagamentos em moeda e o valor monetário dos bens e serviços trocados são iguais. Logo, o total de moeda paga nas transações é igual ao valor monetário total dos bens e serviços comprados. Antes de descrever esta teoria vejamos alguns eventos históricos que influenciaram a teoria supracitada. 2.2 A Demanda de Moeda A moeda é formada por uma série de ativos financeiros (incluindo dinheiro, saldos bancários, cheques de viagem e outros instrumentos) com características especiais, que os distinguem dos outros tipos de direitos financeiros. Quando uma pessoa vai ao cinema, compra legumes ou um carro, nunca vai tentar fazer a compra com títulos ou ações, mas com algum tipo de dinheiro. Esta característica - a de ser um meio de troca aceitável - um motivo importante pelo qual a moeda é um meio de troca tão útil é que, de acordo com a lei, ninguém pode recusar-se a receber um pagamento em dinheiro. Na realidade, a moeda exerce três papéis fundamentais. 1. Em primeiro lugar, é um meio de troca, isto é, as pessoas estão dispostas a aceitá-la em troca de bens e serviços e, portanto, não há necessidade de haver coincidência mútua de desejos para que uma transação ocorra. 2. Em segundo lugar, serve como unidade de conta, e como tal os preços são cotados em unidades monetárias e não em relação a outros bens e serviços. Nestes dois papéis a moeda facilita o processo de troca. 3. Em terceiro lugar, a moeda é uma reserva de valor e, neste papel, é igual aos demais ativos financeiros. Quando as pessoas recebem dinheiro em troca de bens e serviços, não precisam gastá-lo imediatamente, porque ele mantém seu valor 16 (exceto em períodos de inflação, quando deixa de ser usado como reserva de valor). 2.3 A Teoria Quantitativa da Moeda A abordagem clássica é baseada na teoria quantitativa da moeda, teoria que afirma que a quantidade de moeda nominal determina o nível da renda nominal. A ideia de que a quantidade de moeda em circulação afeta o nível geral de preços é bastante antiga em análise econômica, e encontra um marco histórico notável na controvérsia entre Jean Bodin e Mallestroit sobre as causas da inflação na França de 1570. Durante cerca de três séculos, a teoria quantitativa foi aceita como lei de proporcionalidade entre a quantidade de moeda em circulação e o nível geral de preços. As versões mais refinadas datam do final do século XIX e princípio do XX, devendo-se, principalmente, a Marshall, Wicksell e Fisher. (Simonsen & Cysne, p.319) 2.3.1 A Equação de Fisher e a Velocidade de Transações da Moeda Uma primeira expressão da teoria quantitativa da moeda foi a chamada de "equação de Fisher", em homenagem a Irving Fisher (1867 - 1947), seu principal proponente. Ela é: MV = PT onde: M = moeda; T = todas as transações realizadas com moeda; P = preço médio de todos os itens incluídos em T; V = velocidade de transações e representa o número de vezes que uma unidade monetária se torna receita para alguém, ainda que não se torne renda. Assim, (T) não abrange apenas os itens incluídos no PIB, mas também os produtos intermediários, compras de artigos de 2a. mão e serviços de fatores. Chega até a incluir transações financeiras, como, por exemplo, transferências de fundos de uma conta de depósito à vista para um fundo do mercado monetário. As dificuldades de manuseio operacional desta versão da teoria quantitativa da moeda levou Fisher e outros economistas clássicos, como Marshall e Pigou, a evoluírem para o conceito da equação de trocas e da velocidade-renda da moeda. 17 2.3.2 A Equação de Trocas e a Velocidade-Renda da Moeda Suponha que você queira relacionar a renda nominal (PY) à quantidade de moeda (M). A maneira mais simples seria dizer que elas são a mesma coisa e escrever: M = PY. Isto é simples, masestá errado. As notas de dinheiro ou os depósitos em conta corrente não se limitam a comprar um determinado bem ou serviço e depois morrerem. Em vez disso, quem os recebe torna a gastá-los, de modo que se tornam renda uma segunda vez, e assim por diante. O que precisa ser feito é mudar o absurdo M = PY para MV = PY, mediante o acréscimo de um termo, V, para indicar a velocidade-renda da moeda. Esse termo mede o número de vezes que uma unidade de moeda se torna renda para alguém num determinado período. V mede não o número de vezes que um dólar ou real é gasto, mas o número de vezes que ele se torna renda durante o ano. Por definição, portanto, a velocidade de circulação é a renda nominal agregada dividida pela quantidade de moeda e representa o “giro” da moeda, ou seja, o número de vezes por período que uma unidade monetária é gasta para adquirir o total de bens e serviços produzidos na economia. (Hillbrecht, 1999) MV = PY Equação de trocas (identidade representativa da TQM) V = PY / M Velocidade-renda da moeda A Hipótese da Velocidade Constante Segundo Irving Fisher, são fatores tecnológicos e institucionais que determinam a velocidade de circulação da moeda. Quanto menos moeda for demandada, maior será a velocidade-renda da moeda. Se, por exemplo, os indivíduos usam cartões de crédito para fazer compras, eles precisam manter menos moeda para efetuar determinado volume de transações e, portanto, a velocidade-renda é maior do quando dinheiro ou cheques são utilizados (que se constituem em moeda). Fisher considerou que esses fatores tecnológicos e institucionais mudam lentamente ao longo do tempo, de maneira que a velocidade de circulação da moeda poderia ser considerada constante no curto prazo. (Hillbrecht, 1999) Uma vez considerada a velocidade (V) constante, a equação quantitativa (MV=PY) pode ser considerada uma teoria do PNB nominal, que diz que a renda nominal (PY) é determinada por movimentos da oferta de moeda (M). Em outras palavras, uma variação na quantidade de moeda (M) deve provocar uma mudança proporcional no PIB nominal 18 (PY). Isto é, a quantidade de moeda determina o valor em unidades monetárias do produto da economia. Fisher, como os economistas clássicos de sua época, acreditava que preços e salários eram perfeitamente flexíveis, de maneira que o produto real (Y), sob condições normais, estaria em seu nível de pleno emprego e poderia também ser considerado como constante no curto prazo. Portanto, pela teoria quantitativa, como V e Y são considerados constantes, todos os movimentos do nível de preços são determinados por mudanças proporcionais na quantidade de moeda. (Hillbrecht, 1999) 2.4 A Equação e a Abordagem de Cambridge A hipótese central da teoria quantitativa é uma concepção dicotômica dos mercados. Como aplicação duradoura de patrimônio, a moeda se considera absolutamente indesejável, por não render juros. Mas os agentes econômicos precisam de uma reserva transitória de valor, pois os seus pagamentos e recebimentos não se sincronizam nas mesmas datas. E, como instrumento de compensação dessas defasagens entre recebimentos e pagamentos, considera-se a moeda absolutamente insubstituível. Dentro dessa concepção, a equação de Cambridge postulava que a procura de moeda era proporcional ao produto nominal (PY). (Simonsen & Cysne, p.319). A equação de Cambridge é uma formulação alternativa à equação quantitativa MV = PY, em homenagem à Universidade de Cambridge, onde foi desenvolvida por Alfred Marshall e A. C. Pigou. Ela é: Md = kPY. Onde k era denominada constante marshalliana. Supondo-se equilíbrio entre oferta (M) e demanda no mercado monetário, M = Md, o produto nominal ficaria determinado pela oferta de moeda, M, de acordo com a equação: M = kPY. Note-se que, em qualquer das equações anteriores, M ou Md representa um estoque (unidades monetárias), e PY um fluxo (unidades monetárias por unidade de tempo). Como MV = PY e M = k.PY, então: k = 1 / V. Isto é, se as pessoas mantiverem a renda de um mês em moeda, de modo que k = 1/12, então, em média, um dólar ou real de moeda entra na renda de alguém doze vezes ao ano. Quando usamos a equação quantitativa estamos supondo que a oferta de saldos monetários reais seja igual à demanda de saldos monetários reais, e esta, proporcional à renda. 19 2.5 A Demanda Individual de Moeda A falta de sincronização entre recebimentos e pagamentos, aliada à imprevisibilidade de certas despesas, são os dois motivos essenciais que, segundo os economistas clássicos, conduzem à retenção de moeda pelos indivíduos. 2.5.1 Os Determinantes da Demanda Individual Quais os fatores que explicam a maior ou menor proporção de moeda retida pelo público em relação a um dado nível de renda? Em outras palavras: que fatores determinam a maior ou menor magnitude da proporção k? Em síntese, admite-se que os principais fatores sejam: 1. a forma como os indivíduos e as empresas distribuem, no tempo, as suas despesas; 2. os intervalos entre os pagamentos e os recebimentos, dados por hábitos e práticas econômicas que tendem a se institucionalizar; 3. as facilidades bancárias para a concessão de crédito; 4. a eficiência do sistema de compensação e dos processos de comunicação, que dificultam os sistemas de débito e de crédito de ordens de pagamento, ampliando as margens de ociosidade da moeda escritural; 5. a maior ou menor integração vertical do sistema econômico, à medida que influencia o número de transações intermediárias, reduzindo-as ou ampliando-as, e, assim, exigindo maiores ou menores saldos monetários disponíveis; 6. a existência ou não de substitutos próximos da moeda, geralmente denominados quase-moeda, pelo seu elevado grau de liquidez e por se constituírem em reservatórios rentáveis de poder aquisitivo; 7. o nível em que se encontra a taxa real de juros, aqui considerada como o custo de oportunidade de retenção de moeda; 8. a taxa de inflação, à medida que provoca a diminuição da riqueza retida sob forma monetária. Como a quase totalidade desses fatores é determinada institucionalmente e, a curto prazo e sob clima não inflacionário, se mantém inalterada, os economistas clássicos consideravam a proporção "k" como uma constante. Isto é, com algumas qualificações, eles consideravam irrelevantes as variações de “k” a curto prazo. (Lopes & Rossetti, p. 49-50) Particularmente, os economistas de Cambridge consideraram que a moeda tem duas propriedades importantes, que levam os indivíduos a demandá-la. Em primeiro lugar, a moeda serve como meio de trocas, que os indivíduos usam para efetuar transações. Esta parte da demanda por moeda é proporcional à renda nominal. Em segundo lugar, a moeda 20 também pode servir como estoque de riqueza, ou seja, quanto maior fosse a riqueza dos indivíduos, maior seria o seu estoque de ativos, entre estes a moeda. Na medida em que a riqueza dos indivíduos é proporcional à renda, a demanda por moeda por este motivo também seria proporcional à renda. M = f(Y). De acordo com os economistas clássicos, a demanda por moeda é uma função da renda dos indivíduos (ou famílias). Entretanto, embora eles considerassem frequentemente que o coeficiente de proporcionalidade k fosse constante no curto prazo, ele poderia experimentar mudanças decorrentes das decisões dos indivíduos. Por exemplo, como a moeda poderia ser demandada como estoque de riqueza, essa decisão dependeria dos retornos esperados dos outros ativos que compõem o estoque de riqueza. Se esses retornos subissem em relação ao da moeda, os indivíduos demandariam menos moeda por esse motivo. Dessa maneira, k se reduziria e avelocidade de circulação da moeda aumentaria. Portanto, a abordagem de Cambridge difere da teoria quantitativa estrita da moeda pelo fato de que a taxa de juros (por meio do retorno esperado sobre os ativos que compõem a riqueza dos indivíduos) pode afetar a velocidade de circulação da moeda, enquanto na teoria quantitativa a demanda por moeda não guarda nenhuma relação com a taxa de juros. (Hillbrecht, 1999) 2.6 A Versão Keynesiana da Demanda de Moeda (A Teoria da Preferência pela Liquidez) Na versão Keynesiana, contrariando a versão clássica, a moeda deixou de ser vista apenas como um instrumento de intermediação de trocas, que não afetava significativamente outras variáveis econômicas, como a taxa de juros e o volume global de emprego. Enfocando-a também como uma reserva de valor, mantida não apenas para fins transacionais, mas também para atender a oportunidades de especulação, Keynes deixou de ver a moeda como componente neutro. Em sua versão, uma significativa parcela da demanda de moeda é afetada pelas expectativas sobre o comportamento da taxa de juros, ao mesmo tempo em que o nível do emprego e, consequentemente, outras variáveis do setor real da economia, experimentam a influência de variações situadas no setor monetário. Ademais, Keynes incorporou na sua versão da demanda de moeda a incerteza acerca das variações futuras na taxa de juros, 21 assinalando ser esta "a única explicação inteligível que justifica a conservação de recursos líquidos para fins de especulação". (Lopes & Rossetti, p. 54) 2.6.1 Os Motivos da Demanda de Moeda em Keynes A Teoria da Preferência pela Liquidez, de John Maynard Keynes, surgiu em 1936, em seu famoso livro A Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda. Keynes rompeu com a teoria clássica ao considerar explicitamente que a demanda por moeda depende da taxa de juros. Segundo Keynes, há três motivos para a procura de moeda: as transações, a precaução e a especulação. 1. Motivo Transação - Esse motivo foi desdobrado em dois. Keynes denominou-os motivos-renda e giro de negócios. Quanto à renda, trata-se da necessidade de conservar recursos líquidos para garantir a transição entre os recebimentos e os desembolsos; a força deste motivo para induzir os agentes econômicos à decisão de reter ativos monetários depende, segundo Keynes, principalmente do montante da renda regularmente recebida e da duração normal do intervalo entre o seu recebimento e os gastos. Quanto ao giro de negócios, incluiu-se sob este motivo a moeda retida pelas empresas para garantir os pagamentos que se efetuam no intervalo entre as compras de insumos e remunerações dos fatores e as entradas de caixa resultantes da realização das vendas; a força deste motivo para induzir as empresas a manter maiores ou menores saldos líquidos em caixa depende, segundo Keynes, sobretudo do montante da produção corrente (e, portanto da renda corrente) e do número de mãos através das quais ela passa. (Lopes & Rossetti, p. 55). A procura de moeda para transações era identificada pelos economistas clássicos: o estoque necessário para compensar as defasagens entre recebimentos e pagamentos. Até aí, Keynes só inventou uma denominação. 2. Motivo Precaução - Enquanto o motivo transação se refere ao atendimento de despesas ordinárias e certas, o motivo precaução decorre da necessidade de se fazer frente a despesas extraordinárias e incertas. Há, assim, motivos que levam os agentes a se precaverem quanto às contingências inesperadas. A força deste segundo motivo depende, em grande parte, ainda segundo a versão de Keynes, 22 do custo e da segurança dos métodos para obter moeda em caso de necessidades imprevistas. No Brasil, atualmente, a concessão de limites para movimentação de contas correntes, em aberto nos bancos comerciais, franqueada aos detentores de “cheques especiais”, tende a reduzir a demanda de moeda por precaução a níveis próximos de zero. (Lopes & Rossetti, p. 56) Na boa linha clássica, Keynes admitiu que não apenas a procura de moeda por transações, mas também a por precaução, fossem proporcionais à renda nominal, na forma marshalliana kPY, sendo k uma constante. 3. Motivo Especulação - Enquanto os dois motivos anteriores são comuns aos clássicos e a Keynes, o motivo especulação é especificamente Keynesiano. Quanto a este terceiro motivo, Keynes procura mostrar que, ao contrário do que pensavam os clássicos, não é irracional manter ativos monetários para satisfazer a oportunidades especulativas, desde que os agentes econômicos tenham razões para acreditar em mudanças a seu favor no preço dos títulos e, portanto, na taxa de juros. A expectativa sobre mudanças futuras na taxa de juros situa-se, assim, atrás do motivo especulação. Sob uma expectativa generalizada de alta na taxa de juros ou de uma queda equivalente no preço dos títulos, no futuro, a retenção de saldos monetários para fins especulativos tende a se elevar; caso contrário, a retenção de moeda devida a esse motivo tende a diminuir. (Lopes & Rossetti, p. 56) A linha de raciocínio seguida por Keynes está fundamentada nessa relação simples entre os preços de mercado dos títulos de renda fixa e as correspondentes taxas de juros auferidas por seus detentores. Admitindo que os agentes econômicos manteriam seus excedentes de renda em relação as suas necessidades de consumo (isto é, poupanças) sob a forma de ativos monetários ou de títulos adquiridos no mercado financeiro, Keynes observou que, quando os preços dos títulos estavam altos e as taxas de juros baixas, os agentes econômicos revelavam, de uma forma geral, forte propensão a manter aqueles excedentes sob a forma de ativos monetários, na expectativa de que os preços caíssem e ensejassem, se adquiridos quando então se encontrassem em queda, maiores ganhos 23 especulativos. Inversamente, estando baixos os preços dos títulos e altas as taxas de juros, a manutenção de saldos monetários para fins especulativos tendia a se reduzir, dada a preferência que então se estabelecia por aplicações em títulos, na expectativa de que seus preços se elevassem, ensejando maiores ganhos especulativos, se vendidos quando então se encontrassem em alta. Relações entre preços de mercado e taxas de juros de um título de renda fixa preço de mercado do título ($) valor nominal = $ 100.000 rendimento fixo mensal ($) 3% a.m. s/o valor nominal Taxa de juros ( i ) % 100.000 3.000 3.00 105.000 3.000 2.85 110.000 3.000 2.73 120.000 expansão 3.000 2.50 redução 100.000 3.000 3.00 95.000 3.000 3.15 86.000 3.000 3.53 82.000 redução 3.000 3.66 expansão (Lopes & Rossetti, p.59-60) 2.7 O Modelo Baumol-Tobin de Demanda por Moeda A teoria mais famosa de demanda por moeda, chamada de abordagem do estoque, é baseada nos trabalhos isolados realizados por William Baumol e James Tobin em meados dos anos cinquenta (W. Baumol, "The Transactions Demanda for Cash: An Inventory Approach", QJE/1952, e J.Tobin, The Interest-Elasticity of the Transactions Demand for Cash, RES/1956). Atualmente é conhecida como modelo de Baumol-Tobin. Ambos observaram que as pessoas mantém estoques de dinheiro da mesma forma que as empresas mantém estoques de mercadorias. Num certo momento, a família tem uma parte do seu patrimônio em forma de moeda para poder fazer compras. Se mantiver grande parte do seu patrimônio em forma de moeda, sempre terá dinheiro para realizar transações; se for uma pequena parte, vai precisar obter dinheiro, por exemplo, vendendo títulos, sempre que quiser fazer uma 24 compra. Em geral, vai haver um custo, como,por exemplo, uma taxa de corretagem, cada vez que vender um ativo remunerado para obter o dinheiro necessário para as compras. Portanto, a família precisa fazer uma escolha. Se ficar com muita riqueza em forma de moeda em seu poder, perde os juros que ganharia se mantivesse os títulos. Ao mesmo tempo, reduz o custo de transação de converter os títulos em dinheiro cada vez que quiser comprar alguma coisa. Este problema é semelhante ao da empresa que precisa definir o nível de estoques. Com um estoque grande, sempre terá insumos para produzir ou vender. Mas manter estoques tem um custo, pois eles não rendem juros e envolvem despesas de armazenagem e seguro. Portanto, a empresa deve analisar se é mais conveniente manter estoques maiores e arcar com os custos (tanto os de oportunidade quanto os diretos) ou reduzí-los. A seguir vamos ver como Baumol e Tobin formalizaram esta ideia. Os arranjos institucionais no mercado financeiro também afetam significativamente a procura de moeda. Keynes só conseguiu engordar a procura especulativa supondo que os títulos de curto prazo pouco circulassem no mercado. Uma oferta abundante de títulos de prazo curto, reduzindo o risco de oscilação de suas cotações, deve reduzir a procura de moeda a tal ponto que pode, inclusive, afetar a procura por transações. Vejamos o diagrama de encaixes triangulares: (Simonsen & Cysne, p.343) Y M/2 M moeda M/2 moeda M títulos M/2 M moeda tempo 25 Trabalha-se, agora, com a suposição de preços constantes (PY = Y). Implicitamente, ao construirmos as curvas de procura de moeda, admitimos que indivíduos e empresas não tivessem como aplicar dinheiro em títulos de prazo inferior a um mês. Contudo, nos mercados monetários modernos, há operadores de mercado aberto que oferecem a seus clientes operações por qualquer prazo, a partir de um dia. Não é preciso, no caso, muita imaginação para dividir o mês em n partes iguais dividindo por n o estoque médio de moeda. A figura anterior mostra esta composição para um indivíduo que guarda em moeda Y/3 e aplica no mercado aberto Y/3 por 10 dias e Y/3 por 20 dias. Com isso, o seu encaixe médio ao longo do mês se reduz de M = Y/2 para M = Y/6. (Obs: Y/3 + Y/3 + Y/3 = 3Y/3 = Y). Genericamente, se decompusermos o triângulo de encaixes mensais em n subtriângulos, o encaixe médio se reduz de M = Y/2 para M = Y/2n, à custa de (n - 1) operações de mercado aberto. Até que ponto vale à pena expandir n? Deve-se admitir que cada operação de mercado aberto envolva um custo fixo real b, independente do volume transacionado (os custos variáveis se supõem deduzidos da taxa de juros). Em geral, o saldo médio de dinheiro (M/2) é a metade da quantidade de moeda transferida das aplicações de mercado aberto para a conta corrente em cada transferência (M). Alternativamente, a quantia transferida para a conta corrente é o dobro do saldo médio nesta conta. O número total de transferências é o total de consumo planejado para o mês, Y, dividido pelo valor de cada transferência (valor de cada transferência = M). O custo total das transferências é b vezes Y/M. bY/M custo total das transferências. Mas o indivíduo, ao manter um saldo médio, M/2, em sua conta corrente, incorre em um custo de oportunidade no mês, que é simplesmente i.M/2. O indivíduo quer escolher seu saldo médio (M/2) de forma a minimizar o total dos dois custos. Algebricamente, quer achar M/2 que minimize o custo total: CT = bY / M + i.M/2 Este problema de minimização é resolvido da seguinte forma: бCT/бM = - bY/M2 + i/2 bY/M2 = i/2 M2 = 2bY/i 26 Portanto, o valor do saldo médio em conta corrente, M/2, que minimiza o custo total é: Md/P = M/2P = (2bY/4i)1/2 = (bY/2i)1/2 onde: b custo fixo real de cada operação de mercado aberto Y total do consumo planejado para o mês i taxa de juros (nominal) dos títulos (custo de oportunidade de retenção de moeda) Md/P = M/2P saldo médio em conta corrente (demanda por saldos reais) Isto significa que: um aumento de juros reduz a demanda por moeda; um aumento de renda aumenta a demanda por moeda; e um aumento do custo de corretagem aumenta a demanda por moeda. Este último modelo é devido a Baumol e destaca a influência da renda real, da taxa de juros e dos custos de transação na procura de moeda. Ele deve ser considerado complementar ao de Tobin (de onde a identificação Tobin-Baumol na teoria monetária moderna). Podemos ver na equação Md/P = 1/2(2bY/i) 1/2 que, se o nível de preços duplicar mas todas as outras variáveis (I, Y,b) permanecerem constantes, a demanda por M também vai dobrar. Em geral, podemos concluir que uma alteração do nível de preços afeta na mesma proporção o valor da quantia que se deseja ter em poder, mas a demanda real por moeda continua inalterada. O modelo também capta efeitos importantes da renda, taxa de juros e do custo fixo b sobre a demanda de moeda. Como fica claro a partir da equação Md/P = 1/2(2bY/i) 1/2 , um aumento da renda real Y aumenta o valor que se deseja manter. Em outras palavras, o aumento da renda faz com que uma família aumente suas despesas e, para suportar o volume maior de transações, ela aumenta o valor médio de dinheiro que mantém em seu poder. Podemos indicar o efeito quantitativo exato de um aumento de renda. Imagine, por exemplo, uma família de sorte cuja renda real aumenta 10% e, portanto, seu nível de Y passa a 1,10Y. Usando a expressão Md/P = (2bY/i) 1/2 , podemos ver que a demanda aumenta aproximadamente 5% (mais precisamente, aumenta em 4,88). Em termos técnicos, dizemos que a elasticidade da renda real da demanda por moeda é ½, ou seja, um aumento de por cento na renda real causará um aumento de /2 no valor que se deseja manter em moeda. Isto tem uma consequência importante. 27 Como a variação percentual do dinheiro é menor que a variação percentual na renda, um aumento da renda real leva a uma queda na proporção entre dinheiro e renda. Em outras palavras, as famílias economizam o valor que vão manter em seu poder quando a renda real aumenta. Usando um conceito econômico familiar, há uma economia de escala na manutenção da moeda. Um aumento na taxa de juros precipita um declínio na demanda por moeda. Este resultado é fácil de explicar intuitivamente: a taxa de juros maior eleva o custo de oportunidade de manter o dinheiro, e isso faz com que as famílias reduzam o valor mantido em seu poder. Novamente, a equação Md/P = (2bY/i) 1/2 nos dá a relação exata entre Md/P e i. Um aumento de 10% na taxa de juros gera uma redução da demanda por moeda de cerca de 5%. Portanto, a elasticidade dos juros da demanda por moeda é de -(1/2). Finalmente, podemos analisar o efeito sobre a demanda por moeda de um aumento no custo fixo da retirada da conta de poupança. É fácil ver que, quando este custo aumenta, a família vai querer ir com menos frequência ao banco e, portanto, o valor de cada retirada será maior, assim como o valor médio de dinheiro mantido num determinado período. A expressão Md/P = (2bY/i) 1/2 indica que a elasticidade da demanda por moedacom relação ao custo fixo b é (1/2). Em resumo, podemos dizer que a demanda por moeda é simplesmente uma função f da taxa de juros nominal e do nível de renda, como vemos na equação seguinte: Md/P = f(i,Y). (Sachs, Larrain, p.265) 2.8 A Abordagem de Friedman A versão da demanda de moeda de Milton Friedman - que afinal acabou por se constituir numa espécie de ressurgimento, em bases teóricas mais sofisticadas, da tradicional abordagem quantitativa de Cambridge - foi desenvolvida no final da década de 50. (Lopes & Rossetti, p.83) (1956 - The Quantity Theory of Money: A Restatement - University of Chicago Press, em Studies in the Quantity Theory of Money e The demand for money: Some theoretical and empirical results, publicado em 1959). Em certo nível, os monetaristas se distinguem dos outros economistas destacando a existência de uma função estável de demanda por moeda. Em outras palavras, eles afirmam que (M/P) D é função de algumas variáveis identificáveis, e sugerem que uma 28 implicação da estabilidade da demanda por moeda é que a melhor forma de estabilizar a economia é estabilizar a taxa de crescimento da oferta monetária em um nível baixo. A crença na estabilidade da demanda por moeda funciona, a grosso modo, da seguinte forma: supondo que o produto seja determinado por fatores externos (pelas decisões microeconômicas de oferta das famílias e das empresas), de modo que Y seja dado, a definição da velocidade implica que: P = MV/Y Se V for relativamente estável, e Y é exógeno, a equação conclui que as alterações de M se traduzem em alterações no nível de preços. Portanto, os monetaristas afirmam que as variações de M são a chave para controlar o nível de preços, pelo menos quando as alterações são consideradas num intervalo de alguns anos. Afirmam que é preciso permitir que a moeda aumente numa taxa anual constante (a assim denominada regra de x por cento, que permite que a moeda aumente numa determinada taxa anual x), para dar origem a uma taxa constante de aumento nos preços ao ano. Controlar a inflação passa a ser simplesmente uma questão de controlar M. Os não-monetaristas discordam deste ponto de vista com vários argumentos. Em primeiro lugar, afirmam que V não é uma constante, de modo que um crescimento constante de M não leva necessariamente a um aumento constante (ou estabilidade) de P, mesmo a médio prazo. Não só V é função de i e Q, como também é suscetível aos choques por alterações tecnológicas e de regulamentação. Em segundo lugar, no curto prazo, a variação de M provavelmente também vai afetar Y além de P (um ponto reconhecido por muitos monetaristas). Para os não- monetaristas, o provável efeito de mudanças em M sobre Y tem duas implicações. Primeiro, a tentativa de implantar uma política monetarista de crescimento monetário estável pode envolver uma alteração em relação às regras monetárias anteriores e provocar uma alteração indesejável em Y. Segundo, a regra do crescimento monetário fixo significa uma política monetária ativa para ajudar a estabilizar Y no curto prazo. A maioria dos monetaristas rejeita a noção de que a política monetária deve ser usada para a estabilização a curto prazo. Apesar de, geralmente, reconhecerem que a moeda afeta o produto real no curto prazo, afirmam que as relações entre moeda e produto são “longas e variáveis”, e que na realidade não são confiáveis para o propósito de estabilização a curto prazo. Portanto, argumentam que a política monetária deve visar o 29 médio prazo e, neste caso, sugerem que um crescimento estável e baixo da moeda vai gerar uma taxa estável e baixa de inflação. (Sachs & Larrain, p.276). De certa forma, Friedman tenta restaurar o prestígio da teoria quantitativa após as intensas contestações de Keynes e pós-keynesianos. É verdade que isso obrigou o autor a desenvolver uma teoria quantitativa de tal forma modificada que, segundo os críticos mais céticos, pouco tem em comum com as versões dos neoclássicos. Contudo, o modelo de Friedman, se é analiticamente muito mais sofisticado do que a equação M = kPY, restabelece a primazia da política monetária como instrumento de combate à inflação e de ação anticíclica. Tentando resumir a contribuição desse autor, iniciaremos pela sua abordagem dos motivos determinantes da demanda por moeda, para, em seguida, apresentarmos os resultados de suas pesquisas neste sentido, relativas à economia americana entre 1870 e 1954. O primeiro ponto a ser destacado é que, em sua nova versão, a equação MV = PY (ou M = kPY, com k = 1/V) não pretende explicar a evolução da renda nominal, da renda real, ou do nível de preços. Trata-se de uma equação de demanda por moeda, devendo ser interpretada da forma: Md = kPY, ou seja, com a quantidade de moeda demandada como variável endógena. A oferta de moeda pode ser exógena, mas a demanda é endógena. Friedman derivou a sua função de demanda de moeda fazendo-a resultar da agregação de duas demandas distintas: a das unidades familiares e a das empresas. Iniciemos estudando separadamente os motivos determinantes da demanda por moeda dos indivíduos (famílias) e das empresas. 2.8.1 A Demanda de Moeda pelas Famílias (indivíduos) Para explicar porque as pessoas demandam moeda, Milton Friedman usou a teoria da demanda por ativos. Ele considerou que, por ser a moeda um ativo, a demanda por moeda deve ser influenciada pelos mesmos motivos que determinam a demanda por ativos. A teoria da demanda por ativos diz que os principais determinantes da demanda por ativos são a riqueza total dos indivíduos e o retorno relativo esperado dos ativos. (Hillbrecht, 1999) Na visão Friedmaniana a moeda representa, para os indivíduos, uma das cinco formas alternativas de alocação de riqueza. As outras possibilidades seriam títulos com rendimento nominal constante, títulos com rendimento real constante (indexados), bens 30 físicos e capital humano. Desta forma, segundo Friedman, a demanda de moeda pelas famílias é função das seguintes variáveis: a – Renda permanente, que representa a riqueza total das pessoas, decorrente da soma das riquezas humana e não humana (Yp). b - Proporção da riqueza humana sobre a de natureza não humana (material) (w). c - Custo de oportunidade de retenção de ativos monetários, dado pelos retornos de títulos de renda variável e fixa, bem como pela taxa esperada de inflação (i, r, P*). d - Outros fatores econômicos e não econômicos, de natureza institucional, decorrentes do processo de desenvolvimento histórico das economias nacionais, ou meramente conjunturais, que interferem momentaneamente nas preferências das famílias e das empresas quanto às diferentes formas de retenção de ativos ( ). (Lopes & Rossetti, p. 83) Numa análise equivalente à determinação da demanda por bens e serviços da teoria do consumidor, os indivíduos escolheriam a quantidade de moeda a reter pela maximização de uma função de utilidade, cujos argumentos deveriam incluir as cinco diferentes formas de alocação de riqueza. Como, numa mudança de composição de portfólio, uma unidade monetária alocada de determinada forma se troca sempre por uma mesma unidade monetária alocada de maneira alternativa, o que determinará a composição de ativos será o fluxo de rendimentos esperados associados a cada possibilidade de alocação de riqueza. Outros fatores determinantes serão, obviamente, os gostos dos indivíduos e, numa analogia à restrição orçamentária da teoria do consumidor, o total da riqueza. Após algumas ressalvas e simplificações, chega-se à seguinte função de demanda por encaixes nominais por parte dos indivíduos: Md = f (P, i, r, P*,w, PYp, ) onde:P = nível de preços i = taxa de juros nominal (ou seja, dos títulos de renda nominal constante) r = taxa de juros real (ou seja, dos títulos de renda real constante) P* = taxa de inflação esperada w = relação entre a riqueza aplicada sob a forma de capital não-humano e a riqueza alocada sob a forma de capital humano, ou, segundo Friedman, equivalentemente, a 31 relação entre os rendimentos associados ao capital não-humano e aqueles associados ao capital humano. Yp = renda real permanente, utilizada como "proxy" para a riqueza real (riqueza total). PYp representa a renda nominal permanente. = variável relacionada aos gostos e preferências dos indivíduos. Se supusermos que a multiplicação de P e PYp por um determinada constante “c” implica numa multiplicação de Md pela mesma constante (ou seja, homogeneidade de primeiro grau da função Md anterior em relação ao nível de preços P e à renda nominal PYp), temos, tomando c= 1/P: Md --- = f (i, r, P*,w, Yp, ) P onde agora Md/P representa a demanda por encaixes reais (ou seja, medidos em termos do seu poder de aquisição de bens e serviços) desejados. Considera-se, assim, que as pessoas demandam moeda por seu poder de compra, ou seja, elas demandam encaixes reais. Passa-se agora a examinar cada uma das variáveis: a) Riqueza Total (Yp) Riqueza total: Riqueza humana (capital humano) Riqueza não humana: Moeda Títulos de renda variável Títulos de renda fixa Bens físicos: Imóveis Outros ativos materiais Além das formas conhecidas de riqueza material, a riqueza total é também constituída pela riqueza humana, conceituada como o valor atual das rendas futuras geradas pelo capital humano. A ideia de riqueza total das famílias equivale ao máximo do montante em moeda que suas riquezas possam ser transformadas, adicionado do valor atual dos rendimentos futuros proporcionados pela aplicação da riqueza humana no processo produtivo. 32 Como a determinação do valor da riqueza total envolve sérias dificuldades operacionais, Friedman sugere a adoção do conceito de renda permanente, dada pela média ponderada das rendas correntes e passadas das unidades detentoras de riqueza, como aproximação válida do conceito de riqueza total. Deste modo: Lf = f(Yp). b) Proporção da Riqueza Humana sobre a Não Humana (w) Segundo Friedman, apresentando a riqueza humana menor grau de liquidez que as demais formas de riqueza não humana, quanto maior for a proporção da primeira em relação ao total da segunda, tanto maior será a necessidade de retenção de moeda. A capacidade futura de trabalho é institucionalmente vista como garantia inferior à que resulta de outras formas convencionais e imediatas de riqueza acumulada. Assim: Lf = f( w ) onde w = proporção riqueza humana/riq.não humana sendo que: &Lf/& w > 0 c) Custo de Oportunidade de Retenção de Moeda (i, r, P*) Ao decidir reter saldos monetários, as unidades familiares incorrem em custos de oportunidade representados pela taxa de retorno (r) que os ativos de renda variável (ações) podem render e pela taxa de juros (i) que pode ser auferida com a aplicação em títulos de renda fixa. Além disso, se a taxa esperada de inflação (P*) for positiva, a retenção de ativos monetários importará no custo adicional resultante da perda do seu poder real de compra. Se estes custos se elevarem, a demanda de outras formas de ativo aumentará e a de moeda declinará. Em outras palavras: Lf = f(r,i,P*) e: &Lf/&r < 0 &Lf/&i < 0 &Lf/&P* < 0 d) Outros Fatores ( ) - estrutura de distribuição de renda; - regimes de mercado prevalecentes na oferta de bens e serviços e de fatores de produção; - graus de incerteza quanto ao futuro; - expectativas quanto à ocorrência de anormalidades, como guerras e crises econômicas agudas; 33 - grau de estabilidade político-institucional; - variáveis localizadas no âmbito da psicologia social; - estrutura de valores sociais e éticos predominantes. Assim: Lf = f( ) Em sua abordagem, Friedman admite, dadas as dificuldades de precisão dos efeitos dos fatores assinalados sobre a demanda de moeda, que a variável ( ) é constante, notadamente a curto prazo. Neste caso: &Lf/& = 0 Em conclusão, reunindo novamente em uma só função todas as variáveis focalizadas, a demanda de moeda pelas famílias (indivíduos), segundo a versão de Friedman, é dada por: Md = Lf = f(P, PYp, w,r,i,P*, ) ou então, conforme já visto: Md----- = f(i, r, P*, w, Yp, ) = Lf P Onde Md/P representa a demanda das famílias por encaixes reais (ou seja, medidos em termos do seu poder de aquisição de bens e serviços) desejados. Friedman não tenta argumentar que a velocidade-renda apresente um valor constante no curto prazo. De fato, pelo que vimos até aqui, variações nas taxas de juros implicariam em alterações no valor de V. Nem mesmo aos clássicos ele atribui tal tese, citando como contra-exemplo uma passagem de Pigou que relaciona a velocidade-renda da moeda à taxa de juros. Sua posição básica consiste em defender a estabilidade da função V (i, P*, w, Yp, u). Matematicamente, isto equivale a se admitir que a velocidade-renda (e, consequentemente, a demanda por moeda em termos reais) possa ser razoavelmente explicada tomando-se como base as variáveis explicitadas nesta função. A valer a teoria friedmaniana, incluindo a hipótese de estabilidade da função V(i, P*, w, Yp, u) e a controlabilidade da oferta monetária, a atividade econômica seria extremamente sensível a flutuações da política monetária - flutuações estas que se transmitiriam à renda permanente, provocando oscilações de muito maior amplitude na renda corrente. O resultado é semelhante ao da teoria clássica, mas com muito maior força de propagação. E a política monetária voltaria a ser o determinante básico do nível de atividade e dos preços. 34 Nesta linha, os friedmanianos criticam veementemente a política monetária espasmódica aplicada em muitos países, que alterna períodos de relaxamento expansionista com fases de contração monetária. A sua recomendação para uma política de pleno emprego sem inflação é a manutenção de uma taxa de expansão dos meios de pagamento conhecida e metodicamente constante, de acordo com o crescimento do produto real e a elasticidade-renda da procura por moeda. 2.8.2 A Oferta de Moeda A forma pela qual a oferta de moeda é determinada na maioria das economias experimentou uma alteração fundamental no século XX. Nas suas primeiras décadas a moeda sem lastro não era usada de forma geral, mas sim o ouro e a moeda com lastro em ouro. O papel-moeda, quando em uso, podia ser convertido naquele metal precioso por um preço fixo. Nesse sistema monetário, as variações na oferta de moeda eram determinadas, principalmente, pela produção do metal precioso (do ouro, em particular) 1 . Por outro lado, no sistema de curso forçado, a oferta de moeda é determinada, principalmente, pela política governamental. A diferença é crucial. A maioria das nações tem uma instituição oficial normalmente chamada banco central, que possui autoridade legal para imprimir dinheiro. Nos Estados Unidos, o banco central é o Sistema Federal de Reserva; na Inglaterra, o Banco da Inglaterra; na União Europeia, o Banco Central Europeu; no Japão, o Banco do Japão e, no Brasil, o Banco Central do Brasil. Contudo,há vários países que não têm bancos centrais ou, quando existem, não têm autoridade para imprimir a moeda nacional. Por exemplo, na Libéria e no Equador o dólar é a moeda e o meio de troca oficial (no Panamá, o dólar também é usado como moeda corrente, ao lado do dinheiro local, que existe apenas na forma de moedas de pequeno valor). Como regra geral, o banco central de cada país, ao buscar determinar a oferta de moeda, usa o agregado composto pelo papel moeda e moedas metálicas em poder do público não-bancário, mais as reservas que os bancos comerciais mantém junto a si e no banco central (este agregado é denominado de M0, ou base monetária). Como o banco central é a única autoridade que pode imprimir (ou autorizar que se imprima) uma nota de 1 Outro metal precioso, a prata, deixou de ser usado como metal monetário no final do século XIX. 35 dinheiro ou cunhar uma moeda, ele determina a oferta dessas notas e moedas na economia (que são mantidas como dinheiro pelo público ou como reservas bancárias). Lembra-se, entretanto, que esta não é a única categoria de moeda, nem mesmo uma categoria que considere a medição da moeda em poder do público (pois M0 inclui reservas bancárias). Há categorias mais amplas - M1, M2, M3 etc. Em geral, a quantidade desses Ms maiores em circulação é determinada pela quantidade de moeda em circulação produzida pelo banco central, pelas regulamentações relativas ao sistema bancário (geralmente determinadas pelo banco central, com destaque para as reservas compulsórias dos bancos comerciais junto a si) e pelos instrumentos financeiros que as pessoas escolhem para suas carteiras de investimento (Sachs; Larrain, p.283). Existe a hipótese de que a moeda legal é um elemento institucional subordinado ao controle das autoridades monetárias. Sob esta hipótese, a moeda é vista como uma variável exógena, o que torna o seu controle possível e restrito às autoridades monetárias, as quais administram a oferta de moeda e a taxa de juros como instrumentos de política monetária. Para alguns teóricos da economia monetária (os pós-keynesianos, por exemplo), a oferta de moeda não se subordina, estritamente, a controles centrais, mas sim é largamente influenciada pelo sistema financeiro, sendo gerada pela expansão do crédito ou pelo racionamento deste, com efeitos importantes, transformando-se assim, em grande medida, em variável endógena 2 . 3. Os Meios de Pagamento e outros Agregados Monetários O Sistema Financeiro Monetário (ou, equivalentemente, o Sistema Financeiro Bancário) representa a parte do sistema financeiro responsável pela geração de meios de pagamento. O que incluir precisamente nesses ativos disponíveis, eis uma questão que suscita algumas controvérsias e que não pode ser resolvida sem certa margem de arbitrariedade. A definição mais usual considera meios de pagamento numa economia moderna o papel-moeda em poder do público (que é igual ao saldo do papel-moeda emitido menos os 2 Como muitas questões em economia, a questão entre endogenia e exogenia da oferta de moeda (meios de pagamento) encontra uma solução de equilíbrio, em cada sistema monetário, entre a atuação do banco central e as operações de crédito das demais instituições financeiras bancárias. 36 encaixes em moeda corrente dos bancos, inclusive do Banco Central) mais os depósitos à vista do público na rede bancária. Estes meios podem ser utilizados a qualquer momento para a remuneração de fatores da produção empregados, para o pagamento de bens ou serviços adquiridos ou ainda para saldar dívidas contraídas no passado. No caso do Brasil, o primeiro passo na criação de papel-moeda é que a Casa da Moeda, órgão da Secretaria do Tesouro Nacional, produza as notas e moedas de dinheiro. Ela depois as transfere para o Banco Central, que paga por elas creditando o seu valor na conta que o Tesouro Nacional tem no Bacen (eximindo-se este, assim, do recebimento de receitas de senhoriagem). Depois, quando um banco precisa de dinheiro, ele chama o Banco Central, que lhe remete o dinheiro e debita a sua conta de reserva. O banco põe então esse dinheiro em circulação, dando-o em pagamento a seus clientes. A essa altura, quando o dinheiro passa para a mão do público não-bancário, ele se torna parte do meio circulante. Estes são os ativos que preenchem os atributos essenciais de rendimento zero, de custo de manutenção e estocagem negligenciáveis e de máxima liquidez. Portanto, os meios de pagamento, são dados por: papel-moeda emitido (inclusive moedas metálicas) menos: moeda em caixa forte do Bacen igual a: saldo do papel-moeda em circulação menos:caixa em moeda corrente dos bancos comerciais igual a: Moeda Manual (Mm) ou saldo de Papel-Moeda em Poder do Público (PMPP) 3 mais: Moeda Escritural (ou bancária): depósitos à vista nos bancos comerciais (Dv) igual a: Meios de Pagamento Em resumo, os meios de pagamento se compõem do papel-moeda em poder do público e da moeda escritural. Por essa definição, a criação de meios de pagamento só pode ser realizada: a) pelo Banco Central, que tem o poder legal de emitir papel-moeda; b) pelos bancos comerciais (e outras instituições bancárias), que têm depósitos à vista. Os saldos de cartões de crédito não são incluídos, porque cartões de crédito são uma forma de diferir o pagamento. Quando se paga com cartão de crédito e financia-se a compra realizada em mais de um pagamento, está-se recebendo um crédito, uma dívida que será paga no tempo, em cheque ou dinheiro. 3 Equivalente ao termo em inglês currency e ao termo em português dinheiro. 37 Assim, para indicar o total da oferta de meios de pagamento (oferta monetária), M1, pode ser empregada a seguinte expressão: M1 = Mm + Dv, onde Mm = moeda manual (ou saldo de PMPP) e Dv = depósitos a vista nos bancos (ou moeda escritural). A observação desse conceito convencional de moeda leva à constatação que ele privilegia a função da moeda como intermediária de trocas. No entanto, se a definição de oferta monetária considerar, além da função de intermediação de trocas, a de reserva de valor, o conceito convencional exclui totalmente um significativo grupo de ativos financeiros que, pelo seu alto grau de liquidez, são considerados como quase-moeda: as letras e demais obrigações do Tesouro Nacional e do Banco Central, os depósitos a prazo fixo, as cadernetas de poupança, as letras imobiliárias e outros ativos financeiros de emissão sistema de intermediação financeira. A partir de argumentos dessa ordem é que se desenvolveram outros conceitos mais abrangentes de moeda. A definição de outros conceitos mais amplos de agregados monetários tem gerado controvérsias, uma vez que o sistema financeiro cria instrumentos de alta liquidez, tornando-se cada vez mais difícil distinguir a moeda transacional da poupança. Dessa forma, procura-se classificar os meios de pagamento em ordem decrescente de liquidez, de tal maneira que se incluam todos os haveres financeiros em poder do público e que sejam disponíveis contabilmente no contexto do Sistema Financeiro Nacional. O principal critério para definir moeda é a facilidade com a qual um ativo pode ser usado para transações e, em especial, sua liquidez, que é a capacidade de converter rapidamente um ativo em dinheiro sem que haja perda de valor. O dinheiro (moedas metálicas e papel-moeda do banco central) é o mais líquido dos ativos. A moeda em circulação, que é o PMPP, mais as reservas em dinheiro mantidas pelos bancos junto a si, somadas
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