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2 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
EM MAIO DE 1997 PLANTEM MAIO DE 1997 PLANTEM MAIO DE 1997 PLANTEM MAIO DE 1997 PLANTEM MAIO DE 1997 PLANTAMOS A PRIMEIRA SEMENTEAMOS A PRIMEIRA SEMENTEAMOS A PRIMEIRA SEMENTEAMOS A PRIMEIRA SEMENTEAMOS A PRIMEIRA SEMENTE
DE BIODE BIODE BIODE BIODE BIOTECNOLTECNOLTECNOLTECNOLTECNOLOGIA NA IMPRENSA BRASILEIRAOGIA NA IMPRENSA BRASILEIRAOGIA NA IMPRENSA BRASILEIRAOGIA NA IMPRENSA BRASILEIRAOGIA NA IMPRENSA BRASILEIRA
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 3
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4 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
ENTREVISTAENTREVISTAENTREVISTAENTREVISTAENTREVISTA
 Células-tronco
4 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
A pesquisa de células-tronco no Brasil
“Nós ainda não conhecemos
nem a pequena parte da biologia de
células-tronco e as suas capacida-
des são provavelmente muito mai-
ores do que atualmente estimadas.”
Esta constatação, praticamente uma
década depois de os primeiros estu-
dos sobre o assunto serem publica-
dos na prestigiosa revista Science, é
feita pelo cientista Radovan
Borojevic, professor Titular da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de
Janeiro) e Chefe do Laboratório de
Biologia Celular e Molecular do De-
par tamento de His tologia e
Embriologia do ICB (Instituto de Ci-
ências Biomédicas) da UFRJ.
Integrante do primeiro grupo de
pesquisadores, em todo o mundo, e
com sucesso, em 2001, a utilizar célu-
las-tronco para tratamento de pacien-
tes brasileiros portadores de insufici-
ência cardíaca em estado avançado,
Borojevic prevê nesta entrevista para
a Biotecnologia, Ciência & De-
senvolvimento , que a Medicina
Regenerativa significará uma redu-
ção nos gastos com a Medicina tradi-
cional, com ganhos para os pacien-
tes do Sistema Único de Saúde (SUS),
e também para os usuários dos pla-
nos de saúde, uma vez que estes
também vão aderir às terapias celu-
lares.
Contrário à utilização de células-
tronco embrionárias, Borojevic co-
Radovan Borojevic
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Entrevista concedida a
Edmilson Silva
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 5
Radovan Borojevic – A Medicina
Regenerativa está ainda no seu co-
meço. Utilizam-se geralmente pro-
genitores derivados de medula ós-
sea, não purificados, mal caracteriza-
dos nem expandidos. Os fatores de
crescimento envolvidos e as matri-
zes tridimensionais necessárias para
a organização espacial dos implantes
são pouco conhecidos. Embora as
injeções de células da medula óssea
têm sido feitas em fígado de pacien-
tes com doença hepática, nenhum
benefício para o paciente foi relata-
do; o termo e o conceito de “terapia”
não pode ser aplicado neste caso.
Por isso, os melhores avanços foram
obtidos em lesões que envolvem
defeitos vasculares, tais como infarto,
obstrução e degeneração vascular, já
que naturalmente as células da me-
dula óssea participam na neo-
angiogênese, sempre quando existe
uma deficiência de oxigenação
tecidual. Avanços de conhecimentos
básicos e tecnológicos são necessári-
os, e felizmente, numerosos grupos
no mundo trabalham atualmente
memora sucessos como o de um
grupo de cientistas coordenados por
Nico Ferraz e Colin McGuckin, da
Universidade de Newscastle, da In-
glaterra, que acabam de conseguir
criar, em laboratório, células do fíga-
do e lista as doenças contra as quais
a Medicina Regenerativa vem ob-
tendo êxito, tais como na área da
reparação de danos estéticos.
Este pesquisador, entretanto, é
categórico quanto à expectativa de
que a terapia celular possa evitar o
envelhecimento, sonho de muitos
nessa época de culto desmedido ao
corpo. Para ele, a Medicina
Regenerativa é capaz de aliviar os
efeitos da degeneração tecidual, ga-
rantindo a qualidade de vida, dimi-
nuindo o sofrimento, ao dar qualida-
de funcional e estética do corpo,
gerando tranqüilidade e felicidade às
pessoas que já conheceram a vida e
devem aproveitar da sabedoria acu-
mulada ao longo dos anos.
Borojevic descarta a possibilida-
de de, dentro de meio século, as
células-tronco venham a estar dispo-
níveis em farmácias, visto que estas
são sempre retiradas da medula do
próprio paciente – não custa reiterar
que ele é contrário à utilização das
células de embriões – e defende a
necessidade de avanço dos conheci-
mentos básicos e tecnológicos para
melhor conhecimento desse novo
manancial terapêutico.
De nacionalidade francesa, mas
naturalizado brasileiro, Borojevic é
biólogo pela Faculdade de Ciências
de Zagreb, Croácia, com mestrado
na Faculté de Sciences, Université
de Strasbourg, França, e doutorado
em Ciências na Universidade de Pa-
ris, França. O pesquisador tem mais
de 200 publicações entre livros e
revistas científicas nacionais e es-
trangeiros.
BC&D - As células-tronco já são usa-
das com sucesso, ainda que experi-
mentalmente, para o tratamento de
algumas doenças, principalmente as
cardíacas e ortopédicas. Também se
emprega para a regeneração do fíga-
do de portadores de cirrose. Em
termos de Terapia Celular, quanto
ainda podemos avançar?
nessa área.
BC&D – O que era tido como pro-
missor com a utilização das células-
tronco se confirmou na prática? O
que se pode esperar do emprego
delas no futuro?
Radovan Borojevic – Sim. As pos-
sibilidades de terapias celulares con-
tinuam crescendo, tanto em mode-
los relativamente simples de injeção
direta de células-tronco em tecidos
degenerados ou lesados, quanto em
bioengenharia de tecidos e órgãos in
vitro . Um bom exemplo nesta área
é o sucesso recente de grupos de
cientistas britânicos na construção
de tecido hepático em laboratório.
BC&D – Uma das áreas cuja deman-
da não pára de crescer é a de esté-
tica. Quais são as perspectivas que
as células-tronco proporcionam para
o setor de embelezamento?
Radovan Borojevic – As terapias
celulares podem vir a ter uma ampla
área de atuação em cirurgia repara-
dora. Inclui-se aqui o reparo de de-
feitos estéticos (cicatrizes de acne,
c icat r izes solares , r í t ides
(enrugamento), envelhecimento
cutâneo etc.). As possibilidades de
atuação nessa área são muito am-
plas.
BC& D – As células-tronco poderão
acabar com o envelhecimento?
Radovan Borojevic – Não. O en-
velhecimento é um processo natural
da vida. Entretanto, as terapias celu-
lares podem aliviar os efeitos da
degeneração tecidual, garantindo a
qualidade de vida, diminuição de
sofrimento, qualidade funcional e
estética do corpo, tranqüilidade e
felicidade das pessoas que já conhe-
ceram a vida e devem poder apro-
veitar da sabedoria acumulada ao
longo dos anos.
BC&D – Além do diabetes, qual é o
potencial das células-tronco contra
as doenças auto-imunes? Já se pode
pensar ou tem algum grupo de pes-
quisa tentanto usar as células-tronco
“Cálculos realizados recente-
mente no nosso grupo
mostram que o maior
beneficiário de terapias
celulares será o SUS
(Sistema Único de Saúde)”
"A pesquisa justifica qualquer
protocolo experimental, na
medida que não causa mal
desnecessário a um dos
envolvidos. Sou contra o uso
em terapia de humanos de
construções celulares, para as
quais a previsibilidade de
destino a longo prazo é
praticamente nula"
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 5
6 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
para tratar ou repor o sistema
imunológico?
Radovan Borojevic – Várias doen-
ças auto-imunes já podem receber
terapia celular.Destacam-se resulta-
dos clínicos relevantes em esclerose
múltipla, doença reumatóide juve-
nil, Doença de Crohn etc. Para algu-
mas doenças auto-imunes, a terapia
celular pode ser a primeira opção
terapêutica.
BC&D – Um dos grandes temores
relacionados ao uso das células-tron-
co é o do desenvolvimento dos tu-
mores, os teratomas. O estado-da-
arte nesta área possibilita prever esse
tipo de problema, à medida que a
Medicina Regenerativa tende a se
popularizar?
Radovan Borojevic – O apareci-
mento de teratomas acompanha as
terapias experimentais usando as cé-
lulas-tronco embrionárias. A meu co-
nhecimento, não há relatos do apa-
recimento de teratomas consecutivo
ao uso de células-tronco autólogas
de pacientes adultos, e esse perigo é
atualmente considerado muito re-
moto.
BC&D – Até quando as células-tron-
co serão utilizadas como curingas
histo e fisiológicamente?
Radovan Borojevic – Nós ainda
não conhecemos nem a pequena
parte da biologia de células-tronco e
as suas capacidades são provavel-
mente muito maiores do que atual-
mente estimadas.
BC&D – Como anda a utlização de
células-tronco para regeneração ós-
sea? E na regeneração do tecido
cerebral?
Radovan Borojevic – Para a rege-
neração óssea, os ensaios clínicos já
estão sendo realizados no caso de
necrose avascular da cabeça de
fêmur, pela equipe de ortopedia da
Universidade Federal da Bahia
(UFBA), em Salvador, sob a direção
do professor doutor, Gildásio C.
Daltro, com resultados extremamen-
te promissores. A traumato-ortope-
dia é um dos campos em que a
medicina regenerativa está fazendo
avanços rápidos, e várias aplicações
clínicas já estão sendo planejadas.
Em patologia do cérebro, avanços
promissores foram obtidos no caso
de acidente vascular cerebral (AVC),
embora nesse caso a lesão primária
seja vascular e não do tecido nervo-
so. Resultados também promissores
estão sendo obtidos em modelos
experimentais de várias doenças
degenerativas do tecido cerebral, e
podemos prever avanços clínicos
para os próximos anos.
BC&D – Atualmente, há cientistas
falando em transdiferenciação celu-
lar. Em que aspectos se diferencia
da chamada “ diferenciação celular”?
Radovan Borojevic – Trata-se de
uma questão semântica. Rigorosa-
mente falando, a transdiferenciação
é a transformação estrutural e funci-
onal de uma célula diferenciada em
outra. O termo diferenciação se apli-
ca em geral à aquisição de estruturas
e funções específicas em uma célula
progenitora, pouco diferenciada. A
transdiferenciação envolve geralmen-
te a perda de um conjunto de carac-
terísticas específicas, adquirindo a
morfologia ou mesmo a função de
uma célula progenitora.
BC&D – Além dos aspectos técni-
cos, é forçoso abordar a questão
ética quando se trata da utilização
das células-tronco. Em outros países,
à propostas de fusão de células hu-
manas com óvulos de animais, para
que, do híbrido gerado, se possa
utilizar as células embrionárias em
estudos. Como avalia essa questão?
Radovan Borojevic – A pesquisa
justifica qualquer protocolo experi-
mental, na medida que não causa
mal desnecessário a um dos envolvi-
dos. Sou contra o uso em terapia de
humanos de construções celulares,
para as quais a previsibilidade de
destino a longo prazo é praticamen-
te nula.
BC&D - Também em outros países
há cientistas que pretendem usar os
embriões para criar células-tronco
com defeitos genéticos responsá-
veis por doenças neurológicas, vi-
sando a reprogramação dos tecidos
adultos e o conseqüente tratamento
de doenças degenerativas. Esse tipo
de proposta é viável, é promissora?
Radovan Borojevic – O estado
atual de conhecimentos não justifica
este tipo de propostas
BC&D – Pode-se aventar que, futu-
ramente, daqui a 50 anos por exem-
plo, será possível comprar células-
tronco nas farmácias?
Radovan Borojevic – Não. As célu-
las-tronco são normalmente deriva-
das do próprio paciente e devem ser
adaptadas às necessidades específi-
cas de cada um dos pacientes.
BC&D – E do ponto de vista econô-
mico, corre-se o risco de diferencia-
ção de qualidade na Medicina
Regenerativa, ou seja, ter uma “me-
dicina” para os mais ricos e outrao
menos requintada para as classes
menos favorecidas?
Radovan Borojevic – Cálculos reali-
zados recentemente no nosso grupo
mostram que o maior beneficiário de
terapias celulares será o SUS (Sistema
Único de Saúde), pela diminuição de
tempo de internação de pacientes,
redução de pagamento de pensões e
de indenizações por invalidez, e de-
créscimo global do custo social da
Medicina. Em breve, tanto o SUS
quanto os planos de saúde optarão
pelas terapias celulares, sempre
quando clinicamente possível.
“Nós ainda não conhecemos
nem a pequena parte da
biologia de células-tronco e
as suas capacidades são
provavelmente muito
maiores do que atualmente
estimadas”
6 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
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BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento
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ISSN 1414-6347
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Ciência & Desenvolvimento estão sendo indexadas
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e para a AGROBASE (Base de Dados da Agricultura
Brasileira).
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Antonio Figueira
Carlos Alberto Labate
Catarina Paula da Silva Ramos
Dieter Rugard Siedemberger
Edmilson Silva
Elisângela Nedel Marasca
Francisco Harrison de Brito Pereira
Frederico Augusto Ribeiro de Barros
Janaína de Cássia Albino
João Batista de Almeida e Silva
Larissa Canilha
Lidia Mariana Fiuza
Luciana Harumi Morimoto Figueiredo
Maria Isabel de Oliveira Penteado
Mariana Brayner Cavalcanti
Mariana de Souza Castro
Neiva Knaak
Paola A. F. Celedón
Patrícia Teles Medeiros
Paulo César Stringheta
Radovan Borojevic
Raul Antônio Morais Melo
Ricardo Bastos Cunha
Silas Granato Villas-Bôas
Silvana Creste
Thiago Martins Sampaio de Lacerda
Ubirajara Machado Teixeira
Wagner Fontes
Walter de Carvalho
Washington Batista das Neves
ENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTAAAAA
Células-tronco no Brasil - Radovan Borojevic pág. 04
MEIO AMBIENTEMEIO AMBIENTEMEIO AMBIENTEMEIO AMBIENTEMEIO AMBIENTE
Desenvolvimento sustentável pág. 70
PPPPPAAAAATENTETENTETENTETENTETENTE
Patentes em Biotecnologia pág. 32
PESQUISAPESQUISAPESQUISAPESQUISAPESQUISA
O proteoma da madeira pág. 10
Microencapsulamento de antocianinas pág. 18
Genes cry1Ab e cry1Ac de Bacillus thuringiensis pág. 26
Espectrometria de massa de proteínas pág. 40
Biocatalizadores imobilizados pág. 48
Análise do metaboloma pág. 58
Mapa de risco em laboratório clínico pág. 78
Mapeamento genético da cana-de-açúcar pág. 82
Conselho Científico
Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal
Dr. Henrique da Silva Castro - Saúde;
Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia;
Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal;
Dr. Naftale Katz - Saúde;
Dr. Pedro Jurberg - Ciências;
Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas;
Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos;Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental.
Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi
Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia
Fundação Dalmo Catauli Giacometti
Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética;
Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico;
Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN
Dr. José Roberto Rogero
Sociedade Brasileira de Biotecnologia - SBBiotec
Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA
Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS
Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE
Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ
10 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
O Proteoma da
MADEIRA
Introdução
O setor florestal contribui de
forma relevante para o desenvolvi-
mento de vários países, em termos
de geração de renda, tributos, em-
pregos, divisas e na promoção do
desenvolvimento regional. No Brasil
o setor de base florestal oferece
cerca de 3 milhões de empregos
diretos e indiretos, participando com
4% do PIB nacional e 7,3% do total
exportado (LEITE, 2005).
A madeira é o quinto mais im-
portante produto do comércio mun-
dial (PLOMION et al., 2001). Além
de ser uma formidável fonte natural
e renovável de energia e fibras (pa-
pel e celulose), durante a sua forma-
ção ocorre uma grande incorporação
de CO
2
, contribuindo com a redução
do aquecimento global (PLOMION
et al., 2001). A expectativa de cres-
cimento do consumo da madeira para
a próxima década é de 20%, enquan-
to que a cobertura florestal natural
mundial declina a uma média anual
de 9,4 mi lhões de hectares
(BOERJAN, 2005). Para atender a
esta demanda e reduzir a pressão
sobre as florestas nativas é necessá-
ria a obtenção de árvores mais pro-
dutivas, resistentes a fatores bióticos
e abióticos e com madeira de alta
qualidade, conforme a finalidade de
seu uso. Dentro deste contexto, di-
ferentes programas de pesquisa es-
tão sendo desenvolvidos por insti-
tuições públicas e privadas, utilizan-
do técnicas como o mapeamento
genético, transgenia, genômica,
transcrissoma e proteômica, aliadas
ao melhoramento convencional, bus-
cando compreender os mecanismos
envolvidos com o desenvolvimento
da madeira.
A formação da madeira é um
processo complexo que envolve mui-
tos eventos biológicos os quais são
coordenados por uma ampla variedade
de fatores endógenos (fitohormônios),
exógenos (fotoperíodo e temperatura) e
pela interação entre ambos. O pro-
cesso é dirigido pela expressão or-
denada de numerosos genes estru-
turais e regulatórios (muitos dos quais
ainda não conhecidos) envolvidos
nos diferentes estádios de sua for-
mação. A expressão destes genes é
responsável pela formação dos dife-
PESQUISA
O uso da proteômica no estudo da formação da madeira
Alexander de Andrade
Engenheiro Agrônomo
Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas
Pesquisador, ESALQ, USP
andrade@esalq.usp.br
Paola A. F. Celedón
Bióloga, Doutora em Genética e Melhoramento de
Plantas, Pesquisadora, ESALQ , USP
Carlos Alberto Labate
Engenheiro Agrônomo
Professor Dr. Departamento de Genética
ESALQ, USP.
Imagens cedidas pelos autores
Figura 1 – Tecidos que compõem a madeira. (A) Corte transversal do caule de
Eucalyptus grandis; (B) Esquema dos tecidos que formam a madeira
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 11
rentes tecidos que compõem as ár-
vores. Apesar de sua importância o
conhecimento das principais etapas
envolvidas com a formação da ma-
deira ainda está distante de ser com-
pleto. Com raras exceções, muito
pouco é conhecido sobre os proces-
sos celulares, moleculares e
bioquímicos responsáveis pelo seu
desenvolvimento (PLOMION, 2001;
CHAFFEY, 2002).
A Biotecnologia e o
desenvolvimento da madeira
A análise molecular de espécies
florestais apresenta dificuldades de-
vido a aspectos de sua biologia como
o longo ciclo de vida, falta de
mutantes e de linhagens puras (DU
et al., 2006). Mesmo assim grupos de
pesquisa nacionais e internacionais
têm dedicado esforços à compreen-
são dos mecanismos genéticos e
moleculares envolvidos na formação
da madeira em árvores. Por sua im-
portância, principalmente para a in-
dústria de papel e celulose, uma
grande atenção vem sendo destina-
da à compreensão das vias metabó-
licas envolvidas na síntese da celulo-
se e lignina (POKE et al., 2005), e na
identificação dos vários genes en-
volvidos nesses processos. A desco-
berta de genes relacionados princi-
palmente com a síntese destes dois
polímeros abre novas perspectivas
para a manipulação genética com a
finalidade de alterar suas concentra-
ções na madeira, tornado-a mais pro-
dutiva e atrativa para a indústria.
Estudos com árvores transgênicas de
álamo têm demonstrado que a alte-
ração da expressão de genes relaci-
onados com a rota metabólica da
lignina pode alterar a sua composi-
ção e quantidade na madeira. A prin-
cipal conseqüência da redução da
quantidade e composição da lignina
na madeira é a diminuição do uso de
produtos químicos empregados du-
rante o processo de sua extração na
produção de papel e celulose, redu-
zindo custos e minimizando os im-
pactos ambientais (BAUCHER et al.,
2003).
Dentre as tecnologias mais utili-
zadas no estudo do desenvolvimen-
to da madeira estão os microarranjos
de cDNAs ou oligonucleotídeos, os
quais têm identificado genes prefe-
rencialmente expressos em tecidos
como xilema (HERTZBERG et al.,
2001). Normalmente estes estudos
têm utilizado como sistema modelo
à comparação entre madeiras juvenil
e adulta (EGERTSDOTTER et al.,
2004) e submetidas a diferentes con-
dições como a madeira normal e de
tensão (PLOMION et al., 2003).
Uma região considerada como
uma importante fonte de informa-
ções é a zona cambial, formada por
um tecido meristemático localizado
no caule que por diferenciação celu-
lar forma as células especializadas
que compõem os tecidos vasculares
(Figura 1) do xilema e do floema. O
câmbio é uma excelente fonte de
células para estudos, pois o tecido é
rico em proteínas e ácidos nucléicos
e ainda não é lignificado. A zona
cambial já foi utilizada para identifi-
car genes (SCHARADER et al., 2004)
e mais recentemente proteínas con-
sideradas importantes para a forma-
ção da madeira de Populus
(VANDER-MIJNSBRUGGE et al.,
2000), Pinus (GION et al., 2005) e
Eucalyptus (ANDRADE, 2006;
CELEDÓN, 2006; MEIRELES, 2006).
A era “Pós-Genômica”
Os dados gerados pelo
sequenciamento do genoma, embo-
ra relevantes, são limitados, tornan-
do necessária a integração com ou-
tras técnicas que permitam estudar
tanto os processos de transcrição das
informações contidas nos genes
quanto os seus produtos; as proteí-
nas. Esta constatação deu início a
uma nova etapa na pesquisa biológi-
ca conhecida como “Era Pós-
Genômica”, promovendo o desen-
volvimento e o aperfeiçoamento de
técnicas utilizadas no estudo de trans-
critos (transcrissoma), proteínas
(proteômica) e metaból i tos
(metabolômica), todas integradas
pela bioinformática (PALSSON, 2002;
WECKWERTH et al., 2004). A
proteômica tem ganhado destaque
por complementar e ser
complementada pelos dados gera-
dos pela genômica e pela
transcrissoma, representando uma
ponte de ligação entre os genes e os
seus produtos, as proteínas. Os re-
centes avanços na proteômica, como
a introdução da espectrometria de
massas para a anál ise de
macromoléculas, unidos a técnicas
analíticas bem conhecidas como a
elet roforese bidimensional ,
eletroforese capilar e a cromatografia
líquida e a gasosa, possibilitaram o
estudo de processos fisiológicos com-
plexos e dinâmicos (PATTERSON e
AEBERSOLD, 2003), como a forma-
ção da madeira em árvores. Atual-
Figura 2 – Fluxo experimental usado pela proteômica na identificação de
proteínas e genes envolvidos na formação da madeiras
12 -Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
mente a eletroforese bidimensional
combinada com a espectrometria de
massas (Figura 2) são as técnicas
mais usadas na análise do proteoma
de árvores.
A proteômica permite conhecer
o produto final de um gene, suas
propriedades químicas e locais de
atuação na célula, o que é impossí-
vel prever a partir de seqüências de
DNA devido às etapas de
processamento pós-transcricional e
pós-traducional (gl icosi lação,
fosforilação, acetilação, etc.) que
modulam a atividade de uma prote-
ína. Por outro lado, um produto gênico
muitas vezes não atua isoladamente,
estando com freqüência envolvido
em interações com o produto de
outros genes para a formação de
complexos moleculares funcionais.
Desta maneira, para os estudos de
expressão gênica fazem-se necessá-
rias estratégias que desvendem a
regulação da funcionalidade das pro-
teínas e sua influência no metabolis-
mo da planta, permitindo esclarecer
se a regulação de um determinado
gene ocorre durante as etapas de
transcrição ou tradução (VAN WIJK,
2001). O conhecimento do controle
da expressão gênica está sendo
complementado pela proteômica e
abre a possibilidade de identificar
novos genes alvos, os quais podem
ser usados na manipulação genética
de plantas (PANDEY e MANN, 2000;
PIMENTA, 2003).
Extração de
proteínas da madeira
A chave do sucesso na análise
de qualquer proteoma está relacio-
nada primeiramente com uma boa
etapa de extração e purificação das
proteínas do material analisado. A
melhor preparação da amostra é
aquela que utiliza um menor número
possível de reagentes com a mínima
manipulação. Além disso, deve ex-
trair o maior número de proteínas
com a mínima perda e modificação
das moléculas durante o preparo da
amostra, para evitar interferências
nas etapas de separação e identifica-
ção (DUNN, 1993; GÖRG et al.,
2004). Normalmente tecidos de plan-
tas apresentam baixas concentrações
de proteínas e são ricos em compos-
tos que interagem com as proteínas
durante a extração (como proteases,
compostos fenólicos, pigmentos e
carboidratos), interferindo e redu-
zindo a reprodutibilidade durante a
análise (CARPENTIER et al., 2005).
Em plantas lenhosas, estes compos-
tos são ainda mais abundantes, espe-
cialmente em tecidos lignificados
como a madeira (VÂLCU e SCHLINK
2006). Os compostos que interfe-
rem na extração e purificação das
proteínas são específicos para cada
espécie, tecido ou ainda o estádio de
desenvolvimento, por isso existe a
necessidade de otimizar o processo
de acordo com a amostra analisada
(GÖRG et al 2004). Além disso, fato-
res ambientais, como a seca, podem
alterar as características de um teci-
do, necessitando de preparos adicio-
nais durante a extração.
Dentre os diferentes métodos
de extração utilizados na análise do
proteoma de plantas, a extração com
TCA e acetona (DAMERVAL et al.,
1986) é a mais difundida. O método
possibilitou a obtenção de bons re-
sultados na extração de proteínas da
madeira em desenvolvimento e de
tensão de Pinus pinaster (GION et
al., 2005). Uma vantagem do méto-
do é a imediata precipitação das
proteínas com simultânea inativação
de compostos envolvidos em sua
degradação, como as proteases
(VÂLCU e SCHLINK, 2006).
Outro método envolve a
solubilização das proteínas com fenol
misturado a uma fase aquosa e sub-
seqüente precipitação com metanol
e acetato de amônio (HURKMAN e
TANAKA, 1986). Neste método de
extração, os ácidos nucléicos e
carboidratos solubilizam-se preferen-
cialmente na fase aquosa, enquanto
as proteínas permanecem no fenol,
com a vantagem da proteólise ser
minimizada na presença do solvente.
Este método já foi utilizado para a
extração de proteínas da casca e da
madeira de álamo (VANDER-
MIJNSBRUGGE et al., 2000), e de
tecidos da madeira de Eucalyptus
grandis em diferentes estádios do
desenvolvimento (ANDRADE, 2006;
CELEDÓN, 2006; MEIRELES, 2006).
É uma estratégia bastante eficiente,
porém deve ser usada com precau-
ção devido à toxidez do fenol.
O uso de detergentes como o
SDS (sodium dodecyl sulfate) pode
ser uma estratégia alternativa quan-
do deseja-se favorecer o enriqueci-
mento de proteínas citosólicas e de
membrana. A comparação entre os
três métodos de extração (Figura 3),
com tecidos da zona cambial de ár-
vores de 3 anos de eucalipto, de-
monstrou que diferentes grupos de
proteínas foram favorecidos confor-
me a estratégia adotada.
Separação das proteínas
A principal estratégia usada pela
proteômica durante a etapa de sepa-
ração de proteínas é a eletroforese
bidimensional (2D-PAGE). A técnica
permite a separação, detecção e
quantificação de milhares de proteí-
nas simultaneamente presentes em
uma amostra complexa, através da
combinação da focalização isoelétrica
e da eletroforese em gel de
poliacrilamida desnaturante. A
eletroforese bidimensional separa as
proteínas pela sua carga (focalização
isoelétrica ou IEF) na primeira di-
mensão e pelo seu peso molecular
(SDS-PAGE) na segunda dimensão
(Figura 4). Quando realizadas isola-
damente, as técnicas de IEF e de
SDS-PAGE permitem a separação de
aproximadamente 100 proteínas de
uma amostra heterogênea, porém,
quando combinadas permitem a se-
paração teórica de cerca de 10000
spots individuais. Na prática um gel
de 2D-PAGE com alta resolução per-
mite a visualização de aproximada-
mente 3000 proteínas dependendo
da amostra e da sensibilidade da
técnica de revelação, embora já te-
nham sido descritos géis com 10000
spots (KLOSE e KOBALZ, 1995).
Nos últimos anos com o desen-
volvimento de novas técnicas analí-
ticas e com o aperfeiçoamento da
preparação das amostras, a técnica
2D-PAGE sofreu uma evolução sur-
preendente, aumentando a sua reso-
lução, sensibilidade e repetibilidade,
tornando-se amplamente usada na
separação e identificação de proteí-
nas. Entretanto, existem ainda difi-
culdades associadas a esta técnica
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 13
como baixa resolução dos spots em
algumas faixas de PM e pI, pouca
sensibilidade para detecção de pro-
teínas de baixa concentração e pe-
quena representação de proteínas
hidrofóbicas. Estas dificuldades téc-
nicas vêm sendo superadas, com um
maior número de repetições por tra-
tamento (RUBINFELD et al., 2003),
uso de sofisticados programas de
imagem de géis (ROGER et al.,
2003), seleção de faixas de pH es-
treitas as quais aumentam a resolu-
ção da amostra (GÖRG et al., 1999),
enriquecimento de frações de prote-
ínas baseado em características quí-
micas (CORTHALS et al ., 2000) e
aplicação de protocolos específicos
para recuperação de proteínas de
baixa solubilidade (MÉCHIN et al.,
2003).
A eletroforese bidimensional é
utilizada preferencialmente na com-
paração de proteomas em diferen-
tes estádios fisiológicos ou de desen-
volvimento, onde a observação de
proteínas diferencialmente expres-
sas, permite inferir o envolvimento
dos genes correspondentes a cada
estádio em questão. O uso da técnica
na separação de proteínas da madei-
ra de diferentes espécies como pinus,
álamo e o eucalipto, tem revelado a
presença de múltiplos spots de uma
mesma proteína em géis
bidimensionais (Figura 5). A presen-
ça de diferentes spots de uma mes-
ma proteína pode indicar e auxiliar
na compreensão de eventos como:
• Modificações pós-traducionais;
• Variações alélicas de um mes-
mo gene (isoformas);
• Produtos de genes parálogos;
• Eventos provenientes do splicing
alternativo.
Em árvores de interesse flores-
tal, a separação de proteínas por 2D-
PAGE tem sido utilizada na compara-
ção entre: proteínas da madeira e de
tecidos fotossintetizantes em pinus
(COSTA et al.,1999), na sazonalidade
de proteínas durante o ano em dife-
rentes tecidos de álamo (VANDER
MIJNSBRUGGE et al., 2000), no es-
tudo de madeiranormal e de tensão
(PLOMION et al , 2003), no estudo
das proteínas da madeira de Pinus
pinaster (GION et al., 2005) e de
Eucalyptus grandis (Figura 6) em
diferentes estádios do desenvolvi-
mento (ANDRADE, 2006; CELEDON,
2006; MEIRELES, 2006).
Identificação e
sequenciamento de
proteínas
As principais técnicas usadas na
identificação e sequenciamento de
peptídeos e proteínas são a degrada-
ção de Edman e a espectrometria de
massas (MS). Embora a degradação
de Edman seja amplamente usada,
tem como limitações: baixa sensibi-
lidade e consome muito tempo (em
média uma hora por aminoácido),
sendo incompatível com proteínas
que apresentam a região N-terminal
bloqueada (PENG e GYGI, 2001).
Atualmente a ultra-sensibilidade e
resolução dos espectrômetros de
massas têm desempenhado um im-
portante papel na identificação de
proteínas (Figura7), permitindo que
mesmo aquelas presentes em
baixíssimas concentrações possam
ser analisadas e identificadas, com
rapidez e robustez nas análises.
O uso da espectrometria de mas-
sas por muito tempo ficou restrito a
um pequeno número de moléculas
capazes de resistir ao método de
ionização e ao processo de análise
que envolve a sua transferência para
um sistema de alto vácuo e altas
temperaturas, sendo um obstáculo
no estudo de biomoléculas como as
proteínas. No final dos anos 80, com
o desenvolvimento de dois novos
métodos de ionização branda (Figu-
ra 8) o MALDI (Matrix-Assisted Laser
Figura 3 – Avaliação dos métodos de extração por eletroforese bidimensional
das proteínas do caule de Eucalyptus grandis com 3 anos. Em (a) foi realizada
extração com fenol, (b) extração com TCA e na (c) com SDS. A focalização foi
realizada em um gradiente de pH linear de 4-7. Coloração com coomassie
brilhante blue G250
Figura 4 Etapas usadas na separação de proteínas por eletroforese bidimensional.
(A) retirada do tecido, (B) extração e purificação das proteínas, (C) obtenção de um
extrato livre de impurezas, (D) aplicação da amostra e da fita de acrilamida com
gradiente de pH, (E) focalização isoelétrica, separação conforme seu ponto
isoelétrico, (F) SDS-PAGE, separação pelo peso molecular, (G) gel 2D-PAGE da
madeira de Eucalyptus grandis corado com coomassie brilhante blue
14 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
Desorption Ionization) e o ESI
(Electrospray Ionization), ocorreu
uma revolução na análise de
biomoléculas. Estas novas técnicas
foram tão importantes que seus cri-
adores, Koishi Tanaka (MALDI) e
John Fenn (ESI) ganharam o Prêmio
Nobel de Química em 2002.
No início dos anos 90 as novas
técnicas de ionização branda, associ-
adas com o desenvolvimento de
novos algoritmos computacionais,
permitiram correlacionar dados obti-
dos de um espectro de massas de
biomoléculas com seqüências exis-
tentes em bancos de dados. Este
evento marcou a transformação da
MS no estudo em larga escala e das
técnicas usadas na genômica funcio-
nal (MANN e WILM, 1995; MANN et
al., 2001).
O sucesso dos métodos de
ionização MALDI e ESI e o desenvol-
vimento de analisadores de massa
em seqüência (tandem), levaram a
um grande aumento na resolução e
sensibilidade do método, tornando-o
uma ferramenta obrigatória nas aná-
lises estruturais e químicas de
pept ídeos e prote ínas . Os
espectrômetros de massa atuais per-
mitem selecionar uma só molécula
ionizada, fragmentá-la (colisão com
um gás inerte) e através da análise
das massas dos fragmentos conhecer
a estrutura da molécula original, per-
mitindo determinar, por exemplo, a
seqüência de aminoácidos de um
peptídeo ou uma alteração química
específica em algum resíduo de
aminoácido (PIMENTA, 2003;
PATTERSON e AEBERSOLD, 2003;
STEEN e MANN, 2004).
Diversos laboratórios têm ado-
tado o uso do MALDI e do ESI em
suas estratégias de identificação e
sequenciamento de proteínas. Por
usarem diferentes princípios de
ionização e distintas limitações, o
uso dos dois métodos tem levado a
um maior número de moléculas
identificadas, além de aumentar a
rapidez e a confiabilidade das análi-
ses. Normalmente o MALDI-TOF-MS
é usado primeiramente para deter-
minar a massa da proteína e após a
sua digestão com tripsina, seus
peptídeos são separados, normal-
mente por cromatografia líquida
acoplada diretamente no
espectrômetro de massas (ESI-TOF-
MS/MS) e seqüenciados
(GIORGIANNI, 2003).
Situação atual
e perspectivas do
proteoma da madeira
Os trabalhos de proteoma en-
Figura 6 – Padrão da expressão de proteínas do caule Eucalyptus grandis em
diferentes idades, separadas por eletroforese bidimensional, (figura do gel de árvores
de 6 anos retirado e modificado de MEIRELES, 2006)
Figura 5 – Exemplos de proteínas do caule de eucalipto encontradas em diferentes
spots; (a) isoflavona redutase, (b) tubulina e (c) 14-3-3
Figura 7 – Etapas usadas na identificação e sequenciamento de proteínas. (A) O gel
2D-PAGE é escaneado, (B) análise do gel por programas de imagem, (C) proteínas
de interesse são retiradas do gel, digeridas com tripsina e seqüenciadas por
espectrometria de massas, (D) obtenção dos espectros de massa (E) através da análise
e interpretação dos espectros de massas é encontrado a seqüência dos aminoácidos
que compõem os peptídeos, (F) com a seqüência dos diferentes peptídeos é
identificada a proteína
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 15
Tabela 1. Proteínas mais abundantes em ordem decrescente encontradas no proteoma do Eucaliptus grandis e Pinus pinaster
Eucalyptus grandis Pinus pinaster
Proteína Função Proteína Função
S adenosylmethionine Metabolismo de aminoácidos Actin Citoesqueleto
Isoflavone reductase Metabolismo secundário Tubulin beta Citoesqueleto
Actin Citoesqueleto S adenosylmethionine synthase Metabolismo de aminoácidos
HSP 70 KDa Resposta a estresse Tubulin alpha Citoesqueleto
CAffeic acid 3-O-methyltransferase Síntese de lignina HSP 70 KDa Respostas a estresse
Enolase Energia Isoflavone reductase Metabolismo secundário
ATP synthase beta chain Energia ATP synthase beta chain Energia
Tubulin alpha Citoesqueleto Caffeic acid 3-O-methyltransferase Síntese de lignina
Tubulin beta Citoesqueleto L-ascorbate peroxidase Energia
Fructokinase Energia 14-3-3 Regulação intracelular
14-3-3 Regulação intracelular Triosephosphate isomerase Energia
Glutamine synthase Metabolismo de nitrogênio Enolase Energia
Phosphoglycerate kinase Energia UDP-glucose protein transglucosylase Energia
UDP-glucose pyrophosphorilase Energia S-Adenosyl-L-homocysteine hidrolase Metabolismo de aminoácidos
volvendo a formação da madeira são
recentes, porém têm demonstrado
que entre diferentes espécies como
o pinus e o eucalipto (Tabela 1) as
proteínas mais expressas estão en-
volvidas no metabolismo de energia
e em mecanismos de defesa. Além
de mecanismos responsáveis pela
síntese de celulose, hemicelulose e
lignina, os compostos mais abundan-
tes da madeira. O proteoma da ma-
deira tem demonstrado também que
existe uma grande similaridade en-
tre as proteínas de angiospermas e
gimnospermas (COSTA et al., 1999).
A similaridade entre a abundân-
cia e homologia de proteínas de
diferentes espécies indica a existên-
cia de metabolismos conservados re-
lacionados direta ou indiretamente
com a formação da madeira em dis-
tintos grupos taxonômicos. Possivel-
mente diferenças significativas po-
derão ser encontradas através da
análise de proteínas de menor abun-
dância, que devem incluir fatores de
transcrição, envolvidos com o con-
trole da expressão gênica. A mudan-
ça na expressão destes genes deve
ser a grande responsável pela dife-
rença observada entre as caracterís-
ticas da madeira de diferentes espé-
cies.
Figura 8 – Fontes de ionização
branda usada na proteômica. (A)
Esquema do MALDI-MS. A matriz
e a amostra são aplicadas em umaplaca de metal (B) e, apüs a
evaporação do solvente, as
moléculas da amostra cristalizam
com a matriz. Esses cristais são
então bombardeados com um
feixe de raio laser, ionizando as
moléculas para serem detectadas
pelo espectrômetro de massas. (C)
Esquema do ESI-MS. A amostra é
dissolvida em um solvente volátil
e injetada por um tubo capilar
metálico sobre o qual é aplicada
uma voltagem (D); o resultado é
um aerossol de analíto e solvente.
A alta temperatura da fonte provoca
a evaporação do solvente,
produzindo íons protonados para
a análise.
Espectrômetro
de massas
Feixe
de
laser
Detector
Filtro de massa
Aceleração por
potencial elétrico
Placa com a amostra e a matriz
submetida a alta voltagem
Matriz
Analito
Mistura
de
peptídeos
Coluna Descarga
elétrica
Capilar
Formação de
um spray
MS
16 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
A técnica de separação empre-
gada nestes trabalhos envolve a
eletroforese bidimensional, a qual
possui como limitação a separação
de proteínas hidrofóbicas de mem-
brana (RABILOUD et al., 1997), de
baixa abundância, com peso
molecular muito baixo (< 10KDa),
bem como as de maior peso molecular
(> 200 KDa) e as extremamente
ácidas ou básicas (HARDER et al.,
1999). A combinação de diferentes
estratégias de separação no estudo
do desenvolvimento e formação da
madeira como a cromatografia líqui-
da multidimensional e a eletroforese
capilar, poderá isolar grupos de pro-
teínas com menor representatividade
nos géis bidimensionais, como fato-
res de regulação, e que podem ser
responsáveis por controlar caracte-
rísticas de importância para o setor
florestal.
A disponibilidade dos dados ge-
rados pelo sequenciamento do
genoma de espécies com importân-
cia florestal como o eucalipto, pinus
e o álamo irão aumentar a taxa de
identificação de proteínas por
espectrometria de massas. Além de
esclarecer questões sobre as rotas
metabólicas envolvidas em sua for-
mação e as enzimas que atuam no
processo, auxiliando no isolamento
de genes estruturais e que regulam a
formação da madeira (ZHONG et al .,
2005) disponibilizando novas possi-
bilidades para o melhoramento ge-
nético de árvores de interesse flores-
tal.
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18 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
Microencapsulamento de
ANTOCIANINAS
Uma alternativa para o aumento de sua aplicabilidade como ingrediente alimentício
1. Introdução
É fato conhecido que a cor é um
atributo que influencia de forma de-
cisiva na preferência do consumidor
ao adquirir determinado alimento.
Geralmente, afeta o julgamento, sen-
do utilizada como forte indicador de
qualidade. Assim, o desenvolvimen-
to de produtos de aparência atrativa
é importante para a indústria de
alimentos.
Considerando que a manuten-
ção da cor original no produto pro-
cessado e armazenado é um fator de
qualidade, a adição de corantes arti-
ficiais tornou-se prática usual e ne-
cessária, devido a sua maior estabili-
dade. Para os vários tipos de pig-
mentos naturais esta manutenção é,
muitas vezes, difícil pelas possibili-
dades de transformação que estes
podem sofrer. A utilização dos
corantes naturais requer o conheci-
mento químico de suas moléculas
para adaptá-las às condições de uso
em processos, embalagens e distri-
buição (ARAÚJO, 1999).
Recentemente, os corantes arti-
ficiais têm sido questionados por cer-
tos segmentos da população, e esta
tendência, aliada à publicidade con-
tínua e adversa, tem aumentado o
interesse pelos corantes de origem
natural. Assim, o uso de corantes
naturais em produtos alimentícios é
uma tendência atual, principalmen-
te pelo seu forte apelo de marketing,
em razão dos consumidores deman-
darem cada vez mais produtos natu-
rais e que tragam benefícios para a
saúde.
As antocianinas são pigmentos
naturais, hidrossolúveis, bastante co-
nhecidos, pois determinam a colora-
ção característica de uma grande va-
riedade de vegetais, incluindo aque-
les usados na alimentação humana.
Estes pigmentos têm sido, portanto,
consumidos pelo homem por
incontáveis gerações sem causar
aparentemente qualquer efeito so-
bre a saúde. Apesar disso, seu uso
como aditivo natural está ainda bas-
tante restrito em função de limita-
ções, como a disponibilidade de
matéria-prima produtora de pigmen-
tos na quantidade e na qualidade
requerida, a dificuldade na sua puri-
ficação, o poder corante reduzido
quando comparado aos produtos sin-
téticos e, principalmente, a baixa
estabilidade apresentada pelas
antocianinas (STRINGHETA, 1991).
O corante antocianina é encon-
trado em diversas fontes vegetais,
sendo as principais: morango, uva,
jabuticaba, cereja, berinjela e repo-
lho roxo. As antocianinas são comer-
cialmente usadas em soluções ácidas
como em refrigerantes (pH entre
2,5 e 3,8, em que se apresentam na
cor vermelha). São ainda usadas em
doces, produtos de confeitaria, re-
frescos, pós para refrescos, cobertu-
ras de bolo, gelatinas e geléias. Para
aplicação geral, o pH entre 1,0 e 3,5
confere maior estabilidade ao pig-
mento.
Existem evidências indicando
que as antocianinas, além de não
serem tóxicas nem mutagênicas,
apresentam propriedades terapêuti-
cas benéficas, particularmente na of-
talmologia e no tratamento de vários
problemas de circulação sanguínea
Frederico Augusto Ribeiro de Barros
Mestrando em Food Engineering,
Biological & Agricultural Engineering department
Texas A&M University - Texas-USA.
fredbarros@tamu.edu
Paulo César Stringheta
Professor doutor,
Titular do Depto de Tecnologia de Alimentos
Universidade Federal de Viçosa
stringap@ufv.br
Imagens cedidas pelos autores
PESQUISA
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 19
(TIMBERLAKE, 1988).
Microencapsulamento é um pro-
cesso pelo qual minúsculas partícu-
las de ingredientes ativos de gás,
líquidos ou sólidos são empacotados
dentro de um segundo material
(RISCH & REINECCIUS, 1995).
De modo geral, pode-se classifi-
car o processo como: macro (> 5000
µm), micro (0.2 – 5000 µm) e nano
(< 0.2 µm). Quanto à forma, as cáp-
sulas são idealmente esféricas, em-
bora seu formato seja influenciado
pela estrutura original do ingredien-
te encapsulado (RISCH &
REINECCIUS, 1995).
Quanto à estrutura física, as
micropartículas podem ser classifi-
cadas como microcápsulas ou
microesferas. As microcápsulas con-
sistem em micropartículas onde o
núcleo está envolvido por uma ca-
mada ou filme polimérico formando
um sistema do tipo reservatório. O
material microencapsulado é cha-
mado de núcleo ou fase interna,
enquanto a fase externa é chamada
de parede, revestimento ou mem-
brana (JÚNIOR, 2005).
As microesferas diferem das
microcápsulas pelo fato de constitu-
írem um sistema matricial, no qual o
pol ímero forma uma rede
tridimensional onde o material a ser
microencapsulado pode estar
adsorvido, incorporado ou ligado
covalentemente à matriz polimérica,
formando sistemas de dissolução,
dispersão ou sistemas porosos
(JÚNIOR, 2005).
O material polimérico é selecio-
nado de acordo com as propriedades
físico-químicas do compostos a ser
microencapsulado, processo de pro-
dução, aplicação e via de administra-
ção (FINCH, 1990).
A f inal idade básica da
microencapsulação na indústria de
alimentos é proteger os ingredientes
encapsulados contra oxidação quí-
mica ou de fatores do ambiente como
no caso de algumas vitaminas,polipeptídeos, pigmentos e com-
postos bioativos como a luteína e o
licopeno. Também tem como obje-
tivo o retardamento da evaporação
de núcleos voláteis como alguns óle-
os essenciais. Em algumas técnicas,
a cápsula pode ser também projeta-
da para liberar lentamente o produto
com o passar do tempo ou até que
determinada condição físico-quími-
ca seja alcançada (THIES, 1994).
Os métodos de
microencapsulamento podem ser
classificados em métodos físico-quí-
micos como coacervação e técnicas
envolvendo emulsificação; métodos
químicos como a polimerização
interfacial e gelificação; e métodos
mecânicos como revestimento em
turbinas, suspensão no ar ou leito
f luidizado, centr i fugação em
mult ior i f íc io e secagem por
atomização “spray drying” (OLIVEI-
RA et al, 1992).
Tradicionalmente, o método
mais comum de encapsulação de
ingredientes alimentícios é o “spray
drying”. “Spray drying” é ainda a
técnica de encapsulamento mais eco-
nômica e tem vasto uso na indústria
Figura 1 Esquema das microcápsulas e microesferas respectivamente (JÚNIOR, 2005)
Figura 2 Molécula de β-ciclodextrina (DZIEZAK, 1988)
20 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
de aromas. Existe a disponibilidade
de equipamentos e seu custo de
produção é baixo quando compara-
do com a maioria dos outros méto-
dos (CONSTANT, 1999).
O primeiro passo para efetuar
tal processo é selecionar o agente
encapsulante adequado. O
encapsulante ideal deve ter proprie-
dades emulsificantes, ser capaz de
formar filmes, ser biodegradável, re-
sistente ao trato gastrintestinal, ter
baixa viscosidade a altos níveis de
sólidos, exibir baixa higroscopicidade
e ser de baixo custo. Goma arábica,
amidos modificados e amidos
hidrol isados são os agentes
encapsulantes mais freqüentemente
usados no “Spray drying”
(CONSTANT, 1999).
Uma vez escolhido o agente
encapsulante, este deve ser hidratado.
A encapsulação conduzida em um
“Spray drying” envolve três etapas
básicas: a primeira, relativa à prepa-
ração da dispersão ou emulsão a ser
processada; a segunda,
homogeneização da dispersão; e, fi-
nalmente, a atomização da massa
dentro da câmara de secagem (RISCH
& REINECCIUS, 1995).
Como exemplo, a β-ciclodextrina
é um polímero cíclico de glicose,
obtido pela degradação controlada
do amido por enzimas específicas e
contém 7 unidades de glicose unidas
em α-1,4. Essa molécula apresenta a
particularidade de possuir uma es-
trutura fracamente polar no interior
do anel e polar no lado externo,
conseqüentemente em solução aquo-
sa, as moléculas de água no interior
do anel são facilmente substituídas
por moléculas apolares, ou de pola-
ridade menor que a da água, forman-
do est ruturas que são
energeticamente mais estáveis, po-
dendo ser isoladas por cristalização
ou secagem (BOBBIO, 1995).
Dif ic i lmente um agente
encapsulante apresenta isoladamen-
te todas as propriedades citadas, as-
sim, na prática, é comum empregar
misturas de dois ou mais components
(CONSTANT, 1999).
Ao contrário de outros métodos
de microencapsulamento, a técnica
de secagem por atomização é rápida
e de única etapa, conveniente, pos-
sui flexibilidade de uso em alta esca-
la, envolve condições brandas e é
pouco influenciada pelos parâmetros
de solubilidade da fase interna e do
polímero (JÚNIOR, 2005).
2. Metodologia
As antocianinas foram extraídas
com etanol a partir de inflorescências
de capim gordura (Melinis
minutiflora) colhidos em Viçosa, MG.
O pH foi corrigido para 2,0 com
solução de HCl. O extrato foi filtrado
em papel Whatman nº 1, em funil de
Buchner e a remoção da clorofila foi
realizada mediante solução de éter
etílico:éter de petróleo na propor-
ção de 1:1, utilizando um funil de
separação. O extrato assim obtido
foi concentrado sob vácuo na tem-
peratura de 45 ºC, até a solução
apresentar-se viscosa. Posteriormen-
te, o extrato foi armazenado sob
atmosfera de nitrogênio ao abrigo da
luz à temperatura de 4 ºC.
Utilizou-se polissacarídeos como
agentes encapsulantes . Os
encapsulantes testados foram solu-
ções de maltodextrina e goma-arábi-
ca em uma concentração de 30%;
solução de β-ciclodextrina com uma
concentração de 10%. E as soluções
de capsul® e flomax® foram testadas
em concentrações de 20%. Mistura
destes encapsulantes também foram
testadas.
As formulações empregadas es-
tão descritas no quadro 1. Na maior
parte das formulações foi usado um
teor de sólidos de 30%, de acordo
com sugestão de literatura (RISCH &
REINECCIUS, 1995).
As amostras foram levadas ao
secador tipo “spray dryer” (modelo
BUCHI mini spray dryer B-191) onde
se procedeu a atomização. As condi-
ções de secagem foram: vácuo
(30mbar); temperatura do ar de en-
trada (180 ºC); temperatura do ar de
saída (65 ± 5)ºC; e pressão
manométrica positiva. A quantidade
de solução atomizada para cada
amostra foi em média de 120 mL, e
o tempo de secagem variou de 15 a
20 minutos.
Após a etapa anterior, o produto
recolhido na forma de pó foi acondi-
cionado em embalagens de vidro
âmbar e armazenado sob refrigera-
ção em torno de 0ºC.
 A figura 3 mostra o fluxograma
do processo de obtenção das
microesferas utilizadas no presente
trabalho.
Estudo da Estabilidade:
Uma fração do pó foi diluída em
tampão HCl/KCl para os testes em
pH 2,0 e citrato/fosfato para pH 3,0
e 4,0. O extrato líquido foi utilizado
como controle nos testes de estabi-
lidade. Em cada pH foram diluídas
quantidades de corante suficientes
para a obtenção de absorbância inici-
al entre 0,6 e 0,8 no comprimento de
máxima absorção.
No teste de estabilidade à luz, as
soluções de antocianinas a pH 2, 3 e
4 foram acondicionadas em frascos
de vidros hermeticamente fechados.
Uma parte das amostras foi colocada
em um suporte em fila dupla,
Quadro 1. Formulações utili zadas
FORMULAÇÕES
Designação Concentração dosencapsulantes
Relação
corante/encapsulante
(m/m)
MD 30% Maltodextrina 1:4
GMD 25% Maltodextrina, 5%
Goma-arábica
1:4
Beta 10% de -ciclodextrina 1:4
floMD 25% Maltodextrina, 5%
Flomax®
1:4
β
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 21
posicionados entre duas lâmpadas
fluorescentes de 40 W, 2.500 lux,
correspondente à luz do dia, guar-
dando distância de 5 cm entre si em
ambiente com temperatura contro-
lada de (25 ± 1)ºC. A parte restante
dos frascos permaneceu na mesma
temperatura em ausência de luz.
Para o teste a diferentes tem-
peraturas, as soluções de antocianinas
a pH 2, 3 e 4 foram colocadas em
frascos de vidros hermeticamente
fechados. Em seguida, foram acondi-
cionadas em banho maria até atingi-
rem a temperatura desejada (70ºC e
90ºC) e então foram colocados em
uma estufa nesta temperatura para a
coleta de dados.
As medidas de absorbância dos
sistemas de soluções tamponadas
foram usadas para construir gráficos
do logaritmo neperiano da razão
absorbância/absorbância inicial (Ln
A/Ao) versus o tempo, obtendo-se
através da inclinação da reta o valor
da constante de velocidade de
degradação(kd). A partir dos valores
obtidos de kd foram calculados os
valores do tempo de meia-vida (t1/2)
pela relação t1/2 = ln 2/ kd, sendo
usados como parâmetros para esti-
mar a estabilidade ante a ação da luz
e calor.
A estrutura e o tamanho das
microparticulas das formulações fo-
ram observados por meio de um
microscópico eletrônico de varredu-
ra (MEV) do tipo JEOL JSM5510 com
sistema de EDS acoplado THERMO
e evaporador JEOL JEE4C da UFOP
conforme as seguintes etapas: as
amostras permaneceram em
dessecadores durante vários dias e a
seguir foram metalizadas com carbo-
no em alto vácuo; no MEV, (acelera-
ção de 10 kvolt), foram observadas e
fotografadas sob ampliações de 1000,
2000, 3000,5000 e 10000 vezes
3. Resultados
Os valores encontrados para t1/2
mostram claramentea influência
marcante da luz na constante de
velocidade da reação, quando com-
parados àqueles colocados ao abrigo
da luz, mesmo em diferentes pHs.
No quadro 3 encontram-se os
resultados da umidade do produto
Figura 3 Fluxograma do processo de obtenção das microesferas (CONSTANT, 1999)
Quadro 2 - Valores t1/2 (dias) para as formulações em pH 2, 3 e 4 na presença
e ausência de luz
pH controle MD GMD beta floMD
t1/2 das formulações na presença de luz
2 24,3 30,7 25,1 22,4 32,4
3 18,05 15,5 16,3 21,3 23,9
4 17,1 20,6 18,2 25,3 21,5
t1/2 das formulações na ausência de luz
2 135 141,5 182,4 154 177,7
3 105 116,3 132 124,7 100,2
4 75,4 86,4 102 95,6 90,9
Quadro 3 - Umidade dos produtos microencapsulados
Produto MD GMD beta floMD
Umidade(%) 4,04 4,60 4,12 4,89
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em pó de cada formulação selecio-
nada.
A adição de encapsulantes ao
extrato em pH 2,0 mostrou uma
tendência em melhorar a estabilida-
de das antocianinas, sendo evidenci-
ada através dos valores obtidos de
t1/2. A formulação com a β-ciclo-
dextrina não demonstrou qualquer
efeito protetor no comportamento
cinético das antocianinas em pH 2,0.
As outras formulações quando com-
paradas com o controle foram efeti-
vas neste pH, principalmente a for-
mulação floMD. Portanto, em pH 2,0
a formulação que melhor protegeu o
corante foi a mistura de maltodextrina
e flomax® com o corante na propor-
ção de 4:1 (floMD).
Em pH 3,0 nota-se que somente
as formulações beta e floMD prote-
geram o pigmento, sendo que a
formulação floMD obteve melhor
resultado. Neste pH, as formulações
MD e a GMD não foram eficientes na
proteção do pigmento contra a luz.
Já em pH 4,0, a formulação beta
foi a que mais protegeu o pigmento.
Dessa forma, para se obter bons
resultados com a β-ciclodextrina sen-
do usada como agente encapsulante
de antocianinas o meio não pode
estar sob condições drásticas de aci-
dez, possivelmente, por ocorrer
hidrólise da estrutura da molécula,
diminuindo sua eficiência como
encapsulante.
Ao abrigo da luz, todos os
encapsulantes foram eficientes na
proteção do pigmento contra degra-
dação, como é mostrado no quadro
2, verificando os valores de tempo
de meia vida (t1/2 ) das formulações.
Ficou claro que a formulação
floMD, que se usa o flomax®, amido
modificado produzido pela National
Starch, foi a mais eficiente na prote-
ção do extrato de antocianinas con-
tra a luz. Verifica-se também, uma
queda do valor de t1/2 à medida que
aumenta o pH, característica das
antocianinas, que possuem uma
maior estabilidade em pHs baixos.
Na ausência de luz, notou-se que a
melhor proteção ocorreu em pH 4,0,
mas que no geral , todos
polissacarídeos protegeram bem o
pigmento.
Os valores encontrados para
(t1/2 ), quadro 4, mostram claramente
a influência marcante da temperatu-
ra na constante de velocidade da
reação, ou seja, quanto maior a tem-
peratura menor é o valor de t 1/2.
Esses resultados indicam que, à
medida que se submete o extrato na
presença ou não de encapsulantes a
temperaturas mais elevadas, a sua
degradação é maior, podendo-se ve-
rificar esse efeito pelo decréscimo
no valor de t 1/2, quando se aquecem
as amostras a 70 ºC e 90ºC.
Figura 4 - Curvas de degradação da antocianina em pH 3,0 sob efeito da luz
Quadro 4 - Valores t1/2 (horas) para as formulações em pH 2, 3 e 4 em temperaturas de 25ºC, 70ºC e 90ºC
pH Controle beta GMD
25ºC 70ºC 90ºC 25ºC 70ºC 90ºC 25ºC 70ºC 90ºC
2 3960 6,4 2,6 3696 5,8 1,43 4377,6 8,1 2,3
3 2520 25,4 9,2 2992,8 23,3 13,1 3168 29,9 12
4 1809,6 35,2 14,6 2294,4 39,9 12,2 2448 40,7 15,5
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Os tempos de meia vida maio-
res encontrados em pH 4,0 e tempe-
raturas de 70ºC e 90ºC devem-se,
provavelmente, ao fenômeno de
hidrólise dos pigmentos, que é de-
pendente da temperatura e pH. As-
sim, temperaturas elevadas associa-
das com pH ácido tendem a acelerar
o processo de decomposição pela
hidrólise dos açúcares ligados à
antocianidina.
A 70 ºC a formulação beta só se
mostrou eficiente em pH 4,0. Como
já discutido anteriormente, a molé-
cula de β-ciclodextrina é muito sensí-
vel a pHs muito ácidos, ocorrendo
hidrólise de sua estrutura. Já a formu-
lação GMD mostrou bons resultados
quando comparados com o controle
tanto em pH 2, 3 e 4.
A 90ºC a formulação GMD só
não foi eficiente na proteção ao pig-
mento em pH 2,0. E a formulação
beta apresentou bons resultados em
pH 3,0. Mas, nesta temperatura no-
tou-se uma menor diferença nos va-
lores de t 1/2 do controle e formula-
ções, mostrando que em temperatu-
ras muito elevadas a tendência é
diminuir o efeito protetor dos
encapsulantes, devido, principalmen-
te, à hidrólise destes.
Assim, a formulação GMD mos-
trou-se relativamente mais eficaz na
proteção contra a degradação das
antocianinas presente no extrato.
Segundo JUNIOR , 2005 quando
há formação de sistemas de dissolu-
ção entre o núcleo e o agente
encapsulante significa formação de
microesferas, ou seja, um sistema
matricial, no qual o polímero forma
uma rede tridimensional onde o ma-
terial a ser microencapsulado pode
estar adsorvido, incorporado ou liga-
do covalentemente à matr iz
polimérica. Desta forma concluiu-se
que houve formação de microesferas
entre antocianinas e os
polissacarídeos, pois houve forma-
ção de uma solução após mistura.
O quadro 5 mostra o diâmetro
das microesferas com tamanhos ex-
tremos encontrados nas amostras ava-
liadas. De forma geral, as partículas
apresentavam o tamanho intermedi-
ário aos valores representados.
As figuras de 5 a 7 representam
as fotografias de algumas amostras
de microesferas obt idas por
microscopia eletrônica de varredura
(MEV) das partículas de antocianinas
microencapsuladas.
De modo geral, o processo de
encapsulação é classificado como
micro quando o diâmetro das partícu-
las varia de 0,2 a 5000 µm (RISCH &
REINECCIUS, 1995). Através dos re-
sultados apresentados no quadro 5 e
das micrografias acima pode-se afir-
mar que houve uma
microencapsulação das antocianinas
quando se utilizou polissacarídeos
Figura 5 - Micrografias da formulação Beta. Ampliação de 2000 vezes (esquerda)
e 10000 vezes (direita)
Figura 6 - Micrografias da formulação floMD. Ampliação de 5000 vezes (esquerda)
e 3000 vezes (direita)
Figura 7 - Micrografias da formulação GMD. Ampliação de 1000 vezes
Quadro 5 - Diâmetro das microesferas
Formulação Diâmetro
MD 5,3 - 14,3
GMD 5,3 - 15,6
GMD2 5,95 - 12,7
beta 6,1 - 17
FloMD 6,0 - 16,9
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como agentes encapsulantes.
As amostras apresentaram em
comum a tendência de formação de
microesferas com diâmetros varia-
dos. Segundo CONSTANT (1999), o
fato de o processo não ter sido ho-
mogêneo, devido a problemas com
o equipamento, pode ter favorecido
a var iação no tamanho das
microesferas. Embora no geral as
amostras tenham apresentado as
mesmas características, algumas di-
ferenças foram verificadas em razão
do encapsulante utilizado.
Provou-se que ocorre algum tipo
de interação físico-química entre a
estrutura dos polissacarídeos em sua
forma granular com o pigmento na-
tural antocianina. A goma arábica
além de possuir cadeias de glicose
possui uma fração protéica, o que
também pode ter facilitado a
encapsulação do pigmento.
Quanto mais intacta for a pare-
de das microesferas mais perfeito foi
o processo de microencapsulação.
Isto foi observado na formulação
floMD (figura 6) e parcialmente na
formulação beta (figura 5). Desta
forma, ocorre uma maior
encapsulação do pigmento quando
se utiliza b-ciclodextrina e principal-
mente uma mistura de maltodextrina
com Flomax® (amido modificado
quimicamentecom características
hidrof í l icas) como agentes
encapsulantes.
As outras formulações apresen-
taram algumas perfurações em sua
estrutura. Isto pode sugerir que para
estes encapsulantes a micro-
encapsulação das antocianinas não
foi tão perfeita devido, por exem-
plo, a uma menor afinidade
molecular. Porém, observou-se que
em todas formulações utilizadas
ocorreu a microencapsulação das
antocianinas.
Para o cálculo dos diâmetros
das microcápsulas utilizou-se um
programa chamado QUANTIKOV,
um quantificador de micropartículas,
d isponível no s i te http: / /
www.geocities.com/quantikov. A fi-
gura 8 mostra a determinação do
diâmetro de uma microesfera obti-
da por este programa.
Conclusão
O corante microencapsulado
mostrou maior estabilidade diante
dos fatores luz, pH e calor do que o
corante não microencapsulado usa-
do como controle neste trabalho.
As formulações que continham
uma mistura de encapsulantes obti-
veram melhores resultados no efei-
to protetor das antocianinas do que
as formulações nas quais os
encapsulantes eram utilizados se-
paradamente.
Através da técnica de
microscopia eletrônica de varredu-
ra (MEV) observou-se a formação
de microesferas , entre as
antocianinas e polissacarídeos utili-
zados como agentes encapsulantes.
O processo de micro-
encapsulação é uma técnica que,
uma vez usada em pigmentos natu-
rais, pode oferecer proteção e torná-
los mais estáveis melhorando desta
forma sua utilização como ingredi-
ente alimentício.
Agradecimentos
Ao professor Paulo César
Stringheta pela oportunidade e pela
orientação. Ao CNPq pela bolsa de
iniciação cientifica PIBIC.
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 25
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26 - Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
Genes cry1Ab e cry1Ac de
Bacillus thuringiensis
Genes cry1Ab e cry1Ac de Bacillus thuringiensis e proteínas com potencial na agrobiotecnologia
busca por métodos al-
ternativos de controle
de insetos-praga tem
sido realizada intensa-
mente por diversos gru-
pos de pesquisa no mundo todo,
devido à necessidade de uma agri-
cultura mais sustentável e mais com-
prometida com a preservação do
meio ambiente (Bobrowski et al.,
2003).
Os inseticidas biológicos, utili-
zados há mais de 50 anos no Brasil,
são uma alternativa para o controle
mais seletivo de insetos nocivos
(Hilder e Boulter, 1999; Betz et al.,
2000). Dentre os agentes de contro-
le biológico destaca-se o B.
thuringiensis, que é uma bactéria
Gram-positiva, a qual sintetiza inclu-
sões cristalinas durante a esporulação,
denominadas proteínas Cry, que são
codificadas por genes cry. As prote-
ínas do cristal bacteriano apresen-
tam ação tóxica a insetos de diversas
ordens, pr incipalmente aos
lepidópteros, dípteros, coleópteros
(Höfte e Whiteley, 1989; Schnepf et
al., 1998).
As proteínas da classe Cry1 de
B. thuringiensis têm um peso
molecular em torno de 130-140 kDa
(Höfte e Whiteley, 1989). Após a
digestão por tripsinas, no intestino
médio de insetos suscetíveis (Tojo e
Aizawa, 1983), o fragmento tóxico
corresponde a 60-70 kDa (Aronson
et al., 1986; Höfte e Whiteley, 1989).
Esses peptídeos tóxicos se ligam a
receptores específicos nas membra-
nas, onde se formam canais iônicos,
aumentando o volume e lise celular,
devido à pressão osmótica interna
aumentada (Schnepf et al., 1998;
Neiva Knaak
Mestre em Biologia
Laboratório de Microbiologia e
PPG-Biologia - UNISINOS
Lidia Mariana Fiuza
Doutora em Ciências Agronômicas
Laboratório de Microbiologia e
PPG-Biologia - UNISINOS
Fitotecnia/EEA-IRGA, RS
fiuza@unisinos.br
Fiuza, 2004). Por outro lado,
Polanczyk et al. (2003) comentam
que a morte do inseto, no caso de
produtos à base de B. thuringiensis,
representa a interação da atividade
tóxica da proteína e dos esporos; e
no caso de plantas-Bt, a causa da
morte é somente a proteína.
Atualmente mais de 300 genes
de B. thuringiensis foram clonados
e seqüenciados ( http: / /
epunix.biols.susx.ac.uk/Home/
Neil_Crickmore/Bt/index), resultan-
do em proteínas sintetizadas pelas
plantas ou utilizadas em produtos
para aplicações foliares. Em 1995,
havia 182 produtos à base de B.
thuringiensis registrados, porém até
1999 o total de vendas destes produ-
tos era inferior a 2% do valor total de
todos os inseticidas comercializados
(Frutos et al., 1999).
Em 1981, o primeiro gene cry
fo i c lonado e expresso em
Escherichia coli (Schnepf e Whitley,
1981). Em 1987, foram produzidas
as primeiras plantas-Bt modificadas
geneticamente, as quais sintetizam
as proteínas Cry, onde se destaca o
tomate (Fischhoff, 1987) e o tabaco
(Vaeck et al., 1987). Naquela oca-
sião, os genes cry1Ab e cry1Ac de B.
thuringiensis foram utilizados em
plantas para protegê-las contra inse-
tos da ordem Lepidoptera (Vaeck et
al., 1987).
Nesse contexto, o presente
trabalho aborda tópicos relacio-na-
dos as plantas transgênicas que ex-
pressam as proteínas Cry1Ab e
Cry1Ac de B. thuringiensis e os
produtos comerciais ativos contra
lepidópteros.
PESQUISA
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 - 27
Plantas Transgênicas
com genes cry de Bt
Atualmente, o milho-Bt é a plan-
ta transgênica mais cultivada no mun-
do, seguido pelo algodão-Bt (James,
2005). Além desses, a batata e o
tomate destacam-se entre outras
plantas cultivadas que expressam
uma ou várias proteínas Cry para
controle de insetos-praga (Oecd,
2001).
Na tabela 1, adaptado de Fontes
et al. (2002), estão relacionadas às
plantas cultivadas que foram trans-
formadas com os genes cry1Ab e
cry1Ac, visando à resistência a inse-
tos-praga de importância econômi-
ca.
De acordo com Betz et al. (2000),
as plantas transgênicas utilizando

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