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Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 172 MECANISMOS CEREBRAIS DA EMOÇÃO Introdução Para termos uma idéia sobre a importância das emoções, basta imaginarmos as nossas vidas sem elas...Imaginar nossas relações humanas e com o ambiente que nos cerca, desprovidos sentimentos como amar, temer, alegrar-se, ter prazeres, etc. Enfim descaracterizaria totalmente a nossa condição humana. Afinal o que são as emoções? É difícil definir e até descrever as emoções, simplesmente porque se trata de sentimentos próprios e que dependem inclusive da experiência pessoal de cada um. � A emoção é descrita como um estado de reação que altera o comportamento, frente a uma sensação. Em outras palavras, se sentimos tristeza ou alegria, expressamos correspondentemente um conjunto de expressões somáticas e viscerais típicas. A emoção envolve cognição (a percepção consciente das sensações), o afeto (percepção de si e dos outros), a motivação (o desejo de agir) e alterações físicas (manifestações autonômicas e somáticas). Podem ser evocadas por um fato objetivo ou uma recordação. Trata-se de um fenômeno do cotidiano que nos garante um colorido especial às funções básicas de nossa sobrevivência. Há centenas de emoções como nas matizes de cores, odores e sons e há mais sutilezas do que as palavras podem descrevê-las. Mas podemos agrupar algumas emoções básicas (modalidades) e suas variantes (submodalidades): �� IRA: fúria, revolta, ressentimento, raiva, exasperação, indignação, animosidade, aborrecimento, irritabilidade, hostilidade e no extremo, o ódio e a violência patológicos. �� TRISTEZA: sofrimento, mágoa, desânimo, desalento, melancolia, autopiedade, solidão, desamparo, desespero e quando patológico, a depressão profunda. �� MEDO: ansiedade, apreensão, nervosismo, preocupação, consternação, cautela, escrúpulo, inquietação, pavor, susto, terror e como psicopatologia, fobia e pânico. �� PRAZER: felicidade, alegria, alívio, contentamento, deleite, diversão, orgulho, prazer sensual, emoção, arrebatamento, gratificação, satisfação, bom humor, euforia, êxtase e no extremo a mania. �� AMOR: aceitação, amizade, confiança, afinidade, dedicação, adoração, paixão. �� SURPRESA: choque, espanto, pasmo, maravilha. �� NOJO: desprezo, desdém, antipatia, aversão, repugnância, repulsa. �� VERGONHA: culpa, vexame, mágoa, remorso, humilhação, arrependimento, mortificação e constrição. Vamos examinar as teorias sobre as emoções. Antes precisamos discriminar cuidadosamente as diferenças entre experiência emocional e expressão emocional. Teorias sobre as emoções Teoria de James-Lange: baseado no principio de que as emoções são o conjunto de expressões somáticas e viscerais que causam, posteriormente, uma experiência emocional. O filósofo americano Willian James escreveu: “Nós sentimos tristeza porque choramos, raiva porque agredimos, medo porque trememos e não choramos, agredimos ou trememos porque nós estamos tristes, raivosos ou com medo, seja qual for o caso”. No exemplo, o individuo percebe a ameaça no animal peçonhento e reage. Em conseqüência das reações corporais, ele Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 173 sentiria medo, isto é, significa que as emoções são respostas cognitivas frente às informações sensoriais periféricas. Para os autores desta teoria, o padrão de ativação do tálamo seria importante para despertar as diferentes sensações emocionais. Teoria de Cannon-Bard: ao contrário da teoria anterior, as emoções são sensações que percebemos e que se manifestam através de expressões somática e visceral. Assim, primeiro experimentariamos uma sensação de temor e depois expressariamos a emoção correspondente. Segundo Cannon-Bard, as emoções podem ser apenas experimentadas sem a necessidade de expressá-las, ou seja, “Nós choramos porque sentimos tristeza, agredimos porque estamos com raiva, trememos porque estamos com medo...” As emoções são acompanhadas de expressões viscerais e somáticas. O SNA é recrutado o tempo todo para garantir a operacionalidade do meio interno. A homeostasia interna é garantida graças aos reflexos autonômicos segmentares controlados pela medula e tronco encefálico e o hipotálamo. Entretanto, as situações que causam alterações emocionais como medo, ansiedade, agressão, etc. também afetam as atividades autonômicas, somáticas, inclusive endócrinas. Isso significa que o SNA deve fazer parte dos circuitos neurais que organizam as emoções. Muitas regiões do cérebro (como córtex, amigdala e partes da formação reticular) influenciam o nível de atividade do SNA, mas é o hipotálamo quem exerce o controle direto. O hipotálamo recebe aferências dessas regiões, integra e gera respostas apropriadas de acordo com a situação. Quando o hipotálamo é estimulado em gatos anestesiados, o hipotálamo anterior responde recrutando atividades simpáticas e o posterior, atividades parassimpáticas. Já em gatos acordados, a estimulação do hipotálamo lateral produz não só expressões viscerais como também motoras somáticas de agressão, ou seja, o hipotálamo também está envolvido com a expressão somática das emoções. Mas onde as emoções seriam sentidas ou percebidas? O circuito de Papez Jamez Papez foi quem sugeriu pela primeira vez, um circuito neural relacionado com a expressão e a experiência subjetiva das emoções. O circuito proposto situaria no grande lobo límbico de Broca que forma um anel sobre o corpo caloso e incluem o giro do cíngulo, o giro para- hipocampal e a formação hipocampal (hipocampo, giro denteado e o ubículo). O neocórtex por sua vez influenciaria o hipotálamo, indiretamente, através de conexões do giro cíngulo para a formação hipocampal. Segundo Papez, as aferências sensoriais somáticas e viscerais chegariam até hipotálamo (corpos mamilares) e destes seriam projetados até o tálamo (núcleos anteriores). Do tálamo os impulsos passariam para o giro do cíngulo e chegariam até a formação hipocampal. Do hipocampo seriam novamente projetados para os corpos mamilares através do fórnix, fechando-se o circuito. Este circuito fechado hipocampo-hipocampo representava para Papez1 (1937) a seguinte teoria: “...o córtex do giro do cíngulo atua como a área receptiva das emoções, resultantes dos impulsos vindos do hipotálamo.... A irradiação do processo 1 PAPEZ, J.W. (1937). A Proposed Mechanisms of Emotion. Arch.Neurol. Psychiat. 38:725-743. Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 174 emotivo do giro do cíngulo a outras regiões do córtex cerebral daria o colorido emocional aos processos psíquicos”. Em outras palavras: a experiência emocional seria determinada pela atividade do córtex cingulado sendo o hipotálamo a via de coordenação da expressão emocional. As áreas neocorticais em associação ao córtex cingulado proporcionariam um “colorido adicional” às emoções, enriquecendo-o. O hipotálamo então coordenaria a expressão visceral apropriada agindo sobre o SNA (e o sistema endócrino) diretamente (e indiretamente através da formação reticular). Mais tarde o neurofisiologista Paul Maclean2 (1953) reviu o modelo de Papez e o sofisticou envolvendo uma teoria evolutiva para o circuito das emoções e o modelo foi bastante ampliado. Teoria dos três cérebros Maclean introduziu o termo Sistema Límbico se referindo ao grande lobo de Broca mais outras estruturas subcorticais comosendo associados às emoções. Propôs que o encéfalo dos primatas, particularmente, do humano é um produto da seleção natural em que se somaram as três divisões funcionais do encéfalo dos vertebrados. Durante a evolução teria havido três revoluções no design morfo-funcional do encéfalo. Ele concordou com Papez de que o hipotálamo é o mecanismo efetuador das expressões emocionais e que o córtex seria capaz de “...apreciar as qualidades afetivas da experiência e combiná-las em estados sensoriais de medo, raiva, amor e ódio” . Nos vertebrados mais primitivos, o grande lobo límbico de Broca é o que predomina na organização do telencéfalo (paleocortex) e estão associados principalmente com as funções olfativas. Esse cérebro olfativo analisaria os estímulos relevantes e não relevantes relacionados a várias funções viscerais básicas como obter alimento, reproduzir-se e disputar por recursos essenciais do ambiente. O hipotálamo e o tronco encefálico regulariam as funções básicas de sobrevivência. Ao longo da evolução, o sentido da olfação teria perdido a prioridade deste controle, passando a ser controlado pelos mesmos circuitos, porém com uma conotação emocional e motivacional (como medo, ira, prazer) na organização dos comportamentos de sobrevivência. Teria sido evolutivamente vantajoso, por exemplo, sentir medo (ansiedade e desconforto) mediante um predador o que teria garantido uma fuga mais eficaz ou então, sensação de prazer (tranqüilidade e conforto) ao se saciar com a obtenção de alimento. Maclean sugeriu que a formação hipocampal serviria de uma área de projeção primária recebendo não só estímulos olfativos como também projeções viscerais especiais e gerais enquanto a amigdala, uma análise em nível associativo discriminado respostas apropriadas de agressão ou de medo. Os mamíferos exprimem emoções de maneira muito evidente através de expressões faciais, vocais, de partes do corpo e de todo o corpo seja para se defender de predadores, nas interações sociais intra-especificas, etc. Os primatas não fogem a regra, inclusive os seres humanos. Entretanto, segundo Maclean, o grande desenvolvimento do neocórtex, principalmente do córtex pré-frontal, teria proporcionado um certo nível de controle sobre as motivações e estados emocionais dos comportamentos de sobrevivência. O cérebro humano teria herdado filogenéticamente os “três cérebros”: um cérebro filogeneticamente primitivo semelhante ao dos répteis que corresponde ao tronco encefálico (contendo a formação reticular) e os núcleos da base. Depois, com o surgimento dos mamíferos primitivos, o sistema límbico passou a prover qualidades emocionais e motivacionais aos comportamentos de sobrevivência (cérebro das emoções). Nos primatas, de 2 MACLEAN, P. (1958). The limbic system with respect to self preservation and the presevation of the species. J. Nerv. & Mental Dis. 127:1-10. Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 175 maneira mais evidente nos seres humanos, o “terceiro cérebro” que corresponderia ao neocórtex teria adicionado o intelecto às faculdades emocionais. Nos seres humanos o neocórtex atingiu o máximo de complexidade (especialmente o córtex pré-frontal) ao agregar propriedades psíquicas complexas como racionalização, raciocínio complexo, planejamento, etc., exercendo, até certo ponto, um papel modulador sobre o sistema límbico. Assim Maclean considera os estados motivacionais e emocionais como características adicionais da percepção sensorial e do planejamento motor. Graças a essas qualidades o nosso cérebro teria se tornado mais eficaz na organização de comportamentos que procuram erradicar estímulos ou sensações desagradáveis que ameaçam a auto-preservaçâo (fugir de predadores, estímulos dolorosos, discriminações, punições, etc). Já as emoções agradáveis que evocam prazer como aquelas em que os nossos desejos são satisfeitos nos levam a repeti-las reiteradamente (ingerir alimento, água, ir ao cinema, ler um bom livro, praticar esportes, fazer sexo, etc ). Como as demais sensibilidades somáticas, as emoções podem ser classificadas em primárias e secundárias. As emoções primárias seriam relacionadas com as necessidades imediatas (relacionadas à sobrevivência) como alimentação (fome/saciedade), obtenção de água (sede), sexo (libido), fugir do predador ou outra ameaça (medo), defender os filhotes (ira/agressão),etc. Os comportamentos acompanhados por essas motivações são chamados coletivamente de comportamentos motivados. Esses estados emocionais básicos ou primários gerariam, por sua vez, estados mais discriminativos e complexos como ansiedade, satisfação, prazer, amor, familiaridade e uma miríade de sentimentos mais subjetivos. Sistema Límbico e estruturas associadas Em 1878, Paul Broca descreveu uma região do cérebro de todos os mamíferos que é muito distinto de outras áreas corticais que ele denominou de lobo límbico: formava um anel em torno do corpo caloso e incluía o giro do cíngulo, o giro parahipocampal e o hipocampo. É um lobo é filogeneticamente muito antigo e está presente em todos os vertebrados. Até que fosse associado como parte dos circuitos emocionais, este lobo esteve primariamente associado com o sentido da olfação. Diferentemente do neocortex (=isocortex), o lobo límbico é filogeneticamente mais antigo (=alocortex e justalocórtex) e predomina nos mamíferos mais primitivos (macrosmatas). Precisamos admitir que há controvérsias entre os autores sobre as estruturas que participam do circuito das emoções. Como a maioria, adotaremos a seguinte organização anatomo-funcional que alem do lobo límbico, inclui núcleos subcorticais: �� Componentes corticais o Giro do cíngulo (=mesocórtex) o Giro para-hipocampal (páleocórtex) o Hipocampo (arquicórtex) �� Componentes subcorticais o amigdala (um dos núcleos basais) o área septal (anterior a comissura anterior) o núcleos mamilares do hipotálamo Área de associação límbica Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 176 o núcleos anteriores do tálamo o núcleos habenulares (epitálamo) Conexões do Sistema Límbico Conexões Extrínsecas Aferentes O sistema límbico recebe conexões aferentes de praticamente todo o SN. As informações sensoriais provem de áreas sensoriais associativas corticais, indiretamente, pelo giro para-hipocampal que as repassa para o hipocampo (e entra no circuito básico de Papez). A exceção é o estímulo olfatório que chega diretamente do giro-parahipocampal e deste para a amigdala. Já as informações viscerais (gerais e viscerais especiais) chegam diretamente do núcleo do trato solitário e, indiretamente, via hipotálamo. O sistema límbico é modulado pelas projeções do tronco encefálico através de vias serotonérgicas e dopaminérgicas. Eferentes a) para o hipotálamo: mas há conexões recíprocas. O hipotálamo além de constituir o nível hierárquico mais alto da regulação das funções viscerais, é o sitio de coordenação e integração dos comportamentos emocionais (veja mais adiante). b) para o tronco encefálico onde estão vários núcleos motores relacionados com a expressão das emoções como o choro, vocalização, expressão facial, sudorese, assim como centros relacionados à regulação cárdio- respiratória, etc. O Sistema Límbico projeta-se para a FOR através de dois principais caminhos: �� Feixe proesencefálico medial (da área septal para a FOR, com co-laterais para o hipotálamo) �� Fascículo mamilo-tegmentar (dos núcleosmamilares) �� Estria medular (área septal para os núcleos habenulares e destes para o mesencéfalo). Desse modo o Sistema Límbico exerce controle sobre as expressões viscerais e somáticas das emoções. Além disso, no tronco originam-se vários sistemas moduladores ascendentes e descendentes que regulam a excitabilidade do diencéfalo e telencéfalo, assim como da medula. Especialmente importantes são os circuitos dopaminérgico que se projetam ������������������������� ������������������� � � � � � � � �� � � � �� � �� � � �� �� � � �� �� � �� � �� � � �� �� � � � Circuito de Papez: enriquecido com a adição de outras estruturas. Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 177 diretamente para o sistema límbico. Esses sistemas serão estudados mais tarde e veremos que modulam o sistema límbico. Síndrome de Kluver-Bucy No mesmo ano que Papez propôs o circuito neural das emoções, Kluver e Bucy apresentaram os resultados referentes à lesão experimental de estruturas do lobo temporal em macacos. Eram atingidas o hipocampo, giro-parahipocampal e a amigdala. Esses animais mudaram totalmente de comportamento incluindo: �� agonosia visual (cegueira psíquica): incapacidade de reconhecer objetos visualmente devido ao comprometimento de áreas associativas visuais. �� hiperoralidade e perversão do apetite: levar à boca qualquer objeto indiscriminadamente e se comer �� comportamento sexual alterado: masturbação e hiperatividade homo e hetero sexual �� mudanças emocionais: tornaram-se totalmente destemidos seja em relação aos experimentadores como aos predadores naturais, reduzindo inclusive as expressões faciais e vocais. Quando o giro do cíngulo é totalmente lesado, o circuito de Papez é interrompido e os animais selvagens tornam-se mansos. Nos seres humanos já houve época em que a cingulotomia era praticada para o tratamento de pacientes psicóticos agressivos. Em pacientes com depressão grave e ansiedade, tal procedimento levava a um quadro semelhante da lobotomia pré-frontal. O vírus da raiva acomete especificamente o hipocampo e causa severas alterações de personalidade, tornando o paciente muito excitável e agressivo. MEDO E ANSIEDADE Medo e ansiedade são sensações intimamente associadas e todos nós já os experimentamos...Quando sentimos medo e ansiedade, manifestamos uma série expressões motoras somáticas e viscerais. Como as entradas sensoriais se transformam em experiências psicológicas e neurofisiológicas associadas ao medo e à ansiedade? Amigdala A amigdala é um dos componentes dos núcleos basais do cérebro e possui uma organização bastante complexa. Está situada no lobo temporal, próximo ao úncus. Nela chegam aferências de todo o neocórtex, assim como do giro cingulado e do hipocampo. Além disso, todas as formas de modalidades sensoriais alimentam a amígdala, sendo capaz de realizar integração sensorial. Esta intimamente conectada com o hipotálamo através de duas conexões eferentes: estria terminal e pela via amigalo-fugal ventral (que também tem projeção para os núcleos dorsomedial do tálamo). Os núcleos da amigdala podem ser divididos em: �� Núcleos basolaterais: recebe aferências sensoriais de todo o cérebro; dos núcleos talâmicos e das áreas sensoriais primarias e de outra áreas associativas polimodais. �� Corticomediais �� Núcleos centrais (principal via eferente da amigadala para o hipotalamo). Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 178 Efeitos da lesão e estimulação da amigdala: As destruições dos núcleos basolaterais em animais (gatos, cães e macacos) muito agressivos os tornam dóceis (isso explica então um dos sintomas de Kluver-Bucy). O fato de existir uma conexão tálamo-amigdala explica por que certos estímulos de ameaça evocam respostas tão rápidas e estereotipadas. Alem disso, como os núcleos basolaterais recebem conexões de áreas corticais associativas significa que a amigdala também recebe informações pré-elaboradas. Nos seres humanos as lesões bilaterais da amigdala, preservam a capacidade de reconhecer aspectos afetivos como alegria, felicidade, tristeza, desgosto nas expressões faciais das pessoas, MAS IMPEDE de reconhecer as expressões de medo e de ira! Ou seja, a amigdala discrimina estímulos sensoriais associados ao medo e à agressão. De fato, quando se estimula eletricamente a região mais lateral da amigdala ocorre um misto de medo e agressão em gatos e nos seres humanos, de medo e ansiedade. Veja na tabela o amplo raio de influência da amigdala. Alvos anatômicos Estimulação da amigdala Expressões somáticas e viscerais resultantes Hipotálamo lateral Ativação simpática Taquicardia, dilatação pupilar, piloereçao, aumento da pressão sanguínea, etc. N. motor dorsal do vago N. ambíguo Ativação parassimpática Ulcera, micção, defecação, bradicardia N. parabraquial Aumento da ventilação pulmonar Ofegar, respiração agonizante Área tegmentar ventral Lócus coeruleus N. tegmentar lateral dorsal Dopamina Noradrenalina acetilcolina Vigília e atenção aumentadas Aumento da freqüência do EEG N. reticulares pontinos Reflexos segmentares facilitados Limiar reduzido Substancia Cinzenta Periaquedutal Cessação comportamental Congelamento, respostas emocionais condicionadas N. motores facial N. motores do trigemeo A boca se abre, Movimentos mandibulares Expressão facial de medo N. paraventriculares do hipotálamo Liberação de ACTH Liberação de cortisol (aumento do metabolismo tecidual) O medo pode ser aprendido? No dia-a-dia estamos sujeitos a estímulos dolorosos ou experiências emocionais desagradáveis e aprendemos rapidamente a evitá-las. A amigdala não é o sitio primário de armazenamento da memória, mas é um importante local onde ocorre a discriminação dos estímulos sensoriais que nos causam raiva ou medo. AMIGDALA Núcleos Centrais Estímulos nocivos primários (inatos) Estímulos nocivos condicionados (aprendidos) Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 179 Suponha um experimento em que um animal é submetido a tomar choque nas patas e que todas as vezes que isso acontece, um som inócuo é produzido. O estimulo elétrico causa dor e rapidamente o animal manifesta o comportamento de medo e ansiedade. Os núcleos centrais da amigdala disparam a organização do comportamento de medo e ansiedade acionando o hipotálamo e o tronco encefálico que vão coordenar a expressão visceral e somática (veja a tabela novamente para acompanhar as influências da amigdala). Depois de combinar os dois estímulos por alguns dias, passa-se a apresentar apenas o estimulo sonoro (que é inócuo). A surpresa é que o som passou a causar exatamente as mesmas respostas do choque. Ou seja, o animal foi capaz de associar o estimulo inócuo ao nocivo, comprovando que os núcleos basolaterais recebem aferências de áreas corticais associativas. De fato, ao se lesar especificamente esses núcleos, torna-se impossível, condicionar o animal. A experiência consciente do medo e da ansiedade, por outro lado, é processada ao nível do córtex (especialmente no giro do cíngulo e córtex órbito-frontal), como já descrito anteriormente. É particularmente interessante notar que estimulações exclusivas do córtex órbito-frontal causam muitas respostas autonômicas (aumento da pressãoarterial, dilatação pupilar, salivação e inibição da motilidade gastro-intestinal), sugerindo que está associado com o estado de atenção generalizada (aumento de alerta). A amigdala e agressão. Quando macacos resos são agrupados, estabelecem uma relação linear de hierarquia e submissão. Depois de estabilizada essa relação social, lesões bilaterais da amigdala causam o seu “rebaixamento” para a base da hierarquia. O segundo dominante por sua vez, assume o topo da hierarquia social. O mesmo foi feito com o novo dominante e este também passou para o final da hierarquia. Esses dados sugerem que a integridade da amigdala é importante para a manifestação da agressividade intra-especifica assim como a capacidade de reconhecer o estado de medo e ansiedade dos subordinados. Como veremos a amigdala possui conexões eferentes com o hipotálamo que controla duas formas de expressão da agressão. Há várias evidências para suspeitar que a serotonina esteja envolvida com o comportamento agressivo. Quando os níveis de 5-HT estão reduzidos ou seus receptores bloqueados por drogas, ocorre intensificação do comportamento agressivo. Apesar disso, não sabemos o suficiente para esclarecer os mecanismos pelos quais a agressividade é regulada. IRA E AGRESSÃO Ira e agressão também são dois estados emocionais intimamente associados. A expressão da agressão pode ter diferente motivos. Na nossa sociedade matar é um pecado capital mas para defender a própria vida ou a prole é moralmente considerado diferente de matar para roubar ou por vingança...Seja como for, diferentes motivos podem levar um Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 180 individuo a experimentar e a manifestar a ira e a agressão. Baseado nos estudos de mamíferos carnívoros (predadores) pode considerar dois tipos de agressão: Agressão predatória: ataques dirigidos a membros de outras espécies com o propósito de obter alimento. A participação do SNA simpático é pouco evidente e a expressão somática envolve ataques precisos, golpes mortais especificamente dirigidos (cabeça e pescoço das presas). Agressão afetiva: ataques e ameaças dirigidos para membros da própria espécie envolve a participação mais ampla e generalizada do SNA simpático acompanhados de intensa expressão somático-emocional como vocalização, movimentos e posturas corporais assumindo posturas tanto ofensivas e como defensivas. Em ambos os casos, as expressões somático-viscerais são recrutadas pelo hipotálamo. Hipotálamo e Agressão No começo do século passado, experimentos com a destruição do hipotálamo em cães e gatos revelaram profundas alterações comportamentais. Gatos que eram muito mansos, antes da cirurgia, se tornavam extremamente agressivos mesmo na ausência de qualquer estimulo que pudesse provocá-los (por isso chamado de ira falsa). Estudos mais seletivos mostraram que a ira falsa ocorria quando a lesão incluía regiões do hipotálamo anterior (HA), mas não, quando o hipotálamo posterior (HP) era preservado. Os dados sugeriram a idéia de que as áreas corticais pré-frontais deveriam estar exercendo efeitos inibidores sobre o HP de modo que quando intactos estariam inibidos. As estimulações elétricas produzem amplas alterações viscerais e somáticas associados à ira e agressão. Observou-se que no hipotálamo, distintas regiões causam agressões afetivas (hipotálamo ventromedial) e predatórias (hipotálamo lateral)! A lesão do núcleo basolateral da amígdala reduz a agressão afetiva e a estimulação, causa o aumento. Já o núcleo corticomedial tem efeito inibitório sobre a agressão predatória. O hipotálamo por sua vez, envia projeções para o mesencéfalo no tronco encefálico para duas regiões distintas: do HL partem axônios para a área do tegmento ventral (através do feixe prosencefálico medial) cuja estimulação simulam a agressão predatória. Se o feixe de projeção estiver lesionado, os efeitos da estimulação do HL não são obtidos. Já o HVM envia axônios para a substância cinzenta periaquedutal, PAG (pelo fascículo longitudinal medial); este quando estimulado, produz respostas típicas da agressão afetiva. Recompensa e Reforço Em 1950, dois pesquisadores, Olds e Milner descobriram que conforme o posicionamento dos eletrodos os ratos se auto- estimulavam-se voluntariamente apertando uma alavanca que produz correntes elétricas de baixa intensidade. Alguns animais chegam a se auto-estimularem até a exaustão, deixando de comer e beber. Afinal onde estavam estes eletrodos? As regiões que causam esse tipo de comportamento foram apelidadas de circuito do prazer ou da recompensa: hipotálamo lateral, área septal, área tegmentar ventral, ponte dorsal e feixe prosencefálico medial. Afinal, será que o rato sentia prazer? Como poderemos saber? � �� � � � � � � � �� � �� � � �� � �� �� � � � � �� � �� � � � � � � � �� � �� � � �� � �� � �� �! � �" �� � � �� � �� �� � 3) � � � � � � � �� � �� � � �� � �� � �� �! � �� �� � � �� � �� �� � � � �! � �� �� � � �! � � �� �� Curso de Fisiologia 2007 Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 181 Sítios que causavam a “superestimulação” no rato Circuito correspondente no homem Por outro lado, a lesão bilateral da área septal causa a “raiva septal”, caracterizada por aumento da excitabilidade emocional e ferocidade diante de estímulos antes inofensivos (causa também intensa sede). Estudos posteriores mostraram que outras áreas do encéfalo podem eliciar tais comportamentos de auto-estimulação como as áreas percorridas pelo feixe prosencefálico medial. As áreas que causam maior auto-estimulação estão relacionadas com processos motivacionais primários como a fome, sede e sexo, cuja sensação de prazer envolveria a satisfação dessas necessidades. Seja como for, a ampla área do SNC auto-estimuladas parecem induzir a resposta de reforçar (repetir) o comportamento executado. Entre estes sítios envolvidos estão aqueles que possuem neurônios dopaminergicos que se projetam para amplas áreas do cérebro, além de vias que se projetam para a área tegmental do mesencéfalo. Quando drogas como a anfetamina que mimetizam os efeitos da dopamina, aumentam a taxa de auto-estimulação e os bloqueadores como o haloperidol, diminuem. Áreas Pré-Frontal A Área Pré-Frontal do lobo frontal que não é motora corresponde a 1/4 de toda área cortical associativa, recebe conexões de todas as áreas de associação cortical e exerce controle sobre o sistema límbico. As lesões nesse lobo causam alterações de personalidade a tal ponto de levar o paciente a perder o senso de responsabilidades sociais, redução da atenção, inexcitabilidade emocional frente a estímulos dolorosos e perder totalmente os conceitos de etiquetas sociais, urinando ou se masturbando em publico, etc. Enquanto o lobo orbitário está relacionado com o controle do comportamento social e do caráter, o restante da área associativa pré-frontal, está relacionado com o planejamento ou a escolha de opções e estratégias comportamentais adequadas para um dado estado emocional. Conclusões O sistema límbico está envolvido com a experiência e expressão das emoções e com os processos motivacionais. As bases neurais envolvem estruturas corticais e subcorticais. As experiências sensoriais somáticas e viscerais que chegam no sistema límbico ganham qualidades afetivas primárias e associativas proporcionando a discriminação das experiências emocionais e determinando respostas motoras somáticas e viscerais apropriadas que conferem maioreficácia na sobrevivência do individuo. As qualidades mais elaboradas das sensações emocionais são realizadas pelas áreas neocorticais, principalmente da área pré-frontal, o qual por sua vez, influencia (até certo ponto) a expressão do comportamento emocional. Segundo Nauta: “... o neocórtex está montado no sistema límbico como um cavaleiro sobre um cavaleiro sem rédeas”
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