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Problemas de Saúde da População Brasileira e seus Determinantes Rodrigo Ribeiro e Victor Mercês (RESUMO) INTRODUÇÃO Na segunda meta de do século passado, o Brasil iniciou um processo de mudança e sua estrutura política, econômica, social e demográfica, o que levou a profundas modificações nas condições de saúde da população. Com isso, a população brasileira tornou-se predominantemente urbana, logo, o acesso à condições básicas cresceu. - 1988: Criação do SUS, estabelecendo a saúde como um direito universal dos cidadãos e um dever do Estado. Como consequência dessas mudanças, as doenças infecciosas deixaram de ocupar a posição de principal grupo de problemas de saúde, dando lugar para as DCNT (doenças crônicas não transmissíveis) e para as causas externas. DETERMINANTES Urbanização A principal força motriz para o processo de urbanização do Brasil, foi a migração do campo para a cidade em busca de melhores condições de vida. Dessa forma, um novo padrão de distribuição espacial das cidades foi criado, criando condições favoráveis para o controle e redução de algumas doenças e emergência e expansão de outras, determinados por condições ambientais e sociais presentes no meio urbano. Diversas doenças potencialmente letais, como meningites bacterianas, pneumonias e gastroenterites em menores de 5 anos foram controladas, ou tiveram suas carga reduzida, em função da alta cobertura vacinal facilitada pelo adensamento populacional dos centros urbanos. As mudanças nos hábitos alimentares e a facilidade de acesso a alimentos processados, levaram ao aumento no consumo de alimentos densamente calóricos e à redução no consumo de frutas e legumes. Como consequência, a prevalência do sobrepeso, obesidade, diabetes mellitus e hipertensão arterial vem aumentando, contribuindo para a ampliação de doenças cardiovasculares. Com a urbanização, também advém o crescimento da carga associada aos acidentes de trânsito, à criminalidade e à violência. Demografia O Brasil vem apresentando mudanças marcantes na estrutura etária da população em decorrência do aumento da expectativa de vida ao nascer e a redução da taxa de fecundidade. Como consequência disso, a pirâmide etária vem mudando sua estrutura, como estreitamento da base a alargamento do ápice, refletindo, dessa forma, o envelhecimento da população que é característico de países desenvolvidos. Contudo, embora a transição demográfica em curso no país seja um relevante determinante para o atual estado de saúde-doença, a totalidade de seus efeitos sobre a saúde da população só será contabilizada nas próximas décadas, quando o envelhecimento da população brasileira atingir seu máximo. Desigualdade social No fim do século passado, o Brasil iniciou mudanças políticas, econômicas e sociais que foram críticas para o estágio atual de crescimento econômico e a redução das desigualdades no país. - 1989: Plano Real e consequente redução da inflação. Além do controle da inflação e da valorização do salário-mínimo, uma forte política de expansão de crédito, um continuado investimento em programas de transferência de renda, a ampliação do acesso à educação e o aumento na oferta de postos formais de trabalho, foram fundamentais para a recente redução da desigualdade social no país. O Brasil encontra-se em um momento histórico de transição em que, apesar de um progresso recente, ainda sustenta uma substancial carga de desigualdade social, com mais de 1/5 da população vivendo em estado de pobreza. PROBLEMAS DE SAÚDE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA Como consequência da urbanização, da criação de um sistema universal e integral de atenção à saúde, dos avanços sociais e do envelhecimento da população, novos agravos e doenças e fatores de risco ganharam relevância como questões de saúde pública. Contudo, a manutenção de um grande contingente populacional em situação de pobreza, faz com que certos problemas de saúde que já foram superados ou controlados em países desenvolvidos, ainda perdurem no Brasil. Doenças Infecciosas Dengue A cada ano, o governo brasileiro gasta cerca de R$ 900 milhões em ações de vigilância e controle do Aedes aegypti e em campanhas educativas para a população. O insucesso das medidas de prevenção e controle tem se revelado tanto pela demonstração nos inquéritos entomológicos de que a densidade vetorial permanece elevada como pelos registros anuais de epidemias de dengue nos centros urbanos do país. HIV e AIDS No início da década de 80, foram identificados no Brasil, na Cidade de São Paulo, os primeiros casos de AIDS. Logo no início, ocorreu predominantemente nos chamados grupos de risco, dentre eles, os homossexuais, usuários de substâncias intravenosas. Contudo, com a posterior epidemia da AIDS que se alastrou à todos os estratos sociais, independente de etnia, orientação sexual ou usuários de substâncias ilícitas, criou-se a necessidade de se criar estratégias para o enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS. No Brasil, foi criado o Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e AIDS, reconhecido internacionalmente como um exemplo de sucesso de integração entre prevenção, cuidado e tratamento dos portadores do vírus. Apesar dos enormes avanços, o Brasil ainda tem desafios a enfrentar para o controle do HIV/AIDS. Diferenças regionais e intermunicipais nas ações de prevenção, atenção e cuidado existem e ajudam a explicar o crescimento da incidência da AIDS nas regiões norte e nordeste, enquanto nas demais regiões tem demonstrado tendência de redução ou estabilidade da incidência nos últimos 10 anos. Tuberculose O Brasil vem demonstrando avanços no controle da tuberculose, contudo, apesar desses avanços, o controle da tuberculose ainda apresenta muitos desafios. A disponibilidade de recursos materiais e humanos para investigação diagnóstica e acompanhamento do tratamento dos pacientes não é igual em todo o país; municípios de pequeno porte, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, sofrem com o menor acesso aos serviços de saúde. Para a redução da transmissão da doença no Brasil, seria necessário melhorar a distribuição de renda e reduzir as desigualdades sociais entre as pessoas e entre as comunidades. Além disso, a estratégia de tratamento supervisionado precisa ser expandida para prevenir o abandono de tratamento, aumentar as taxas de cura e prevenir a resistência do Mycobacterium tuberculosis aos medicamentos usados no tratamento inicial da doença. Faz-se também necessário melhorar as ações de rastreamento, diagnóstico, profilaxia e tratamento em grupos populacionais específicos, como silvícolas, moradores de rua, dependentes de álcool e de substâncias ilícitas, que estejam em maior estado de vulnerabilidade comparado à população geral. Infecções relacionadas com a assistência à saúde IRAS (Infecções relacionadas com a assistência à saúde) é a expressão usada para definir uma grande variedade de infecções adquiridas por pacientes durante a atenção e o cuidado prestados por instituições e profissionais de saúde. Elas podem ser causadas por diferentes patógenos, como bactérias, vírus e fungos, e podem atingir qualquer parte do corpo. Dentre as IRAS, as infecções hospitalares (IH), manifestadas pelo menos 48 horas após a internação, são as que causam maior preocupação, em função da frequência de ocorrência e potencialde gravidade. O uso de tecnologias para o suporte respiratório, como a ventilação mecânica, aumenta substancialmente o risco de desenvolvimento de pneumonia. O uso do cateter vesical por longos períodos, aumenta o risco de contaminação da urinas em cerca de 10% dos pacientes para cada dia do uso do cateter. O uso de cateteres venosos, aumenta substancialmente o risco de infecções da corrente sanguínea. Por fim, drogas imunossupressoras, utilizadas por exemplo em tratamentos de neoplasias, também aumentam o risco de aquisição das IRAS. No Brasil, as políticas adotadas para o controle das IRAS começaram a ganhar corpo em 1993, onde o Ministério da Saúde determinou a obrigatoriedade da existência de uma Comissão para o Controle de Infecções Hospitalares (CCIH) em todos os hospitais do país, como ação de vigilância epidemiológica das IH e seus indicadores. Essa normatização, promoveu um avanço no controle das IH no Brasil. Contudo, a carência de recursos humanos qualificados, a atuação deficiente das CCIH e a escassez de dados consistentes sobre a carga das IH no Brasil ainda são desafios a serem enfrentados. Leishmaniose visceral É uma doença tipicamente endêmica de áreas rurais do Brasil. A infecção se dá por via vetorial, por meio de flebotomíneos. Os motivos para a emergência de um padrão urbano de leishmaniose visceral não são claros, mas possivelmente incluem mudanças na ecologia e biologia do vetor, a intensa migração rural- urbana, o crescimento rápido e não planejado das regiões periféricas, a pobreza e a desnutrição. As ações de prevenção de leishmaniose visceral no Brasil, tem sido direcionada ao controle dos reservatórios domésticos e ao controle do vetor. Entretanto, essas medidas tem se mostrado pouco efetivas, e a leishmaniose visceral segue se mostrando um problema de saúde urbana no Brasil. Leptospirose A leptospirose é uma doença que emergiu nos centros urbanos do Brasil, em decorrência do rápido processo de urbanização. Esse novo cenário urbano deu condições para a proliferação de ratos (principal disseminador da bactéria), fazendo com que a população humana dique susceptível à infecções. A concentração de casos de leptospirose em poucas regiões metropolitanas reflete o perfil urbano da doença no Brasil. Embora as estatísticas de incidência da leptospirose no Brasil não apontem para sua redução, vale acreditar que seja possível alcançar uma redução substancial na carga da doença por meio de intervenções urbanas que melhorem os sistemas de esgotamento sanitário, de drenagem pluvial e de coleta de lixo. Além disso, é basilar que mantenham-se os investimentos para a redução da pobreza, distribuição de renda e aumento da escolaridade, já que estudos apontam que os aspetos sociais influenciam o risco de infecção. Doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) Excesso de peso e obesidade No Brasil, a prevalência de sobrepeso e obesidade vem crescendo nas últimas décadas, revelando sua prevalência não uniforme pelas diversas regiões brasileiras. Os determinantes para o crescimento dessa prevalência envolvem múltiplos fatores. A mudança nos hábitos dietéticos dos brasileiros, com aumento do consumo de alimentos ultraprocessados que apresentam alta densidade calórica e pouca quantidade de fibras. O aumento do consumo desse tipo de alimento considerado menos saudável, foram acompanhados na redução de alimentos considerados mais saudáveis. A urbanização, com consequentes mudanças do perfil de trabalho e formas de transporte, também contribuiu para reduzir a frequência de prática de atividades físicas. O sobrepeso e a obesidade, também são determinados por aspectos socioeconômicos e culturais. Enquanto nos homens, uma maior escolaridade observa-se maior prevalência de excesso de peso, nas mulheres, uma maior escolaridade observa-se menor prevalência de excesso de peso. Desta forma, podemos inferir que o acesso à informação e o poder aquisitivo costumam acompanhar o aumento da escolaridade, podendo determinar diferentes mudanças nos hábitos alimentares dos homens e mulheres. Hipertensão arterial Diferenças sociais e econômicas são importantes determinantes de risco para o desenvolvimento da hipertensão no Brasil. A hipertensão arterial é um problema de saúde de elevado impacto médico e social em razão das diversas complicações cardiovasculares que pode desencadear. Essas complicações podem ser prevenidas com o controle adequado dos níveis de pressóricos, alcançado por meio de uma abordagem multidisciplinar que inclua mudanças nos hábitos alimentares, redução da ingestão de bebida alcoólica, prática de atividades física, dentre outros. Medidas para a redução de comorbidades que também influenciam o risco cardiovascular são igualmente importantes, como o controle do nível glicêmico em pacientes diabéticos e abandono do tabagismo. Diabetes mellitus A prevalência de DM no Brasil vem aumentando, e assim como a hipertensão arterial, é também uma doença de forte determinação social. Doenças cardiovasculares Estudos ecológicos realizados em diferentes partes do Brasil tem mostrado que a mortalidade por doenças cardiovasculares é maior em populações que apresentam piores indicadores socioeconômicos. Essa observação é de certo modo esperada por serem os indivíduos com nível socioeconômico mais baixo aqueles que apresentam maiores índices de exposição ao tabagismo, excesso de peso, hipertensão e DM, que são, por sua vez, fatores de riscos bem estabelecidos para as doenças cardiovasculares. Tal população socialmente mais vulnerável, costuma a ter menor acesso aos serviços de saúde, dificultando o diagnóstico e tratamento tanto das condições de saúde de risco para as doenças cardiovasculares, como dos eventos cardiovasculares agudos. Portanto, a prevenção das doenças cardiovasculares no Brasil passa necessariamente pela redução das desigualdades sociais. Neoplasias malignas As neoplasias são a segunda causa de morte no Brasil. As causas são diversas e incluem fatores hereditários e fatores ambientais. Na grande maioria das vezes, é necessário que haja uma exposição ambiental a determinados fatores de risco para que a predisposição genética se manifeste. Alguns tipos de câncer, a exemplo do câncer do colo do útero e do câncer gástrico, tem sua ocorrência influenciada por aspectos socioeconômicos e comportamentais, fazendo com que a ordem de frequência das neoplasias seja variável de acordo com o nível de riqueza, grau de desenvolvimento e os hábitos culturais das regiões. A redução da mortalidade associada às neoplasias no Brasil somente será alcançada mediante políticas intersetoriais, com os objetivos de modificar o modo de vida dos brasileiros, reduzindo assim a frequência de exposição a fatores conhecidamente cancerígenos e de ampliar o acesso aos serviços de saúde, garantindo um diagnóstico precoce e tratamento em tempo oportuno para alcançar a cura. Faz-se também necessário políticas específicas para reduzir as desigualdades sociais inter-regionais e entre bairros de uma mesma cidade que terminam por produzir as iniquidades em saúde. Causas externas O grupo de agravos denominados causas externas é composto por um diverso conjunto de lesões (quedas, queimaduras, afogamento, envenenamento, etc.) e violências (agressões, suicídios, homicídios, etc.). As causas externas constituem um importante problemade saúde no Brasil, em função da elevada morbidade e mortalidade, dos altos custos que impõe à sociedade e aos serviços públicos, no campo da saúde e fora dele, por atingirem desproporcionalmente a população de adultos jovens. Nas últimas décadas, a taxa de mortalidade por causas externas aumentou 7,4% no Brasil, entretanto, esse aumento não ocorreu de modo homogêneo no país como um todo, e enquanto alguns municípios apresentaram grande aumento, outros apresentaram tendência de queda. Os adultos jovens, entre 20 e 39 ano, do sexo masculino, compõe o grupo de maior risco de internação e óbito por causas externas. Outro grupo é aquele formado por homens e mulheres acima dos 60 anos, explicado pelo aumento na frequência de quedas e suas complicações com o avançar da idade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A democracia se consolidou no país, a inflação foi controlada e o Brasil tornou-se a quinta economia do mundo. O processo de urbanização ampliou o acesso da população a bens e serviços críticos. Investimentos sociais conseguiram reduzir substancialmente a proporção de brasileiros que vivem em extrema pobreza. O SUS foi criado e a saúde passou a ser tratada como um direito de todos e um dever do Estado. A população brasileira reduziu a velocidade do crescimento e começou a envelhecer. Essas transformações em andamento tem repercutido de modo marcante nos determinantes de saúde e no estado de saúde da população brasileira. Apesar dos avanços, o Brasil ainda tem uma série de desafios a enfrentar. Enormes diferenças socioeconômicas e regionais perduram no país, fazendo com que ele continue se configurando como o 12º país mais desigual do mundo. Antigos problemas de saúde ainda representam uma elevada carga para a sociedade e para os serviços de saúde, ao mesmo tempo que novos problemas emergem como resultado da urbanização, das transformações no modo de vida e no envelhecimento da população. SOMENTE POR MEIO DE POLÍTICAS INTERSETORIAIS COORDENADAS, COM PARTICIPAÇÃO ATIVA DA SOCIEDADE E DOS DIFERENTES NÍVEIS DE GOVERNO, SERÁ POSSÍVEL SUPERAR AS COMPLECIDADES EXISTENTES NO BRASIL E GARANTIR O DIREITO À SAÚDE A TODOS OS BRASILEIROS.
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