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UNIJUÍ UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Departamento de Economia e Contabilidade Departamento de Estudos Agrários Departamento de estudos da Administração Departamento de Estudos Jurídicos CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO, GESTÃO E CIDADANIA SIMONE REISTACH POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO PARA O ECODESENVOLVIMENTO IJUÍ (RS) 2006 2 SIMONE REISTACH POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO PARA O ECODESENVOLVIMENTO Ijuí (RS) 2006 3 SIMONE REISTACH POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO PARA O ECODESENVOLVIMENTO Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania, área de concentração: Políticas e Projetos de Desenvolvimento, da UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª Drª Raquel Fabiana Lopes Sparemberger Ijuí (RS) 2006 4 UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania - Mestrado A Banca Examinadora, abaixo-assinada, aprova a Dissertação POSSÍVEIS IMPACTOS DA COBRANÇA DA ÁGUA E DA MERCANTILIZAÇÃO PARA O ECODESENVOLVIMENTO elaborada por SIMONE REISTACH Como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania. Banca Examinadora: Profa. Dra. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (UNIJUÍ): _________________________ Prof. Dr.Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): _______________________________________ Prof. Dr. Andersom Cavalcante Lobato:__________________________________________ Ijuí (RS), 01 de abril de 2006. 5 Água que nasce da fonte serena do mundo E que abre um profundo grotão Água que faz inocente riacho e deságua na corrente do ribeirão Águas escuras dos rios que levam a fertilidade ao sertão Águas que banham aldeias e matam a sede da população Águas que caem das pedras nos véus das cascatas, ronco de trovão E depois dormem tranqüilas no leito dos lagos, no leito dos lagos Águas dos igarapés, onde Iara, a mãe d água é misteriosa canção Água que o sol evapora, pro céu vai embora, virar nuvem de algodão. Gotas de água da chuva, alegre arco-íris sobre a plantação Gotas de água da chuva, tão tristes, são lágrimas na inundação Águas que movem moinhos são as mesmas águas que encharcam o chão E sempre voltam humildes pro fundo da terra, pro fundo da terra Terra, planeta água Terra, planeta água Terra, planeta água (Planeta Água: Guilherme Arantes) 6 AGRADECIMENTOS A Deus, pela vida. Aos meus pais, Emilio e Ana. Pelo apoio e carinho. E por tornarem este sonho possível. Aos meus tios Noemi e Beno Fiuza, pelo apoio e colaboração. A minha querida professora e orientadora Raquel Sparemberger, exemplo de dedicação e competência, pela amizade, paciência, dedicação e incentivo. Obrigada por colaborar para a concretização de uma etapa importante na minha vida. E a todos os que de um ou outro modo me deram apoio. 7 RESUMO A Constituição Federal em seu artigo 21, inciso XIX, define como competência da União instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Coerentemente, com essa atribuição, foi promulgada, em 1997, a Lei nº 9.433/97, criando a possibilidade de adoção de um novo modelo de gestão de recursos hídricos no Brasil. Entre as inovações está a consideração de que a gestão desse recurso deve ser participativa e descentralizada, em que o Poder Púbico e usuários e comunidade discutem e indicam as soluções para os problemas. A nova legislação entende que a água é recurso escasso e, portanto, com valor econômico e sugere a cobrança pelo seu uso como um dos instrumentos de gestão. Há muitos questionamentos, entretanto, sobre a aplicação da cobrança pelo uso da água no Brasil. Principalmente no que se refere aos impactos que poderá acarretar aos usuários e como será este repasse à sociedade. Outro problema abordado é o caso da apropriação para fins comercias da água, pelas grandes corporações. Sendo que estas mercantilizações ou privatizações são exigências do FMI aos paises subordinados para o recebimento de empréstimos não trazendo grandes benefícios à sociedade. Em síntese, o trabalho conclui que, apesar de ser um instrumento bastante poderoso, a cobrança pelo uso da água não deve ser vista como um instrumento de gestão isolado e capaz de resolver todas as questões relacionadas com o planejamento e gestão de recursos hídricos. E também que as externalidades criadas pela comercialização da água são, em suma, negativas e merecedoras de nova postura institucional no sentido de coibir esse processo de exploração. Palavras-chave: Recursos Hídricos. Cobrança pelo Uso da Água. Mercantilização. Privatização. Ecodesenvolvimento. Cidadania. 8 ABSTRACT The Federal Constitution in its article 21, incise XIX, defines as Union competence, the creation of the National Water Resources Management System. Coherent with such attribution, It was promulgated, in 1997, the Law number 9.433/97, creating the possibility of the adoption of a new model of water resources management in Brazil. Among the new ways there is the consideration that the management of this resource must be participative and decentralized, in which the Public Power, users and community discuss and indicate solutions to the problems. The new law understands that water is a lean resource, thus with an economic value and it suggests a charge for its use as an instrument of management. There are many questions, however, about the application of a charge for using the water in Brazil. Mainly in what is related to the impacts that may be caused to the users and the way it is going to be played back to the society. Another problem approached is the case of the appropriation of water by the largest corporations with commercial objectives. Considering that such trades or privatizing are requested by IMF in order to receive funds without bringing great benefit to the society, though. To summarize, the work made possible to conclude, although it can be a powerful instrument, the charge for the use of water must not be seen as an isolated managing instrument which is able to solve all the questions related to the planning and management of water resources. And also that the external factors created by commercializing water, are negative and deserve a new institutional posture, in a sense of stopping such an exploration process. Key-Words: Water Resources. Charging for the Use of Water. Commercialization. Privatization. Eco-development. Citizenship. 9 LISTA DE SIGLAS ANA Agência Nacional de Águas CAERD Companhia de Água Esgoto de Rondônia CAERN Companhia de água e Esgoto do Rio Grande do Norte CAESB Companhia de Água e esgoto de Brasília CAEMA Companhia de Água e Esgoto do Maranhão CAGECE Companhia de Água e Esgoto do Ceará CAGEPA Companhia de Água e Esgoto da Paraíba CASAL Companhia de Abastecimento e Saneamento de Alagoas CEDAE Companhia Estadual de Água e Esgoto CESAN Companhia Espírito-santense de Saneamento COMPESA Companhia Pernambucana de Saneamento CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente COPASA Companhia de Saneamento de Minas Gerais CORSAN Companhia Rio Grandense de Saneamento COSAMA Companhia de Saneamentodo Estado do Amazonas COSAMPA Companhia de Saneamento do Pará 10 CNRH Conselho Nacional de Recursos Hídricos DESO Departamento de Saneamento de Sergipe DBO Demanda Bioquímica de Oxigênio DMAE Departamento Municipal de água e Esgoto DNAEE Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica EMBASA Empresa Baiana de Água e Saneamento IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MMA Ministério do Meio Ambiente ONG Organização Não Governamental PNRH Política Nacional de Recursos Hídricos PPP Princípio Poluidor Pagador PUP Princípio Usuário Pagador SABESP Companhia de Saneamento básico de São Paulo SEMA Secretária de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do RS SANEAGO Saneamento de Goiás SANEATINS Companhia de Saneamento de Tocantins SANEMAT Companhia de Saneamento do Estado do Mato Grosso SANEPAR Companhia de Saneamento do Paraná SANESUL Empresa de Saneamento do Mato Grosso do Sul SNGRH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos OCDE Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico 11 LISTA DE TABELAS E FIGURAS Tabela 01: Quadro de Volume e Renovação das Águas.................................................................27 Tabela 02: Usos Múltiplos da Água...............................................................................................36 Tabela 03: Enquadramentos dos Corpos de Água..........................................................................47 Tabela 04: Síntese dos Principais Problemas e Desafios para a Gestão de Recursos Hídricos no Brasil...............................................................................................................................................76 Tabela 05: Incertezas e Riscos no Processo da Cobrança..............................................................99 Tabela 06: Tarifas de Água (categoria residencial) Cobradas por Algumas Companhias do Brasil em Junho de 2000.........................................................................................................................110 Tabela: 07: Acesso aos Serviços de Saneamento por Classe de Renda.......................................111 Tabela 08: Proporção de Municípios, por Condição de Esgotamento Sanitário (%), Segundo as Grandes Regiões (2000)...............................................................................................................112 Figura 01: Consumo de Água na Agricultura, Indústria e no Uso Urbano...................................38 Figura 02: Hierarquia dos Objetivos da Cobrança Pelo Uso da Água Disponível no Ambiente.101 Figura 03: Brasil, Consumo Anual Per Capita............................................................................137 Figura 04: Água Mineral Consumo Anual - Países Selecionados.............................................138 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................................13 1 AS ÁGUAS E O REGIME JURÍDICO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL.......17 1.1 A questão das Águas.................................................................................................................17 1.2 Poluição versus Principais Usuários.........................................................................................28 1.3 A Política Nacional dos Recursos Hídricos..............................................................................39 1.4 Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.....................................................54 2 A COBRANÇA E OS ASPECTOS SOCIAIS PELO USO DA ÁGUA................................68 2.1 Aspectos Legais para a Cobrança dos RH - Infrações e Penalidades ......................................68 2.2 A Relação entre Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento .....................................................86 2.3 Possíveis Impactos da Cobrança pelo Uso da Água e o Ecodesenvolvimento.........................95 2.4 Direito à Água, Exclusão Social e Saneamento Básico..........................................................115 3 OS DIREITOS SOBRE A ÁGUA: TITULARIDADE E OS REFLEXOS DA DOMINIALIDADE PÚBLICA.................................................................................................114 3.1 A Água como Bem de Domínio Público................................................................................114 3.2 Competência da União dos Estado e Municípios ..................................................................124 3.3 Externalidades da Privatização e Mercantilização dos Recursos Hídricos............................129 3.4 Água e Cidadania....................................................................................................................142 CONCLUSÃO ............................................................................................................................154 REFERÊNCIAS..........................................................................................................................159 13 INTRODUÇÃO A água é um bem precioso e insubstituível, pois além de ser um elemento vital para existência da própria vida na terra, é utilizado por inúmeros setores como insumo básico para suas atividades. Há, desse modo, necessidade de que sejam criados critérios e normas consistentes com a legislação especifica, de forma a regular e disciplinar os diferentes usos da água: na indústria, na agricultura, no setor hidrelétrico e consumo urbano. A água doce presente em rios, lagos e lençóis subterrâneos correspondem a menos de 0,3% do volume total de água do planeta. E, por ser depositaria de boa parte dos resíduos gerados pelas atividades humanas, acaba tornando-se cada vez mais oneroso transformar novamente á água doce com boa qualidade para o consumo. Os conflitos de interesse existentes com relação ao uso da água, representados pelo setor hidroelétrico, pelos complexos industriais, pelas necessidades de abastecimento urbano, irrigação e adensamento urbano industrial, evidenciam a necessidade de articulação institucional e de adoção e uma política de gestão integrada dos recursos hídricos, onde a bacia hidrográfica é a unidade básica de planejamento e gestão. 14 A Constituição, no seu artigo 21, inciso XIX, define como competência da União instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Coerentemente com essa atribuição, foi promulgada, em 1997, a Lei 9.433, que estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos, e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Contudo, mesmo com a introdução de critérios de sustentabilidade às praticas dos usuários, essa lei das águas introduziu, dentre outros instrumentos, a cobrança pelo uso da água no Brasil como um instrumento de gestão e como um instrumento econômico a ser aplicado tanto nos usos quantitativos quanto nos usos qualitativos. Enquanto instrumento de gestão, a cobrança deve produzir e arrecadar recursos para dar suporte financeiro ao sistema de gestão de recursos hídricos e às ações definidas pelos planos de bacia hidrográfica. Enquanto instrumento econômico, a cobrança deve balizar corretamente, para a sociedade, o uso dos recursos hídricos de forma racional e que atenda aos princípios do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a cobrança deve apresentar equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica, além de trazer impactos ambientais positivos. Para isso acontecer, deve ser criada e cultivada uma política de educação ambiental. A degradação ambiental gerada pela falta de investimentos em coleta e tratamento de esgotos temlevado à crescente poluição dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos por carga orgânica e nutrientes, e os resultados disso são os problemas de saúde gerados pela má qualidade da água e pela falta de saneamento. Trata-se de uma situação socialmente injusta e ambientalmente degradante, pois, enquanto as áreas mais ricas recebem água tratada e têm esgoto coletado pagando tarifas subsidiadas, as camadas mais baixas da população não recebem água em quantidade e qualidade suficientes e não têm coleta de esgoto. 15 O desenvolvimento deve ser sustentável, ou seja, o gerenciamento eficiente dos recursos hídricos implica uma abordagem que torne mais compatíveis os interesses socioeconômicos com a proteção dos ecossistemas naturais. A inovação está em se considerar, explicitamente, que a água é recurso escasso e, portanto, com valor econômico e que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e participativa onde o poder público, usuários e comunidade devem discutir e indicar as soluções para os problemas, criados a partir da privatização e mercantilização da água, que é uma exigência do FMI (Fundo Monetário Internacional) aos países pobres e subordinados para o recebimento de empréstimos. Importante assinalar que esta visão sustentável da questão ambiental é um grande avanço para a sociedade e, se concomitante a isso for instituída uma política de educação ambiental, no sentido de modificar comportamentos que degradam a natureza, estará se incrementando também, o processo de cidadania e a melhoria da qualidade de vida da população. Em síntese, o que se espera com o modelo sistêmico de integração participativa é a criação de uma vontade política regional que, além de arrecadar recursos, tenha sucesso na Administração Pública, promovendo o uso racional e a proteção das águas. Sob esta ótica, a presente dissertação expõe, através de uma análise do arcabouço teórico conceitual, os impactos da cobrança pelo uso da água e da mercantilização dos recursos hídricos tanto paro os usuários quanto para a sociedade, sugerindo o ecodesenvolvimento como resposta. Nesse sentido, o capítulo primeiro aborda a multiplicidade dos usos da água, enfocando especialmente a poluição hídrica, além da caracterização dos poluentes e dos danos potenciais. Busca também apresentar um panorama, o mais completo possível, da Política Nacional e do 16 Sistema de Gestão dos Recursos Hídricos, sendo que os dados levantados nesse capítulo servirão de suporte para os demais. No segundo capítulo, é dedicada especial atenção aos aspectos legais da cobrança pelo uso da água, bem como infrações e penalidades a quem causar danos aos recursos hídricos. Prestando a devida atenção ao paradigma ecodesenvolvimento versus desenvolvimento, na busca de compatibilizar os interesses da economia com a proteção do meio ambiente. Também enfatiza o possível impacto da cobrança da água para o ecodesenvolvimento, bem como as incertezas e riscos que surgem com esse instrumento. Outro fator importante abordado neste capítulo é o direito à água e saneamento básico como forma de inclusão social. O capítulo terceiro analisa, os direitos sobre a água: titularidade e os reflexos da dominialidade, bem como o papel da União dos Estados e Municípios frente à nova legislação. Nesta análise, também se procura mostrar as externalidades provocadas pela privatização e mercantilização dos recursos hídricos, no Brasil e em vários países que adotaram essa postura. Afirma-se também que o uso racional e responsável se dará por meio da construção de uma nova cidadania onde os cidadãos tenham clareza de suas responsabilidades. 17 1 AS ÁGUAS E O REGIME JURÍDICO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL Derramarei sobre vós água pura e sereis purificados. Eu vos purificarei de todas as impurezas e de todos os ídolos. Dar-vos-ei um coração novo e incutirei um espírito novo dentro de vós . (Ezequiel, 36, 25-26) 1.1 A questão das águas A água representa uma necessidade fundamental para a vida não somente dos seres humanos, mas de todos os seres vivos. As gerações do passado e do presente sempre dependeram de água potável para sua sobrevivência e desenvolvimento cultural e econômico. A água doce é, portanto, essencial à manutenção da vida, sustentando também as atividades econômicas e o desenvolvimento. Diante deste contexto, percebe-se que o desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança do conteúdo, das modalidades e das utilizações do crescimento. Três critérios fundamentais devem ser obedecidos 18 simultaneamente para se alcançar a sustentabelidade ecológica: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica (SIRVINSKAS, 1993, p. 07). Equidade social, prudência ecológica e, eficiência econômica se darão conciliando desenvolvimento econômico com proteção ambiental, ou oferecendo-se determinados incentivos1 através do mercado, para que os usuários e poluidores, modifiquem seus comportamentos e aproveitem os recursos naturais de forma mais eficiente. Dessa forma, as políticas de ecodesenvolvimento são uma tentativa de restabelecer a harmonia perdida entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente. Constitucionalmente o meio ambiente é um bem de uso comum do povo2, mas isso não quer dizer que pode ser usado sem respeitar seus limites, conforme demonstra Leite (1998, p. 61): Isso significa que o proprietário seja ele público ou particular, não poderá dispor da qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, devido à previsão constitucional, considerando o uso macrobem de todos. Adita-se, no que se refere à atividade privada, a qualidade do meio ambiente deve ser considerada, pois o constituinte diz que a atividade econômica deverá observar, entre outros, o principio da proteção ambiental, conforme estatui o art. 170, inciso VI3 da Constituição Federal. 1 A implementação crescente da gestão ambiental, inclusive por meio da certificação de acordo com as normas ISO 14001, espelham a preocupação das empresas com seus problemas internos relativos ao meio ambiente. Outras formas de incentivo são os chamados mercados verdes , que representam oportunidade de negócios onde a consciência ecológica está presente, também chamados de ecobusiness (LUSTOSA, 2003). 2 A legislação ambiental brasileira tem suas bases na Constituição Federal, art. 225, que estabelece: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida . 3 Constituição Federal: art. 170, inciso VI defesa do meio ambiente. 19 A expressão meio ambiente contida na Carta Magna, nos remete à Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, artigo 3°, inciso I, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e define o meio ambiente como sendo o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, obriga e rege a vida em todas as suas formas . Ou, conforme esclarece Machado (1994, p.72) a definição federal é ampla, pois vai atingir tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege . Também interessante lição nos é dada por Silva (2004, p.20) sobre o conceito jurídico de meio ambiente: O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico. O meio ambiente é assim, a interaçãodo conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, e compreensiva dos recursos naturais e culturais. Nessa linha de raciocínio cabe registrar que o meio ambiente pode sim ser considerado como o conjunto de relações e interações que condiciona a vida em todas as suas formas , conforme nos mostra o artigo 3º, I, da lei n.6.938/81. E porque o meio ambiente deve ser visto como um todo, e não em partes fragmentárias, Callenbach (1993) nos mostra os problemas ecológicos também não podem ser entendidos isoladamente. São problemas interligados e interdependentes e, por isso, sua compreensão e solução requere um novo tipo de pensamento sistêmico ou ecológico. Esse novo pensamento precisa ser acompanhado de uma mudança de valores da sociedade, passando da expansão para a conservação, da quantidade para a qualidade, da dominação para a parceria. O novo paradigma pode ser denominado como uma visão holística 20 do mundo, a visão do mundo como um todo integrado, e não como um conjunto de partes dissociadas. Devido à complexidade dos problemas globais que envolvem a biosfera e a vida humana, como um ciclo que ultrapassa fronteiras levando ao colapso várias sociedades, na lição de Capra (1999, p.23) pode-se dizer que esses problemas não estão isolados uns dos outros: São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes. Por exemplo, somente será possível estabilizar a população quando a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies animais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o Hemisfério Meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a degradação do meio ambiente combinam-se com populações em rápida expansão, o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência étnica e tribal que se tornou a características mais importante da era pós-guerra fria. Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção. Ela deriva do fato de que a maioria de nós, e, em especial nossas grandes instituições sociais, concordam com os conceitos de uma visão de mundo obsoleta, uma percepção da realidade inadequada para lidarmos com nosso mundo superpovoado e globalmente interligado. Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, algumas delas até mesmo simples. Mas requerem uma mudança em nossas percepções, no nosso pensamento e nos nossos valores. Introduzir mudanças em nossas percepções, pensamentos e valores significa adequar-se novas necessidades e possibilidades, interferindo na cultura organizacional do aparelho administrativo. Nesse caso, segundo Andrade (2000), um fator que contribui para a mudança da postura atual do homem frente às questões ambientais é a pressão do mercado internacional exigindo uma adequação ambiental dos processos e produtos, através da política econômica de empresas, regiões ou até mesmo países. A mudança de paradigma, da administração ambiental para a administração ou gerenciamento ecológico, porém, nem sempre é uma prática voluntária. Isso porque tal mudança pode ir de encontro a interesses e costumes já estabelecidos e, na grande 21 maioria das vezes, ultrapassados pelas novas exigências da sociedade nesse sentido, faz-se necessária a explicitação do conceito de ecologia em seus aspectos raso e profundo : A palavra `ecologia vem do grego oikos (casa). Ecologia é o estudo de como a Casa Terra Funciona. Mais precisamente é o estudo das relações que interligam todos os moradores da Casa Terra. A ecologia é um campo muito vasto. Pode ser praticada como disciplina cientifica, como filosofia, como política ou como estilo de vida. Como filosofia, é conhecida por ecologia profunda , uma escola de pensamento fundada pelo filósofo norueguês Arne Naess no inicio da década de 1970. Naess estabeleceu uma distinção importante entre ecologia rasa e ecologia profunda . A ecologia rasa é antropocêntrica. Considera que o homem, como fonte de tudo o valor, está acima ou fora da natureza e atribui a este um valor apenas instrumental ou utilitário. A ecologia profunda não separa o homem do ambiente; na verdade, não separa nada do ambiente. Não vê o mundo como uma coleção de objetos isolados e sim uma rede de fenômenos indissoluvelmente interligados e interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e encara o homem como apenas um dos filamentos da teia da vida. Reconhece que estamos todos inseridos nos processos cíclicos da natureza e que deles dependemos para viver. (CAPRA, 2003, p. 20) Concluída a explicitação dessa nova ecologia, a questão básica é redefinir a concepção atual de meio ambiente, de forma que ela reflita o paradigma da ecologia profunda. Essa nova concepção é explicitada por Lutzemberger (1980, p.12) para quem a ecologia4 deve ser compreendida como a ciência da Sinfonia da Vida e a ciência da sobrevivência. Longe de ser uma especialização a mais, entre outras tantas, a Ecologia é uma generalização, ela é a visão global das coisas, é a visão sinfônica do Mundo, a visão do Universo como esquema racional integrado . 4Ost (1995) a ecologia esta progressivamente a impor uma visão integrada e dinâmica das relações entre as espécies, desde quando foi criado o termo ecologia em 1986, Ernest Haechel, discípulo de Darwin, definiu-o como a ciência das relações dos organismos como o mundo exterior, no qual nos podemos reconhecer como fatores da luta pela existência . Entre estes, Haeckel incluía as características físicas e químicas do habitat, o clima, a qualidade da água, a natureza do solo, bem como o conjunto das relações favoráveis ou desfavoráveis dos organismos uns com os outros. 22 A visão do mundo integrado nos alerta para o fato de que a solução dos problemas ambientais não pode ocorrer de forma isolada. Um exemplo disso são os recursos hídricos, que, dentro de uma unidade de planejamento como a bacia hidrográfica, interagem com os demais recursos naturais na área de captação, além de serem influenciados pelas chuvas, disseminando os poluentes através das chuvas ácidas. Já no tocante aos recursos hídricos, segundo Feldmann (1994, p.12) a expressão recursos hídricos é usualmente associada à parcela da água5 possível de ser utilizada pelo homem . A doutrina é escassa sobre o conceito de recursos hídricos. O próprio legislador nacional não usava esta terminologia até o advento da Constituição de 1988. Veja-se a propósito, que o Código de Águas não faz referência à recursos hídricos. Nos seus diversos artigos utiliza sempre a terminologia águas . O mesmo se observa nos Códigos Civil (arts. 563/568) e Penal (art. 270) e na legislação de pesca (Dec. lei 221/67). O constituinte também não adotou terminologia uniforme. No art. 21, XIX, CF, faz referência aos recursos hídricos mas, logo em seguida, atribui competência à União para legislar sobre águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão . Trata-se, portanto, de terminologia nova que está a desafiar o enfrentamento da doutrina, para sua exata compreensão (SILVA 2002, p.180). É importante ressaltar, que, a Lei n. 9.433/97 também não distingue o termo água da expressão recursos hídricos e, por esse motivo, no presente trabalho estes serão utilizados como sinônimos. Dentre os recursos ambientais, Viegas (2005. p. 17) destaca que a água é um dos que mais têm sido alvo de preocupação por parte das comunidades internacional e brasileira, por ser atingidafreqüentemente em sua qualidade e quantidade . 5 Água: é um composto químico formado de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O). A água constitui uma unidade de medida de densidade e a escala termométrica centesimal (Celsius) se baseia no ponto de solidificação 0° e de ebulição 100°C. (GUERRA e GUERRA, 2003) 23 Diante da importância da água, Magossi e Bonacella (apud LEAL, GUIMARÃES, 1997, p. 63) ensinam que, a água insere-se no grupo dos essenciais à vida, podendo mesmo ser considerada imprescindível, pois ela está presente em todos os organismos vivos, fazendo parte de uma infinidade de substancias e órgãos. Além disso, transporta diverso composto nutritivos dentro do solo, movimenta turbinas na produção de energia elétrica, refrigera máquinas e motores, ajuda a controlar a temperatura de nossa atmosfera e apresenta ainda uma série de funções de extremo valor . A água é juridicamente um recurso ambiental, conforme estabelece o artigo 3º, V, da Lei federal n° 6.938/81, que assim os enumera: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora . Por essa razão é que Leal e Guimarães (1997) ressaltam que a crise ambiental que envolve as águas, com o aumento da demanda e redução da disponibilidade hídrica, tanto em quantidade como em qualidade, constitui-se num dos mais graves impactos ambientais deste final de século, com repercussões em todas as atividades humanas e nos planos de desenvolvimento sócioeconômico . Também a par de sua imprescindibilidade Viegas (2005, p. 23-24) estima-se que hoje mais de 1 bilhão de pessoas não disponha de água suficiente para o consumo e que, em 25 anos, cerca de 5,5 bilhões estarão vivendo em locais de moderada ou considerável falta de água. A ONU, de outro lado, aponta que faltará água potável para 40% da população mundial em 2050, enquanto especialistas com visão mais pessimista antecipam esse prazo para 2025. 24 A água é primordial para a manutenção de todas as espécies e sua gestão deve ter como objetivos o uso racional e a redução de impactos ambientais6 que afetem diretamente a capacidade produtiva dos recursos hídricos. Nesse sentido, David Drew (1994, p. 87) resume muito bem a situação quando ensina que Pode-se dizer que a água doce é o mais importante recurso da humanidade, individualmente considerado. À escala mundial, o que inibe a expansão da agricultura e o povoamento de vastas regiões é a insuficiência de água. À escala local, os recursos hídricos determinam a localização de certas indústrias, como a geração de energia; antigamente, o estabelecimento de povoações estava em relação estreita com a localização de rios e fontes. As povoações do oásis oferecem um exemplo cabal. Do ponto de vista humano, as limitações impostas pela água são suprimento insuficiente (desertos, estiagem) ou demasiado (pântanos, inundações). Dessa forma, o modelo de inesgotabilidade perdeu consistência técnico-científica, quando a Lei n. 9.433/97 estabeleceu literalmente que a água é um recurso natural limitado (artigo 1°, III). Diante desse fato, percebe-se que a multiplicidade de funções que a água desempenha, está associada à sua capacidade de apresentar-se em três estados distintos, como nos ensina Popp (1988, p.105): À água está distribuída na terra nos três estados conhecidos: sólido, líquido e vapor. As temperaturas médias na superfície da terra e em pequenas profundidades da crosta estão geralmente compreendidas entre 5° e 40°C, condicionando desta maneira a maior proporção da água no estado líquido (1400 bilhões de toneladas, 97,85%). Nos pólos e nas grandes altitudes, devido às temperaturas anuais situarem-se predominantemente abaixo de 0°C, a água encontra-se no estado sólido (24.000.000 de km³)7, ou 30 bilhões de toneladas, 2,15%). Na atmosfera, a água acha-se no estado de vapor ou em fase de 6Impacto Ambiental: expressão utilizada para caracterizar uma série de modificações causadas ao meio ambiente, influenciando na estabilidade dos ecossistemas. Os impactos ambientais podem ser negativos ou positivos, mas, nos dias de hoje, quando a expressão é empregada, já está mais ou menos implícito que os impactos são negativos. Os impactos podem comprometer a flora, fauna, rios, lagos, solos e a qualidade de vida do ser humano (GUERRA e GUERRA, p. 2003, p. 350). 7 1 m³: 1000 litros (m³) e 1 Km³: 1 bilhão de metros cúbicos (m³) (TUNDISI, 2003). 25 transição dentro do ciclo, pronta a transformar-se em chuva ou neve (0,001%). Caso parte da água não estivesse retida nos pólos sob a forma de gelo, o nível dos mares seria pelo menos 90 metros acima do atual. Uma parcela relativamente pequena ocupa parte da superfície dos continentes (cem vezes menos que aquela concentrada nos pólos), constituindo os rios e lagos (0,010%). Porém, o ciclo hidrológico estabelece uma relação perfeita entre água salgada e água doce a partir do fenômeno da evaporação, que é quando a água salgada dos oceanos se transforma em doce e cai sobre os continentes. Já no tocante às características físico-química e biológica, Sperling (apud SOARES, 2003, p.19) as principais características da água podem ser expressas como: - físicas, que se referem, em sua maior parte, aos sólidos presentes na água, os quais podem ser em suspensão, ou dissolvidos, dependendo do tamanho; - químicas, que se referem à presença de matéria orgânica ou inorgânica; - biológicas, que dependem dos seres presentes na água, que podem ser vivos ou mortos. Dentre os vivos tem-se os de origem animal e vegetal, além de parasitas. Contudo, muitas dessas características são alteradas mesmo que inconscientemente pelo homem. Daí a importância do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA, que por meio da Resolução n.º 20, de 18 de junho de 1986, classificou as águas em doces, salobras e salinas. As águas doces possuem um grau de salinidade inferior a 0,5%; as águas salobras possuem um grau de salinidade entre 0,5% e 30%; e as águas salinas possuem um grau de salinidade superior a 30%. Água doce, segundo o vocabulário de Recursos Hídricos do IBGE (2004) corresponde à água que possui baixas concentrações de matéria dissolvida (salinidade inferior a 2.000 ppm) principalmente cloreto de sódio (NaCl) . 26 A água doce é própria para o consumo humano, sendo destinada ao abastecimento doméstico, à recreação de contato primário, à proteção das comunidades aquáticas, à irrigação, à aqüicultura, à dessedentação de animais, entre outros. Em termos de águas subterrâneas, a utilização no Brasil é bastante modesta. Sendo perfurados de 8 mil a 10 mil poços por ano, a grande maioria para abastecimento de indústria. Somente nas últimas décadas vem-se verificando a tendência para o abastecimento público com águas subterrâneas, como é o caso dos aqüíferos. O Aqüífero Guarani8 é o maior depósito subterrâneo de água doce do planeta. Sua área é de, aproximadamente, 1,2 milhão de Km²,. dois terços dele estão em oito estados brasileiros. O restante se estende sob territórios da Argentina, Paraguai e Uruguai (NALINI, 2003, p.54) Já no caso da água salobra e da água salgada, a forma viável de se utilizá-la é através da dessalinização, mas, para Drew (1998, p.121) gasta-se muita energia nesse processo: A dessalinização de água salobra9 ou de água do mar, usando destilação por descarga ou métodosde membrana, está ficando comum nos países ricos. A capacidade mundial de dessalinização em 1976 era de cerca de 2.400 milhões de litros de água do mar por dia, aumentando 16% ao ano. Em países como Israel, Austrália e Kuwait, assim como no oeste dos Estados Unidos, usinas médias de dessalinização já vêm operando há anos. Há uma limitação, que é a enorme quantidade gasta de energia. A dessalinização é um processo dispendioso e os equipamentos tem um custo relativamente elevado, sendo impraticável para vários paises, inclusive o Brasil. Também o 8 O Aqüífero Guarani está localizado no centro-leste da América do Sul, entre 12° e 35° de latitude Sul e 47° e 65° de longitude Oeste, subjacente a quatro paises: Argentina. Brasil, Paraguai e Uruguai. Tem extensão aproximada de1,2 milhões de km², sendo 840 mil km² no Brasil, 225,500 mil Km² na Argentina, 71,700 mil Km² no Paraguai e 58,500 Km² no Uruguai. A porção brasileira integra o território de oito estado: MS (213.200 Km²), RS (157.600 Km²), SP (155.800 Km²), PR (131.300 Km² ), GO (55.000 Km²), MG (51.300Km² ), SC (49.200 Km² ) e MT (26.400 Km² ). A população atual do domínio de ocorrência do aqüífero estimada em 15 milhões de habitantes (UNIAGUA, 2004, p.01). 9 Água salobra: diz-se de água com nível de salinidade entre o da água doce e o da água do mar (NALINI, 2003, p.328). 27 processo de dessalinização pode causar danos ao meio ambiente: se o sal for despejado diretamente no solo ele fica inviável para a agricultura e os aqüíferos se contaminam. No entanto, é claro que estratégias para enfrentar a escassez de água devem considerar tecnologias de dessalinização para a obtenção de mais água, porém mais importante é a diminuição do desperdício e do consumo excessivo, aliada a técnicas de conservação e proteção dos mananciais e recuperação dos sistemas degradados (TUNDISI, 2003). Diante de desafios tão imensos quanto dramáticos, é interessante ver o quadro das águas em sua distribuição sobre o planeta Terra. Embora com pequenas diferenças todos os índices apontam para a mesma direção. Tabela 01: Quadro de volume e renovação das águas Localização Vol. (1000 Km³) % Renovação Oceanos 1.464.000,0 97,6000 37.000 anos Massas polares 31.290,0 2,0860 16.000 anos Rochas sedimentares 4.371,0 0,2910 300 anos Lagos 255,0 0,0170 1 a 1.000 anos Solo e subsolo 67,0 0,0040 280 dias Atmosfera 15,0 0,0010 9 dias Rios 1,5 0,0001 6 a 20 dias Fonte: COSTA (1991, p. 05) É certo que, não havendo controle, muitos mananciais10 serão progressivamente contaminados e extintos. Isso porque o ciclo natural das águas consegue repor satisfatoriamente 10Manancial: Ponto natural visível de descarga de água subterrânea formada na interseção de um aqüífero e da Superfície do solo (NALINI, 2003, p.312). 28 parte das águas, mas não no mesmo ritmo de sua destruição. Portanto, quando se fala em falta de água para 40% da humanidade, um terço dos países do mundo terá escassez permanente de água (CNBB, p 29). Nenhuma alternativa para combater a escassez de água, no entanto, pode prescindir de uma mudança de atitude da população como um todo diante do problema. E um dos problemas graves a ser enfrentado é a poluição, que desequilibra o ecossistema refletindo diretamente sobre as condições de vida da população. 1.2 Poluição versus Principais Usuários A crise ambiental nada mais é que o esgotamento dos modelos de desenvolvimento econômico e industrial, modelos provenientes da Revolução Industrial, que prometeu o bem- estar de todos, contudo, não cumpriu tal promessa, apesar dos benefícios tecnológicos que trouxe, pois consigo veio também a devastação ambiental planetária e indiscriminada. A poluição é uma das conseqüências do desenvolvimento, ela ocorre quando esse desenvolvimento é baseado apenas no lucro, deixando de levar em consideração todo o ecossistema. Partindo dessa premissa, Silva (1993, p. 389) esclarece que: Poluição, do latim polluere, significa estragar, sujar, corromper. Poluição da água é (...) a contaminação da água, em virtude do que se torna impura ou nociva ao uso. E essa poluição se mostra pelo efeito de coisa a ela trazida, pela qual se alterou em sua pureza. A corrupção da água é o estrago dela, a sua inutilização por vários meios, inclusive pela contaminação. 29 A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente n.º 6.938/81, artigo 3º, III, assim define poluição: a) Como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: b) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; c) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; d) afetem desfavoravelmente a biota; e) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; f) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos O que se busca é que a água tenha aspecto limpo, pureza de gosto e que esteja isenta de microorganismos patogênicos. A poluição da água indica que um ou mais de seus usos foram prejudicados. A poluição pode classificar-se, segundo nos ensina Pellacani (20005, p.54), como: Mecânica, química, por pesticidas, orgânica, biológica, física, térmica e por detergentes sintéticos quanto a etiologia do agente poluidor. Quanto ao modo de contaminação, é classificada como agrícola, industrial, gerada pelo lixo, por dejetos humanos e por mercúrio. É classificada como maciça e crônica, de acordo com a sua intensidade e freqüência. É mais freqüente a poluição do tipo mista, ou seja, a associação de duas ou mais espécies de poluição referidas acima. Muitas dessas substâncias, principalmente como é o caso dos metais pesados, resistem à degradação, e se acumulam nas redes alimentares passando para os alimentos e, conseqüentemente, para o homem, podendo causar impactos negativos à saúde humana como mutações, defeitos de crescimento e câncer. Em comunhão com o exposto, Nalini (2003, p.50- 51) nos diz que metais pesados, muitas vezes presentes na água, têm grandes impactos sobre a saúde humana e dos animais. Podem afetar o desenvolvimento do corpo e da mente e são cancerígenos, conforme testes laboratoriais. A utilização excessiva de fertilizantes, os resíduos químicos lançados aos rios, a inadequação dos sistemas de tratamento, tudo isso compromete a qualidade da água oferecida à população.[...] A poluição industrial é índice de subdesenvolvimento. É atestado de atraso. Representa sintoma de produção ineficiente. Mesmo assim, continua a 30 existir. Não se espere, todavia, uma meã culpa do próprio empresariado, mas exija-se um funcionamento industrial politicamente correto, com gradual eliminação da atividade poluente. A cidadania é que deve cobrar, das industrias locais, a mesma postura empresarial eticamente irrepreensível, reclamada nos países de origem. Ações imediatas devem ser tomadas pelo Poder Público, no sentido de coibir que países industrializados transfiram os danos e suas conseqüências aos países subdesenvolvidos. Ponting (1995, p.599) nos mostra que Aproximadamente, 80% de todo o lixo tóxico11 produzido pelos países industrializados é colocado em locais não adequados; muitos são somente revestidos com argila, que é um material permeável. Nessa área, existem ainda tentativas deliberadas, perigosas e altamente irresponsáveis para a exportação do problema. Muitos dos lixosmais perigosos são enviados para a Europa Oriental e para o Terceiro Mundo, para que os que os enviam possam beneficiar-se com os regulamentos mais permissíveis e de menor oposição pública, onde são depositados em locais que exigem menos procedimentos de segurança ou simplesmente são deixados ao ar livre. Contaminando os cursos d água, ou até mesmo os lençóis freáticos, a ordem nesse caso parece que é a de se obter o máximo de lucro, mesmo à custa da maior poluição, não se preocupando com os impactos que esse lixo, muitas vezes radioativo, poderá causar a todo o ecossistema ao longo do tempo. Com relação à conscientização da sociedade sobre os efeitos causado pela poluição por pesticidas sintéticos,12 vejamos o que nos ensina Maccornick (1992, p.29): efeitos adversos da má utilização dos pesticidas e inseticidas químicos sintéticos, gerou muita controvérsia e aumentou a consciência pública quanto às implicações da atividade humana sobre o meio ambiente e quanto a seu custo, por sua vez, para a sociedade humana. 11 Lixo tóxico: lixo perigoso que é capaz de causar lesões graves, como queimaduras, danos no tecido ou câncer, e até mesmo a morte nos homens e em outros organismos (NALINI, 2003,p312). 12 Sintético: Elaborado ou produzido artificialmente, por síntese química; é uma imitação, ou análogo a algo naturalmente observável, mas resultante de processo artificial. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 31 Um exemplo drástico de contaminação e suas conseqüências nos é dado por Beckestein (2003): no final de março de 2003, uma enorme mancha negra, vinda do município de Cataguases, em Minas Gerais, através do Rio Pomba, tomou conta do Rio Paraíba do Sul, até chegar ao litoral. As águas escuras e repletas de uma espuma venenosa, contaminada por produtos tóxicos, mataram peixes, crustáceos e toda a vida que encontraram pelo caminho. O responsável por este lastro de destruição, apontado como o maior desastre ambiental do país, foi o vazamento de um reservatório da indústria mineira Cataguases de papel. Autuada várias vezes e alertada de risco iminente do rompimento do reservatório, a empresa nada fez para impedir a catástrofe. Está sendo estudada a possibilidade de contaminação das águas por organocloratos, que são substâncias cancerígenas, o que tem preocupado a secretaria da Saúde, sendo possível que alguns moradores das regiões pobres possam ter consumido peixe do local. Se houve contaminação por organocloratos, só após seis meses começarão a aparecer, bem como os casos de câncer. As amostras de água do Paraíba do Sul apresentavam altos índices de fenóis e soda caustica, além de profundas alterações no PH e oxigênio. A contaminação passa do plâncton aos peixes herbívoros e logo aos peixes carnívoros maiores até chegar à sua última presa: o homem. Esta é uma das razões para se cumprir certos padrões de qualidade, o controle da disposição de resíduos no ambiente natural. A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) divulgou relatório sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, em 10 de abril de 2003 segundo o qual metade da população dos países em desenvolvimento está exposta a fontes de águas poluídas e contaminadas, conforme nos mostra Amarante (2003, p.28): 32 De acordo com o estudo, dois milhões de toneladas de dejetos humanos, além de resíduos industriais, químicos e agrícolas são jogados em água receptoras todos os dias. Nesse ritmo, a contaminação das águas poderia chegar, num futuro breve, a 12 mil km³. Para se ter uma idéia do que isso significa, a água contida em todas as represas até hoje construídas no mundo não passam de oito mil km³. Em relação ao Brasil, o relatório diz que o país tem água em quantidade suficiente para atender a todos, mas a distribuição é irregular. Num ranking da Unesco envolvendo 180 países sobre a quantidade anual de água disponível per capita, o Brasil aparece na 25ª posição, com 48. 314 m³. por todo o País, 92,7% das residências têm rede de água potável, no entanto, apenas 37,7% das casas estão ligados à rede de esgoto. Desta forma, mais de 60% dos dejetos são despejados diretamente nos rios e mares. Entretanto, antes de se afirmar que uma água está poluída deve-se segundo, a Resolução 20/96 do Conama, saber para que uso ela se destina e, conseqüentemente, quais os critérios de qualidade que poderão ser aceitos de modo a satisfazer o fim último de sua utilização. Segundo Rocha e Coimbra (apud, SOARES, 2003, p.15), as águas podem constituir recursos limitantes ou indutores do processo de desenvolvimento econômico social de determinada área, e sua gestão pode interferir no uso e ocupação do solo . Por esse motivo, a sociedade vem acordando para a problemática ambiental, buscando formas alternativas de desenvolvimento, conciliadas com a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida. Nesse sentido, Franza (1995, p.29) nos alerta: La sobreexplotación del medio ambiente, que puede producir benefícios de corto plazo a grupos circunscriptos, tiene irremediablemente efectos negativos sobre a mayoria de la población presente y la generaciones futuras, generándose uma contradiction entre el interés particular inmediato y el interés social de mediano y largo plazo. Isso tudo sem deixar de levar em conta a interdependência de fatores, como clima, biodiversidade, usos e serviços que farão uso conjunto do sistema aquático e seus potenciais 33 impactos ao ecossistema. Não obstante essa constatação, cabe registrar estas palavras de Leal e Guimarães (1997): Esse panorama de crise d água, que na verdade pode-se chamar de crise ambiental ou crise de modelo de desenvolvimento e de organização social, tem sua expressão em todos os locais do país, principalmente nas áreas urbanas, as quais, contínua e persistentemente vêm degradando e matando seus rios. No geral os problemas são: esgotamento industrial e doméstico sem tratamento; poluição das águas superficiais e subterrâneas; deposição irregular de lixo; desmatamentos; acelerado crescimento populacional; favelização da população em áreas de preservação ambiental e/ou de riscos de inundações e desmoronamentos; crise no abastecimento devido ao aumento da demanda e diminuição da quantidade e da qualidade da água; conflito entre diferentes usos da água (urbano, industrial e agrícola). Para amenizar ou mesmo solucionar esses conflitos, torna-se essencial a adoção de políticas públicas consistentes, no sentido de evitar que a escassez se torne um entrave ao desenvolvimento do país, mesmo o Brasil estando numa posição privilegiada pela quantidade de água que possui. Conforme estudos apresentados pelo DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia), em 1992, ao Ministério do Meio Ambiente: o Brasil encontra-se numa posição privilegiada, possuindo 11,6% da água superficial do mundo, e 112.000Km³ cúbicos de água subterrâneas, em geral de boa qualidade para qualquer uso ( MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 1999). Entretanto, em relação à densidade populacional brasileira a distribuição hídrica se dá de forma desigual. Ressaltando esse aspecto, Borsoi e Torres (2003, p.6) no texto A política de recursos hídricos no Brasil, nos mostram que a distribuição regional dos recursos hídricos é de 70% para a região Norte, 15% para a Centro-Oeste, 12% para as regiões Sul e Sudeste, que apresentam o maior consumo de água, e 3% para a Nordeste. Essa região, além da carência de recursos hídricos, tem sua situação agravada por um regime pluviométrico irregular e pela baixa permeabilidadedo terreno cristalino. 34 Esta má distribuição da água acarreta sérios conflitos entre os usuários, pois em algumas áreas as retiradas são bem maiores que a oferta, causando um desequilíbrio nos recursos disponíveis, acarretando limitações em termos de desenvolvimento para essas regiões. A água está mal distribuída: 70% das águas doces do Brasil estão na Amazônia, onde vivem apenas 7% da população. Essa distribuição irregular deixa apenas 3% de água para o Nordeste. Essa é a causa do problema de escassez de água verificado em alguns pontos do país. Em Pernambuco existem apenas 1.320 litros de água por habitante e no Distrito Federal essa Média é de 1.700 litros, quando o recomendado são 2.000 litros (AMBIENTEBRASIl, 2004, p.1). É importante ressaltar, porém, que o Brasil destaca-se no cenário mundial pelas grandes descargas de água doce dos seus rios: a produção de águas doces no Brasil representa 53% do continente sul - americano (334.00m³/s) e 12% do total mundial (1.488.000m³/s) (REBOUÇAS, 1999, p.29). De todo modo, o que se almeja é não só expor as facetas ligadas à disponibilidade dos recursos hídricos no planeta, mas sugerir a adoção de algumas providências que seriam eficientes para a modificação do panorama atual da crise da água. Como a Constituição brasileira assegura que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art.196) e será prestada pelo sistema único (SUS art. 198, caput), que inclui dentre as diretrizes a priorização para atividades preventivas (art. 198, II), competindo-lhe participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 200, IV), as carências nesse setor fazem com que os índices de doença no Brasil se acentuem. "Apenas para se ter uma idéia, estima-se que, em nosso país, 70% das internações infantis em hospitais públicos e 40% da mortalidade infantil tenham origem em deficiências de saneamento básico, estando diretamente correlacionados, portanto, ao despejo de 35 esgoto nos corpos d água, à escassez qualitativa da água que abastece a população e à disseminação de doenças de veiculação hídrica" (IBGE, 2002). Para impedir a poluição destrutiva, são necessárias ações locais,tomadas em decorrência de políticas públicas apropriadas: Os administradores públicos necessitam ter a consciência de que gastar os parcos recursos atualmente disponíveis com o tratamento de doenças é um mau negócio quando estas podem ser prevenidas. Assim, medidas político- administrativas tendentes ao fornecimento de água potável e à captação e tratamento de esgotos geram, a um só tempo, evitação de doenças e tratamento médico-hospitalares; uma melhor qualidade de vida à população; a economia de recursos públicos, pois os maiores gastos com o saneamento básico são feitos uma única vez, enquanto o tratamento da população em razão de sua falta é permanentemente; uma efetiva melhoria na qualidade ambiental de um modo geral; dentre outros resultados positivos (VIEGAS, 2005, p. 48). É importante ressaltar que, para se alcançar objetivos concretos, tornam-se necessárias políticas com diretrizes, orientações, ações e atividades de curto, médio e longo prazo. Levando- se em conta a realidade local, explicitando normas e regras para o usuário que polui com vistas a manter sob controle o descompasso entre disponibilidade e demanda. Para que isso seja alcançado, a Lei 6.938/81, em seu artigo 3°, inc IV, define como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental . Dessa forma, o conceito de degradação ambiental, segundo Nalini (2003, p.293), é expresso, como o esgotamento ou destruição de um recurso potencialmente renovável, como solo, pastagem, floresta ou vida selvagem por sua utilização num ritmo mais rápido do que o de seu reabastecimento natural . 36 Na Lei 6.938/81, art. 3º, inc II, está definida a degradação da qualidade ambiental como a alteração adversa das características do meio ambiente , em perfeita consonância com os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) tipificada nesta referida Lei o artigo, 2º diz que: a PNMA tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana . Tundisi (2003, p.31-32) ´´afirma que, ao longo de toda a história, o desenvolvimento econômico e a diversificação da sociedade resultaram em usos múltiplos e variados dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos´´. Não só o aumento populacional e a aceleração da economia ampliam os usos múltiplos; o desenvolvimento cultural faz com que outras necessidades sejam incorporadas resultando em uma multiplicidade de impactos, de diversas magnitudes, que exigem, evidentemente, diferentes tipos de avaliação quali e quantitativa e monitoramento adequado a longo prazo. Essa diversificação dos usos múltiplos tornou os impactos mais severos e complexos, produzindo inúmeras pressões sobre o ciclo hidrológico e sobre as reservas de água superficiais e subterrâneas. Na tabela 02 são apresentados os principais usos múltiplos da água. Tabela 02: Usos múltiplos da água Agricultura Irrigação e outras atividades relacionadas Abastecimento público Usos domésticos 37 Hidroeletricidade Usos industriais diversificados Recreação Turismo Pesca Produção pesqueira comercial ou esportiva Aquacultura Cultivo de peixes, moluscos, crustáceos de água doce. Reserva de água doce para futuros empreendimentos e conseqüente uso múltiplo Transporte e navegação Mineração Usos estéticos Recreação, turismo, paisagem Fonte: TUNDISI (2003, p.29) Os usos múltiplos da água incluem, além da irrigação, a recreação e o turismo, extremamente importantes em regiões do interior dos continentes, em que o acesso à recreação em água doce é mais fácil e barato e conseqüentemente, com pressão considerável sobre rios, lagos e represas. Outro uso intensivo é na mineração, principalmente na lavagem e purificação de minérios, além de diversificada e múltipla série de processos na indústria, como resfriamento, limpeza e descarga de materiais. Outro importante uso é na produção de hidroeletricidade, que, no caso do Brasil, supre cerca de 85% da energia necessária ao país: a produção de 1kw de eletricidade requer 16.000 litros de água, o que da uma idéia quantitativa dos volumes de água necessários para produzir energia (TUNDISI, 2003, p.29-32). De forma geral, da água existente no mundo são utilizados 70% na agricultura, 23% na indústria e 7% como água potável. No Brasil são 61% na agricultura, 21% uso urbano e industrial 18%, sendo que, a água utilizada na agricultura é grandemente desperdiçada, pois quase 60% de seu volume total se perde antes de atingir a planta, conforme pode-se constatar na figura abaixo: 38 Figura 01: consumo de água na agricultura, indústria e no uso urbano. Fonte: ITABORAHY, 2004. A irrigação poderá trazer impactos ambientais, como a salinização dos solos, a contaminação dos recursos hídricos e o consumo exagerado da disponibilidade hídrica que, muitas vezes, inviabiliza a aproveitamento dessa água para outros usos. Nesse contexto, segundo Borsoi e Torres (2004) a irrigação é uma forma de uso consuptivo da água, isto é, parte usada para este fim não retorna ao seu curso original e, normalmente, a parte que retorna aos mananciais tem qualidade inferior à que foi captada. Na indústria também há perdas, devido ao dimensionamento de processosque priorizam insumos de custos mais elevados, em detrimento de conservação de recursos como a água e o ar. Também os usos urbanos apresentam impactos negativos, devido ao desperdício dos recursos hídricos, tanto durante a captação quanto durante a distribuição, devido à má conservação das redes de abastecimento. Portanto, o desafio maior está em encontrar estratégias viáveis para a administração, operação e manutenção dos sistemas de abastecimento de água que possam torná-los auto- 39 sustentáveis e permanentes, através da Política Nacional dos Recursos Hídricos (PNRH), que foi estabelecida pela Lei Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, vindo a substituir o Código das Águas,estabelecido pelo Dec. 24. 643, de 10 de julho de 1934. 1.3 A Política Nacional dos Recursos Hídricos O Código de Águas13 definiu os direitos de propriedade e uso dos recursos hídricos para abastecimento, irrigação, navegação e usos industriais e, ainda, as normas para a proteção da quantidade e qualidade das águas no território nacional. Foi posteriormente, atualizado e regulamentado em 1965 e 1966 (Lei n.º 4.904 e Decreto nº 9.433, de janeiro de 1997). A história da política de água no Brasil, segundo Barbosa (2003), iniciou-se, sob o aspecto legal e institucional, em 1933, com a criação, no Ministério da Agricultura, da Diretoria de Águas, a qual logo foi transformada em Serviço de Águas. Este Serviço de Águas foi transferido, em 1934, para a estrutura do Departamento Nacional da Produção Mineral DNPM. Neste mesmo ano, a edição do Código de Águas representou grande avanço na política de águas no Brasil. A vinculação, nessa época, das atribuições e competências sobre os recursos hídricos ao Ministério da Agricultura (MA), de certa forma refletia a prioridade do uso dos recursos hídricos do país considerados na época como de vocação eminentemente agrícola. Em 1940, o Serviço de Águas tornou-se Divisão de Águas, em função da promulgação do decreto-lei número 6.402. 13 O Código de Águas dispõe sobre sua classificação e utilização, dando ênfase ao aproveitamento do potencial hidráulico que, na década de 30, representava uma condicionante do progresso industrial que o Brasil buscava (GRANZIERA, 1993, p.48). 40 No entender de Borsoi e Torres (2004, p. 09), esse modelo era ineficiente, pois: A inadequação desse modelo de gestão tinha como conseqüência o agravamento dos conflitos de uso e de proteção das águas e a realimentação do processo de elaboração de novos instrumentos legais para reforçar o esquema legal. Ao final, tinha-se um vasto conjunto de leis e normas, muitas vezes conflitantes e de difícil interpretação. Para Antunes (2004, p.808) essa vasta e conflitante legislação explica-se o fato na medida em que o Código Civil limitava-se a uma regulamentação cujo fundamento básico era o direito de vizinhança e a utilização das águas como bem essencialmente privado e de valor econômico limitado . Ademais, segundo Barbosa (2003, p.08), pode-se ver claramente que: a partir da década de 50 do século XX, a estratégia governamental era implantar a infra-estrutura necessária para a expansão do parque industrial brasileiro, iniciada na região Sudeste do país. Com isso, em 1961, o Departamento Nacional da Produção Mineral foi transferido para o Ministério das Minas e Energia e, com ele, a Divisão de Águas. O arranjo institucional de então acabou transformando a Divisão de Águas no Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica DNAEE, através da Lei 4.904 de 1965. O DNAEE teve sua denominação modificada em 1968, de acordo com decreto lei nº 63.951, em Departamento Nacional de Águas e Energia DNAE. O DNAEE era considerado o órgão de administração direta sobre a água e o setor elétrico e as atribuições governamentais estavam subordinadas, mais diretamente, a esse departamento. Durante essa época de (1968-1980), O setor elétrico centralizava a gerência financeira de compensação de equalização das tarifas de energia elétrica, cujos fundos, em nível nacional, eram significativos. Esta hegemonia administrativa e financeira sobre os recursos hídricos gerou expressivos movimentos em outros setores, principalmente no da irrigação, o que culminou, em 1985, com a criação do Ministério Extraordinário da Irrigação, setor anteriormente localizado no âmbito do Ministério do Interior, e com os Programas PRONI- Programa Nacional de Irrigação e o PROINE - Programa de Irrigação do Nordeste. Este Ministério, através de uma 41 determinação presidencial, reservava para sua administração as concessões de água destinada à irrigação. Isto de um certo modo dificultou a administração dos recursos hídricos, bem como a promoção do uso compartilhado da água, no caso dos rios considerados de domínio da União (BARBOSA, 2003, p.09). Foi a partir dos anos 80 que começaram as discussões em torno dos pontos críticos da gestão dos recursos hídricos na Brasil. Verifica-se que o setor de energia era o único que criava demanda por regulação e, em conseqüência, assumia o papel de gestor dos recursos hídricos, pois detinha todas as informações disponíveis sobre a água. Segundo Borsoi e Torres (2004), em 1984 o DNAEE finalizou o diagnóstico sobre as bacias hidrográficas e foi criado o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Também no início dos anos 80 alguns comitês de bacia, a exemplo do Paranapanema, Paraíba do Sul e Doce, começaram a evoluir. Mas foi a promulgação da Constituição de 1988 que introduziu diversos novos aspectos relativos à gestão das águas e que vêm ao encontro de uma visão mais moderna sobre a administração dos recursos hídricos. Já com relação ao Código de Águas, a nova Constituição modificou muito pouco, sendo que a alteração mais importante foi a extinção do domínio privado da água, previsto, em alguns casos, no referido Código. É importante ressaltar, porém, que a preocupação política com as águas, no Brasil, é recente, e a legislação pertinente ao tema foi desenvolvida praticamente a partir da Constituição Federal de 1988. Porém, a Lei Federal 9.433/97, que se encontra ainda em estágio de implementação e que dispõe sobre os recursos hídricos, criou estrutura e instrumentos de gestão, delegando à sociedade local o poder de decisão sobre a melhor forma de usar e preservar esse valioso recurso. 42 No sentido de tornar as ações ambientais efetivas, será necessário buscar um melhor entendimento das relações complexas existentes em relação à natureza e na relação do homem com a natureza, para se elaborar e pôr em prática uma política ambiental realmente eficaz para o país. Nesse sentido, de buscar essa harmonia, Toledo Machado (1999, p.105), antropóloga do Ministério do Meio Ambiente, preceitua que em nível mundial, a percepção dos problemas ambientais vem se modificando consideravelmente, embora permaneça, ainda, apesar dos indiscutíveis avanços, o contraste entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nas economias altamente industrializadas, os problemas de meio ambiente podem ser associados à poluição, e as políticas ambientais orientam-se no sentido de evitar o agravamento da degradação e a restaurar os padrões de qualidade da água, do ar e do solo. Já nos países em desenvolvimento, a crise ambiental está claramente associada ao esgotamento e degradação dos recursos naturais. O Brasil tem as duas faces, entretanto o lado mais desenvolvido mantém, ainda, uma profunda diferença social, econômica e tecnológica. As questões ambientais vividas hoje expressam esta crise citada pela autora acima, e nos obrigam a refletir sobre a necessidade de transformaçõesque conjuguem a melhoria da qualidade da vida ao respeito à diversidade em seu entendimento amplo, exigindo a participação de todos os segmentos da sociedade para a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), instituída na Lei 9.433/97, cujos fundamentos que a embasam estão estabelecidos no artigo 1º e seus incisos, segundo os seguintes princípios: I- a água é um bem de domínio público; II- a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III- em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV- a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; V- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. 43 Essa nova visão proporcionará uma gestão descentralizada e democrática das águas, envolvendo múltiplos usos e diferentes formas de compartilhamento, uma verdadeira transformação não apenas na gestão das águas, como na própria gestão ambiental. Os objetivos estabelecidos pela Lei nº 9. 433, artigo 2º, são estes: I assegurar à atual e às futuras gerações necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; III a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrente do uso inadequado dos recursos naturais. De fato, nos incisos I e II estão explicitados os princípios do desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos. Também a Constituição Federal Brasileira, em se artigo 225, caput, já inseria a obrigação de se instaurar o desenvolvimento sustentável. E a lei 9.433/97 demarca concretamente a sustentabilidade dos recursos hídricos em três aspectos: disponibilidade de água, utilização racional e utilização integrada (MACHADO, 2002, p.38-39). O principal aspecto que pode ser compreendido destes princípios é que a nova concepção legal busca encerrar com a verdadeira apropriação privada e graciosa dos recursos hídricos. Com efeito, sabemos que a indústria e a agricultura são os grandes usuários dos recursos hídricos. Normalmente, a água é captada, utilizada e devolvida para o seu lugar de origem, sem que aqueles que auferem vantagens e dividendos com a sua utilização paguem qualquer quantia pela atividade. E mais, a recuperação e manutenção das boas condições sanitárias e ambientais dos recursos hídricos, conspurcados pelas diversas atividades econômicas que deles dependem, é um encargo de toda a sociedade que, com seus impostos, subsidiam de forma inaceitável diversa atividades privadas (ANTUNES, 2004, p.823). Torna-se imperioso, dessa forma, reverter essa situação, enquanto a sustentabilidade dos sistemas pode ser recuperada, mantendo o mais integro possível o ciclo das águas na natureza. 44 Para isso, faz-se necessário o uso dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos PNRH, elencados no artigo 5º e seus incisos: I - os planos de recursos hídricos; II- o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; III - a outorga de direitos de uso de recursos hídricos; IV - a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; V - o sistema de informações sobre os recursos hídricos. Os instrumentos constituem meios para atingir determinadas metas prefixadas; no caso, certos padrões ambientais, sendo utilizados paralelamente ou em complemento com outros instrumentos, como, por exemplo; regulamentações legais e acordos com indústrias. A seguir, poder-se-á observar melhor como funcionaram esses instrumentos. a) Os Planos de Recursos Hídricos Os Planos de Recursos Hídricos são os programas adotados para melhor gestão da águas, no espaço geográfico da bacia, também procurando definir a distribuição das vazões entre os usuários da água. Considerando esses aspectos, Antunes (2004, p.825) nos relata que os planos de recursos são planos diretores cujo objetivo é fundamentar e orientar a implantação da política Nacional de Recursos Hídricos PNRH, bem como o gerenciamento dos recursos hídricos. Os Planos de Recursos Hídricos serão elaborados por bacia hidrográfica, por estado e para o país. Eles poderão ser criados em âmbito local, regional e nacional e neles devem estar claramente 45 expressas as metas de racionalização, melhoria da qualidade e de aumento de disponibilidade além das medidas a serem tomadas para o fortalecimento das instituições gestoras: o objetivo de elaborar um plano é ter um documento que apresente orientações, diretrizes, ações e atividades de curto, médio e longo prazo, com horizontes de 5, 10 e 20 anos. Deve apresentar medidas para o fortalecimento das instituições gestoras, explicitar normas e regras para os usuários com vistas a manter sob controle o descompasso entre disponibilidade e demanda (SANTOS, 1999, p.164). A partir do exposto, Domingues e Santos (2003) concluem que a elaboração de planos demanda levantamento e estudos de sistemas físicos e ambientais na base territorial, compreendendo hidrologia, geomorfologia, climatologia, pedologia, ecossistemas relacionados aos recursos hídricos; a infra-estrutura hídrica; os aspectos socio-econômicos (usos e usuários da água e outros relevantes), e os aspectos legais, políticos e institucionais direta ou indiretamente ligados aos recursos hídricos. Um dos elementos-chaves do planejamento de recursos hídrico é a análise prospectiva da evolução da necessidade de água dos diferentes setores de atividade, no quadro do desenvolvimento sócio-econômico nacional e regional, em horizontes temporais relativamente alargados (da ordem de vinte anos), há que se entender quanto a este propósito que o futuro é o resultado de uma complexidade de interações entre algumas variáveis controláveis e muitas não controláveis. Segundo Magalhães (1999), o planejamento de recursos hídricos visa sobretudo obter respostas concretas paras as situações futuras incertas, considerando horizontes temporais relativamente alargados, e não respostas otimizadas para situações futuras pré determinadas. Pretende-se assegurar a disponibilidade de água na quantidade, qualidade e viabilidade requerida pelos diferentes setores de atividades, salvaguardando a conservação da natureza e dos recursos 46 naturais e a proteção dos valores ambientais e patrimoniais, pressupostos da sustentabilidade do desenvolvimento sócio-econômico. É importante ressaltar, porém, que o planejamento de recursos hídricos deve articular as políticas de desenvolvimento sócioeconômico com a política do meio ambiente, consolidando assim o conceito de recurso natural e fator econômico ; atingidos esses objetivos, o Plano de Recursos Hídricos terá se transformado num imprescindível instrumento de gestão democrática, descentralizada e sustentável desses recursos. b) Estabelecimento das Classes de Água O estabelecimento de um sistema de classificação das águas é essencial para se organizar o sistema administrativo destinado a exercer a fiscalização do controle de qualidade das águas interiores. Atualmente, a matéria está regida por resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA. A atividade administrativa do CONAMA dirige-se tanto para a proteção das águas marinhas, quanto para a proteção das águas doces (ANTUNES, 2004). O principal instrumento regulamentar é a resolução do CONAMA nº 20, de 18 de junho de 1986, que estabelece
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