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Disciplina: LITERATURA BRASILEIRA II Conteudista: Luiz Fernando Medeiros de Carvalho e Fabio Marchon Coube Aula 4 - José de Alencar e a Narrativa de Fundação Meta Desenvolver a compreensão em torno da formação do romance na literatura brasileira a partir da obra de José de Alencar Objetivos Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Reconhecer a relevância histórica que levou a formação do romance brasileiro. 2. Compreender a obra de José de Alencar a partir da perspectiva histórica do romantismo. 3. Diferenciar a as diferentes fases na obra de José de Alencar. Introdução A literatura brasileira é marcada em seu cerne por uma vasta discussão acerca de como identificar seu começo. Essa discussão é oriunda, principalmente, quando surgem a primeiras definições teóricas. Dúvidas são lançadas, afinal, qual é o registra época e, ao mesmo tempo, qual é o que define seu fim? Dentro dessa perspectiva, teóricos como Antonio Candido, Alfredo Bosi e Afrânio Coutinho são convocados para uma discussão aprofundada, não para buscar a definição do romance brasileiro, mas, sobretudo o que levou determinado autor a produzir a literatura desse tempo. As novas experiências de escrita que conduziram diversos autores em um mesmo período é que nos aproxima para buscar a obra e seu tempo. Para tanto, a obra de José de Alencar, nos conduz a uma profícua reflexão, seja ela pelo alto grau de relevância em seu tempo, assim como na qualidade estética, capaz de abranger diversas fases do romantismo brasileiro e traçar a preocupação de uma escrita essencialmente comprometida por registro de identidade nacional , ora representando a sociedade burguesa do Rio de janeiro, ora a valorização da temática indígena e regional. Trata-se, portanto, de um de nossos maiores romancistas e sua obra é marcada por um teor crítico capaz de elucidar desde tramas urbano-amorosas até a hipocrisia existente na corte, além de atravessar com exímia perícia lendas e costumes indígenas e regionais. Não é à toa que muitos o consideram o “patriarca” do romantismo brasileiro. 1. O despertar do romantismo no Brasil No livro a História Concisa da Literatura Brasileira, quando Alfredo Bosi propõe dizer sobre as características gerais do romantismo, começa dizendo que o mesmo é complexo demais para ser simplesmente definido. Mas não é por isso que a falta de condições para defini-lo seja desculpa ou premissa para que o gênero não seja representado na crítica literária. (BOSI, 1978. p. 99) Em verdade, Bosi dirá que é na falta de definição que devemos ter um cuidado a mais para não cairmos no reducionismo, uma vez que nessa falta de precisão ao sintetizar os temas do movimento, possivelmente perdemos o rigor para trabalhar com hipóteses de classificação. Logo, em breves passos, algumas posições podem ser lançadas como características gerais, desde que seja feito com cuidado e entendimento de que nem sempre o que foi dito abrange todos os autores e temas proporcionados pelo movimento. Tomando por exemplo, Bosi dirá que: Mas aqui como nos outros ciclos culturais, o todo é algo mais que a soma das partes: é gênese e explicação. O amor e a pátria, a natureza e a religião, o povo e o passado, que afloram tantas vezes na poesia romântica, são conteúdos brutos, espalhados por toda a história das literaturas, e pouco ensinam ao intérprete do texto, a não ser quando postos em situação, tematizados e lidos como estruturas estéticas.” Ora, é a compreensão global do complexo romântico que alcança entender esses vários níveis de abordagem que a análise horizontal dos “assuntos” aterra no mesmo plano. (BOSI, A. 1978, p. 99) Logo, precisamos de uma análise mais restrita para começarmos a situar o romantismo, e portanto, como ele se concretiza na literatura brasileira. Para isso, é importante notarmos que, um recorte histórico da época é capaz de nortear a situação das classes e o sentimento inerente às condições da mesma que repercutiram nos movimentos literários. Há naEuropa um momento de contradição oriundo da revolução Industrial. Por um lado, a burguesia e as práticas de mercado se expandem. Os burgueses se tornam novos proprietários de terras. Além da do poderio econômico, passa a querer gozar também de status sociais, pertencentes até então à nobreza. Essa última, em franco declínio, está entre os vínculos passadistas e a rendição às relações de trabalho. Segundo Bosi, é deveras importante notar a ascensão da burguesia e o declínio da nobreza, pois o cenário econômico, social e político europeu ditou os rumos do que ilustraria o sentimento e as contradições propiciados ao romantismo. Observemos então um breve recorte do cenário europeu vigente nessa época Uma dessas características gerais lançadas por Alfredo Bosi , a partir de sua leitura de Karl Mannheim: Segundo a interpretação de Karl Mannheim, o Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes com as novas estruturas: a nobreza que já caiu, e a pequena burguesia que ainda nãosubiu: de onde, as atitudes saudosistas ou reivindicatórias que pontuam todo movimento (oo).O quadro, vivo e pleno de conseqüências espirituais naInglaterra e na França, então limites do sistema, exibe defasagensmaiores ou menores à medida que se passa do centro àperiferia. As nações eslavas e balcânicas, a Áustria, a Itália centrale meridional, a Espanha, Portugal e, com mais evidência, ascolônias, ainda vivem em um regime dominado pela nobreza fundiáriae pelo alto clero, não obstante os golpes cada vez mais violentosda burguesia ilustrada. (BOSI, S. p. 99) Início de Boxe de curiosidade Figura 4.1: Karl Mannheim Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/c/c7/Karl_Mannheim_1893- 1947.png/220px-Karl_Mannheim_1893-1947.png Nascido na Hungria em 1893, o sociólogo de origem judia Karl Mannheim foi um dos pioneiros dos estudos do conceito de geração, das diferenças de classes, assim como nos estudos sobre os impactos gerados pela desigualdade de gênero ou étnico-racial. Embora boa parte de seu trabalho estivesse próximo à teoria marxista, afastou-se dessa teoria uma vez que não conseguiu enxergar na mesma considerações capazes de representar o melhor para a sociedade. Fim do boxe de curiosidade Início de boxe multimídia Entre a abordagem positivista e o pensamento histórico-romântico, o sociólogo Mannhein opta por esse último, pois seria como uma resposta à linearidade do que poderia ser denominado um fluxo temporal diante da história. Em relação a essa perspectiva e o conceito de geração em Mannheim, podemos observá-los em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922010000200004&script=sci_arttext Fim de boxe multimídia Logo, faz-se importante frisar que o Brasil ainda não correspondia aos acontecimentos sociais e culturais europeus propriamente ditos, uma vez que nesse período vigente (século XIX), ainda estávamos diante do colonialismo que marcava o território brasileiro com os latifúndios e o escravismo. E essa diferença é um dos motivos que impossibilitou, por exemplo, iniciarmos um período do romantismo tal e qual o europeu, assim como há distinções temáticas proporcionadas. Para Antonio Candido, em Iniciação à Literatura Brasileira, por mais que consideremos a Literatura feita no Brasil parte das literaturas do Ocidente da Europa, “com o passar do tempo, foi ficando cada vez mais visível que a nossa é uma literatura modificada pelas condições do Novo Mundo, mas fazendo parte orgânica do conjunto dasliteraturas ocidentais” (CANDIDO, A. 1999, p.10). Nessa perspectiva, o mencionado crítico procura fazer uma distinção da produção literária nos países europeus da produção do Novo Mundo, pois a literatura, como a portuguesa, italiana ou francesa, são constituídas por um lento processo, conforme foram sendo configurados seus idiomas. Essa condição fez com que essas literaturas fossem, paulatinamente, sendo desenvolvidas até chegar a sua maturidade. Diferente das literaturas denominadas ocidentais do Novo Mundo, como por exemplo, a literatura brasileira. Para ilustramos essas considerações, leiamos um trecho do desenvolvimento feito por Candido: Com efeito, no momento da descoberta e durante o processo deconquista e colonização, houve o transplante de línguas e literaturas já maduras para um meio físico diferente, povoado por povos de outrasraças, caracterizados por modelos culturais completamente diferentes,incompatíveis com as formas de expressão do colonizador. No caso do Brasil, os povos autóctones eram primitivos vivendo em culturas rudimentares. Havia, portanto, afastamento máximo entre a cultura do conquistadore a do conquistado, que por isso sofreu um processo brutal de imposição.Este, além de genocida, foi destruidor de formas culturais superioresno caso do México, da América Central e das grandes civilizaçõesandinas.(CANDIDO, A. 1999, p.11-12) A literatura no Brasil seria então marcada pela aceleração do processo de civilização, e a sociedade colonial e abraçou uma literatura que não nasceu de fato aqui, mas sim foi importada pelos portugueses. Esses, também derivam da influência, por exemplo, do Renascimento italiano. Para Candido, “Esta linguagem culta e elevada, nutrida de humanismo e tradição greco-latina, foi o instrumento usado para exprimir a realidade de um mundo desconhecido, selvagem em comparação ao do colonizador” (CANDIDO, A. 1999, p. 12) Foi a partir das imposições culturas importadas que o Brasil teve sua expressão literária situada em um entre-lugar, pois com o passar do tempo, essa foi se adequando a sua realidade, seja ela social ou cultural, como situa RuggeroJacobbi e a condição de terceira imagem de mundo, uma vez que Portugal já seria uma segunda, derivação da imagem da tradição greco-latina: “De certo modo, poderíamos dizer, como umescritor italiano, que a literatura brasileira “é a imagem profunda de ummundo que em vão chamamos terceiro, pois na verdade é a segundaEuropa”.(CANDIDO, A. 1999, p. 12) Início de boxe de multimídia Nascido na Itália em 1920, teatrólogo RuggeroJacobbi migrou para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Enraizando-se em São Paulo durante 14 anos, ajudou a modernizar o teatro brasileiro, exerceu influência em diversos estudos teatrais, desde a produção até a formação da plateia. Além de diretor, seu trabalho como crítico literário também teve grande repercussão. Para uma abordagem mais profícua sobre a contribuição de RuggeroJacobbi no teatro brasileiro, temos no artigo “A contribuição de RuggeroJacobbi para o teatro brasileiro”,de Berenice Raulino uma ótima sugestão de leitura. Disponível em:file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/46-152-1-PB.pdf Fim de boxe multimídia Já no livro O romantismo no Brasil, Candido continuará sua abordagem de maneira mais precisa, demonstrando que o Brasil no começo do século XIX estaria numa situação contraditória, seja no sentido político, como no sentido cultural. Pois sermos dependentes estritamente de um país considerado atrasado para os padrões europeus como Portugal e as classes superiores mostravam que também queria ser “dirigentes”, uma vez que as restrições criadas pelo colonizador não se adequava às necessidades da elite brasileira (CANDIDO, A. 2002, p. 12), Segundo Candido “Os homens cultos, osclérigos, osproprietários sentiam mal-estar no mundofechado que a Metrópole criara, não apenasimpedindo o intercâmbio comercial, mastomando a parte do leão nos produtos dariqueza e estabelecendo condições humilhantespara os naturais do país.”(CANDIDO, A. 2002, p. 12), Boxe de curiosidade Para Antonio Candido, tanto a Inconfidência Mineira, em 1789, quanto a Revolta dos Alfaiates, em 1798, foram resultadas pela indignação que se via na população brasileira diante da condição de colônia de exploração. Seja oriunda das classes abastadas – como na primeira, seja pelas classes subalternas – conforme a segunda, são marcas da situação de insatisfação da população brasileira da época. Figura 4.2. Pintura Resposta de Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/14/Resposta_de_Tiradentes.j pg/250px-Resposta_de_Tiradentes.jpg Figura 4. 3. Bandeira da Conjuração Baiana Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/b/b6/Salvador_Piedade_XIX.jp g/200px-Salvador_Piedade_XIX.jpg Fim do boxe de curiosidade Os escritores brasileiros, oriundos de famílias abastadas, migravam para Recife, São Paulo ou Rio para cursarem universidades e acabavam por desenvolver similaridades com os conflitos ideológicos que emergiam na Europa. É o que podemos notar quando Bosi desenvolve as seguintes exemplificações acerca da produção literária de nossos escritores: Os exemplos mais persuasivos vêm dos melhores escritores.O romance colonial de Alencar e a poesia indianista de GonçalvesDias nascem da aspiração de fundar em um passado mítico anobreza recente do país, assim como - mutatis mutandis – asficções de W. Scott e de Chateaubriand rastreavam na IdadeMédia feudal e cavaleiresca os brasões contrastados por uma burguesiaem ascensão. De resto, Alencar, ainda fazendo "romanceurbano", contrapunha a moral do homem antigo à grosseria dos novos-ricos; e fazendo romance regionalista, a coragem dosertanejo às vilezas do citadino. (BOSI, A. 1978, p. 101) A influência europeia também exercida no romantismo brasileiratambém é observada por Antonio Candido, uma vez que, conforme já mencionado, há certa ligação “orgânica”, conforme desenvolve o crítico, ou seja, apesar de lapsos de uma originalidade que o mesmo diz ser radical. Em alguns de nossos escritores a influência europeia, de certa forma, muda de eixo, antes ainda guiada pelos portugueses através da dependência econômica e cultural, passando para uma independência cultural alavancadapor influência, sobretudo francesa. Segundo o crítico, de autores como Ossian e Chateaubriand “marcaram o indianismo mais do que Basílio da Gama ou Durão, enquanto a poesia religiosa e sentimental seguiu os passos de Lamartine” (CANDIDO, A. 1999, p. 38) Boxe de curiosidade Figura 4.4 Academia Imperial de Belas Artes, fundada em 1816, no Rio de Janeiro Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/ff/MarcFerrez-AIBA- 1891.jpg/250px-MarcFerrez-AIBA-1891.jpg No livro O romantismo no Brasil, Antonio Candido enfatizará a influência francesa no cenário brasileiro, como, por exemplo, perante a fundação da Academia de Belas Artes. Essa passagem do livro ilustra bem essa situação: A partir de 1816, uma importante missão artística contratada na França fundou o que seria depois a Academia de Belas Artes,com os cursos de desenho, pintura,escultura, gravura etc., rompendo a tradição local de fundo barroco e instaurando oNeoclassicismo, que era então uma formapreferencial de modernidade. Pintores comoTaunay e Debret, arquitetos como Grandjeande Montigny, escultores como osIrmãosFerrez deixaram marca profunda na práticaartística acadêmica de todo o nosso séculoXIX. (CANDIDO, A. 2002, p. 12-13) Fim de boxe de curiosidade Dito isso, além das similaridades com as ideologias europeias, há, paulatinamente, uma formação literáriaque seja cada vez mais próxima de realidade e da cultura brasileiras. Pautado por uma dimensão de proporção local ou regional, a busca pela afirmação da diferença vem através da expressão do “eu”. Ou, melhordizendo, a visão de mundo romântica se dá através da subjetividade. E como forma de se expressar diante do mundo, demonstra descontentamentos, assim comouma busca por representações de temas que abrangeriam a identidade nacional como marca subjetiva da diferença. É o que elabora Candido na seguinte passagem: No Romantismo predomina a dimensão mais localista, com o esforçode ser diferente, afirmar a peculiaridade, criar uma expressão novae se possível única, para manifestar a singularidade do país e do Eu. Daí odesenvolvimento da confissão e do pitoresco, bem como a transformaçãodo tema indígena em símbolo nacional, considerado conditio sinequapara definir o caráter brasileiro e portanto legítimo do texto. (CANDIDO, A. 1999, p. 38) Assume-se, no romantismo brasileiro, a temática nacionalista. Logo, os temas locais tiveram grande produtividade no seu despertar. É nessa esteira que a narrativa ficcional exercida na condição de prosa tornou-se mais próspera como representação da verossimilhança, através das experiências que seriam do campo subjetivo, logo, escrita de maneira mais livre e ampliada como, por exemplo, no romance. 2. Romance e Romantismo Em Formação da Literatura Brasileira, o crítico literário Antonio Candido dirá que uma das principais características do Romantismo foi a capacidade de inovação da maneira de se escrever poesia e drama, fazendo com que onovo modelo de escrita fosse propagado de maneira sucessora os clássicos. No entanto, a ficção ainda estaria atrelada á tradição, sobretudo ao pré-romantismo, como ocorreu em países como França, Inglaterra e Alemanha. Isso não quer dizer que o romance do Romantismo não tenha produzido seus efeitos. Em verdade, foi o principal instrumento do homem europeu para expor seus pensamentos. Segundo Candido, “O romance, forma narrativa moderna, surgiu como resposta a necessidades de expressão, da parte do escritor, e a determinadas aspirações, da parte do leitor.”(CANDIDO, 2009, p. 231). Para tanto, é no Romantismo quese encontram as ramificações dessas necessidades de expressão, em geral, ilustradas nos romances produzidos em meados do século XVIII. Essa forma de escrita foi fomentada pelos movimentos revolucionáriosque chacoalharam as estruturas sociais, uma vez que promoveu novas perspectivas de vida, motivadas, por exemplo, a partir da formação do trabalho industrializado, sentimentos de liberdade e reivindicações de direitos. Ilustrada essa situação, no Brasil, o espírito nacional se coaduna com as ruínas do regime colonial, o que fomentou a constituição de uma nação livre, dotada de reconhecer sua posição histórico-política. No entanto, no campo literário, a produção literária se atrasou à essa consciência nacional. Para Candido: (...) isso equivale a dizer que estávamos trabalhados pela atmosfera de reivindicação, de revolta e de anseio de liberdade, na qual crescera e vingara o Romantismo europeu. Esse fato foi perfeitamente sentido e aceito no plano político, mas não foi realizado no plano literário senão tardiamente, quando os nossos escritores, amadurecias as idéias que nos vinham da França, compreenderam o sentido e a significação do Romantismo e o realizaram em suasobras, particularizando-os nacionalmente. Mesmo em poesia, para a qual havia o auxílio de uma tradição artesanal, o nosso Romantismo vingou tarde, inclusive veria publicado o seu livro de estréia, quando dois romances de um dos mais populares da época já circulavam entre leitores. (...) O amadurecimento de nossa consciência nacional fora realizado em ritmo acelerado, no embate dos choques políticos e militares, mas a nossa literatura naturalmente se atrasara, sujeita que estivera ao bacharelismo português, no que tinha de tópico e estéril. (CANDIDO, A. 2009, p. 238-239) A partir dessa seguinte passagem, observa-se que, no nosso Romantismo, as expectativas lançadas ao romance, era de uma representação de conteúdo reivindicador,pois nas sociedade brasileira, a consciência nacional já inflamara em tom de denúncia os resquícios deixados pela herança exploradora de Portugal. É nessa esteira de independente produção intelectual e cultural de Portugal que se inicia a consciência literária, ainda retardatária à consciência política vigente na época. No Brasil, o romance começou a ser trabalhado com maior intensidade a partir dos anos de 1830. No início, era apenas através de traduções de obras europeias, o que contribuiu para enfatizar a influência do Velho Mundo. As tímidas produçõesnarrativas eram apenas em forma de folhetins, ainda com forte tendência melodramática, e segundo Candido “refletiram nas primeiras tentativas feitas aqui, sob a forma de contos e novelas insignificantes” (CANDIDO, 2002, p. 40). No entanto, o surgimento do primeiro romancista brasileiro, Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa, e o Brasil começava a tomar gosto pro ler seus costumes, assim como os lugares e hábitos corriqueiros da sociedade da época. Em 1844, a publicação de A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, cai no gosto popular, e contribuiu para o surgimento de novos romances de gosto popular. Início de boxe de curiosidade Figura 4.5. Martins Pena Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c5/Martins_Pena.jpg Para Antonio Candido, o surgimento do romance está em par com outro grande acontecimento. Trata-se do da produção elaborada por Martins Pena. Vejamos: No decênio de 1840 apareceu o romance, gênero que teve grandeêxito e mostrou excepcional vitalidade. Ao mesmo tempo floresceu o maiorcomediógrafo brasileiro, Martins Pena (1815-1848). Ambos os fatosenriquecem o panorama literário, quebrando pela sua tendência realista osentimentalismo e a idealização romântica, que no entanto se manifestariamtambém no teatro e na narrativa, apesar de terem na poesia a suasede principal. (CANDIDO, A. 1999, p, 40) Nascido em 1815, Martins Pena foi um dramaturgo que introduziu a comédia de costumes no Brasil. Sua obra é marcada pelo tom irônico referente à sociedade brasileira e às instituições. Textos como “As Casadas Solteiras” e “O Noviço” podem ser acessados através do seguinte link: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do? select_action=&co_autor=81 Fim do boxe de curiosidade A partir dessas obras, nota-se que, o romance romântico atinge um novo público leitor, seja através de romances-folhetins, seja com novas publicações voltadas não somente para a elite brasileira. É o que nos relata Bosi, a partir da seguinte passagem: O romance romântico dirige-se a um público mais vasto, que abrange os jovens, as mulheres e muitos semiletrados; essa ampliação na faixa dos leitores não poderia condizer com uma linguagem finamente elaborada nem com veleidades de pensamento crítico: há o fatal "nivelamento por baixo" que sela tôda subcultura nas épocas em que o sistema social divide a priori os homens entre os que podem e os que não podem receber instrução acadêmica. O fato é que o nôvo público menos favorecido busca algum tipo de entretenimentosendo o folhetim o que melhor responde à demanda e melhor se estrutura no seu nível. Hoje fazem-se acurados estudos sôbre a cultura de massa manipulada pela indústria: a história em quadrinhos, a novela de rádio, o show de televisão e a música de consumo têm analistas que vão da psicanálise à sociologia e se encontram na encruzilhada da teoria das comunicações. Nos meados do século passado vigorava o prejuízo aristocrático pelo qual as produções feitas para o gôsto menos letrado caíam fora da cultura, e, como tal, não deveriam ser objeto de estudo e interpretação. Não se impusera ainda a noção de "massa", a não ser em sentido depreciativo, embora já se incorporasse nos discursos liberais o conceito de"povo": tão genérico, que, à falta de uma análise diferencial de classes e grupos, resvalava para a pura retórica. (BOSI, A. 1978, p. 111) Logo, podemos ver no romance romântico, elementos cruciais para o surgimento de um público leitor, e,por conseguinte, uma maior produtividade entre nossos escritores. Para Antonio Candido, “O aparecimento do romance, gêneroadaptado à sensibilidade moderna, foi umverdadeiro acontecimento, pelas perspectivasque abriu.” (CANDIDO, 2002, p. 43) Já a partir de 1850, temos o romantismo um tema consagrado em território nacional. O tema indianista triunfa a partir de Gonçalves Dias, que publica em 1847 Primeiros Cantos, Segundos Cantos, em 1948, e Últimos Cantos, em 1851. Em 1857, há a publicação dessa tríade em único volume, após revisão. Também há de se destacar José de Alencar,que publicou sob forma de romance em folhetim O guarani, em 1857, lido e aclamado pelo público brasileiro. É nessa sucessão de acontecimento que podemos atribuir uma intensificação da produção novelística no Brasil. Segundo Candido, no capítulo “Novas experiências” de Formação da Literatura Brasileira, isso se deve, sobretudo, ao trabalho de José de Alencar. Junto de Bernardo de Guimarães e Joaquim Manuel Macedo, são os principais romancistas dessa época. Referindo-se a Alencar, Candido dirá que “foi ele quem conferiu prestígio à ficção, dando-lhe por assim dizer posição social e, como pano de fundo, a vida burguesa do Rio de Janeiro”. (CANDIDO, A. 2009, p. 527) O crítico literário Afrânio Coutinho, propõe certa paridade entre as obras de Alencar e Gonçalves dias. O primeiro,está em importância para a prosa romântica,assim como o segundo para a poesia. Para Coutinho, uma das principais características de Alencar foi a dedicação em tempo integral a sua obra. Segundo o crítico, Alencar era um “romancista por vocação, não apenas reflexo do meio ambiente. Jamais escreveu por motivos subalternos, e podia ter abandonado os planos literários quando alcançou nomeada como homem público, mas continuou fiel à voz interior”. (COUTINHO, 1997, p. 89) 3. As três fases de José de Alencar Figura 4.6 Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/80/Jos %C3%A9_de_Alencar.jpg/200px-Jos%C3%A9_de_Alencar.jpg Sem dúvidas, um livro crucial para o estudo da formação da literatura brasileira foi escrito por Antonio Candido em 1959. Trata-se do Formação da literatura Brasileira: momentos decisivos.Candido observara como ninguém até então que, para se pensar na formação, era necessário notar que havia também algumas manifestações literárias de concepções neoclássicas. Porém, em uma concepção romântica, há de se fazer uma distinção. Segundo o teórico literário, a definição de literatura passa por características comuns a o que ele chama de fase. Seria para ele “características internas (língua, temas, imagens), certos elementos da natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização.” (p.23) Nesse sentido, Candido buscou trabalhar em sua obra desde manifestações literárias até o que configuraria a literatura como sistema. Com exímia habilidade, a partir do capítulo “Novas experiências”, contribuiu para destrinchar os principais autores do romantismo no certame nacional. É nessa esteira que o crítico elabora um capítulo especialmente para José de Alencar. Não somente para, um, mais para “Os três Alencares” devido as múltiplas facetas de sua obra no que tange as diversas fases do romantismo brasileiro. Inicia-se a discussão a partir do desejo que envolveu Alencar em escrever romances. Leitor de Chateaubriand, Dumas, Vigny, Hugo e Balzac, sentia nos franceses escritores de obras consideradas poemas da “vida real” (CANDIDO, A. 2009, p. 536). A partir dessa bagagem, ao viajar para o Ceará, teria considerado essa experiência o “broto” de Guarani e Iracema, duas de suas principais obras. A construção narrativa através de folhetim é a fórmula utilizada para a produção de seu primeiro trabalho, Cinco Minutos. No ritmo dos folhetins, sai sua segunda obra, O Guarani, também em 1857. Boxe de curiosidade Figura 4.7A primeira edição de O Guarani. Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2f/Oguarani.jpg Publicado primeiramente em formato de folhetim, O Guarani recebeu diversas outras edições, além de também ter sido imortalizado na adaptação em Ópera por Carlos Gomes, em 1870. A história de Peri e Ceci também teve adaptações fílmicas, como em 1979, em filme homônimo dirigido por Fauzi Mansur e em diversas histórias em quadrinho. Fim do boxe de curiosidade Início de boxe multimídia As obras de José de Alencar se encontram em domínio público e podem ser acessadas através do seguinte link: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do? select_action=&co_autor=71 Fim do boxe multimídia Após certo tempo se dedicando ao teatro, se decepciona com as críticas e retornar a composição de romance com Lucíola, de 1862, e chega no auge de uma prosa poética em Iracema, de 1865, segundo Candido, uma das mais perfeitas obras na ficção romântica (CANDIDO, A. 2009, p. 536). Senhora, em 1875, O tronco do Ipê, assim como Ubirajara, de 1874, são apenas algumas de suas principais obras, cujo número exato consta de vinte um romances. Em um olhar crítico, Candido aponta pra a seguinte consideração acerca da obra de José de Alencar: Desses vinte e um romances, nenhum é péssimo, todos merecem leitura e, na maioria, permanecem vivos, apesar da mudança dos padrões de gosto a partir do Naturalismo. Dentre eles, três podem ser relidos à vontade e o seu valor tenderá certamente a crescer para o leitor, à medida que a crítica souber analisar a sua força criadora: Lucíola, Iracema e Senhora. Há outros que constituem uma boa segunda linha, como O Guarani. Mais do que isso não convém dizer, porque a variedade da obra de Alencar é de natureza a dificultar a comparação dos livros uns com os outros. Basta com efeito atentar para a sua glória junto aos leitores – certamente a mais sólida de nossa literatura— para nos certificarmos de que há, pelo menos dois Alencares em que se desdobrou nesses noventa anos de admiração: o Alencar dos rapazes, heróico, altissonante; o Alencar das mocinhas, gracioso, às vezes pilantra, outras quase trágico. (CANDIDO, A. 2009, p. 537) O heroísmo e a galanteria é característica notável em muitos de seus personagens, como Peri, Ubirajara, e Estácio Correia. O desejo ideal de heroísmo vem decorrente do anseio pela liberdade, assim como inspirações em torno da sensibilidade brasileira em torno índio como ideal representação do herói em cenas cotidianas de um país mestiço e de raça histórica(CANDIDO, A. 2009, p. 538) É comose constitui Peri diante de Ceci, como podemos ver na seguinte passagem: Peri lançava-se como um raio, e antes que tivesse tempo de contê-lo, passava entre uma nuvem de flechas, chegava à beira da esplanada, e com um tiro de sua clavina abatia o Aimoré que assustara sua senhora, antes que ele tivesse tempo de soltar um segundo grito.” (ALENCAR, J. O Guarani, p. 170) Um segundo Alencar é marcado pela construção de personagens femininos eximiamente bons, mulheres castas e que beiram a perfeição, castas, e a trama pode ter como intervenção uma desavença amorosa na relação entre namorados, como Candido nota, com a tuberculose em Cinco Minutos. Vejamos uma passagem que ilustra esse cenário: Ao sair de um desses bailes, apanhei uma pequena constipação, de que não fiz caso. Minha mãe teimava que eu estava doente, e eu achava- me apenas um pouco pálida e sentia às vezes um ligeiro calafrio, que eu curava, sentando-me ao piano e tocando alguma música debravura.Um dia, porém, achei-me mais abatida; tinha as mãos e os lábios ardentes, a respiração era difícil, e ao menor esforço umedecia- se-me a pele com uma transpiração que me parecia gelada. (ALENCAR, Cinco minutos, p. 14) Nesse caso, como em Diva, A pata da gazela, e Sonhos d´ouro, a energia narrativa tem como foco a figura da mulher. Geralmente, quando o homem é o foco, geralmente, não há apelo de final feliz, como acontece, segundo Candido, em O Guarani e a palmeira que some sem deixar nenhum rastro, ou em O sertanejo, que continua em uma dama inacessível (CANDIDO, A. 2009, p. 539) Nessa segunda fase, o desejo tem elegância e representa a mulher burguesa, também notável como romance “de salão”, conforme reinava no século XIX (CANDIDO, A. 2009, p. 540) O terceiro Alencar seria oriundo de temas profundos, considerados para “adultos”, cuja série de elementos pouco heroicos ou pouco elegantes, como em Lucíola e Senhora. Candido dirá que são “traços atrevidos”, como uma “orgia vermelha” em Lucíola. Para exemplificarmos, vejamos a seguinte passagem no referido livro: Tal é a força mística do pudor, que o homem o mais ousado, desde que tem no coração oinstinto da delicadeza, não se anima a amarrotar bruscamente esse véu sutil que resguarda a fraqueza da mulher. Se a resistência irrita-lhe o desejo, o enleio casto, a leve rubescência que vestea beleza como de um santo esplendor, influem mágico respeito. Isto, quando se ama; quando a atração irresistível da alma emudece o escrúpulos e as suscetibilidades. O que não será pois quando apenas um desejo ou um capricho passageiro nos excita? Então, ousar é mais do que uma ofensa; é um insulto cruel. (ALENCAR, J.,p. 7) Mas eu tinha corrido toda a casa, notando essa transformação repentina, sem descobrir aautora; já estava inquieto quando pela janela da sala de jantar, a vi na cozinha, e num estado que só tanta beleza e graça podia salvar do ridículo. Figure uma moça vestida de ricas sedas, com asmangas enroladas e a saia arregaçada e atada em nó sobre o meio da crinolina; com uma toalha passada pelo pescoço à guisa de avental; vermelha pelo calor e reflexo do fogo, batendo gemas de ovos para fazer não sei que doce. Repito: era preciso ter a faceirice e gentileza daquela mulher, para nessa posição e no meio da moldura de paredes enfumaçadas, obrigar que a admirassem ainda. (ALENCAR, J.,p. 82) Conclusão As referidas passagens sobre as fases de Alencar,ora representando o heroísmo e a galanteria em romance cujo foco está em torno do homem e o ideal de liberdade, assim como nos romances voltados para a figura pura feminina, cuja implicação na obra geralmente não dá tom final à história, preenchem a terceira fase, com tons adultos e focados em elementos pouco nobres ou heróicos. Essas fases dos “Alencares” são marcas indeléveis do vigor que sua obra propõe no cenário do romance romântico brasileiro, assim como “a percepção complexa do mal, do anormal, ou do recalque, como obstáculos à perfeição e como elemento permanente na conduta humana. (CANDIDO, A. 2009, p. 545). Suas múltiplas fases completam um nas outras, compondo uma obra consistente capaz de abranger as mais diversas representações da identidade nacional da sociedade brasileira de sua época. E como um clínico anacronismo, sua obra tem força de representação até os dias atuais. Atividade Final 1. Na primeira parte, intitulada “O despertar do Romantismo no Brasil”, o crítico Antonio Bosi desenvolve que devemos ter cuidado para não cairmos em um reducionismo ao classificar o Romantismo. Cite o porquê da seguinte afirmativa. (mínino de 8 linhas) 2. Na segunda parte, intitulada “Romance e romantismo”, há no romantismo brasileiro, primeiramente uma herança portuguesa, e conseguinte, uma herança francesa. Disserte sobre quais foram as diferenças entre ambas para a constituição do romance no Brasil (mínino de 8 linhas) 3. Na terceira parte, há uma discussão acerca das três fases de José de Alencar. Elabore-as e fazendo referência a, pelo menos,uma obra de cada fase. (mínino de 8 linhas) Referências Bibliográficas ALENCAR, J. Obra completa. Ministério da Cultura: Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em:http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do? select_action=&co_autor=71 BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 2ª Edição. São Paulo: Editora Cultrix, 1978. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. São Paulo: Ouro sobre o azul, 2009. _________________Iniciação à literatura brasileira: resumo para principiantes. São Paulo :Humanitas/ FFLCH/USP, 1999. _________________O romantismo no Brasil. São Paulo :Humanitas /FFLCH / SP, 2002. COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil: era romântica. VOl. 3. Rio de Janeiro, Global Editora, 1997.
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