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DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA II Conteudista: Fabio Marchon Coube e Luiz Fernando Medeiros de Carvalho Aula 8 - Modernismo e antropofagia: o hibridismo cultural em Oswald de Andrade Meta Apresentar o modernismo promovido pela poética de Oswald de Andrade através de uma discussão histórica sobre o tema em questão. Objetivos Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. Identificar a influência da vida e da obra de Oswald de Andrade; 2. Reconhecer a importância do Modernismo para a literatura brasileira; 3. Elucidar uma abordagem crítica sobre a Semana de Arte Moderna de 22; 4. Desenvolver o conhecimento através da obra poética de Oswald de Andrade no modernismo. Introdução A poesia existe nos fatos. Essa seria uma das principais condições para que o poema despertasse na mente do poeta e caminhasse até a folha de papel. O modernismo, enquanto movimento cultural provoca um distanciamento do que até então já havia sido elaborado, seja nas artes plásticas, na literatura, na música, etc, e se interessa, sobretudo, por examinar de maneira exímia os acontecimentos de sua época. Marca-se nesse ocorrido, uma sucessão literária, uma vez que os movimentos anteriores não davam conta de ter uma significação que contemplasse as questões da atualidade. Isso não quer dizer que haveria total oposição ao passado. Apesar de se ater muitas vezes aos fatos, o movimento cultural denominado “modernismo” envolve uma forma mais ampla de lidar com seus antecessores e, ao mesmo tempo, projetar-se ao novo. No entanto, como uma devoração crítica e manifesto acerca dos acontecimentos de sua época, a poesia de Oswald é considerada a mais radical, seja em sua estrutura ou em sua linguagem. É a partir dessa radicalidade que temos uma das poesias 1 mais engajadas com o que denomina modernismo na literatura brasileira. 8.1. Vida, obra e o esboço do modernismo Figura 8.1: Retrato de Oswald de Andrade. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8c/Oswald_de_andrade_1920.jpg Nascido em 1890, o poeta Oswald de Andrade presenciou desde cedo as diversas modificações que se sucederam em São Paulo, sua cidade-natal. Foi nesse período, por exemplo, que o processo de industrialização se fez presente como nunca antes, transformando a cidade em um canteiro de obras. O poeta viu salas de cinemas sendo abertas para o deleite do público, carente de novidades oriundas da Europa. O bonde 2 elétrico costurou diversos cantos da cidade, permitindo que o cidadão pudesse ir e voltar ao centro em questão de horas. E com o passar do tempo, a viagem começou a ser feita em minutos. A viagem é assunto de seu primeiro trabalho, publicado Diário Popular. Após ingressar na faculdade de Direito, começa a trabalhar como jornalista aos 19 anos, e publica dois artigos intitulados “Penando – De São Paulo a Curitiba”, narrando a viagem do presidente Afonso Pena, ao estado do Paraná. Figura 8.2.: Retrato de Filippo Tommaso Marinetti, autor do Manifesto Futurista. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dd/Manifesto_of_Futurism.jpg Em sua viagem a Europa, Andrade traz consigo ideais do movimento futurista, como por exemplo, o Manifesto Futurista de Marinetti. A desvalorização da tradição – ainda presa aos resquícios da erudição e da forma –, a composição em fragmentos e a influência do desenvolvimento industrial ilustram o pano de fundo que permeia o poeta. O manifesto, datado de 1909, foi publicado no jornal Le Figaro, com objetivo de defender uma produção capaz de destruir a arte feita no passado, aliada ao culto da tecnologia e do dinamismo contemporâneo. Faz-se necessário, a partir do manifesto futurista, registrar o impacto 3 proporcionado pelos acontecimentos do cotidiano, e para isso, observa-se o movimento inerente a máquinas e automóveis como composições capazes de influenciar o ritmo da arte. Oswald se espantava com o cenário da poesia brasileira, pois não havia uma produção capaz de dar conta das modificações implementadas pelos avanços tecnológicos e pelo movimentado ritmo industrial. Mais do que isso, havia uma calmaria cultural, não condizente com o que estava em vigor na Europa, como procurou retratar a partir do Manifesto Futurista. Início do Boxe de Curiosidade O Manifesto Futurista inicia com o almejo de cantar o amor ao perigo, à coragem revolucionária que, segundo Marinetti, era essencial à produção poética. É justamente por perceber certa “imobilidade” da literatura de sua época que o autor se engaja no despertar de um pensamento intrépido, militante e que interaja com seu tempo. Segundo Marinetti: “Nós cantaremos as grandes multidões excitadas pelo trabalho, pelo prazer, e pelo tumulto; nós cantaremos a canção das marés de revolução, multicoloridas e polifónicas nas modernas capitais; nós cantaremos o vibrante fervor noturno de arsenais e estaleiros em chamas com violentas luas elétricas; estações de trem cobiçosas que devoram serpentes emplumadas de fumaça; fábricas pendem em nuvens por linhas tortas de suas fumaças; pontes que transpõem rios, como ginastas gigantes, lampejando no sol com um brilho de facas; navios a vapor aventureiros que fungam o horizonte; locomotivas de peito largo cujas rodas atravessam os trilhos como o casco de enormes cavalos de aço freados por tubulações; e o vôo macio de aviões cujos propulsores tagarelam no vento como faixas e parecem aplaudir como um público entusiasmado.” MARINETTI, 1909. Disponível em: http://www.espiral.fau.usp.br/arquivos-artecultura-20/1909-Marinetti- manifestofuturista.pdf Fim do Boxe de Curiosidade 4 Um pouco antes de sua viagem a Europa, a partir de 1911, Oswald começa a fazer viagens constantes ao Rio de Janeiro. O poeta começa a freqüentar a boemia carioca, lançando O Pirralho, seminário que atua sob pseudônimo Annibale Scipione. Após viagem a Europa, onde trabalhou como correspondente do Correio da Manhã, o poeta inicia os primeiros esboços de sua obra poética. Ao continuar com sua vida social ativa, interage com escritores e artistas, escrevendo as primeiras defesas da arte nacional, como no artigo “Em prol de uma pintura nacional”, e peças de Teatro, como a Mon coeur balance, em parceria com Guilherme de Almeida. Início do Boxe de Curiosidade Figura 8.3.: Capa da revista Klaxon de agosto de 1922. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/46/Klaxon_n._3.jpg A influente Revista Klaxon reproduz em seu próprio nome o namoro dos modernistas com o processo de industrialização. “Klaxon” é um termo derivado da buzina dos automóveis, conforme influência do manifesto futurista. Contribuíram para a Revista Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Sérgio Buarque de Holanda, Tarsila do Amaral e Graça Aranha. Ao todo, foram produzidas nove edições entre 22 e 23. 5 Fim do Boxe de Curiosidade Em 1916, Oswald de Andrade publica trechos de seu livro Memórias Sentimentais de João Miramar em O pirralho, demonstrando profícuo talento em sua atividade jornalística. É graças a seu ótimo desempenho que o faz assumir, no mesmo ano, a função de redator do Jornal do Commercio. Início de Boxe explicativo O romance fragmentado Memórias Sentimentais de João Miramar, embora iniciado em 1916, foi publicado em 1924. No livro há 163 fragmentos e tem João Miramar como personagem principal, ao revelar suas memórias. O homem das letras narra sua história desde a infância, passando pela viagem a Europa e o retorno ao Brasil. Aobra é marcada pelo uso coloquial da linguagem, pelo nacionalismo e pela capacidade de síntese em instantes descritivos. O desfecho enigmático é apenas mais uma parte desse ser em fragmentos: “O meu livro lembrou-lhe Virgílio, apenas um pouco mais nervoso no estilo” (ANDRADE, Oswald. Memórias Sentimentais de João Miramar & Serafim Ponte Grande. São Paulo: Civilização Brasileira, 1973, p. 94) Fim de Boxe explicativo A partir disso, começa uma amizade com Mário de Andrade. Nesse cenário entre jornais e amizades com músicos, escritores e artistas, Oswald elabora um texto crucial para a concretização do Modernismo no Brasil, intitulado “A exposição Anita Mafaltti”, em 1918. O texto em questão soa como manifesto em defesa do trabalho elaborado por Malfatti na Exposição de Pintura Moderna, realizada em São Paulo, entre dezembro de 1917 e janeiro de 1918. Início do Boxe multimídia 6 Composta por 53 trabalhos, entre elas Tropical (1917), O japonês (1915), O Barco, O homem amarelo (1915), A mulher de Cabelos Verdes (1915), entre outras figuras, paisagens, caricaturas e desenhos, essa exposição gerou forte polêmica para os padrões da época, justamente por se aproximar do aspecto expressionista, pouco conhecido aqui no Brasil. Para maior esclarecimento dessa exposição e sua relação com o modernismo, acesse o link intitulado Viajando pelo Modernismo – Aspectos da cultura brasileira: https://www.youtube.com/watch?v=pO4t9UmF2us Fim do boxe Multimídia Até então, tínhamos apenas o texto de Monteiro Lobato, feito no final de 1917, chamado Paranoia ou mistificação, publicado como “A propósito da Exposição Malfatti” no O Estado de São Paulo, distinguindo os artistas em dois grupos. O primeiro seria dotado da arte pura, capaz de produzir algo em ritmo da vida, de concretizar as emoções estéticas, logo, fazendo-se notar como um grande mestre. É nessa esteira que coloca Praxíteles da Grécia, Rafael da Itália, Rodin da França, Rembrandt da Holanda, e alguns outros. Início do Boxe de curiosidade O site do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo reproduz na íntegra o texto escrito por Monteiro Lobato, através do seguinte link: http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/educativo/paranoia.html Fim do Boxe de curiosidade No entanto, no segundo grupo teríamos artistas que veriam com “anormalidade” a natureza, e para Lobato, estariam similares a um estrabismo oriundo de escolas rebeldes. Essas escolas proporcionariam um brilho instantâneo, mas logo estariam na beira do esquecimento, uma vez que nada contribuiriam para a arte além do excesso, cansaço e sadismo. Malfatti, apesar de talento, para Lobato, teria uma obra em má direção. 7 Não obstante, Lobato provoca também o que está sendo produzido no campo da poesia, surgidas como “furúnculos desta ordem”, vindo de algo similar a uma espécie de cegueira. Essa condição na poesia, como algo que proveniente de uma falta de percepção ou ofuscamento das coisas seria nada mais nada menos que, segundo Lobato, a arte moderna. Oswald então toma partido em defesa de Anita e da arte moderna, e a propósito da exposição de Anita, enumera o arrojo e a capacidade de expor algo tão moderno. E justamente por isso é que o trabalho ficaria suscetível a inúmeras críticas. Para Oswald, “um pouco de reflexão desfaria, sem dúvida, as mais severas atitudes. Na arte, a realidade na ilusão é o que todos procuram. E os naturalistas mais perfeitos são os que melhor conseguem iludir.” (ANDRADE, 1976, p. 135) Sobre Malfatti, o poeta paulista não se faz comedido e demonstra como o artista é um ser que não se pode definir apenas pela cópia de modelos já feitos no passado. Aliás, o artista deve também estar em relação há seu tempo, entre erros e acertos, propor algo relevante à época, conforme encontra na exposição da artista: “Anita Malfatti é um temperamento nervoso e uma intelectualidade apurada, a serviço de seu século. A ilusão que ela constrói é particularmente comovida, é individual e forte e carrega consigo as próprias virtudes e os próprios defeitos da artista” (ANDRADE, 1976, p. 135). Andrade encerra a discussão ainda procurando rebater os críticos mal-intencionados, os mesmo tempo em que não tiraram proveito da exímia qualidade da arte moderna produzida pela artista. Segundo Andrade, “A distinta artista conseguiu, para o meio, um bom proveito, agitou-o, tirou-o da sua tradicional lerdeza de comentários e a nós deu uma das mais profundas impressões de boa arte” (ANDRADE, 1976, p. 135). Estava iniciada a discussão e a militância de Oswald acerca do modernismo que estava por se formar, tendo seu alicerce na defesa da Exposição de Anita Malfatti, e cada vez mais próximo da radicalidade moderna produzida em forma de poesia. A contínua vida boêmia e a produtiva atividade intelectual inserem Oswald na companhia de inúmeros artistas e escritores. Cada vez mais, procura adeptos do modernismo, formando com Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia, 8 o “grupo dos cinco”. O grupo, na companhia de Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti, entre outros, estavam próximos de elaborar um dos maiores marcos culturais da história brasileira, denominada Semana da Arte Moderna de 22. Atividade 1 – Atende ao Objetivo 1: Durante uma de suas viagens a Europa, o poeta Oswald de Andrade traz em sua bagagem um texto que iria influenciar boa parte da Geração de 22? Que texto é esse e do que se trata? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Resposta comentada O Manifesto Futurista, produzido por Filippo Tommaso Marinetti em 1909, foi trazido ao Brasil por Oswald de Andrade, em 1912. Nesse manifesto, há diversas contribuições capazes de influenciar a arte moderna, tais como o espírito de rebelião e liberdade como essência da produção poética, a ruptura com a calmaria poética oriunda da produção ou reprodução do passado. A valorização da velocidade e do processo de industrialização inerente às cidades. Quando retorna ao Brasil, Oswald contempla muito desses ideais, como o desejo de registrar a transformação da cidade sob a ótica de quem presencia o processo de industrialização e modernização de São Paulo. É o que podemos ver, por exemplo, no poema Aperitivo: “A felicidade anda a pé/ Na Praça Antônio Prado/ São 10 horas azuis /O café vai alto como a manhã de arranha-céus/ Cigarros Tietê /Automóveis/ A cidade sem mitos” (ANDRADE, 2003, p. 169). 8.2. O impacto do Modernismo na Literatura Brasileira 9 Figura 8.4.: Abaporu, de Tarsila do Amaral. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/b/bd/Abaporu.jpg Uma das principais características do modernismo brasileiro foi a ruptura de concepções estéticas anteriores, como o romantismo e o realismo e, sobretudo, o parnasianismo. Para isso, deram voz cada vez mais ao verso livre, e deixaram de lado o desfecho triunfal de um poema, em nome a propósito da liberdade necessária ao projeto moderno. Valorizavam-se novas elaborações artísticas que retratassem problemas vivenciados no contemporâneo. O modernismo exercido no Brasil carregou consigo a influência do Futurismode Marinetti e registrou a industrialização da cidade, a ruptura as artes passadas e o engajamento em prol dos acontecimentos do cotidiano. Mas nem todos foram receptivos a essa aproximação. A prova disso é o polêmico artigo de Oswald, lançado em maio de 1921, cujo título era “O meu poeta futurista”. Tratava-se de uma leitura dos poemas de Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade, que não gostou da alcunha “futurista”, pois poderia carregar um sentido negativo à sua obra. À prova disso, Mário o responde com o artigo “Futurista?”. Isso não 10 impediu a amizade entre eles, embora ambos são marcados nesse período pelas divergências. Para situamo-nos melhor sobre o período histórico vivenciado pelos poetas, faz-se importante mencionar o que alguns teóricos escreveram sobre essa época. Segundo Nunes, a história do modernismo brasileiro tem apenas o começo do seu traçado já elaborado, pois é necessário notar que há ainda diversas relações desse movimento com as vanguardas literárias e artísticas europeias. Isso significa que não foi apenas o futurismo de Marinetti que influenciou o modernismo brasileiro, mas sim um verdadeiro leque de manifestações. No entanto, para Nunes “raramente se alude porém ao interesse especial do grupo de 22 pela estética do Cubismo, a que se acharam ligados os nome de Apollinaire, Mx Jacob, Blaise Cendrars, Jean Cocteau, Pierre Reverdy e Paul Dermée.” (NUNES, 2004, p. 316) Início do Boxe de Curiosidade Figura 8.5.: Retrato de Blaise Cendrars, por Amedeo Modigliani. 11 Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/07/Amedeo_Modigliani_035.jpg /640px-Amedeo_Modigliani_035.jpg O poeta e novelista suíço Blaise Cendrars foi uma influência deveras importante para modernismo brasileiro. Em verdade, não apenas foi influência, mas também foi influenciado, sobretudo pela obra de Oswald de Andrade. Oswald trava profícua amizade com o poeta, primeiro conhecendo-o na França em 1923, depois recebendo o suíço no Brasil em 24. Segundo Haroldo de Campos, “quando Oswald assegura que sua poesia coincidia com a de Cendrars, está revelando o influxo que dela recebera” (CAMPOS, H. 2003, p. 45). Para maiores detalhes sobre a amizade e a produção poética entre os dois poetas, ver: CAMPOS, Haroldo de. “Uma poética da radicalidade”. IN: ANDRADE, Oswald. Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003. Fim do Boxe de Curiosidade Segundo Antonio Candido, em seu livro intitulado Literatura e Sociedade, podemos observar dois momentos considerados decisivos no que tange à literatura brasileira. Vejamos: Na literatura brasileira há dois momentos decisivos que mudam os rumos e vitalizam toda a inteligência: o Romantismo, no século XIX (1836-1870), e o ainda chamado Modernismo, no presente século (1922-1945). Ambos representam fases culminantes de particularismo literário na dialética do local e do cosmopolita; ambos se inspiram, não obstante, no exemplo europeu. Mas, enquanto o primeiro procura superar a influência portuguesa e afirmar contra ela a peculiaridade literária do Brasil, o segundo já desconhece Portugal, pura e simplesmente: o diálogo perdera o mordente e não ia além da conversa de salão. Um fato capital se torna deste modo claro na história da nossa cultura; a velha mãe pátria deixara de existir para nós como termo a ser enfrentado e superado. O particularismo se afirma agora contra todo academismo, inclusive o de casa, que se consolidara no primeiro quartel do século XX, quando chegaram ao máximo o amaciamento do diálogo e a consequente atenuação da rebeldia. (CANDIDO, 2006, p. 119-120) 12 Torna-se interessante notar a diferença entre os propósitos entre o Romantismo e o Modernismo, e, sobretudo, perceber o impacto que o modernismo exerceu na literatura brasileira. Entre 1880 até 1920, ainda era possível ver traços literários pertencentes a uma busca por uma correção gramatical, a retomada de conceitos ou termos clássicos ou rebuscamento na escrita. Isso era graças ao padrão de inteligência moldado pelos aristocráticos brasileiros. Era o que estava em voga na capital, Rio de Janeiro. Esse cenário pouco ajudou na discussão da língua portuguesa escrita e falada. Em verdade, foi criado um abismo entre a fala popular e a escrita erudita, essa última, favorecendo os desejos da elite aristocrata. Segundo Candido, agora em Iniciação à Literatura Brasileira, o entrave causado por esse “hiato” existente entre a língua falada e a língua escrita foi um alicerce capaz de estimular uma reação, o almejo modificador e transformador como característica do modernismo a partir de 22 (CANDIDO, 1999, p. 61-62). A poesia de Oswald é uma das pioneiras a fazer essa provocação, justamente quando resgata a língua falada pelos populares e faz dela o objeto de sua escrita, como podemos ver em “pronominais”: pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro 13 (ANDRADE, 2003, p. 167) O poeta joga com o abismo entre a linguagem coloquial e a gramática normativa, através da inversão da ordem do pronome no primeiro e no último verso do poema. Há também menção aos imigrantes europeus, de fala mais erudita, muitos próximos aos ideais de esquerda, como os socialistas e anarquistas italianos, de cultura mais clássica. “Deixar disso”, ou seja, falar como as pessoas populares, significaria romper com a estrutura oligárquica e patriarcal brasileira. É o que podemos notar também no poema “relicário”: relicário No baile da Corte Foi o Conde d’Eu quem disse Pra Dona Benvinda Que farinha de Suruí Pinga de Parati Fumo de Baependi É comê bebê pitá e caí (ANDRADE, 2003, p. 127) Oswald começa o poema com descrições eruditas. A linguagem popular transita no interior do poema. No final, rompe-se com a transitividade do verbo, passando por aspectos morfológicos, sintáticos, fonéticos da língua. A cultura popular não se elitiza para ser aceita. O desfecho é composto com versos harmônicos, sem subordinação. Já em “medo da senhora”, Andrade elabora um aspecto comum à fala. A aceitação da voz passiva de um verbo transitivo indireto como gesto comum aos falantes da língua portuguesa. Vejamos medo da senhora 14 A escrava pegou a filhinha nascida Nas costas E se atirou no Paraíba Para que a criança não fosse judiada (ANDRADE, 2003, p. 126) Nota-se que o erro sintático é propositalmente inserido na poesia como forma de romper com os preconceitos linguísticos existentes no Brasil, como resquício do Brasil-colonial. Nesse processo de composição, demonstram-se também aspectos e hábitos corriqueiros nesse período, como o filho de uma escrava supostamente feito com o senhor das terras, alvo de ira da senhora. Ao lançá-lo no Paraíba, há perspectivas de salvação e de liberdade ante aos maus-tratos. Logo, ela não seria judiada. É nesse esteira que Candido alega que “os modernistas valorizaram na poesia os temas quotidianos tratados com prosaísmo e quebraram a hierarquia dos vocábulos, adotando as expressões coloquiais mais singelas, mesmo vulgares, para desqualificar a solenidade ou a elegância afetada.” .(CANDIDO, 1999, p. 70) Em “o gramático”, Oswald continua com o processo de escrever sem dar ao título uma letra maiúscula, e mais uma vez provoca a distorção entre existente na fala popular:o gramático Os negros discutiam Que o cavalo sipantou Mas o que mais sabia Disse que era Sinpantarrou (ANDRADE, 2003, p. 125) Quem mais sabe pode ser o que menos sabe, uma vez que o saber torna-se relativo aos 15 olhos de quem vê. A sabedoria da gramática cai por terra se não tiver efetividade e aproximação com a língua falada. A própria sociedade é capaz de mudar a significação de uma palavra, e a língua passa a ser então meio para que a sociedade se expresse. Essa rebeldia de Oswald de Andrade pode ser compreendida nos dias atuais com maior facilidade, mas sua reação à época gerou profundos conflitos com o que havia sido produzido anterior ao modernismo. Para Candido, os poetas do modernismo “combateram a mania gramatical e pregaram o uso da língua segundo as características diferenciais do Brasil, incorporando o vocabulário e a sintaxe irregular de um país onde as raças e as culturas se misturam.” (CANDIDO, 1999, p. 70) Logo, podemos ver que o modernismo desenvolvido por Oswald é também uma repaginação da representação da cultura brasileira, com a elaboração de textos capazes de propor uma aproximação do brasileiro mais simples à literatura. Segundo Candido: O Modernismo não foi apenas um movimento literário, mas, como tinha sido o Romantismo, um movimento cultural e social de âmbito bastante largo, que promoveu a reavaliação da cultura brasileira, inclusive porque coincidiu com outros fatos importantes no terreno político e artístico, dando a impressão de que na altura do Centenário da Independência (1922) o Brasil efetuava uma revisão de si mesmo e abria novas perspectivas, depois das transformações mundiais da Guerra de 1914-1918, que aceleraram o processo de industrialização e abriram um breve período de prosperidade para o nosso principal produto de exportação, o café. Como no caso de movimentos literários anteriores, o Modernismo resultou de impulsos internos e do exemplo europeu. No caso, as vanguardas francesas e italianas, a começar pelo Futurismo, que ofereceram modelos adequados para exprimir a civilização mecânica e o ritmo das grandes cidades, além de valorizar as componentes primitivas, que no Brasil faziam parte da realidade. (CANDIDO, 1999, p. 68-69) Atividade 2- Atende ao objetivo 2 16 Aponte algumas características que registrem a importância do modernismo para a literatura brasileira. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Resposta comentada: Diversas foram as influências do modernismo na literatura brasileira. A começar pela ruptura das concepções estéticas anteriores, que eram consideradas retrógadas, sobretudo pela linguagem erudita. O modernismo inferiu a utilização do verso livre, a percepção do movimento graças ao processo de industrialização e uma linguagem próxima à fala do povo brasileiro. Recebendo influência do Futurismo, mas também do Cubismo, dadaísmo, entre outras, esse movimento próximo de uma rebeldia salientou o processo de transformação do Brasil através da representação da cultura brasileira. Fim da Resposta 2.1 – Oswald de Andrade e a Semana de Arte Moderna de 22 17 Figura 8.6.: Cartaz do último dia da Semana de Arte Moderna. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a5/Arte-moderna-8.jpg A semana de Arte moderna de 22 foi um marco cultural para a sociedade brasileira. Iniciada em 13 de fevereiro e terminada no dia 18 do mesmo mês, procurou-se trabalhar diversas manifestações culturais, como a poesia, pintura, música, escultura, entres outras. Ao todo, cerca de 100 obras foram apresentadas. Faz-se necessário dizer que este acontecimento fez parte também de uma festividade do centenário da independência do Brasil. A mencionada exposição de Anita Mafaltti, ainda em 1917 foi propulsora de um pensamento que almejasse novos rumos para a arte no Brasil. O conservadorismo foi deixado de lado para dar lugar a propostas de criação relacionadas a novas tendências e movimentos culturais. Segundo Candido: A Semana da Arte Moderna (São Paulo, 1922) foi realmente o catalisador da nova literatura, coordenando, graças ao seu dinamismo e à ousadia de alguns protagonistas, as tendências mais vivas I capazes de renovação, na poesia, no ensaio, na música, nas artes plásticas. Integram o movimento alguns escritores intimistas como Manuel Bandeira, 18 Guilherme de Almeida; outros, mais conservadores, como Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo; e alguns novos que estrearam com livre e por vezes desbragada fantasia: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, na poesia e na ficção; Sérgio Milliet, Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Moraes, neto, no ensaio. Dirigindo aparentemente por um momento, e por muito tempo proclamando e divulgando, um escritor famoso da geração passada: Graça Aranha. (CANDIDO, 2006, p. 125). Para Boaventura, em artigo intitulado “A semana de arte moderna e a crítica contemporânea”, relata que na época da Semana, além da polêmica gerada, os jornais e revistas se perguntavam qual era o objetivo da Exposição. Segundo a autora: A crítica procede. As frases sonoras e retumbantes dos textos críticos e de divulgação, muitas vezes sem muito sentido, escondiam a falta de um projeto estético claro e coerente que convencesse os adeptos da poética racional de um parnasianismo popularizado pelo país afora. E o pior, também ainda não haviam sido publicadas em livro as propagadas obras revolucionárias, algumas delas apenas mostradas de relance naquele momento: trechos de Os Condenados de Oswald de Andrade, “Domingo” da Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade e o antológico poema de Manuel Bandeira, “Os Sapos”, escrito em 1919. (BOAVENTURA, 2014, p. 2) Um dos motivos para a grande diversão seria justamente as diversas correntes artísticas em voga. Em verdade, quase como uma tarefa de um tradutor, os artistas assimilavam as informações que chegavam dos navios e “traduziam” em suas obras. Era o preço da falta de acesso à comunicação na época, o que gerou, segundo Boaventura tamanho despreparo.. Para Boaventura, “apesar do acanhado experimentalismo, essas produções traziam novidades, se comparadas com o contexto artístico local. Mesmo assim, o desastre crítico neste campo foi” (BOAVENTURA, 2014, p. 4). É nesse sentido que Oswald teria observado que a pintura teria sido a que mais chocou os “analfabetos letrados”. Segundo Nunes, no texto intitulado “Antropofagia e Vanguarda”, há diversos degraus da modernidade, como o Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo. Essas correntes foram trilhadas 19 pelo movimento de 22, sobretudo por Mário e Oswald de Andrade. Esses degraus poderiam ser considerados como um “mal necessário” ao modernismo brasileiro, e para Nunes, funcionaram como um “ritual de passagem” para o amadurecimento de nossa literatura. É nesse sentido que a obra de Oswald recebe a alcunha de antropofágica, uma vez que em seu pano de fundo, alimenta-se de outras obras, transparece nela a literatura de vanguarda das primeiras décadas do século XX, assim como o primitivismo e relações etnográficas e da arte africana (NUNES, 2004, p. 322). Segundo Nunes: A imagem antropofágica, queestava no ar, pertencia ao mesmo conjunto, ao mesmo sistema de ideias, ao mesmo repertório comum, que resultou da primitividade descoberta e valorizada, e a que se integravam, igualmente, na ordem dos conceitos, a mentalidade mágica, de Lévy-Bruhl e o inconsciente freudiano. É muito significativo que então a vanguarda literária, em boa parte sob a influência de Nietzsche, pensador que marcou a formação intelectual de Oswald de Andrade, e para quem a consciência do homem sem ressentimento equivalia à capacidade fisiológica de bem digerir – se tivesse apossado do canibal, dele fazendo um símbolo, no mesmo momento em que a Psicanálise começaria a desnudar, no homem normal, civilizado, comportamentos neuróticos, que podem gravitar em torno da mesma simbologia da interdição, presente nos atos de antropofagia ritual. (NUNES, 2004, p. 322). Boxe de curiosidade Alimentar-se de outros movimentos e outras culturas foi uma das marcas da antropofagia enquanto pensamento durante o modernismo. Inspirou Oswald a produzir, por exemplo, o Manifesto Antropófago e o Manifesto da Poesia Pau-Brasil. A poesia pau-brasil seria um sentimento poético brasileiro capaz de produzir uma poesia de exportação, tamanho seria sua autenticidade oriunda de uma inspiração genuinamente brasileira. Para isso, ver: http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf Fim do boxe de curiosidade 20 E, portanto, temos em Oswald, uma preocupação com o fazer poético brasileiro, como acontece em poesia Pau-Brasil, capaz de projetar a história do descobrimento até o namoro com o ready-made de Duchamp. O engajamento no modernismo fez com que Oswald procurasse em mais de uma fonte suas influências capazes de proporcionar sua antropofagia poética. Freud, Nietzsche tête-à-tête com Gandavo e Fernão Dias. Alimenta-se de tudo que há de bom do outro, e nessa esteira, produz-se o que há de melhor dessa cultura híbrida e miscigenada que é a cultura brasileira. E como o próprio Oswald cita em seu Manifesto Antropófago “Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question” (ANDRADE, 2014, p. 3). Atividade 3 – Atende ao Objetivo 3: Com base na leitura da aula, a partir do conhecimento sobre a Semana de Arte Moderna de 22, por que não há uma única influência no movimento modernista no Brasil? _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Resposta comentada: Há diversas fontes que influenciaram o modernismo brasileiro. Logo, a Semana de Arte Moderna de 22 é marcada pela heterogeneidade de suas correntes. Embora muitos trabalhos compartilharam o anseio por novas formas de expressão, há, conforme dito por Nunes, diversos degraus da modernidade, como o Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo. Essas 21 correntes foram trilhadas pelo movimento de 22, e, embora haja essa dispersão inicial da objetividade da Semana, tudo isso serviu para o amadurecimento da nossa literatura. Atividade Final – Atende ao Objetivo 4: Após a discussão elaborada pelas demais atividades, escolha um dos poemas feitos por Oswald de Andrade inserido na aula, (relicário, medo da senhora, o gramático, ou pronominais) e aponte as principais características do modernismo no texto. _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Trata-se de uma atividade que procura desenvolver um olhar crítico. Em ambos os poemas, há o predomínio da linguagem coloquial ante a linguagem erudita e retrógada das literaturas anteriores, que pouco contribuía para a disseminação da literatura pelas camadas mais populares brasileiras. A linguagem funciona como modificador dessa aproximação entre poeta e leitor e transforma a própria poesia em lugar de acolhimento devido ao processo de inovação de sua forma. O verso livre é enfatizado, e a rima faz um jogo de distorção no interior das próprias palavras. RESUMO A obra de Oswald de Andrade tem papel crucial para o processo de produção poética no território nacional. A partir de seu engajamento com diversas vertentes literárias, o poeta viaja por diversos lugares em busca da experimentação do que há de novo no cenário mundial, e traz consigo novas formas de expressão para a poesia brasileira. Através de diversas correntes que engendraram pelo modernismo brasileiro, foi possível amadurecer na poesia ideais da cultura brasileira, projetados na Semana de Arte Moderna de 22. Apesar 22 da falta de objetividade segundo os críticos da época, a produção cultural tornou-se expoente de uma produção antropofagicamente inovadora, capaz de mudar a linguagem poética e inserir elementos genuinamente brasileiros para uma poesia digna de exportação, como a poesia Pau-Brasil de Oswald de Andrade. Referências _________________. “Manifesto antropófago e Manifesto da poesia pau-brasil.” Disponível em: http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf Acesso em 02/07/2014. ANDRADE, Oswald. Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003. _________________. Um homem sem profissão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. BOAVENTURA. Maria Eugênia. “A semana de arte moderna e a crítica”. Disponível em: http://www.iar.unicamp.br/dap/vanguarda/artigos_pdf/maria_eugenia.pdf Acesso em 02/05/2014. CAMPOS, Haroldo de. “Uma poética da radicalidade”. IN: ANDRADE, Oswald. Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003. CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira: resumo para principiantes. São Paulo : Humanitas/ FFLCH/USP, 1999. ________________. Literatura e sociedade, Ouro sobre Azul: Rio de Janeiro, 2006. NUNES, Benedito. “Antropofagia e Vanguarda. Acerca do Canibalismo Literário”. IN: Revista Literatura e Sociedade. Número 07, São Paulo, 2004. PRADO, Paulo. Poesia Pau Brasil. IN: ANDRADE, Oswald. Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003. 23
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