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DOCÊNCIA EM SAÚDE ZOOLOGIA DOS VERTEBRADOS 1 Copyright © Portal Educação 2012 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842z Zoologia dos vertebrados / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 166 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-560-3 1. Zoologia – Vertebrados. I. Portal Educação. II. Título. CDD 590 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO: QUEM SÃO E ONDE ESTÃO OS VERTEBRADOS?.....................................................9 1.1 INTRODUÇÃO AOS GRUPOS DE VERTEBRADOS ATUAIS............................................................12 1.1.1 Feiticeiras (Mixynoidea) e Lampreias (Petromyzontoidea)...........................................................12 1.1.2 Tubarões e Raias (Elasmobranchii) e Quimeras (Holocephali)....................................................12 1.1.3 Peixes Ósseos (Osteichthyes)...............................................................................................................13 1.1.4 Anfíbios: Salamandras (Caudata), Sapos (Anura) e Cecílias (Gymnophiona).........................14 1.1.5 Tartarugas (Testudinia)....................................................................................................................15 1.1.6 Tuatara (Rhynchocephalia), Lagartos e Serpentes (Squamata)..................................................15 1.1.7 Jacarés, Crocodilos e Gavial (Crocodylia).....................................................................................16 1.1.8 Aves (Aves).......................................................................................................................................16 1.1.9 Mamíferos (Mammalia).....................................................................................................................17 2 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA OU CLADÍSTICA..................................17 2.1 HIPÓTESES EVOLUTIVAS..................................................................................................................20 2.2 DETERMINANDO AS RELAÇÕES FILOGENÉTICAS........................................................................20 3 INTRODUÇÃO: CLASSIFICAÇÃO DOS VERTEBRADOS....................................................................21 3.1 CLASSIFICAÇÕES E NOMES.............................................................................................................22 3.2 NOMENCLATURA BINOMIAL.............................................................................................................22 3.3 GRUPOS HIERÁRQUICOS MAIS ELEVADOS...................................................................................23 3 3.4 CLASSIFICAÇÕES (TRADICIONAIS E CLADÍSTICAS).....................................................................23 4 NOÇÕES SOBRE A IRRADIAÇÃO INICIAL DOS VERTEBRADOS......................................................24 4.1 HISTÓRIA DA TERRA E A EVOLUÇÃO DOS VERTEBRADOS.........................................................24 4.2 VERTEBRADOS E SUA RELAÇÃO COM OS DEMAIS GRUPOS ZOOLÓGICOS..........................29 4.3 CORDADOS NÃO VERTEBRADOS....................................................................................................30 4.4 UROCHORDATA..................................................................................................................................31 4.5 CEPHALOCHORDATA.........................................................................................................................34 5 DEFINIÇÃO DE UM VERTEBRADO.......................................................................................................35 6 ESTRUTURA BÁSICA DOS VERTEBRADOS........................................................................................37 6.1 EMBRIOLOGIA.....................................................................................................................................37 6.2 TECIDOS PÓS-EMBRIONÁRIOS.........................................................................................................40 6.3 TEGUMENTO........................................................................................................................................40 6.4 TECIDOS MINERALIZADOS................................................................................................................41 6.5 SISTEMA ESQUELÉTICO-MUSCULAR..............................................................................................43 6.6 METABOLISMO E OBTENÇÃO DE ENERGIA....................................................................................44 6.7 ALIMENTAÇÃO E DIGESTÃO.............................................................................................................45 6.8 VENTILAÇÃO E RESPIRAÇÃO...........................................................................................................46 6.9 SISTEMA CARDIOVASCULAR............................................................................................................47 6.10 SISTEMA EXCRETOR E REPRODUTOR..........................................................................................50 6.11 COORDENAÇÃO E INTEGRAÇÃO...................................................................................................51 6.12 ÓRGÃOS DOS SENTIDOS.................................................................................................................52 4 6.13 SISTEMA ENDÓCRINO......................................................................................................................53 7 OS PRIMEIROS VERTEBRADOS: OS AGNATOS E A ORIGEM DOS GNATOSTOMADOS...............53 7.1 AS PRIMEIRAS EVIDÊNCIAS DA EXISTÊNCIA DE VERTEBRADOS NO REGISTRO FÓSSIL......53 7.2 AMBIENTE DO INÍCIO DA EVOLUÇÃO DOS VERTEBRATA............................................................54 7.3 AGNATOS ATUAIS...............................................................................................................................54 7.3.1 Feiticeiras – Myxinoidea...................................................................................................................55 7.3.2 Lampreias – Petromyzontoidea.......................................................................................................57 7.4 IRRADIAÇÃO DOS OSTRACODERMES NA ERA PALEOZOICA......................................................61 7.5 PADRÃO BÁSICO E ORIGEM DOS GNATOSTOMADOS..................................................................63 7.6 GRUPOS PALEOZOICOS EXTINTOS DE GNATOSTOMADOS.........................................................65 8 O AMBIENTE AQUÁTICO E SUAS PECULIARIDADES........................................................................67 8.1 AJUSTE DA FLUTUABILIDADE..........................................................................................................68 8.2 PROPRIEDADES DA ÁGUA EM RELAÇÃO AO SISTEMA SENSORIAL DOS VERTEBRADOS AQUÁTICOS...............................................................................................................................................69 8.3 O SISTEMA DA LINHA LATERAL.......................................................................................................708.4 A ELETRORRECEPÇÃO DOS PEIXES CARTILAGINOSOS..............................................................72 8.5 REGULAÇÃO DO MEIO INTERNO......................................................................................................72 9 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DOS PEIXES CARTILAGINOSOS........................................................73 9.1 TUBARÕES...........................................................................................................................................74 9.2 RAIAS....................................................................................................................................................76 9.3 QUIMERAS............................................................................................................................................77 10 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DOS PEIXES ÓSSEOS........................................................................79 5 10.1 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DE SARCOPTERYGII.......................................................................79 10.2 SARCOPTERYGII ATUAIS.................................................................................................................80 10.3 DIPINOI................................................................................................................................................80 10.4 ACTINISTIA.........................................................................................................................................82 10.5 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DE ACTINOPTERYGII......................................................................83 10.6 POLYPTERIFORMES E ACIPENSERIFORMES...............................................................................84 10.7 NEOPTERÍGIOS PRIMITIVOS............................................................................................................86 10.8 TELEOSTEI.........................................................................................................................................87 11 ECTOTÉRMICOS TERRESTRES: ANFÍBIOS, TARTARUGAS E LEPIDOSSAUROS....................87 11.1 ORIGEM DOS TETRÁPODA..............................................................................................................90 11.1.1 Os Lissamphibia.............................................................................................................................93 11.1.2 Caudata............................................................................................................................................94 11.1.3 Anura................................................................................................................................................97 11.1.4 Gymnophiona................................................................................................................................100 11.2 REPRODUÇÃO.................................................................................................................................100 11.3 CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA EM LARVAS E ADULTOS................................................................104 11.4 ORIGEM E DIVERSIDADE DOS AMNIOTAS..................................................................................106 11.4.1 Características derivadas de Amniota........................................................................................107 11.4.2 Os padrões de fenestração nos Amniotas.................................................................................109 11.5 TESTUDINIA.....................................................................................................................................110 11.5.1 Relações filogenéticas dos Testudinia.......................................................................................113 6 11.5.2 Estruturas do casco dos Testudinia...........................................................................................114 11.5.3 O coração dos Testudinia............................................................................................................117 11.5.4 Respiração nos Testudinia..........................................................................................................117 11.6 LEPIDOSAURIA (TUATARA, LAGARTOS E SERPENTES)...........................................................118 11.7 OS RHYNCHOCEPHALIA................................................................................................................119 11.8 SQUAMATA: LAGARTOS, SERPENTES........................................................................................120 11.8.1Lagartos..........................................................................................................................................120 11.8.2 Serpentes.......................................................................................................................................123 11.9 TERMORREGULAÇÃO EM LEPIDOSAURIA..................................................................................126 12 RÉPTEIS DO MESOZOICO E ARCHOSAURIA..................................................................................127 12.1 CROCODYLIFORMES......................................................................................................................128 12.2 CROCODYLIFORMES ATUAIS........................................................................................................131 12.3 PTEROSAURIA.................................................................................................................................135 12.4 DINOSSAURIA..................................................................................................................................138 12.5 DINOSSAUROS ORNITHISCHIA.....................................................................................................141 12.6 DINOSSAUROS SAURISCHIA.........................................................................................................144 12.7 SAUROPODOMORPHA...................................................................................................................144 12.8 THEROPODA....................................................................................................................................146 13 AVES....................................................................................................................................................148 13.1 EVOLUÇÃO DAS AVES...................................................................................................................148 14 MAMÍFEROS........................................................................................................................................151 7 14.1 CARACTERÍSTICAS ESQUELÉTICAS APONTADAS COMO SIGNIFICATIVAS NO INCREMENTO DA TAXA METABÓLICA DOS MAMÍFEROS..........................................................................................153 14.1.1 Tamanho da fossa temporal........................................................................................................153 14.1.2 Condição do arco temporal inferior............................................................................................153 14.1.3 Maxila inferior e articulação mandibular....................................................................................153 14.1.4 Dentes............................................................................................................................................155 14.1.5 Desenvolvimento de palato secundário.....................................................................................155 14.1.6 Perda de forame parietal..............................................................................................................155 14.1.7 Posição dos membros..................................................................................................................15614.1.8 Formas das cinturas.....................................................................................................................156 14.1.9 Forma do pé..................................................................................................................................156 14.1.10 Modificações da coluna vertebral.............................................................................................156 14.1.11 Redução da cauda......................................................................................................................157 14.2 PRINCIPAIS PROCESSOS EVOLUTIVOS RELACIONADOS AOS MAMÍFEROS.......................157 14.2.1 Evolução das maxilas e ouvido médio.......................................................................................157 14.2.2 Evolução da postura ereta...........................................................................................................158 14.2.3 Evolução do palato secundário e região nasal..........................................................................158 14.2.4 Lactação........................................................................................................................................159 14.2.5 Evolução do tegumento...............................................................................................................160 15 ANATOMIA INTERNA E FISIOLOGIA................................................................................................160 16 PRINCIPAIS LINHAGENS DE MAMÍFEROS......................................................................................161 16.1 MONOTREMADOS...........................................................................................................................162 8 16.2 MARSUPIAIS....................................................................................................................................163 16.3 EUTÉRIOS.................................................................................................................................................165 17 EVOLUÇÃO HUMANA.........................................................................................................................169 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................................174 9 1 INTRODUÇÃO: QUEM SÃO E ONDE ESTÃO OS VERTEBRADOS? Os vertebrados são muito diversificados: as mais de 50 mil espécies atuais conhecidas (esse número representa uma estimativa, dado que a cada dia são descritas novas espécies) variam muito em tamanho e forma, e ocupam praticamente todos os ambientes da Terra. Desde peixes que pesam menos que meio grama quando adultos, até algumas baleias que pesam mais de 100 toneladas. Alguns peixes marinhos ocupam regiões abissais onde nem mesmo os mais modernos submarinos tripulados alcançam, enquanto algumas aves podem voar até nove mil metros acima do nível do mar. Os comportamentos apresentados pelos vertebrados não são menos diversos. Desde alguns roedores que possuem seu território não maior que 10 m2 até aves migratórias que atravessam as Américas em suas jornadas anuais. A vida de um vertebrado é energeticamente dispendiosa, sendo que estes como seres heterotróficos retiram toda sua energia do alimento ingerido. Carnívoros se alimentam de outros animais valendo-se das mais diferentes técnicas de captura de presas. Alguns capturam ativamente suas presas percorrendo uma grande área, enquanto outros esperam até que as presas se aproximem. Alguns vertebrados predadores apresentam comportamento de forrageio que, ao que parece, maximiza a obtenção de energia em relação ao tempo necessário para obter o alimento. Outros, entretanto, aparentam serem predadores sem nenhum critério de seleção de presas. Alguns se alimentam de presas ainda vivas, como por exemplo, as serpentes não peçonhentas que engolem pequenos mamíferos ainda se debatendo. Outros, porém, têm métodos extremamente peculiares de matar suas presas, como por exemplo, algumas serpentes peçonhentas que inoculam veneno, e se asseguram que a presa esteja morta antes de engoli-las. Enquanto a dificuldade dos carnívoros está em como obter suas presas, os vertebrados herbívoros não possuem esse problema. As plantas não fogem de seus consumidores, todavia, são de difícil 10 digestão e muitas vezes possuem defesas químicas que dificultam (e podem até matar) alguns herbívoros “despreparados”. Sendo assim, os vertebrados herbívoros apresentam um conjunto de adaptações no que concerne a vencerem essas barreiras intrínsecas do herbivorismo. Essas adaptações estão relacionadas tanto a adequações morfológicas, como dentes extremamente diferenciados para triturar as plantas mais duras, quanto a adaptações relacionadas a relações simbiontes com micro-organismos que auxiliam na digestão da celulose (que é extremamente difícil). De um mesmo modo, a reprodução nos vertebrados apresenta-se das mais variadas formas possíveis. Esses animais oferecem um conjunto surpreendente de comportamentos associados ao acasalamento e à reprodução. Os modos de reprodução variam desde ovos muitos simples e sem proteção, passando por ovos com diversas estruturas associadas, até a produção de filhotes vivos. Alguns dos filhotes são independentes dos pais, em muitos casos nem chegam a encontrá-los, enquanto outros (como os humanos) passam boa parte da fase inicial da vida sob os cuidados dos pais. Este cuidado parental apresenta condições extremadas, como o caso do peixe aruanã (Osteoglossum) que recolhe seus filhotes na boca ao primeiro sinal de perigo. O cuidado parental de alguns mamíferos é surpreendente, como os marsupiais que possuem uma bolsa feita de pele que abriga os filhotes até que estes possam sobreviver sozinhos. Alguns pais chegam a secretar substâncias que permitem que os filhotes não se afastem para se alimentar. Os mamíferos são bons exemplos deste cuidado parental extremado. A ideia de produção de leite é tão intrínseca ao pensamento humano que nem nos damos conta o quanto isso é diferenciado, e o quanto isto facilita a sobrevivência do filhote. Mas isso não é uma exclusividade dos mamíferos, muitos outros grupos secretam substâncias para alimentar seus filhotes, como alguns peixes que produzem uma quantidade grande de muco em seu corpo, que seus filhotes comem, ou os pombos que secretam um líquido nutritivo em seus papos denominado “leite do papo”. Apesar de a diversidade atual ser fascinante, esta representa apenas uma ínfima parte da diversidade de vertebrados que já houve na face da Terra. Para cada espécie vivente se supõe que mais de uma dezena de espécies 11 extintas existiu, em algumas estimativas mais otimistas até uma centena de espécie é assumida para cada espécie vivente. Algumas das formas fósseis não apresentam equivalentes recentes. Um bom exemplo são os mosassauros, répteis marinhos que possuem como possíveis grupos próximos lagartos como varanus e as serpentes. Estes répteis marinhos alcançaram proporções gigantescas superando qualquer réptil vivente, sendo muito difícil alguns tipos de interpretações sobre seu modo de vida. Outro exemplo interessantíssimo são as aves, apesar de a diversidade atual ser grande. Quando olhamos o registro fóssil podemos reconhecer uma grande variedade de fósseis que ligam a origem deste grupo aos dinossauros. Ou seja, as evidências atuais apontam que as aves são sobreviventes de uma linhagem que está na Terra há mais de 180 milhões de anos, e que já foi muito mais diversa, incluindo os gigantescos saurópodes que podiam alcançar 30 metros de comprimento. A história dos vertebrados é muito ampla e interessante. Os estudos de comosurgiram, como evoluíram e como sobrevivem promove a produção de trabalhos relacionados aos mais variados assuntos. Estes diversos trabalhos incluem modos diferenciados de reconhecer os diferentes grupos e classificá- los, além de aspectos relacionados aos ambientes onde estes animais evoluíram. Para podermos saber como são e como evoluíram é necessário ter ciência de quem são os vertebrados. A maioria das pessoas quando pensa em um “animal”, vem à cabeça um vertebrado. Eles estão muito presentes em nossas vidas. Muitos são adorados por nós, como os cachorros e gatos que estão presente em grande parte dos lares do mundo, já outros são injustamente temidos e perseguidos, como as serpentes. Todavia, alguns dos vertebrados não são tão conhecidos, como os mamíferos ou as aves. Para uma primeira abordagem, trataremos uma subdivisão estanque dos vertebrados atuais para uma primeira visualização, mas estes grupos serão tratados individualmente ao longo da apostila. A figura 1 mostra a diversidade atual dos vertebrados de forma gráfica. 12 1.1 INTRODUÇÃO AOS GRUPOS DE VERTEBRADOS ATUAIS 1.1.1 Feiticeiras (Mixynoidea) e Lampreias (Petromyzontoidea) Estes animais possuem corpo alongado, sem escamas, e sem a presença de esqueleto interno muito ossificado, parasitas ou necrófagos. As feiticeiras representam cerca de 40 espécies marinhas, ocupando tanto a plataforma continental quanto regiões de mar aberto, podendo ser encontradas em fundos oceânicos de mais de 100 metros de profundidade. Já as lampreias apresentam hábitos migratórios, vivendo parte da vida no oceano e nos rios. Esses dois grupos possuem uma condição única entre os vertebrados, pois não apresentam mandíbula. Esta condição única incorporada com o estudo de fósseis e estudo do desenvolvimento do embrião dos mais diferentes vertebrados aponta este grupo como sendo representante das primeiras irradiações de vertebrados. Estes dois grupos são tradicionalmente agrupados em Agnatha (do grego a: sem, e gnathus: mandíbula), mas representam provavelmente duas linhagens diferenciadas. 1.1.2 Tubarões e Raias (Elasmobranchii) e Quimeras (Holocephali) Estas duas linhagens representam juntas o grupo denominado Chondrichthyes (peixes cartilaginosos). Apesar de os tubarões serem conhecidos, muitas vezes temidos, poucas das cerca de 400 espécies de Chondrichthyes atuais justificam tal fama. A maior parte das espécies é inofensiva aos humanos. Os menores Chondrichthyes alcançam no máximo 15 centímetros, enquanto que o maior, o tubarão-baleia, alcança 10 metros. As por volta de 450 espécies de raias são achatadas e possuem 13 morfologia peculiar, nadando por meio de ondulações de suas nadadeiras peitorais modificadas em formato de disco. A maior parte das espécies é encontrada no substrato dos mares rasos e rios. Já as quimeras são as menos conhecidas do grupo e compõem cerca de 30 espécies, todas marinhas, e apresentam uma morfologia estranha para as pessoas que não as conhecem. Possuem cauda longa e a face de morfologia peculiar diferindo tanto dos tubarões quanto das raias. 1.1.3 Peixes Ósseos (Osteichthyes) Os peixes ósseos apresentam morfologia tão variável que dificilmente uma descrição única teria êxito em descrevê-los. Todavia, quando a maioria das pessoas pensa em um “peixe”, a imagem formada representa um Osteichthye. Duas principais linhagens são facilmente reconhecidas, os peixes de nadadeiras lobadas (Sarcopterygii) e os peixes de nadadeiras raiadas (Actinopterygii). A diversidade atual dos peixes de nadadeiras lobadas é restrita, apenas oito espécies são reconhecidas. Seis espécies de peixes pulmonados encontrados nos continentes Australiano, Africano e Americano e duas espécies de celacanto (uma das espécies encontrada nas águas profundas da costa leste da África e uma no arquipélago indonésio). Estudando aspectos evolutivos dos Sarcopterygii, acredita-se que estes são os peixes mais próximos dos vertebrados terrestres. Os peixes de nadadeiras raiadas, ao contrário dos de nadadeira lobada, apresentam um grande número de espécies viventes, sendo encontrados nos mais variados ambientes de água doce e salgada. Atualmente, há mais de 25 mil espécies atuais descritas, de modo que este grupo representa o mais diverso grupo de vertebrados. Dentre os Actinopterygii, dois grupos são facilmente reconhecidos: os Chondrostei (bichirs, esturjões e peixes-espátula) e os Neopterygii. Os Chondrostei são representantes de uma série de linhagens artificialmente agrupadas e que os brasileiros apresentam pouca familiaridade. Bichirs são um pequeno grupo (aproximadamente dez espécies) que 14 habita brejos e lagos rasos da África, alguns representantes podem ser reconhecidos nas lojas especializadas em aquarismo. Esturjões (aproximadamente 25 espécies) são peixes que podem alcançar grande porte, com uma boca protátil sem dentes que se alimentam dos detritos dos fundos de rios lagos e mares de regiões frias. Os esturjões são conhecidos por fornecerem o caviar mais tradicional, e, por este apelo comercial, muitas espécies têm apresentado forte declínio populacional. Já os peixes-espátula são um grupo ainda mais reduzido, apenas duas espécies – uma habitando a drenagem do rio Mississipi (América do Norte) e outra ocupando a drenagem do rio Yangtze, na China. Este grupo apresenta morfologia peculiar com o focinho alongado em formato de espátula (do onde vem seu nome popular). Já os Neopterygii são ainda classicamente divididos em três grupos: Lepisosteiformes, Amiformes e Teleostei. Os dois primeiros são bem pequenos e praticamente desconhecidos dos brasileiros, já o terceiro grupo engloba a grande maioria da diversidade de peixes. Os Lepisosteiformes (aproximadamente sete espécies) e a Amia calva (única espécie vivente de Amiformes) são peixes de formato cilíndrico, predadores, com escamas diferenciadas e que caçam por emboscada. Os Teleosteis englobam cerca de 22 mil espécies e apresentam uma enorme variedade de tamanho, forma e hábito. Desde os pequenos e coloridos guppies, famosos no ramo da aquariofilia, os peixes-espada tidos como troféu para os pescadores, os pacus, dourados, lambaris e tucunarés, ou seja, a grande diversidade de peixes encontrados em todo o mundo, em especial nas áreas tropicais, são representantes deste grupo. 1.1.4 Anfíbios: Salamandras (Caudata), Sapos (Anura) e Cecílias (Gymnophiona) Estes animais são chamados tradicionalmente de anfíbios que têm como etimologia os radicais gregos amphi= dupla e bios= vida. Este nome é dado porque a grande maioria apresenta um ciclo de vida complexo que inclui 15 uma larva aquática (como os girinos no caso dos Anura) e uma parte da vida terrestre (em geral adultos). Todos estes animais apresentam pele nua, sem escamas, pelos ou penas, que facilita a troca de gases e íons, nos ambientes em que vivem. As salamandras (cerca de 420 espécies) são alongadas e em geral os adultos são terrestres e apresentam cauda. Os sapos, rãs e pererecas compõem os Anura (cerca de 4.300 espécies) e possuem morfologia peculiar, com cabeça grande, corpo curto e membros posteriores alongados usados em geral para saltar e escalar. As cecílias (cerca de 170 espécies) apresentam morfologia do corpo pouco usual para os anfíbios: alongado e desprovido de membros, em geral aquáticos e escavadores. 1.1.5 Tartarugas (Testudinia) Este grupo, apesar de possuir poucos representantes (cerca de 300 espécies), é provavelmente o de vertebrados mais facilmente reconhecíveis. Seu corpo é coberto por uma carapaça na região dorsal e um plastrão na região ventral que as tornam facilmente reconhecíveis. Apesar de alguns grupos fósseis apresentarem certas modificações nesse sentido, nenhum outro grupo possui comoas tartarugas tanto a cintura escapular (ombros) e a cintura pélvica (bacia) internos à caixa torácica. 1.1.6 Tuatara (Rhynchocephalia), Lagartos e Serpentes (Squamata) Estes três grupos podem ser caracterizados pela presença do corpo coberto por escamas e algumas características cranianas que serão tratadas posteriormente, e, juntamente, formam o grupo dos Lepidosauria. Os tuataras são representantes viventes (duas espécies) que são somente encontrados na Nova Zelândia e que pouco diferem externamente de 16 um “lagarto” típico. Todavia, sua estrutura craniana indica a diferenciação dos demais lagartos e serpentes. Enquanto que os lagartos e serpentes representam uma diversidade bem maior (cerca de 4 mil espécies) e são dispersos em um grande número de habitat, principalmente na região tropical do planeta. 1.1.7 Jacarés, Crocodilos e Gavial (Crocodylia) Esse grupo de animais magníficos representa uma ínfima diversidade (estima-se 25 espécies viventes) de um grupo que foi amplamente distribuído em tempos passados. Algumas espécies viventes podem alcançar até sete metros e juntamente com as aves representam o grupo dos Archosauria viventes. Os crocodilianos atuais são grandes predadores de regiões alagadiças e destacam-se pelo rosto alongado armado com uma série de dentes cônicos. Seu corpo é recoberto dorsalmente por osteodermas que promovem uma eficaz proteção contra predadores, em especial outros crocodilianos. 1.1.8 Aves (Aves) Acredita-se hoje que representam parte da linhagem dos dinossauros que foi muito abundante na era Mesozoica. Atualmente, as Aves apresentam cerca de 9.150 espécies viventes e são caracterizadas por uma série de adaptações morfológicas e fisiológicas. Uma destas adaptações são as penas que estão relacionadas ao voo destes animais. Descobertas recentes apontam a origem das penas anterior ao voo, portanto tendo sua procedência relacionada a outro fator que não ao voo. As aves estão muito presentes em nossas vidas, e isto está relacionado principalmente ao comportamento deste grupo. Elas são na maioria das vezes diurnas e possuem comportamento social intenso, apresentando cantos diferenciados e coloração viva das penas. Todavia, o 17 estudo deste grupo é subestimado e pouco se sabe sobre as inter-relações entre os subgrupos das aves. 1.1.9 Mamíferos (Mammalia) Esse grupo também nos é muito familiar, inclusive porque somos uma espécie desta linhagem. Sua origem pode ser traçada desde o Paleozoico, a partir de grupos extintos de vertebrados terrestres. As espécies viventes (cerca de 4.500) são amplamente distribuídas nos mais variados tipos de ambientes. A grande parte desta diversidade é incluída dentro do grupo dos placentários. Os demais mamíferos estão compreendidos no grupo dos monotremados e marsupiais, enquanto que os mamíferos placentários apresentam gestação longa com o filhote nascendo grande. Os demais mamíferos ou possuem gestação curta, com filhotes muito pequenos e imaturos (marsupiais) ou, ainda, nascendo de ovos (monotremados). Enquanto que os placentários distribuem-se em praticamente todo o globo, os marsupiais possuem sua grande diversidade na Austrália e os monotremados são exclusivos daquela região. 2 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA OU CLADÍSTICA Atualmente é sugerido que a classificação biológica siga o princípio da metodologia sistemática filogenética (HENNING, 1956). Essa metodologia agrupa os organismos aparentados por meio de ancestrais comuns. Henning (1956) enfatizou em seu trabalho que a reconstrução sobre a história de uma linhagem deve ser baseada em caracteres derivados. Uma linhagem evolutiva neste sistema é denominada clado (palavra grega que significa ramo) e por isso a sistemática filogenética é tratada como cladística. Um caráter derivado significa “diferente da condição ancestral” e este 18 estado diferenciado da condição recebe o nome de apomorfia. Um exemplo claro seria a condição da extremidade dos vertebrados terrestres. Os ossos carpais/tarsais e os dígitos encontrados nesses vertebrados terrestres apresentam uma condição modificada da condição ancestral encontrada, como por exemplo, os membros dos peixes de nadadeiras lobadas. Assim, a condição encontrada nos vertebrados terrestres constitui-se uma condição apomórfica de um caráter ancestral. Em termos cladísticos, um grupo que pode ser unido por esta condição, apresentando um caráter derivado compartilhado, é denominado sinapomorfia. E apesar de alguns grupos dentro dessa linhagem terem perdido posteriormente essa característica, o ponto significante é que esta mudança ocorreu depois e que o padrão ancestral possui tal propriedade. Do mesmo modo que os caracteres apomórficos apresentam-se como modificados da condição ancestral, alguns caracteres são herdados sem praticamente modificações. Estes caracteres são denominados plesiomorfias. Um exemplo é a presença de coluna vertebral dos vertebrados terrestres. Essa característica foi herdada sem modificações pelos ancestrais, de modo que os peixes de nadadeiras lobadas e raiadas, peixes cartilaginosos e ágnatos também a possuem. Henning denominou estes caracteres ancestrais compartilhados como simplesiomorfias. As simplesiomorfias não podem ser utilizadas na reconstrução filogenética, somente as sinapomorfias. É importante frisar que os conceitos de plesiomorfia e apomorfia são relativos ao grupo em que está sendo tratado. Apesar da presença de coluna vertebral ser uma simplesiomorfia dos vertebrados terrestres, a presença de coluna vertebral representa uma apomorfia dos vertebrados em relação aos invertebrados. Outro exemplo, apesar da presença dos carpais/tarsais e dígitos ser uma apomorfia em relação aos vertebrados aquáticos, esta condição é uma plesiomorfia para os vertebrados terrestres e a perda destas estruturas (como por exemplo, nas serpentes) trata- se de uma apomorfia em relação a presença de carpais/tarsais e dígitos. Filogenia é o estudo das relações evolutivas entre os organismos. A filogenia é construída com base em um grande número de caracteres, sendo que muitas vezes os diferentes caracteres são contraditórios, tornando a construção extremamente complexa. Como todas as hipóteses científicas, as hipóteses filogenéticas podem ser testadas ao passo que novas evidências 19 estejam disponíveis. Caso uma filogenia (hipótese) venha ser testada e essa hipótese não venha a ser corroborada, uma nova hipótese (filogenia) toma seu lugar. Sendo assim, a construção e substituição de uma hipótese filogenética é um processo contínuo. A contribuição mais importante da sistemática filogenética é tornar as relações de parentesco testáveis. A representação gráfica das hipóteses filogenéticas é denominada cladograma. No entanto, a construção de um cladograma é muito difícil e complexa e envolve diversos passos importantes como a escolha do grupo, dos caracteres utilizados, etc. Um ponto essencial é a polarização dos caracteres. Como saber qual é a condição plesiomórfica e qual é apomórfica? Para isso, são necessárias informações adicionais. Uma das formas mais utilizadas para determinar a polaridade é a comparação com grupos externos. Os grupos externos são quaisquer linhagens que são externas à linhagem analisada (grupo interno). No entanto, para uma melhor comparação, o grupo externo imediato (o grupo mais próximo do grupo interno) apresenta a maior quantidade de caracteres comparáveis com o grupo interno, auxiliando na polarização dos caracteres. Como exemplo, podemos citar os peixes de nadadeiras lobadas como grupo externo dos vertebrados terrestres. A sistemática filogenética estabelece e nomeia linhagens monofiléticas. (grupos com ancestral comum exclusivo). Por exemplo, todos os vertebrados representadosno cladograma da figura 2 que se originam a partir de um mesmo ponto de ramificação são aparentados com base em caracteres derivados que identificam todos os membros dos clados. O cladograma representado na figura 2 é uma hipótese de relação de parentesco dos grupos viventes de vertebrados. Há 12 dicotomias desde a origem dos vertebrados em relação aos demais cordados até as aves e mamíferos. A cladística assinala nomes às linhagens que originam num mesmo ponto de diversificação. Assim o nome Gnathostomata inclui todos os vertebrados com mandíbulas, ou seja, todos à direita da figura. Com base neste tipo de classificação, é correto dizer que os humanos são Osteichthyes (número 4). No topo da figura estão representados os nomes tradicionais que são aplicados aos vertebrados viventes. Diferentemente da terminologia tradicional a cladística restringe os nomes a grupos monofiléticos. Os ágnatos, por exemplo, incluem duas linhagens que hoje se acredita não compartilhar um 20 ancestral comum exclusivo, de modo que os Petromyzontoidea são mais próximos dos Gnathostomata que os Myxinoidea. Dois nomes são utilizados em ambos os sistemas, sendo que é necessário saber de qual sistema está se falando, pois na classificação tradicional os Osteichthyes incluem apenas os peixes ósseos, enquanto que na cladística estão abrangidos todos os representantes do nó 4, inclusive as aves. 2.1 HIPÓTESES EVOLUTIVAS A sistemática filogenética está baseada na premissa de que os organismos agrupados conjuntamente compartilham uma herança comum, que é responsável por suas semelhanças. Tomando isso, podemos inferir processos evolutivos com base nos cladogramas. Examinando as origens e o significado dos caracteres nos animais viventes pode-se presumir os mesmos processos para as linhagens extintas. Na figura 3 estão representadas as relações das aves e crocodilianos juntamente com as linhagens extintas proximamente relacionadas. Para as linhagens extintas, certas inferências comportamentais não são diretamente inferidas. Observando a figura 3, baseando-se na ressalva de que tanto as aves quanto os crocodilianos possuem cuidado parental, é possível inferir que o modo de se interpretar mais facilmente este padrão é que o cuidado parental surgiu antes da dicotomia entre crocodilianos e aves. Não é possível observar isso diretamente, visto que os demais grupos estão extintos. Todavia, a explicação mais plausível é que o cuidado parental surgiu uma vez e que provavelmente existiu nas demais linhagens. Esse processo requer um menor número de passos evolutivos ou, em terminologia cladística, essa é a hipótese mais parcimoniosa para a evolução deste caráter. 2.2 DETERMINANDO AS RELAÇÕES FILOGENÉTICAS 21 Considerando que os caracteres derivados utilizados para agrupar espécies devem ser decorrentes de ancestralidade comum, tais caracteres devem possuir mesma origem evolutiva ou, em termos cladísticos, devem ser homólogos. Esse conceito, apesar de ter definição fácil, na prática, a delimitação de homologias é muito complexa. Um dos exemplos clássicos para a dificuldade de se determinar homologias é a presença de asas em aves e morcegos. Esses dois grupos apresentam os membros anteriores modificados e relacionados à capacidade de voar. Todavia, estas estruturas apresentam mesma origem evolutiva? As linhagens a que pertencem as aves e os mamíferos foram estimadas como separadas há muito tempo. Sendo assim, a explicação mais plausível é que a condição apresentada por estes dois grupos tenha surgido independentemente. Este processo chama-se evolução convergente, e as asas desses grupos não representa uma sinapomorfia, mas sim homoplasia. As homoplasias, portanto, diferentemente das sinapomorfias, e não representam indicativos de ancestralidade comum. 3 INTRODUÇÃO: CLASSIFICAÇÃO DOS VERTEBRADOS A diversidade dos vertebrados é muito grande, tornando a classificação deste grupo uma atividade complexa. A classificação está enraizada no pensamento humano e no centro da biologia evolutiva. Antigamente, a classificação era usada somente como uma forma de organizar a diversidade conhecida, de maneira a facilitar o agrupamento de formas semelhantes (bem como o sistema de uma biblioteca), de modo que as espécies tinham uma posição estanque. Quando todas tivessem suas posições marcadas, a diversidade seria plenamente conhecida. Este tipo de classificação foi satisfatório por um período enquanto os conceitos evolutivos não eram tomados e as espécies eram imutáveis e sem relação entre elas. O surgimento do complexo pensamento evolutivo tornou este tipo de classificação inadequado. Com a aceitação dos princípios evolutivos foi necessário que as inter-relações dos organismos ficassem expressas no sistema 22 de classificação. Não somente as entidades da diversidade necessitavam de um rótulo, mas também que esse evidenciasse as relações daquela entidade com as demais. As técnicas filogenéticas de classificação tornaram possíveis não somente a organização das espécies, mas também que fosse possível formular hipóteses evolutivas testáveis, de modo que estas hipóteses geradas se incluem no princípio básico da ciência moderna, que é a possibilidade de se testar as hipóteses e não simplesmente assumi-las. 3.1 CLASSIFICAÇÕES E NOMES O método ainda hoje utilizado da nomenclatura zoológica precede os conceitos evolutivos. Esse sistema está baseado em conceitos de naturalistas dos séculos XVI, XVII e XVIII. Dentre estes naturalistas, destaca-se Carolus Linnaeus (nome latinizado). O sistema lineano de classificação emprega o sistema binomial para nomear as espécies, que por sua vez são agrupadas em categorias hierárquicas para a classificação. Esse sistema é incompatível em parte com aspectos da biologia evolutiva (QUEIROZ & GAUTHIER, 1992). No entanto, é amplamente utilizado. Entender esta classificação tradicional facilita em muitos pontos os trabalhos relacionados à biologia evolutiva. 3.2 NOMENCLATURA BINOMIAL A designação formal da nomenclatura científica das espécies tornou-se padronizada quando os trabalhos de Linnaeus foram publicados, entre 1735 e 1758, formando o Systema Naturae. Esse sistema consiste em designar um nome formado por duas palavras para cada espécie. Estas palavras usadas devem ser palavras em latim, de modo que muitas vezes os nomes científicos são extremamente bizarros, outros, no entanto, são muito familiares a nós. Por que o latim? Essa língua já foi muito difundida entre os sábios e pesquisadores antigos. Adotada como padrão, é utilizada na nomeação das 23 espécies independentes da língua de origem do pesquisador. A padronização de um nome científico vem da necessidade de se uniformizar o reconhecimento da mesma. Por exemplo, o lagarto denominado Tupinambis merianae é amplamente distribuído na América do Sul, entretanto nas diferentes regiões possui nomes populares específicos como: teiú, teiú-açu ou tegú. Quando tratado cientificamente, todos os biólogos do mundo sabem de qual espécie se trata quando leem o nome Tupinambis merianae. 3.3 GRUPOS HIERÁRQUICOS MAIS ELEVADOS Os naturalistas da época de Linnaeus desenvolveram o que é chamado de Sistema Natural de Classificação. Neste sistema, as espécies são agrupadas em gêneros que, por sua vez, são incluídos consecutivamente em grupos mais inclusivos. Com o desenvolvimento da sistemática, sete categorias básicas são empregadas nas classificações zoológicas. Elas estão listadas abaixo em ordem decrescente de inclusibilidade: Reino Filo Classe Ordem Família Gênero Espécie 3.4 CLASSIFICAÇÕES (TRADICIONAIS E CLADÍSTICAS) Apesar de todas as classificações basearem-se em características compartilhadas,algumas semelhanças são mais significativas para reconstruir as relações filogenéticas que outras. Por exemplo, a presença de extremidades pares diz pouco sobre as inter-relações entre os vertebrados que a presença 24 de glândulas mamárias. Excetuando alguns grupos específicos, todos os vertebrados possuem as extremidades pares, enquanto que a presença de glândulas mamárias apenas os mamíferos possuem, de modo que esta característica é mais significativa para a reconstrução sobre a evolução dos vertebrados. 4 NOÇÕES SOBRE A IRRADIAÇÃO INICIAL DOS VERTEBRADOS 4.1 HISTÓRIA DA TERRA E A EVOLUÇÃO DOS VERTEBRADOS Desde as origens dos vertebrados (provavelmente no Paleozoico Inferior), esses vêm evoluindo enquanto o planeta se modifica constantemente. Estas modificações afetaram direta e indiretamente a evolução dos vertebrados. Uma compreensão das sequências de alterações nas configurações continentais, que por sua vez acarretam em mudanças climáticas e intercâmbios faunísticos, constituem uma peça central no entendimento da história dos vertebrados (figura 1). A história da Terra é dividida (artificialmente, com base em evidências geológicas e paleontológicas) em três éons: Arqueano, Proterozoico e Fanerozoico. Destes três éons, a história dos vertebrados ocorreu toda dentro do éon Fenerozoico. Este éon começa por volta de 545 milhões de anos no passado e, por sua vez, é dividido em três eras: Paleozoica, Mesozoica e Cenozoica. Tais eras também podem ser decompostas de diferentes maneiras, sendo que a tabela do tempo geológico assumida pela comissão internacional de estratigrafia será adotada na presente apostila. Os movimentos das placas tectônicas têm sido marcantes na Terra. Isso funciona como um pano de fundo para a evolução biológica, inclusive no que concerne aos vertebrados. Por volta de 545 milhões de anos atrás, os mares haviam se formado, os continentes solidificados flutuavam sobre o manto da Terra, a vida tornara-se mais complexa e uma atmosfera com oxigênio havia se formado. 25 Os continentes ainda permaneciam a deriva. A América do Sul e África moviam-se em sentido divergente alguns poucos centímetros por ano. Estes movimentos são complexos, sendo que sua sequência e direções variáveis, tornando muito difícil a determinação precisa dos mesmos. Há cerca de 300 milhões de anos os vários continentes que haviam se separado na crosta terrestre uniram-se e formaram uma única massa continental denominada Pangeia. Esse enorme continente primeiramente se fragmentou em duas massas, por volta de 150 milhões de anos atrás. As duas massas geradas são denominadas Laurásia, ao norte, e Gondwana, ao sul. Posteriormente, tais massas dividiram-se em diferentes pontos dando origem aos continentes como conhecemos hoje. Estes movimentos complexos dos continentes ao longo do tempo influenciaram significativamente na evolução dos vertebrados. Uma das relações mais óbvias é a influência da configuração continental nos climas. A Pangeia permaneceu na faixa da linha do Equador até meados do Mesozoico. Nessa região do globo, a irradiação solar é mais intensa e o clima é correspondentemente mais quente. Durante o Paleozoico e Mesozoico, boa parte das terras emersas apresentava condições tropicais e os vertebrados terrestres espalharam-se por estas áreas. Posteriormente, com a movimentação continental, as massas alastraram-se mais pela superfície da terra e boa parte dos climas tropicais tornou-se temperado. Outro efeito um pouco menos óbvio da influência da configuração continental é a influência disto nas correntes marítimas. Um exemplo é o atual Oceano Ártico. Esse oceano encontra-se isolado das correntes quentes dos demais oceanos, de forma que tal isolamento é um dos fatores que auxilia na manutenção de boa parte do oceano congelado. Um processo semelhante parece ter ocorrido no final do Eoceno na América do Norte, levando à extinção de um grande número de mamíferos. Além de influenciar o clima, a deriva continental formou e interrompeu conexões de terra entre os continentes ao longo do Fanerozoico. O isolamento de diferentes linhagens em distintas massas continentais gera tanto padrões em linhagens próximas quanto a evolução dramática de padrões convergentes em linhagens distantes. Um dos exemplos típicos é a presença de peixes pulmonados na América do Sul, África e Austrália. Esse padrão posteriormente 26 foi reconhecido como resultado de uma maior proximidade pretérita entre essas três massas continentais. Já um exemplo de convergência está na fauna de marsupiais australiana e a fauna de placentários no resto do globo (figura 2). Há equivalentes ecológicos aos mamíferos placentários nos marsupiais australianos, gerando morfologias convergentes, no entanto, essas semelhanças foram geradas por homoplasias e não são homólogas. A deriva é um componente muito importante na evolução dos vertebrados de modo que compõe um elemento estocástico, ou seja, ao acaso, que atua sobre as diferentes linhagens diferentemente, dependendo do local e tempo em que ocorrem (figura 3). 27 FIGURA 1 - DIVERSIDADE ATUAL DE VERTEBRADOS Os dados indicam o número aproximado de espécies de cada grupo. Na parte interna do diagrama estão apresentados os nomes clássicos de cada grupo. Já na parte externa estão indicados os nomes formais utilizados para cada um. FONTE: Modificado de Pough et al. (1996). 28 FIGURA 2 - CLADOGRAMA SOBRE HIPÓTESES DE INTER-RELAÇÕES DOS VERTEBRADOS Os números indicam os nós com os nomes adotados pela sistemática filogenética. Na parte superior encontram-se os nomes tradicionais dos grupos de vertebrados e sua abrangência na sistemática tradicional. FONTE: Modificado de Pough et al. (1996). 29 FIGURA 3 - CLADOGRAMA SOBRE HIPÓTESES DE INTER-RELAÇÕES DOS ARCHOSAURIA Os grupos Phytosauria, Pterosauria e os dinossauros Ornitischia e Saurischia são grupos extintos. Dentro desta hipótese, que é a mais aceita para a relação destes grupos, as aves são incluídas em Dinosauria, de modo que as aves são dinossauros. FONTE: Modificado de Pough et al. (1996). 4.2 VERTEBRADOS E SUA RELAÇÃO COM OS DEMAIS GRUPOS ZOOLÓGICOS Os vertebrados são incluídos tradicionalmente no subfilo Vertebrata e juntamente com os subfilos Urochordata e Cephalochordata formam o filo Chordata. Estes três subfilos possuem caracteres comuns compartilhados que se infere representar homologias. Tais grupos apresentam em pelo menos uma fase da vida notocorda (um bastonete cartilaginoso, que inclusive dá nome ao 30 grupo), um tubo nervoso dorsal oco, cauda muscular pós-anal e endóstilo. O endóstilo é uma estrutura em formato de sulco recoberto por estruturas ciliares e um tecido glandular encontrado no assoalho da faringe (nos humanos, essa é a região da garganta). Tal estrutura secreta muco que prende partículas durante a alimentação por filtração. O endóstilo está presente nos Urochordata, Cephalochordata e nas larvas de Petromyzontoidea. Esta composição é tida como homóloga à tireoide dos vertebrados (glândula envolvida em algumas regulações metabólicas). Na hipótese de relação entre os Chordata, acredita- se na aproximação de Cephalochordata e Vertebrata, e os Urochordata seriam externos a estes. Os Chordata, em relação aos demais animais, apontam uma maior afinidade destes com os Echinodermata (estrelas-do-mar, ouriços-do-mar, lírios do mar, etc), que superficialmente não apresentam muita semelhança com os Chordata. Os equinodermos possuem simetria pentarradial quando adultos, diferentemente da simetria bilateral dos cordados. Outro grupo menos conhecido pode tornar estas relações ainda maiscomplexas. As semelhanças entre Chordata e Echinodermata se tornam mais intricadas quando analisadas juntamente com o filo Hemichordata (um pequeno grupo de animais marinhos). Estes três filos são considerados deuterostômios. Várias características embriológicas e larvais definem a deuterostomia. Os Hemichordados são algumas vezes considerados mais próximos dos cordados que os equinodermos por apresentarem fendas faringeanas, que são orifícios na faringe originalmente relacionados à alimentação através de filtração. Os equinodermos atuais não apresentam tais fendas, no entanto fósseis deste grupo possuem estruturas que podem indicar que plesiomorficamente tal grupo oferece tais fendas e que, posteriormente, elas podem ter sido perdidas no decorrer da evolução. A simetria pentarradial dos equinodermos modernos parece ser um ponto contra a aproximação destes com os cordados. No entanto, o registro fóssil aponta também que tal simetria é derivada de uma condição bilateral. 4.3 CORDADOS NÃO VERTEBRADOS 31 Depois de apontar os possíveis grupos irmãos dos cordados, faremos uma breve introdução sobre os cordados não vertebrados, que apresentam a condição plesiomórfica de muitas características observadas derivadas nos vertebrados. Os dois grupos de cordados não vertebrados são animais marinhos de pequeno porte e desconhecidos para a grande maioria da população. Acredita-se que existiram muitos outros grupos de cordados não vertebrados, no entanto, por serem animais de pequeno porte e de corpo mole, a preservação destes animais é dificultada. Um animal fóssil, todavia, parece estar intimamente relacionada com os Chordata: o Pikaia, conhecido por vários espécimes encontrados em Burgess Shale (Cambriano Médio da Columbia Britânica). Este animal possui uma pequena cabeça bilobada, portando, dois pequenos tentáculos e com pequenas fileiras branquiais. As características mais importantes dos cordados observados nestes fósseis são os miômeros (feixes musculares dispostos nas laterais do corpo, separados por tecido conjuntivo) e uma notocorda nos dois terços anteriores do corpo. 4.4 UROCHORDATA Os Urochordata são conhecidos também como tunicados (figura 4). Os tunicados atuais são animais marinhos que filtram partículas da água por meio de uma faringe perfurada semelhante a um cesto (alguns denominam esta faringe modificada como cesto branquial). As estimativas atuais sugerem a existência de cerca de dois mil espécies viventes, sendo que a maioria é séssil, fixando-se no substrato. Por volta de cem espécies não são sésseis, flutuando na superfície dos oceanos. Essas formas sésseis pouco se assemelham aos cefalocordados e vertebrados a não ser pelas fendas branquiais e a presença de endóstilo. No entanto, suas larvas são mais parecidas com os demais elementos do filo Chordata. Estas larvas possuem uma notocorda na região posterior, um tubo nervoso oco e uma cauda pós-anal. Esta cauda faz com que a movimentação destas larvas se assemelhe aos movimentos de natação dos peixes. A maior 32 parte de subfilo se metamorfoseia após um curto período de larva livre natante e se fixa no substrato. Alguns pesquisadores supõem que as poucas espécies de tunicados que não são sésseis apresentam um plano de corpo muito semelhante ao que se espera do ancestral comum mais recente dos Chordata. 33 FIGURA 4 - ESQUEMAS DA ANATOMIA DE UMA LARVA DE UROCHORDATA E DA ANATOMIA DE UM ADULTO DO MESMO GRUPO, EVIDENCIANDO A TRANSFORMAÇÃO ENTRE UMA LARVA E UM ADULTO DESTE GRUPO FONTE: Modificado de Pough et al. (1996). 34 4.5 CEPHALOCHORDATA O grupo dos cefalocordados é ainda mais restrito, com apenas 22 espécies viventes (figura 5). Todas são marinhas, pequenas e superficialmente assemelham-se a peixes. Popularmente estes animais são chamados de anfioxo (do grego amphi = ambos e oxy = pontiagudo, em ambas as extremidades). Apesar de poucas espécies, tal grupo é distribuído amplamente nas águas oceânicas rasas de praticamente todos os continentes, tendo a maior parte das espécies quando adulto o hábito de permanecer enterrado no substrato. FIGURA 5 - ESQUEMA DA ANATOMIA DE UM CEPHALOCHORDATA FONTE: Modificado de Pough et al. (1996). Um fato notável dos anfioxos é a locomoção semelhante a dos peixes. Os miômeros encontrados nas laterais do corpo contraem-se ao passo que a notocorda funciona como uma estrutura incompressível impedindo que o corpo encurte quando os miômeros se contraem. Assim, quando os miômeros encolhem em sequência o corpo se curva, e quando alterado o lado da 35 contração o movimento resultante é como o mexer da cauda de um peixe. A notocorda neste grupo estende-se por todo o corpo, sendo encontrada desde a região do rostro até a região mais posterior da cauda. Os vertebrados e cefalocordados apresentam diferentes maneiras no uso das fendas faringeanas. Os cefalocordados não possuem tecido branquial na região das fendas faringeanas. Isto é possivelmente relacionado ao pequeno tamanho que permite que as trocas gasosas sejam inteiramente feitas através de difusão por toda a superfície do corpo. Nesse grupo, as fendas branquiais são usadas na alimentação por filtração. A água é movimentada através da movimentação de cílios situados nas barras branquiais e auxiliada por cílios e cirros bucais, bem como o órgão da roda. A presença de um átrio (cavidade externa do anfioxo) difere este grupo dos vertebrados. O átrio é formado por dobras dérmicas que envolvem o corpo como se fosse uma capa. Esta capa abre-se para o exterior através do atrióporo e parece auxiliar no controle das substâncias que entram na faringe. Os cefalocordados apresentam várias características derivadas ausentes nos tunicados. Além dos miômeros, os anfioxos possuem um sistema circulatório semelhante ao dos vertebrados, com uma aorta dorsal e uma bomba ventral (homólogo ao coração) que força o sangue através das brânquias. Ainda, apesar de não possuir um rim diferenciado, os cefalocordados possuem células excretoras especializadas denominadas podócitos, além de uma nadadeira caudal como a dos vertebrados. Cephalochordata e Vertebrata compartilham ainda algumas características embrionárias: mesoderma da placa lateral (tecido derivado da porção não segmentada do mesoderma) e indução embrionária de vários tecidos neurais, tanto encéfalo quanto nervos, pela notocorda durante o desenvolvimento (GANS, 1989). Dado o foco da apostila, este assunto não será abordado profundamente. 5 DEFINIÇÃO DE UM VERTEBRADO O termo vertebrado é derivado da estrutura vértebra. As vértebras estão 36 serialmente arranjadas formando a coluna vertebral. Na maioria dos vertebrados as vértebras substituem a notocorda após o período embrionário e do mesmo modo circundam o tubo nervoso. Esta coluna vertebral ossificada não é encontrada em boa parte dos peixes que apresentam tais estruturas formadas por tecido cartilaginoso. Apesar do nome do grupo, nem todos os animais incluídos no subfilo Vetebrata possuem vértebras. Entre os ágnatos viventes, os peixes-feiticeiros não possuem qualquer vestígio de vértebra, enquanto que as lampreias possuem apenas estruturas cartilaginosas recobrindo lateralmente o tubo nervoso oco. Vértebras como conhecemos com um centro vertebral circundando a notocorda são encontradas apenas nos vertebrados com mandíbula. Alguns peixes mantêm a notocorda funcional quando adulto, com os centros vertebrais formados por diversos elementos distintos em vez de uma única peça óssea circundando a notocorda. Alguns agnatos fósseis da linhagem dos gnatostomados provavelmente possuíram vértebras cartilaginosas de algum tipo. Todos os vertebradosapresentam uma estrutura diferenciada circundando o encéfalo. Esta estrutura é denominada crânio, que pode ser óssea, como na maioria dos vertebrados terrestres, mas também pode ser cartilaginosa em alguns grupos. O crânio é o principal componente da cabeça e apresenta uma concentração dos órgãos sensoriais. Estudos recentes sobre embriologia identificaram uma série de genes denominados genes Hox, que são encontrados tanto em Cephalochordata quanto em Vertebrata, indicando que a cabeça não é uma estrutura completamente nova, mas que os componentes genéticos para tal já estavam presentes no ancestral comum mais recente destes dois grupos. Alguns pesquisadores preferem denominar o grupo classicamente como Craniata. Isso porque nem todos os animais incluídos em Vertebrata possuem vértebras, no entanto, todos possuem crânio. Um dos aspectos importantes na definição dos vertebrados é a presença de um tecido embrionário denominado crista neural. Apesar de este tecido ser encontrado em muitos grupos não vertebrados, nos vertebrados ele dá origem a uma série de estruturas, principalmente no encéfalo. Inclusive, alguns autores sugerem que a crista neural nos vertebrados seria um quarto folheto germinativo único entre todos os grupos zoológicos (HALL, 2000). O 37 encéfalo dos vertebrados é mais desenvolvido que os encéfalos dos demais cordados e é dividido em três principais regiões: o prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo. 6 ESTRUTURA BÁSICA DOS VERTEBRADOS No módulo introdutório anterior delimitamos o que é um vertebrado. Neste módulo, passaremos a investigar quais são as suas principais características. Quando comparamos os vertebrados com os demais cordados, uma das principais peculiaridades facilmente reconhecidas é o aumento de tamanho corporal. Os vertebrados mais primitivos provavelmente atingiam um comprimento corporal de cerca de dez centímetros, uma ordem de grandeza superior aos maiores cordados não vertebrados. Devido a isso, os processos de difusão e ação ciliares responsáveis por praticamente todas as trocas com o ambiente nos cordados não vertebrados são praticamente desprezíveis nos vertebrados e os processos de troca com o ambiente são feitos por meio de sistemas especializados. E, dada à presença destes sistemas especializados, os vertebrados apresentam uma complexidade fisiológica que levou o grupo a uma atividade muito maior durante a vida quando comparados aos cordados não vertebrados. Os vertebrados são caracterizados por uma maior mobilidade que, por sua vez, é possibilitada através da presença de músculos e um endoesqueleto. Essa mobilidade permite ainda que o vertebrado esteja em contato com uma maior gama de ambientes e componentes daquele ambiente que foi possibilitada por um revestimento resistente e flexível. Ossos e outros tecidos mineralizados tiveram sua origem neste tegumento de revestimento. 6.1 EMBRIOLOGIA 38 Por que o estudo da embriologia deve ser empregado? O estudo da embriologia de um vertebrado pode evidenciar o desenvolvimento dos sistemas, de forma que tal desenvolvimento está baseado nos contingentes históricos e pode fornecer evidências sobre a evolução dos sistemas. Apesar da máxima “a ontogenia recapitula a filogenia” não ser empregada mais como uma unanimidade, como foi proposto por embriologistas do século XIX, tais como Haeckel, a embriologia fornece evidências sobre o estado ancestral de certas estruturas e facilita a proposição de homologias. O desenvolvimento de um vertebrado por meio do zigoto é uma série de eventos extremamente complexos e não compreendidos por completo (como quase todos os pontos das ciências). Todos os animais (excetuando-se as esponjas) são formados por camadas de tecido germinativo, sendo que o destino que cada folheto germinativo toma durante a evolução é muito conservativo, algumas vezes fácil de propor homologias nos diversos grupos zoológicos. O tegumento externo denominado ectoderma origina as camadas mais externas do tegumento do adulto, as porções mais anteriores e posteriores do trato digestório e o sistema nervoso (incluindo a maior parte dos órgãos do sentido, como olhos e orelhas). O endoderma (folheto mais interno) forma o restante do trato digestório, incluindo o revestimento das glândulas associadas (fígado, por exemplo) e a maior parte das superfícies respiratórias dos pulmões e brânquias. O folheto intermediário (mesoderma) em geral é o último a aparecer no desenvolvimento e dá origem às demais estruturas (músculos, esqueleto, tecido conjuntivo e sistemas circulatório e urogenital). Mas posteriormente ao desenvolvimento forma-se uma fenda no mesoderma originando o celoma (cavidade do corpo onde estão os órgãos internos). O celoma, por sua vez, é dividido em duas partes: cavidade peritoneal (em torno das vísceras) e cavidade pericárdica (em torno do coração). Como citado anteriormente, os vertebrados possuem ainda um possível quarto folheto germinativo, denominado crista neural. Este tecido forma estruturas da região anterior da cabeça, incluindo ossos e músculos. Este tecido forma ainda todo o sistema nervoso periférico (fora do encéfalo e medula espinhal), além de algumas partes do encéfalo e estruturas que são consideradas como exclusivas dos vertebrados, como as glândulas adrenais, as células pigmentadas da pele, células secretoras do intestino e a musculatura lisa que reveste a aorta. 39 Um embrião de vertebrado quando observado no estágio de faríngula (um dos muitos estágios pelos quais o embrião passa), é possível reconhecer o estado ancestral das bolsas faringeanas encontrado nos cordados não vertebrados. Nos peixes, há a perfuração das bolsas faringeanas, formando-se as fendas branquiais, enquanto que nos vertebrados terrestres estas fendas desaparecem nos adultos. Já o tubo nervoso oco (característico dos cordados) é formado por uma invaginação e subsequente separação da ectoderme dorsal, a notocorda em desenvolvimento. As células da crista neural aparecem perto do tubo neural e, mais tarde, no desenvolvimento estas células dispersam ao longo do comprimento do embrião e atingem as diversas regiões do mesmo, onde originarão as estruturas citadas anteriormente. O mesoderma embrionário é dividido em três porções diferenciadas, e como consequência disso o corpo do vertebrado adulto possui regiões segmentadas e regiões não segmentadas. A área dorsal do mesoderma, acima do trato digestório e abaixo do tubo nervoso, forma uma série de segmentos denominados somitos e dispostos desde a região mais anterior até a mais posterior. A parte inferior do mesoderma (contendo o celoma) não é segmentada e é chamada placa lateral. Há ainda pequenas regiões segmentadas unindo os somitos e a placa lateral, conhecidas como nefrótomos. Posteriormente, os somitos segmentados formam a derme, os músculos do tronco e das extremidades pares do corpo, a coluna vertebral e região dorsal do crânio. Posteriormente, alguns músculos, que até então estão localizados na região superior (epiaxial), migram para a região ventral, formando a musculatura hipoaxial. Esta musculatura nos tetrápodes dá origem à musculatura da perna. A placa lateral forma as porções não segmentadas do corpo (tecido conjuntivo, sistema circulatório, mesentérios – tecido que conecta o trato digestório com a parede do corpo, revestimento perinitoneal, pericárdico e sistema reprodutivo). Os nefrótomos, por sua vez, formam os rins (ou estruturas homólogas em vertebrados mais primitivos) e os ductos de drenagem dos rins. Do mesmo modo, o desenvolvimento do sistema nervoso segue também a estruturação segmentar e não segmentar que ocorre no desenvolvimento do resto do corpo. Uma característica peculiar dos vertebrados é a existência de dois tipos de sistema nervoso, o somático (ou voluntário) e o visceral (ouinvoluntário). 40 O sistema nervoso somático inerva os músculos que podem ser movidos voluntariamente (por exemplo, os músculos do pescoço) e transmite informações de sensações que percebemos conscientemente (como os receptores de temperatura da pele). O sistema nervoso visceral inerva os músculos que não conseguimos mover conscientemente (por exemplo, os músculos do trato digestório), além de receptores de sensações que não temos consciência (como os receptores de concentração de dióxido de carbono do sangue). Apesar desse esquema de desenvolvimento ser válido como um plano básico dos vertebrados, há variações nos diferentes grupos, sendo que cada grupo possui certas peculiaridades em seu desenvolvimento embriológico. 6.2 TECIDOS PÓS-EMBRIONÁRIOS Após o período embrionário, em que a diferenciação entre os tecidos ocorre, é possível reconhecer que existem basicamente cinco tipos de tecidos nos vertebrados: epitelial, vascular, conjuntivo, muscular e nervoso. Eles combinam-se de forma que se agregam em unidades maiores e mais complexas denominadas órgãos. Os órgãos frequentemente são formados por aglomerações dos cinco tipos básicos de tecidos e, por sua vez, estão arranjados em sistemas. Um dos componentes principais dos órgãos nos vertebrados é a proteína colágeno. Esta proteína forma também a matriz orgânica dos ossos, tendões e ligamentos, bem como os tecidos moles de órgãos. O colágeno é rijo e dificilmente se distende. Em alguns locais, ele se combina com a elastina, que também se distende. Outra proteína característica dos vertebrados é a queratina, encontrada em estruturas epidérmicas (pelos, escamas, bicos, etc.), enquanto que o colágeno em geral está localizado no mesoderma. Do mesmo modo que o colágeno, a queratina pode se tornar mineralizada. 6.3 TEGUMENTO O revestimento externo dos vertebrados é denominado tegumento. O tegumento é o único órgão responsável por aproximadamente 15% a 20% da massa total dos vertebrados (podendo representar mais em animais encouraçados) e inclui a pele e seus 41 derivados, como escamas, pelos, glândulas e armadura dérmica. As divisões mais claras deste órgão são: epiderme (camada superficial de células derivadas do ectoderma) e derme (camada mais profunda, originada do mesoderma e da crista neural). A epiderme funciona como uma fronteira entre o vertebrado e o meio em que este está inserido. Este tecido é importante na percepção do ambiente e nas trocas entre o meio interno e o ambiente. Frequentemente são encontradas glândulas e possuem papel importante na regulação osmótica e do volume do vertebrado. A principal camada da pele, no entanto, é a derme. Essa inclui inúmeras fibras colágenas que promovem elasticidade e mantém a forma do órgão. Na derme estão localizados também os vasos sanguíneos. Os vasos sanguíneos, por outro lado, têm o fluxo controlado tanto por regulações hormonais quanto neurais. Algumas fibras musculares lisas também podem ser encontradas na derme, como, por exemplo, a musculatura que promove o enrugamento dos mamilos. Na derme estão localizadas também estruturas sensoriais e nervos associados a sensações de pressão, temperatura e dor. Além dos melanócitos, que são as células pigmentadas contendo melanina. Há ainda um tecido denominado hipoderme (ou camada subcutânea) que não faz parte funcionalmente da pele, mas está localizado entre a derme e as fáscias musculares. Nessa região, há fibras colágenas e elásticas, sendo esta área a de acumulação de gordura subcutânea em mamíferos e aves. Ali, é encontrada também a musculatura estriada que promove as expressões faciais, principalmente nos mamíferos. 6.4 TECIDOS MINERALIZADOS Os vertebrados possuem um tecido peculiar mineralizado chamado hidroxiapatita, composto por cálcio e fósforo. Este tecido é mais resistente a ataques ácidos que a calcita (que forma as conchas de moluscos), resistência tal que impede a corrosão do tecido no caso de atividades físicas vigorosas que liberam ácido lático nos vertebrados. Quatro tecidos principais podem sofrer mineralização nos vertebrados, três dos quais são encontrados mineralizados nos adultos (esmalte, dentina e ossos). Já o quarto (cartilagem) em geral não é mineralizado nos tetrápodes, mas forma o principal 42 elemento mineralizado do esqueleto interno de alguns peixes (como tubarões e raias). O esmalte e a dentina são os tecidos mais mineralizados (com 99% e 90% de porção mineralizada, respectivamente). Estes dois tecidos são encontrados nos dentes e nas escamas de alguns grupos de peixes primitivos. A mineralização de um tecido é um evento complexo e, embora o osso possa substituir a cartilagem em alguns casos, ele não é simplesmente a ossificação da cartilagem. Ela é formada por condrócitos, enquanto que o osso é composto por osteócitos, sendo, portanto, diferentes tipos de células que formam cada tecido. As células que formam a cartilagem e os ossos são originárias do mesoderma, enquanto as células que dão origem à dentina são derivadas da crista neural e as que formam o esmalte são derivadas do ectoderma. Existe um quinto tipo de tecido mineralizado encontrado nos peixes (excetuando-se os peixes de nadadeira lobada), denominado enameloide. Este tecido é semelhante ao esmalte localizado nas camadas externas de ossos dérmicos dos grupos que o possui. No entanto, quando observada a origem embrionária deste tecido, há uma maior proximidade deste com a dentina. O último tecido mineralizado é o cemento, que possui estrutura semelhante ao osso, sendo encontrado em alguns grupos fixando os dentes nos alvéolos (às vezes incorporado aos dentes também). Todos os tecidos mineralizados dos vertebrados possuem uma complexa matriz de colágenos e cristais de hidroxiapatita, secretados por células especializadas. Estes dois componentes estão arranjados em complexas redes que possuem direções alternadas que conferem aos tecidos uma maior resistência a fraturas e quebras. No caso dos ossos, este se mantém vascularizado mesmo quando totalmente mineralizado. Esta natureza vascular permite que o osso possa remodelar-se. Por esta propriedade, é possível que um tecido ósseo seja reconstruído após uma fratura. No entanto, as cartilagens ossificadas (como as dos tubarões) não são vascularizadas e não se recuperam após uma fratura. Os ossos não possuem uma estrutura única. Diversas disposições são encontradas tanto nos diferentes grupos, bem como num mesmo indivíduo que possui diferentes ossos com distintas estruturas teciduais. As extremidades dos ossos em geral são recobertas por cartilagem que reduz o atrito quando a articulação se move. Os dentes possuem estrutura semelhante ao escudo dérmico dos vertebrados mais primitivos. Esses são compostos por uma camada interna de dentina e uma camada externa de esmalte ou enameloide, ambas em torno de uma estrutura central 43 denominada polpa. As escamas dos tubarões possuem mesma estrutura, sendo reconhecida a homologia entre os dentes e estas escamas dos tubarões. 6.5 SISTEMA ESQUELÉTICO-MUSCULAR O sistema esquelético dos cordados tem como estrutura básica a notocorda. Nos vertebrados há a adição do crânio em volta do encéfalo, o esqueleto axial dos arcos branquiais e seus derivados. O esqueleto axial (coluna vertebral e seus derivados) de cartilagem ou osso, que originalmente circunda e depois substitui a notocorda, não é encontrado nos vertebrados mais primitivos, como explicado anteriormente, somente os gnatostomados o possuem. Estes também têm vértebras verdadeiras, costelas e apêndices com esqueleto interno. A notocorda é perdida em tetrápodes adultos, apenas pequenas porções ficam presentes na forma dos discos entre as vértebras. O crânio, esqueleto visceral, notocorda, vértebras, costelas e o suporte das nadadeiras ímpares dos peixes são denominados
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