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Epidemiologia

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1 
 
 
Epidemiologia, História Natural e Prevenção de Doenças 
Maria Zélia Rouquayrol 
Epidemiologia & Saúde 
 
CONCEITO DE EPIDEMIOLOGIA 
Em meados do século passado, por ocasião de uma epidemia 
de cólera em Londres, John Snow (1854), considerado o pai da 
epidemiologia, concluiu pela existência de uma associação causal 
entre a doença e o consumo de água contaminada por fezes de 
doentes, rejeitando a hipótese de caráter miasmático da 
transmissão, então em voga. 
Costa & Costa (1990), comentando a idéia veiculada no 
parágrafo anterior, referem que “... Snow desenvolveu uma teoria 
sobre o modo de transmissão do cólera, estudando as epidemias 
em Londres em meados do século XIX, que de maneira alguma 
pode ser lida como uma associação causal entre doença e o 
consumo de água contaminada. Ainda que efetivamente Snow 
tenha descoberto que a água é o mecanismo de transmissão do 
cólera, não resta também dúvida de que sua obra não se restringe a 
esse fato. Pelo contrário, Snow busca precisar a rede de processos 
que determinam a distribuição de doença nas condições concretas 
de vida da cidade londrina. A leitura restrita sobre o trabalho de 
Snow fixa a atenção nos achados a respeito dos mecanismos de 
transmissão em detrimento do significado do olhar do autor sobre o 
cotidiano, os hábitos e modos de vida, os processos de trabalho e a 
natureza das políticas públicas. É pensando a doença em todas as 
suas dimensões que o autor consegue integrar essas expressões 
do social em seu raciocínio sobre o processo de transmissão". 
Daquela época até o início do século atual, a epidemiologia foi 
ampliando seu campo, e suas preocupações concentraram-se 
sobre os modos de transmissão das doenças e o combate às 
epidemias. A partir das primeiras décadas, com a melhoria do nível 
de vida, especialmente nos países desenvolvidos, e com o 
conseqüente declínio na incidência das doenças infecciosas, outras 
enfermidades de caráter não-transmissível (doenças 
cardiovasculares, câncer e outras) passaram a ser incluídas como 
objeto de estudos epidemiológicos, além do que, pesquisas mais 
2 
 
 
recentes, sobretudo as que utilizam o método de estratificação 
social, enriqueceram esse campo da ciência, ensejando novos 
debates. 
Atualmente, além de dispor de instrumental específico para 
análise do perfil de saúde-doença na população, a epidemiologia 
possibilita aclarar questões levantadas pelas rotinas das ações de 
saúde, gerando novos conhecimentos. Seu fim último é contribuir 
para a melhoria da qualidade de vida e o soerguimento do nível de 
saúde das coletividades humanas. 
Uma definição precisa do termo epidemiologia não é fácil: sua 
temática é dinâmica e seu objeto, complexo. Pode-se, de uma 
maneira simplificada, conceituá-la como: ciência que estuda o 
processo saúde-doença em coletividades humanas, analisando a 
distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à 
saúde e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas 
específicas de prevenção, controle, ou erradicação de doenças, e 
fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, 
administração e avaliação das ações de saúde. 
Esta definição pode ser aclarada pelo aprofundamento de 
algumas concepções nela expressas: 
a) a priori, independente de qualquer análise, pode ser dito 
que a atenção da epidemiologia está voltada para as 
ocorrências, em escala massiva de doença e de não-doença 
envolvendo pessoas agregadas em sociedades, coletividades, 
comunidades, grupos demográficos, classes sociais ou 
quaisquer outros coletivos formados por seres humanos; 
b) o universo dos estados particulares de ausência de saúde 
é estudado pela epidemiologia sob a forma de doenças 
infecciosas (sarampo, difteria, malária etc.), não-infecciosas 
(diabetes, bócio endêmico, depressões etc.) e agravos à 
integridade física (acidentes, homicídios, suicídios); 
c) considerando o conjunto de processos sociais interativos 
que, erigidos em sistema, definem a dinâmica dos agregados 
sociais, um em especial constitui o campo sobre o qual 
trabalha a epidemiologia: é o processo saúde-doença. 
Segundo Laurell (1983), o processo saúde-doença da 
coletividade pode ser entendido como “o modo específico pelo 
qual ocorre, nos grupos, o processo biológico de desgaste e 
3 
 
 
reprodução, destacando como momentos particulares à 
presença de um funcionamento biológico diferente, com 
conseqüências para o desenvolvimento regular das atividades 
cotidianas, isto é, o surgimento da doença”. 
Colocada neste contexto, a expressão saúde-doença é 
um qualificativo empregado para adjetivar genericamente um 
determinado processo social, qual seja o modo específico de 
passar de um estado de saúde para um estado de doença e o 
modo recíproco, Descontextualizada, a expressão saúde-
doença refere-se a uma ampla gama que vai desde “o estado 
de completo bem estar físico, mental e social” até o de 
doença, passando pela coexistência de ambos em proporções 
diversas. A ausência gradativa ou completa de um destes 
estados corresponde ao espaço do outro e vice-versa; 
d) entende-se por distribuição o estudo da variabilidade da 
freqüência das doenças de ocorrência em massa, em função 
de variáveis ambientais e populacionais, ligadas ao tempo e 
ao espaço. 
e) A análise dos fatores determinantes envolve a aplicação do 
método epidemiológico ao estudo de possíveis associações 
entre um ou mais fatores suspeitos e um estado característico 
de ausência de saúde, definido como doença; 
f) A prevenção visa empregar medidas de profilaxia a fim de 
impedir que os indivíduos sadios venham a adquirir a doença; 
o controle visa baixar a incidência a níveis mínimos: a 
erradicação, após implantadas as medidas de prevenção 
consiste na não-ocorrência de doença, mesmo em ausência 
de quaisquer medidas de controle; isto significa permanência 
da incidência zero (a varíola está erradicada desde 1977). 
A Associação Internacional de Epidemiologia (IEA), em seu 
“Guia de Métodos de Ensino” (1973), define epidemiologia como “o 
estudo dos fatores que determinam a freqüência e a distribuição 
das doenças nas coletividades humanas. Enquanto a clínica dedica-
se ao estudo da doença no indivíduo, analisando caso a caso, a 
epidemiologia debruça-se sobre os problemas de saúde em grupos 
de pessoas – às vezes pequenos grupos – na maioria das vezes 
envolvendo populações numerosas”. 
 
4 
 
 
"1. Descrever a distribuição e a magnitude dos problemas de saúde 
nas populações humanas. 
2. Proporcionar dados essenciais para o planejamento, execução e 
avaliação das ações de prevenção, controle e tratamento das 
doenças, bem como para estabelecer prioridades. 
3. Identificar fatores etiológicos na gênese das enfermidades”. 
Muitas doenças, cujas origens até bem recentemente não 
encontravam explicação, têm tido suas causas esclarecidas pela 
metodologia epidemiológica, que tem por base o método científico 
aplicado da maneira mais abrangente possível a problemas de 
doenças ocorrentes em nível coletivo. 
Hiroshi Nakajima, diretor da Organização Mundial de Saúde, 
por ocasião da 12ª Reunião Científica Internacional da Associação 
Internacional da Epidemiologia (1990), analisando o alcance da 
epidemiologia e concentrando seus comentários sobre a 
epidemiologia na AIDS, comenta que: “O descobrimento desta 
enfermidade devemo-lo a epidemiologia! A AIDS foi reconhecida 
pela primeira vez como uma enfermidade em 1981, antes que o 
vírus da imunodeficiência humana, dois anos mais tarde, fosse 
identificado, ou que se suspeitasse que era o agente causador da 
AIDS. 
A observação epidemiológica anotou a prevalência de uma 
combinação curiosa e inexplicável de manifestações clínicas de 
outros estados patológicos: astenia, perda de peso,dermatose, 
deterioração do sistema imunológico e o sarcoma de Kaposi, assim 
como a presença de “infecções oportunistas”, como a pneumonia 
por Pneumocystis carinii. Ainda hoje em dia, é este complexo de 
sinais clínicos, em combinação com o resultado positivo da prova 
de HIV, o que define um “caso de AIDS”. Pode ser o HIV positivo e, 
ainda assim, não ser portador da AIDS. Ademais, foi através da 
análise epidemiológica que inicialmente a síndrome foi relacionada 
com certos grupos de população e comportamentos de risco 
conexos. Se enfocamos a AIDS como um epidemia mundial, ela se 
nos apresenta como algo novo e súbito; porém se o nosso ponto de 
vista é a AIDS como doença, e o vírus como sua causa, concluímos 
que nenhum dos dois são novos; pelo menos datam dos anos 50. 
Fizeram falta as ferramentas de epidemiologia para nos dizer que 
enfrentávamos uma patologia discreta e letal”. 
5 
 
 
Através da epidemiologia, Gregg, na Austrália, em 1941, 
descobriu a associação existente entre malformações congênitas e 
rubéola adquirida pela mãe durante os primeiros meses de 
gestação. 
Leucemia na infância, provocada pela exposição aos raios X 
durante a gestação; trombose venosa relacionada ao uso de 
contraceptivos orais; ingestão de talidomida e o aparecimento de 
numerosos casos de focomelia; hábito de fumar e câncer de 
pulmão; cegueira em crianças nordestinas subnutridas e sua 
relação com a avitaminose A; mortalidade infantil e classes sociais; 
são alguns dentre os inúmeros exemplos de associações estudadas 
pelo método epidemiológico. 
A epidemiologia é o eixo da saúde pública. Proporciona as 
bases para avaliação das medidas de profilaxia, fornece pistas para 
diagnose de doenças transmissíveis e não transmissíveis e enseja 
a verificação da consistência de hipóteses de causalidade. Além 
disso, estuda a distribuição da morbidade a fim de traçar o perfil de 
saúde-doença nas coletividades humanas; realiza testes de eficácia 
e de inocuidade de vacinas desenvolve a vigilância epidemiológica; 
analisa os fatores ambientais e sócio-econômicos que possam ter 
alguma influência na eclosão de doenças e nas condições de 
saúde; constitui um dos elos de ligação comunidade/governo, 
estimulando a prática da cidadania através do controle, pela 
sociedade, dos serviços de saúde. 
Ainda, segundo Nakajima (1990): “A epidemiologia não se 
limita a avaliar a situação sanitária e sócio-econômica existente (ou 
passada). Se aceitarmos o critério mais amplo do prof. Cruiskshank, 
teremos que insistir na necessidade de avaliação das tendências 
futuras , isto é, uma epidemiologia prospectiva”. A pergunta é: o que 
nos dizem as tendências atuais sobre a provável situação futura 
para a qual teremos que fazer planos e tomar (ou não tomar) 
medidas corretivas?Qual será o provável resultado amanhã? Por 
conseguinte, estamos presenciando o surgimento de uma nova 
dimensão na ciência da epidemiologia, que será muito importante 
para o planejamento, a dotação dos recursos, o manejo e a 
avaliação da saúde, e que poderia afetar o curso futuro da história 
humana”. 
Autores norte-americanos, europeus e latino-americanos, 
entre os quais se destacam Mac Mahon (1975), Leavel & Clark 
(1976), Barker (1976), Lilienfeld (1976), Forattini (1976), Belda 
6 
 
 
(1976), Mausner & Bahn (1977), Rojas (1978), Colimon (1978), 
Jenicek & Cleroux (1982), definem epidemiologia de modo bastante 
semelhante, tendo como ponto comum “o estudo da distribuição das 
doenças nas coletividades humanas e dos fatores causais 
responsáveis por essa distribuição”. 
Esse conceito toma por base relações existentes entre os 
fatores do ambiente – físicos, químicos e biológicos – do agente e 
do hospedeiro ou suscetível. Dentro desta concepção, os fatores 
culturais e sócio-econômicos são partes integrantes do sistema, 
contribuindo à sua maneira, associados a outros fatores causais, 
para a eclosão em massa de doenças e agravos à saúde. 
 Outros autores, especialmente latino-americanos, entre os 
quais se salientam Uribe (1975), Laurell (1976), Tambellini (1976), 
Arouca (1976), Cordeiro (1976), Breihl (1980), Rufino & Pereira 
(1982), Luz (1982), Garcia (1983), Barata (1985), Marsiglia (1985), 
Carvalheiro (1986), Possas (1989), Goldbaum (1990) e Loureiro 
(1990), avançam em direção a uma nova epidemiologia cuja visão 
dialética se posiciona contra a fatalidade do “natural” e do “tropical”. 
Dá-se ênfase ao estudo da estrutura sócio-econômica fim de 
explicar o processo saúde-doença de maneira histórica, mais 
abrangente, tornando a epidemiologia um dos instrumentos de 
transformação social. Essa nova epidemiologia, também chamada 
de epidemiologia social, no conceito de Breihl, “deve ser um 
conjunto de conceitos, métodos e formas de ação prática que se 
aplicam ao conhecimento e transformação do processo saúde-
doença na dimensão coletiva ou social”. 
 Por outro lado, mostrando ser a epidemiologia uma ciência viva, 
em fase de crescimento e transformação, rica internamente em 
diversidades criativas, alguns autores têm se dedicado à sua crítica 
sob o ponto de vista epistemológico, buscando estabelecer 
fundamentos e analisar conceitos básicos ( Almeida Filho, 1989; 
Gonçalves, 1990; Costa & Costa, 1990; Ayres, 1992). 
HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA 
"Sob o ponto de vista do bem público, uma das implicações práticas 
da epidemiologia é que o estudo das influências externas tornam a 
prevenção possível, mesmo quando a patogênese da doença 
concernente não é ainda compreendida. Mas isto não quer dizer 
que a epidemiologia seja, de alguma maneira, oposta ao estudo de 
mecanismos ou, reciprocamente, que o conhecimento do 
7 
 
 
mecanismo não seja as vezes crucial para a prevenção”. (Acheson, 
1979). O autor, embora sem se referir explicitamente, opina que a 
prevenção se faz com base no conhecimento da história natural da 
doença. 
 História natural da doença é o nome dado ao conjunto de 
processos interativos compreendendo “as inter-relações do agente, 
do suscetível e do meio ambiente que afetam o processo global e 
seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o 
estímulo patológico no meio ambiente, ou em qualquer outro lugar, 
passando pela resposta do homem ao estímulo, até às alteração 
que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte”. (Leavell 
& Clark, 1976). 
A história natural da doença, portando, tem desenvolvimento 
em dois períodos seqüenciados: o período epidemiológico e o 
período patológico. No primeiro, o interesse é dirigido para as 
relações suscetível-ambiente, no segundo, interessam as 
modificações que se passam no organismo vivo. 
Abrange, portanto, dois domínios interagentes, consecutivos 
e mutuamente exclusivos, que se completam: o meio ambiente, 
onde ocorrem as pré-condições, e o meio interno, locus da doença, 
onde se processaria, de forma progressiva, uma série de 
modificações bioquímicas, fisiológicas e histológicas, próprias de 
uma determinada enfermidade. Alguns fatores são limítrofes. 
Situam-se, de forma indefinida, entre os condicionantes pré-
patogênicos e as patologias explícitas. São anteriores aos primeiros 
transtornos vinculados a uma doença específica, sem se confundir 
com a mesma e, ao mesmo tempo, são intrínsecos ao organismo 
do suscetível. Em uma situação normal, em ausência de estímulos, 
jamais se exteriorizariam como doenças. Em presença destes 
fatores intrínsecos preexistentes, os estímulos externos 
transformam-se em estímulos patogênicos. Dentre as pré-condições 
internas, citam-se os fatores hereditários, congênitos ou adquiridos 
em conseqüência de alterações orgânicas resultantes de doenças 
anteriores. 
O homem se faz presente em todas estas etapas. É gerador 
das condições sócio-econômicas favorecedoras das anomalias 
ecológicas predisponentes a algunsdos agentes diretamente 
responsáveis por doenças. Ao mesmo tempo, é a principal vítima do 
contexto de agressão à saúde por ele favorecido. 
8 
 
 
Na expressão história natural da doença, o "natural" não pode 
e não deve ser entendido como uma declaração de fé de ordem 
filosófica, negando o social e privilegiando o natural. Na verdade, 
não há como se negar que, na história da doença, o social e o 
natural têm, cada qual, sua hora e sua vez. 
Ao tratar a história natural de uma doença em particular como 
sendo uma descrição de sua evolução, desde os seus primórdios 
no ambiente biopsicossocial até seu surgimento no suscetível e 
conseqüente desenvolvimento no doente, deve-se ter um esquema 
básico, de caráter geral, onde ancorar as descrições específicas. 
Este esquema geral, arbitrário, é apenas uma aproximação da 
realidade, sem pretensão de funcionar como uma descrição da 
mesma (Fig. 2-1). A história natural das doenças, sob este ponto de 
vista, nada mais é do que um quadro esquemático que dá suporte á 
descrição das múltiplas e diferentes enfermidades. Sua utilidade 
maior é de apontar os diferentes métodos de prevenção e controle, 
servindo de base para a compreensão de situações reais e 
específicas, tornando operacionais as medidas de prevenção. 
PERÍODO DE PRÉ-PATOGÊNESE 
O primeiro período da história natural (denominado por 
Leavell & Clark [1976] como período pré-patogênese), é a própria 
evolução das inter-relações dinâmicas, que envolvem, de um lado, 
os condicionantes sociais e ambientais e, do outro, os fatores 
próprios do suscetível, até que chegue a uma configuração 
favorável à instalação da doença. É também a descrição desta 
evolução. Envolve, como já foi referido antes, as inter-relações 
entre os agentes etiológicos da doença, o suscetível e outros 
fatores ambientais que estimulam o desenvolvimento da 
enfermidade e as condições sócio-econômico-culturais que 
permitem a existência desses fatores. 
A Fig.2-1(A), mostra esquematicamente que, no período de 
pré-patogênese, podem ocorrer situações que vão desde um 
mínimo de risco até o risco máximo, dependendo dos fatores 
presentes e da forma como estes fatores se estruturam. Pessoas 
abastadas adoecerem de cólera é um evento de baixa 
probabilidade, isto é, para os que dispõem de meios, a estrutura 
formada pelos fatores predisponentes à cólera é de mínimo risco. 
Em termos de probabilidade de adquirir doença, no outro extremo, 
encontram-se, por exemplo, os usuários de drogas injetáveis que 
participam coletivamente de uma mesma agulha, para estes, os 
9 
 
 
fatores pré-patogênicos estruturados criam uma situação de alto 
risco, favorável á aquisição da AIDS. 
 
Fig 2-1 História Natural da Doença 
 
As pré-condições que condicionam a produção de doença, 
seja em indivíduos, seja em coletividades humanas, estão de tal 
forma interligadas e, na sua tessitura, são tão interdependentes, 
que seu conjunto forma uma estrutura reconhecida pela 
denominação de estrutura epidemiológica. Por estrutura 
epidemiológica, que tem funcionamento sistêmico, entende-se o 
conjunto formado pelos fatores vinculados ao suscetível e ao 
ambiente, incluindo aí o agente etiológico conjunto este dotado de 
uma organização interna que define as suas interações e também é 
responsável pela produção da doença. É, na realidade, um sistema 
epidemiológico. Cada vez que um dos componentes sofrer alguma 
alteração , está repercutirá, e atingirá os demais, num processo em 
que o sistema busca novo equilíbrio. Um novo equilíbrio trará 
consigo uma maior ou menor incidência de doenças, modificações 
na variação cíclica e no seu caráter, epidêmico ou endêmico. 
 
10 
 
 
San Martin (1981), põe em relevo o sistema formado pelo 
ambiente, população, economia e cultura, designando este conjunto 
de sistema epidemiológico-social. Segundo esse autor, qualidade e 
dinâmica do ambiente sócio-econômico, modos de produção e 
relações de produção, tipo de desenvolvimento econômico, 
velocidade de industrialização, desigualdades sócio-econômicas, 
concentração de riquezas, participação comunitária, 
responsabilidade individual e coletiva são componentes essenciais 
e determinantes no processo saúde-doença. 
Pode-se entender esse sistema a partir do detalhamento dos 
fatores que o compõe: 
FATORES SOCIAIS 
O estudo em nível pré-patogênico da produção da doença em 
termos coletivos, objetivando o estabelecimento de ações de ordem 
preventiva, deve considerar a doença como fluindo, originalmente, 
de processos sociais, crescendo através de relações ambientais e 
ecológicas desfavoráveis, atingindo o homem pela ação direta de 
agentes físicos, químicos, biológicos e psicológicos, ao se 
defrontarem, no indivíduo suscetível, com pré-condições genéticas 
ou somáticas desfavoráveis. Moderadamente, os condicionantes 
sociais da doença considerada em nível coletivo têm sido tratados a 
partir de dois pontos de vista: 
Segundo uma forma de ver, o componente social na pré-
patogênese poderia ser definido como uma categoria residual: 
conjunto de todos os fatores que não podem ser classificados como 
componentes genéticos ou agressores físicos, químicos e 
biológicos. Os fatores que constituem esse componente social 
podem ser agrupados, didaticamente, com vistas a uma melhor 
compreensão, em quatro tipos gerais cujos limites não se pretende 
que sejam claros ou finamente definidos: 
a. Fatores sócio-econômicos. 
b. Fatores sócio-políticos. 
c. Fatores sócio-culturais. 
d. Fatores psicossociais. 
 
11 
 
 
Segundo outra forma de ver e graças aos esforços dos novos 
epidemiologistas, vem se firmando uma maneira diferente de 
trabalhar o social. ”Nesses trabalhos, o ‘social’ já não é apresentado 
como uma variável ao lado dos outros ‘fatores causais’ da doença, 
mas, antes, como um campo onde a doença adquire um significado 
específico. O social não é mais expresso sob a forma de um 
indicador de consumo (quantidade de renda, nível de instrução, 
etc.). Ele aparece agora sob a forma de relações sociais de 
produção responsáveis pela posição de segmentos da população 
na estrutura social”... 
“Na explicação do processo epidêmico, fica mais clara a 
limitação teórica que representa a utilização do ‘social’ como 
categoria composta por fatores relacionados causalmente com a 
produção de doenças. A perspectiva de pensar o ‘social’ sob a 
forma mais totalizante – uma estrutura social particularizada em 
conjunturas econômicas, políticas e ideológicas – que condiciona 
uma dada situação de vida de grande parcela da população e um 
agravamento crítico do seu estado de saúde, dá ao estudo do 
processo epidêmico na sua real dimensão enquanto fenômeno 
coletivo”. (Marsiglia et al., 1985.) 
Um dos aportes da ciência moderna foi ter percebido a 
complexidade em intuir totalidades. Com vistas a ultrapassar a 
deficiência da compreensão humana em captar o todo, a ciência 
passou a fracionar a realidade circunstante em fatores 
componentes, de limites mais ou menos arbitrários, a analisar a 
contribuição de cada um dos fatores artificialmente isolados, e 
finalmente, a tentar organizar as conclusões parciais e incompletas 
em um todo coerente. Na verdade, este processo de se buscar o 
conhecimento da realidade circunstante é dialético: da percepção 
de uma realidade parte-se para o conhecimento de seus 
componentes, deste volta-se novamente ao todo, buscando a sua 
compreensão. Esta compreensão da totalidade do real percebido, 
mesmo que precariamente explicado, determina um novo 
conhecimento das partes e daí uma nova compreensão do todo, 
partes e todo formando uma unidade dialética. 
FATORES SÓCIO-ECONÔMICOS 
Existe uma associação inversa, que não é somente de ordem 
estatística, entre capacidade econômica e probabilidade de adquirir 
doença.Esta percepção não é recente. Já os trabalhos de Villerme 
(1840), Virchow (1849) e Chadwick (1842) apontam diferenças 
12 
 
 
consideráveis entre grupos sociais em termos de morbidade e 
mortalidade. Os grupos sociais economicamente privilegiados estão 
menos sujeitos à ação dos fatores ambientais que ensejam ou que 
estimulam a ocorrência de certos tipos de doenças cuja incidência é 
acintosamente elevada nos grupos economicamente 
desprivilegiados. Segundo Renaud (1992), os pobres: 
- são percebidos como mais doentios e mais velhos; 
- são de duas ou três vezes mais propensos a enfermidades 
graves; 
- permanecem doentes mais amiúde; 
- morrem mais jovens 
- procriam crianças de baixo peso, em maior proporção: 
- sua taxa de mortalidade infantil é mais elevada. 
A título de exemplo, pode ser lembrado que a desnutrição, as 
parasitoses intestinais, o nanismo e a incapacidade de se prover 
estão sempre presentes onde a miséria se faz presente. Como já 
deve ter ficado bem claro, modernamente, na epidemiologia, o 
componente sócio-econômico é visto segundo duas óticas 
alternativas. 
Por um lado, fatores sócio-econômicos – perfeitamente 
definíveis e metodologicamente isoláveis - são associados aos 
diferenciais de morbidade e mortalidade. Sob outro ponto de vista, o 
conceito de classe social, como uma totalidade ao mesmo tempo 
econômica, jurídico-política e ideológica, é o que procura explicar, 
de forma mais abrangente, o processo saúde-doença como 
processo biopsicossocial. 
De acordo com o primeiro modo de ver, a intervenção com 
vistas à prevenção se consubstanciaria na remoção de fatores 
sociais prejudiciais ou na introdução de fatores percebidos como 
ausentes, mas necessários. Na segunda abordagem, a intervenção 
preventiva verdadeiramente eficiente seria realizada com 
modificação das estruturas sócio-econômicas, com conseqüente 
alteração de todos os fatores sociais contribuintes, conhecidos e 
desconhecidos. 
13 
 
 
Victora et alii (1990), estudando a determinação do sócio-
econômico no processo saúde-doença, assim expressam: 
“Relativamente à utilização de outras variáveis sócio-econômicas, o 
uso da inserção de classe em estudos epidemiológicos apresenta 
vantagens e desvantagens. Sua principal vantagem é o fato de ser 
explicativa, isto é, de – em larga parte – determinar uma série de 
variáveis intermediárias, como renda, escolaridade, nível de 
consumo etc., por sua vez influenciam o processo saúde-doença. 
Este mesmo aspecto é uma de suas desvantagens: sendo um 
determinante distal, cuja ação é mediada por uma série de variáveis 
que possuem certa autonomia, as relações estatísticas entre 
interseção de classe e o processo saúde-doença podem ser algo 
enfraquecidas”. 
“Uma segunda – e talvez a mais importante – desvantagem da 
utilização da inserção de classe é sua difícil operacionalização, 
como já foi notado anteriormente. O conceito de classe social 
apresenta dimensões econômicas, ideológicas, e jurídico-políticas; 
por dificuldades operacionais, as classificações existentes têm se 
concentrado na dimensão econômica, ignorando as demais. A 
simplificação, no entanto, é um processo inerente à pesquisa 
quantitativa com Epidemiologia; por exemplo, para classificar uma 
criança como desnutrida utiliza-se uma ou duas medidas – peso 
e/ou altura – entre dezenas de medidas possíveis, compara-se esta 
medida com um padrão de referência mais ou menos arbitrário e 
decide-se sobre um ponto de corte também arbitrário. Nesse 
processo simplificatório, é inevitável que se perca informação e que 
ocorram erros de classificação, mas a própria coerência dos 
resultados empíricos obtidos pode servir para avaliar até que ponto 
a simplificação pode ter sido excessiva”. .... “Assim, embora 
ideologicamente conveniente para algumas entidades, não é lícito 
esperar que simplesmente através de programas para aumentar a 
escolaridade , na ausência de mudanças mais profundas, seja 
possível melhorar substancialmente os indicadores de saúde 
infantil”. (Victora, 1990). 
 
FATORES SÓCIO-POLÍTICOS 
Identicamente ao que acontecer com os fatores econômicos, os 
fatores políticos são indissociáveis da totalidade que os condiciona. 
Se em estudos analíticos de pré-patogênese, esses fatores, pela 
14 
 
 
própria natureza do proceder científico, são isolados e desta forma 
analisados, isto jamais poderá ser mais interpretado e confundido 
como se tratasse de uma forma de traduzir a realidade, 
reconhecendo-a como resultante da interação dos fatores que 
serviram à sua análise. As categorias de análise não podem ser 
confundidas com as categorias de realidade. 
Sob o nosso ponto de vista, são os seguintes alguns dos fatores 
políticos que devem ser fortemente considerados ao se analisarem 
as condições de pré-patogênese ao nível do social: 
- instrumentação jurídico-legal; 
- decisão política; 
- higidez política 
- participação consentida e valorização da cidadania; 
- participação comunitária efetivamente exercida; 
- transparência das ações e acesso à informação. 
FATORES SÓCIO-CULTURAIS 
No contexto do social, devem ser citados preconceitos e 
hábitos culturais, crendices, comportamentos e valores, valendo 
como fatores pré-patogênicos contribuintes para a difusão e 
manutenção de doenças. Vale a pena citar como exemplo de 
padrão externo de comportamento, com características pré-
patogênicas cuja influência se faz sentir quase que diretamente, o 
proceder das populações rurais em regiões subdesenvolvidas da 
África e do Brasil, que conservam o hábito de defecar na superfície 
do solo, nas proximidades de mananciais. Este traço cultural foi no 
passado e continua sendo, no presente, um dos fatores 
contribuintes para a disseminação da esquistossomose, cuja 
endemicidade é alimentada pela permanência de uma pobreza 
cronificada. Um outro exemplo de padrão externo de 
comportamento, com influência quase que direta na difusão de 
doença, vem da larga expansão que nas últimas décadas tiveram 
as doenças de transmissão sexual entre os jovens, fenômeno que 
deve ser associado às atuais liberdades e promiscuidade sexuais. 
15 
 
 
A par destes e de uma infinidade de outros comportamentos 
externos pré-patológicos do mesmo jaez, bem mais aproximados 
aos agentes ambientais do que à estrutura social, é mister apontar 
fatores culturais de natureza bem diversa, de cuja ação mais 
distante e mais abrangente, os resultados são menos previsíveis. 
São os padrões conceptuais de comportamento, que poderíamos 
imaginar (só imaginar!) sob a forma de um gigantesco superego 
cultural, determinando o pensar e o fazer coletivos. Como fatores na 
pré-patogênese estes comportamentos estariam mais 
adequadamente inseridos no sistema de valores internalizados de 
natureza cultural/social/econômica/política do que entre os 
comportamentos externos ou as condutas biossociais 
inconvenientes. Quer-se referir à: 
- passividade diante do poder exercido com incompetência ou má 
fé; 
- alienação em relação aos direitos e deveres da cidadania; 
- transferência irrestrita, para profissionais da política, da 
responsabilidade pessoal pelo social; 
- participação passiva como beneficiários do paternalismo de 
estado ou oligárquico; 
- incapacidade de se organizar para reivindicar. 
Esta tem sido a essência de nossa cultura política, bem como 
a de outros povos subdesenvolvidos, reforçada através de nossa 
história pelos estratos político e econômico, em benefício de alguns, 
com prejuízo para o todo. Têm sido pré-patogênicos na medida em 
que a sociedade abrangente se vê frustrada em controlar e 
fiscalizar os investimentos públicos. A Constituição de 1988 gerou 
possibilidades de participação da comunidade na gerência das 
ações e serviços públicos de saúde. Agora,há que se lutar por 
desenvolver, como padrões de comportamento, atitudes de 
comprometimento e participação. 
“O sistema público está doente e sua febre é expressa em 
números vermelhos – apenas 5 de cada 10 cruzeiros gastos pelo 
governo com saúde, chegam ao paciente na forma de algum tipo de 
assistência. A outra metade de se perde em corrupção ou 
desperdício”.(Veja, 1993.) 
16 
 
 
FATORES PSICOSSOCIAIS 
Dentre os fatores psicossociais aos quais pode ser imputada a 
característica de pré-patogênese, encontram-se: marginalidade, 
ausência de relações parentais estáveis, desconexão em relação à 
cultura de origem, falta de apoio no contexto social em que se vive, 
condições de trabalho extenuantes ou estressantes, promiscuidade, 
transtornos econômicos, sociais ou pessoais, falta de cuidados 
maternos na infância, carência afetiva de ordem geral, competição 
desenfreada, agressividade vigente nos grandes centros urbanos e 
desemprego. Estes estímulos têm influência direta sobre o 
psiquismo humano, com conseqüências somáticas e mentais 
danosas. 
FATORES AMBIENTAIS 
 Para efeito de análise estrutural epidemiológica, por ambiente 
deve ser entendido o conjunto de todos os fatores que mantém 
relações interativas com o agente etiológico e o suscetível, 
incluindo-os, sem se confundir com os mesmos. O termo tem maior 
abrangência do que lhe é dado no campo da ecologia. Além de 
incluir o ambiente físico, que abriga e torna possível a vida 
autotrófica e o ambiente biológico, que abrange todos os seres 
vivos, inclui também a sociedade evolvente sede das interações 
sociais, políticas, econômicas e culturais. 
Agressores ambientais são agentes que, de forma imediata, 
sem mais intermediações, podem pôr-se em contato direto com o 
suscetível. Quanto à sua forma de surgimento ou por sua presença, 
podem ser inseridos em uma das seguintes categorias: 
a) agentes presentes no ambiente de forma habitual, em 
convivência natural ou tradicional com o homem; 
b) agentes pouco comuns e que, mercê de situações novas, 
alterações impostas por novos hábitos ou por modificações na 
maneira de viver, por má administração ou manipulação inábil de 
meios e recursos, por importação passam a se fazer presentes de 
forma perceptível, como agentes, em algum evento epidemiológico; 
c) agentes que explodem em situações anormais de grande monta 
como são as macroperturbações ecológicas, os desastres naturais 
e as catástrofes. 
17 
 
 
 
São componentes do ambiente físico: situação geográfica, solo, 
clima, recursos hídricos e topografia, agentes químicos e agentes 
físicos. 
Em situações ecológica desfavoráveis, algumas produzidas 
por fatores naturais, outras produzidas artificialmente pela ação do 
homem, algumas permanentes, outras contingentes, têm 
desenvolvimento os fatores físicos, químicos e biológicos que, por 
terem acesso à organização interna de seres vivos, podem 
funcionar, para estes, como agentes patogênicos. 
Modernamente, o estudo da influência exercida pelos fatores 
naturais do ambiente físico na produção de doenças tornou-se 
menos importante que o conhecimento da ação desenvolvida pelos 
agentes aí agregados artificialmente. O progresso e o 
desenvolvimento industrial criaram problemas epidemiológicos 
novos, resultantes da poluição ambiental. O ambiente físico que 
envolve o homem moderno condiciona o aparecimento de doenças 
cuja incidência tornou-se crescente a partir da urbanização e da 
industrialização. As doenças cardiovasculares, as alterações 
mentais e o câncer pulmonar estão também associados a fatores do 
ambiente físico. 
Publicação da Organização Panamericana da Saúde (OPS, 
1976) menciona que, com a industrialização crescente e a 
modificação dos costumes, há um grande número de substâncias 
carcinogênicas que se ingerem, inalam, absorvem por via cutânea 
ou que se introduzem no organismo como medicamentos ou por 
acidente. 
No estudo de fatores agressivos presentes no ambiente físico 
e aí colocados através de atividade do homem, não deve ser 
esquecido o uso, às vezes exagerado, de pesticidas na proteção 
dos cultivos. Os alimentos, tanto os vegetais quanto os de origem 
animal, veiculam estas substâncias em concentrações mínimas. 
Teme-se que o seu acúmulo gradual no organismo humano, devido 
à sua relativa estabilidade, possa trazer sérios danos para a saúde 
dos consumidores. Outro problema bastante sério são os aditivos 
alimentares, sob forma de sabores artificiais, corantes, 
conservantes e até hormônios sintéticos. Seus efeitos, a longo 
prazo, por exposição contínua, ainda são desconhecidos. 
18 
 
 
 Não seria demais lembrar que o ambiente físico dos locais de 
trabalho pode, pelos fatores presentes, estar associado à produção 
de doenças. 
No ambiente humano (OPS, 1962), o uso de medicamentos é outro 
fator importante que pode compor a estrutura epidemiológica de 
doenças não infecciosas. As características normais do feto 
poderão sofrer alterações se uma nova droga passar a ser 
comercializada sem provas suficientes de sua inocuidade. Tal fato 
aconteceu. A partir de 1959, observou-se que, repetidas vezes, em 
vários consultórios pediátricos, uma síndrome fora do comum, a 
focomelia, anteriormente um fato raro, passou a ser notificada de 
modo inusitado: 30 a 70 vezes a mais. Em um estudo com 46 mães 
chegou-se à certeza de que 41 delas havia feito uso de talidomida 
nos primeiros meses de gestação. Estudos em animais confirmaram 
a ação teratogênica da talidomida nos primeiros meses de gestação 
(Mellin & Katzenstein, 1962). 
Estrógenos de diferentes estruturas químicas podem causar 
tumores em animais de experimentação. Embora a importância 
desta observação para o homem não tenha sido determinada com 
clareza, convém advertir que alguns informes epidemiológicos 
indicam que a administração de estilbestrol em mulheres grávidas 
aumenta de maneira considerável o risco de que suas filhas 
venham a ter adenocarcinoma vaginal (Herbst, 1971). Além desses 
fatos publicados, há inúmeros casos encobertos, não notificados, 
decorrentes do uso indiscriminado de medicamentos. 
Sob o ponto de vista da estrutura epidemiológica, o ambiente 
biológico está constituído por todos os seres vivos que possam ter 
influência sobre o agente etiológico e o suscetível. Ecologicamente, 
fazem parte da biota. Para efeito de análise, são colocados em 
destaque e tratados como elementos interagentes no sistema 
ambiente-agente-suscetível. 
A influência mais geral que qualquer fator biológico possa ter 
sobre o estado de saúde ou de doença das populações humanas se 
faz sobre seu estado nutricional. Solo, clima, e recursos hídricos 
confluem para a riqueza de recobrimento vegetal e esta será 
propícia à abundância da vida animal. O homem depende tanto dos 
animais quanto dos vegetais para a sua sobrevivência. 
Comunidades relativamente saudáveis são aquelas que, em 
princípio, dispõem de capacidade para produção de alimento em 
seu próprio benefício. 
19 
 
 
No outro extremo da rede de influência e de ações que se centram 
no ambiente biológico, estão os microssistemas bioclimáticos 
propícios à manutenção dos vetores e dos reservatórios de 
bioagentes patogênicos. 
FATORES GENÉTICOS 
Os fatores genéticos provavelmente determinam a maior ou 
menor suscetibilidade das pessoas quanto à aquisição de doenças, 
embora isto permaneça ainda na fronteira de pesquisa genética. O 
fato é que, em relação à incidência de doenças, percebe-se que, 
quando ocorre uma exposição a um fator patogênico externo, 
alguns dos expostos são acometidos e outros permanecem isentos. 
Multifatorialidade 
Ao se considerar as condições para que a doença tenha início 
em um indivíduo suscetível, é necessário ter-se em conta que 
nenhuma delas será, por si só, suficiente. A eclosãoda doença é, 
na verdade, dependente da estruturação dos fatores contribuintes 
de tal forma que se possa pensar em uma configuração de mínima 
probabilidade ou mínimo risco em uma configuração de máxima 
probabilidade ou máximo risco, e, entre elas, estruturações de 
fatores cujo risco varia entre os dois extremos. Quanto mais 
estruturados estiverem os fatores, maior força terá o estímulo 
patológico. 
A estruturação de fatores condicionantes da doença, 
denominada multifatorialidade, não é um simples resultado da 
justaposição. A associação dos fatores é sinérgica, isto é, dois 
fatores estruturados aumentam o risco da doença mais do que faria 
a sua simples soma. O estado final provocador de doença é, 
portanto, resultado da sinergização de uma multiplicidade de fatores 
políticos, econômicos, sociais, culturais, psicológicos, genéticos, 
biológicos, físicos e químicos. 
O agregado total resultante da estruturação sinérgica de todas 
as condições e influências indiretas – próximas ou distantes- sócio-
econômicas, culturais e ecológicas, e pelos agentes que têm 
acesso direto ao bioquimismo e às funções vitais do ser vivo, 
perturbando-o, constituem o ambiente gerador de doença. 
 
20 
 
 
São denominados agentes patogênicos os que levam 
estímulos do meio ambiente ao meio interno do homem, por sua 
presença ou ausência, como verdadeiros mensageiros de uma pré-
patologia gerada e desenvolvida no ambiente e como iniciadores e 
mantenedores de uma patologia que passará a existir no homem. 
São de natureza física, química, biológica ou psicológica. Os 
bioagentes, os fatores nutricionais e os fatores genéticos estão na 
categoria de agentes biológicos. 
O estudo das diarréias propicia uma boa ilustração da 
estruturação sinérgica dos fatores que conduzem à doença e a 
mantêm (Fig. 2-2). Destaca-se em posição central a interação 
sinérgica entre a síndrome diarréica e a desnutrição. 
Behar (1976) chama a atenção para a magnitude desse 
problema, dando ênfase ao fato de que as infecções entéricas 
constituem fatores precipitantes e agravantes da desnutrição e esta, 
por sua vez, influi na patogenia dos processos diarréicos. Segundo 
este autor, essa interação explica a razão pela qual as doenças 
diarréicas constituem a causa básica mais importante da 
mortalidade na infância. 
Na figura apresentada a seta bissagitada ( <-> ) indica que um 
dos fatores, além de produzir efeito por si, age ainda dando realce à 
contribuição causal do outro fator e vice-versa, completando o 
mecanismo sinérgico. Assim, dentro de um mesmo nível, seja 
sócio-econômico, cultural ou ambiental, os fatores são estruturados 
e agem sinergicamente na produção tanto da diarréia quanto da 
desnutrição. O mútuo realce dos fatores existe também entre os 
níveis. O sócio-econômico, o cultural e o ambiental também se 
sinergizam na produção da doença. O entendimento da existência 
do sinergismo multifatorial é importante. Mas não deve obnubilar a 
causa mais profunda da manutenção do status quo da morbidade 
por diarréias, a qual reside no desnível econômico existente entre 
as classes sociais. 
 
21 
 
 
 
Fig 2-2 Sinergismo multifatorial na produção e 
manutenção das doenças diarréicas 
 
PERÍODO DE PATOGÊNESE 
 A história natural da doença tem seguimento com a sua 
implantação e evolução no homem. É o período da patogênese. 
Este período se inicia com as primeiras ações que os agentes 
patogênicos exercem sobre o ser afetado. Seguem-se as 
perturbações bioquímicas em nível celular, continuam com as 
perturbações na forma e na função, evoluindo para defeitos 
permanentes, cronicidade, morte ou cura. 
Colimon (1978) divide o período de patogênese em três 
etapas: subclínica, prodrômica e clínica. Mausner & Bahn (1974) 
propõem o seguintes estágios: pré-sintomático, clínico e de 
incapacitação. Leavel & Clark (1976) vêem o período de 
patogênese como se desenvolvendo nos seguintes estágios: 
interação estímulo-hospedeiro, patogênese precoce, doença 
precoce discernível e doença avançada. 
22 
 
 
Neste texto, serão considerados quatro níveis de evolução no 
período de patogênese: 
a) Interação estímulo-suscetível. 
b) Alterações bioquímicas, fisiológicas e histológicas. 
c) Sinais e sintomas. 
d) Defeitos permanentes, cronicidade. 
Interação Estímulo-Suscetível 
Nesta etapa a doença ainda não tomou desenvoltura, porém 
todos os fatores necessários para a sua ocorrência estão presentes. 
Alguns fatores agem predispondo o organismo à ação subseqüente 
de outros agentes patógenos. A má nutrição por exemplo, 
predispõe à ação patogênica do bacilo da tuberculose; altas 
concentrações de colesterol sérico contribuem para o aparecimento 
da doença coronariana; fatores genéticos diminuem a defesa 
orgânica, abrindo a porta do organismo às infecções. 
Algumas doenças são resultado da ação cumulativa de fatores 
de natureza diversa. O câncer de pulmão, por exemplo, tem sua 
probabilidade bastante aumentada por ação do asbesto associada à 
ação dos componentes da fumaça de cigarro. 
ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS, HISTOLÓGICAS E 
FISIOLÓGICAS 
Neste estágio, a doença já está implantada no organismo 
afetado. Embora não se percebam manifestações clínicas, já 
existem alterações histológicas em nível de percepção subclínica de 
caráter genérico. Estas alterações não são perceptíveis. Porém, 
ainda neste estágio, a doença já está presente e pode ser 
percebida através de exames clínicos ou laboratoriais orientados. 
Denomina-se “horizonte clínico” a linha imaginária que separa 
este estágio do seguinte. Abaixo dessa linha se processam todas as 
manifestações bioquímicas, fisiológicas e histológicas que 
precedem as manifestações clínicas da doença. É o chamado 
período de incubação. 
23 
 
 
Algumas doenças não passam desta etapa. Devido às 
respostas dadas pelas defesas orgânicas, podem regredir deste 
estágio patológico ao de saúde inicial. Em outros casos, a 
progressão se dá diretamente para uma etapa menos favorável 
(Fig. 2-1B). 
Sinais e Sintomas 
Acima do horizonte clínico os sinais iniciais da doença, ainda 
confusos, tornam-se nítidos, transformam-se em sintomas. É o 
estágio chamado de clínico, iniciado ao ser atingida uma massa 
crítica de alterações funcionais no organismo acometido. A 
evolução da doença encaminha-se então para um desenlace; a 
doença pode passar ao período de cura, evoluir para a cronicidade 
ou progredir para a invalidez ou para a morte. 
Cronicidade 
 A evolução clínica da doença pode progredir até o estado de 
cronicidade ou conduzir o doente a um dado nível da incapacidade 
física por tempo variável. Pode também produzir lesões que serão, 
no futuro, uma porta aberta para novas doenças. Do estado crônico, 
com incapacidade temporária para desempenho de alguma 
atividade específica, a doença pode evoluir para a invalidez 
permanente ou para a morte. Em alguns casos para a cura. 
PREVENÇÃO 
Winslow, citado por Leavel & Clark (1976), define: "Saúde 
pública é a ciência e a arte de evitar doenças, prolongar a vida e 
desenvolver a saúde física e mental e a eficiência, através de 
esforços organizados da comunidade, para o saneamento do meio 
ambiente, o controle de infecções na comunidade, a organização de 
serviços médicos e paramédicos para o diagnóstico precoce e o 
tratamento preventivo de doenças, e o aperfeiçoamento da máquina 
social que irá assegurar a cada indivíduo, dentro da comunidade, 
um padrão de vida adequado à manutenção da saúde". 
Aprofundando a definição formulada por Winslow, 
comparando-a com o pensamento de outros autores e com 
definições dadas a termos correlatos, isolando e analisando os 
conceitos embutidos em cada um de seus termos fundamentais, 
somos levados a considerar a saúde pública como uma tecnologia, 
24mais do que uma ciência, isto é, adaptando Winslow, saúde pública 
é técnica e é arte. 
Por outro lado, parece-nos que saúde pública e epidemiologia, 
são indissociáveis quanto a seus objetivos sociais e quanto a sua 
prática, sendo a epidemiologia o instrumento privilegiado para 
orientar a atuação da saúde pública. Se a saúde pública é a face 
tecnológica, a epidemiologia será a face científica. A saúde pública 
intervém buscando evitar doenças, prolongar a vida e desenvolver a 
saúde física e mental e a eficiência. A epidemiologia persegue a 
observação exata, a interpretação correta explicação racional e a 
sistematização científica dos eventos de saúde-doença em nível 
coletivo, orientando, portanto, as ações de intervenção. 
A prática de saúde-pública, ao contrário apesar de assentar 
grande parte de suas decisões sobre o conhecimento 
epidemiológico, não deixa de ser uma prática de intervenção social 
planejada e, como tal, uma parte ponderável de suas ações são 
resultantes de decisões pessoais ou colegiadas, são limitadas pela 
estrutura sócio-econômica então vigente e são determinadas por 
uma multiplicidade de fatores não científicos, entre os quais se 
alinham a ideologia, a decisão política, as conveniências 
contingentes, o nível de autoridade de pessoas ou de grupos, a 
experiência de vida de seus agentes e a falta ou presença de bom 
senso. 
Assim considerada a Saúde Pública, seus pressupostos e a 
sua prática podem e devem ser externamente e internamente 
criticados, ponderados e até mesmo contestados a partir de pontos 
de vista - inclusive não científicos - de caráter opinativo, filosófico, 
ideológico e científico e de vivências. A epidemiologia é a ciência 
que estabelece ou indica e avalia os métodos e processos usados 
pela saúde pública para prevenir as doenças. 
Por outro lado, a saúde pública como tecnologia pode ser 
inserida como parte em uma tecnologia mais abrangente, a 
medicina preventiva. Esta última, se definida como a técnica e a 
arte de evitar doenças, prolongar a vida e desenvolver a saúde 
física e mental e a eficiência, deverá abranger também o 
componente preventivo da medicina individualizada (Fig.2-3). 
Nessa figura, a medicina preventiva, abrangente, envolve a saúde 
pública e a medicina individual. Esta, a clínica, tem como ciência 
básica primordial a patologia. O suporte científico da saúde pública 
é a epidemiologia. 
25 
 
 
A prevenção é abrangente, inclui a ação dos profissionais em 
saúde, mas não é só. A estes cabe uma importante parcela da ação 
preventiva: a decisão técnica, a ação direta e parte da ação 
educativa. O sucesso da prevenção em termos genéricos, na sua 
vertente de promoção da saúde, com vistas a uma sociedade sadia, 
só parcialmente depende da ação dos especialistas. No coletivo, a 
ação preventiva deve começar ao nível das estruturas sócio-
econômicas. 
Antes que haja uma prevenção primária, há que haver uma 
prevenção de caráter estrutural. A prevenção deve anteceder a 
ação dos especialistas em saúde. Deve começar ao nível das 
estruturas políticas e econômicas. As ações dos especialistas só 
são eficientes a partir do momento em que as situações sócio-
político-econômicas estejam equilibradas. Ao profissional de saúde 
é importante fazer prevenção a partir do nível de conscientização da 
comunidade envolvida. À comunidade como um todo cabe 
perguntar se suas instituições sociais e econômicas são 
favorecedoras de saúde ou de doença. 
 
Fig.2-3 
 
É a ela que cabe rever-se, propor e lutar pelas soluções 
políticas abrangentes sem as quais, às vezes, as ações preventivas 
nos âmbitos ecológicos e médico não são mais que paliativos. 
Prevenir e prever antes que algo aconteça, ou mesmo cuidar para 
que não aconteça. Prevenção em saúde pública é a ação 
antecipada, tendo por objetivo interceptar ou anular a evolução de 
uma doença. 
26 
 
 
Conforme foi visto em parágrafos anteriores, há uma 
prevenção que pode ser conseguida através das correções 
introduzidas, por via política no status quo sócio-econômico que, a 
um dado momento, funciona como uma das pré-condições de 
doenças, via pobreza e ignorância. É um tipo de prevenção cuja 
importância nunca é demais reiterar. Interessa, por outro lado, ao 
nível da prática de saúde pública, analisar as ações preventivas que 
têm por fim eliminar elos da cadeia patogênica, ou no ambiente 
físico ou social ou no meio interno dos seres vivos afetados ou 
suscetíveis. 
A prevenção pode ser feita nos períodos de pré-patogênese e 
patogênese. O conhecimento da história natural da doença favorece 
o domínio das ações preventivas necessárias. Se um dos 
fundamentos de prevenção é cortar elos, o conhecimento destes é 
fundamental para que se atinjam os objetivos colimados. Devem ser 
conhecidos os múltiplos fatores relacionados com o agente, o 
suscetível e o meio ambiente, e com a evolução da doença no 
acometido. A prevenção primária que se faz com a intercepção dos 
fatores pré-patogênicos inclui: (a) promoção da saúde; (b) proteção 
especifica. A prevenção secundária é realizada no indivíduo, já sob 
a ação do agente patogênico, ao nível do estado de doença, e 
inclui: (a) diagnóstico; (b) tratamento precoce; (c) limitação da 
invalidez (Fig. 2-4) 
A prevenção terciária consiste na prevenção da incapacidade 
através de medidas destinadas à reabilitação. Assim, o processo de 
reeducação e readaptação de pessoas com defeitos após acidentes 
ou devido a seqüelas de doenças é exemplo de prevenção em nível 
terciário. 
 
27 
 
 
 
Fig2-4 
PREVENÇÃO PRIMÁRIA 
Promoção da Saúde 
É feita através de medidas de ordem geral. 
- Moradia adequada. 
- Escolas. 
- Áreas de lazer. 
- Alimentação adequada. 
- Educação em todos dos níveis 
Proteção Específica 
- Imunização. 
- Saúde ocupacional. 
- Higiene pessoal e do lar. 
- Proteção contra acidentes. 
28 
 
 
- Aconselhamento genético. 
- Controle dos vetores. 
PREVENÇÃO SECUNDÁRIA 
Diagnóstico Precoce 
- Inquérito para descoberta de casos na comunidade. 
- Exames periódicos, individuais, para detecção precoce de casos. 
- Isolamento para evitar a propagação de doenças. 
- Tratamento para evitar a progressão da doença. 
Limitação da Incapacidade 
- Evitar futuras complicações. 
- Evitar seqüelas. 
PREVENÇÃO TERCIÁRIA 
- Reabilitação (impedir a incapacidade total). 
- Fisioterapia. 
- Terapia ocupacional. 
- Emprego para o reabilitado. 
Em alguns países subdesenvolvidos, as condições sócio-
econômicas aí vigentes, mantidas por uma perversa concentração 
de renda, pela má distribuição da propriedade fundiária e pela falta 
de visão dos detentores do poder econômico e político, fazem com 
que as classes pauperizadas sejam incapazes de se prover em 
termos de alimentação, moradia, educação, saúde e lazer. O 
cidadão pauperizado torna-se cliente e dependente do Estado e 
este, por não ser competente naquilo que lhe é específico, torna-se 
paternalista. Este Estado, paternalista por incompetência, torna-se 
caritativo, distribuidor de alimentos, de habitação e de 
medicamentos e, mais uma vez, com incompetência. A sociedade 
cabe a prevenção ao nível das estruturas. Às organizações 
políticas, às organizações civis não estatais cabe a ação preventiva 
29 
 
 
mais abrangente de remover estruturas arcaicas impeditivas de se 
promover a saúde em todos os níveis. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
30 
 
 
O QUE É CULTURA 
 
Sinopse do livro "O que é cultura" 
José Luiz dos Santos 
 
 
 Tópicos: 
 
O que é cultura 
 
O que se entende por 
cultura 
 
A cultura em nossa 
sociedade 
 
Culturae relações de 
poder 
 
 
 
O QUE É CULTURA 
 
CULTURA E DIVERSIDADE 
 A preocupação com a cultura é um fato permanente da 
humanidade. Todos querem entender os caminhos que levaram as 
civilizações a se constituírem, bem como, entender, a partir daí, as 
perspectivas futuras de relacionamento entre elas. Os contatos 
entre diferentes grupos marcaram as civilizações ao longo da 
história promovendo as transformações culturais tanto pelos 
movimentos internos quanto pelos conflitos internos. Portanto, 
sempre que pensamos em cultura temos que considerar a 
multiplicidade e a riqueza dos seus elementos, a realidade dos 
grupos e ainda as características que os unem e os diferenciam. 
Tudo isso expressa o que sintetizamos como cultura. 
31 
 
 
A lógica interna de cada realidade cultural é traduzida nos 
costumes, nas formas de habitação, no vestuário, no trabalho e em 
tantas outras expressões. Quando entendemos as diferenças entre 
os grupos como questões culturais passamos a compreendê-los de 
forma ampla e menos preconceituosa o que enriquece as relações 
humanas. As ações do grupo sempre têm um sentido quando 
historicamente contextualizadas. Temos que considerar também 
que as diferenças culturais ficam evidentes por efetuarmos 
comparações entre elas. Se adotássemos outra postura, se não 
tomássemos por referência um modelo cultural, não perceberíamos 
as diferenças nem haveria motivos para tentar entendê-las. 
Outra reflexão que a análise sobre a cultura nos permite é a 
visão de nós mesmos como seres sociais. A partir da percepção de 
outras culturas podemos ampliar nossa visão enquanto membros de 
um grupo social, as razões da realidade social onde estamos 
inseridos, como ela é mantida e a possibilidade de transformá-la. 
Mais questões importantes relacionadas à cultura podem ser 
entendidas a partir da forma ou da tendência do grupo em utilizar e 
modificar os recursos naturais disponíveis. Assim, territórios 
idênticos foram ocupados por populações diferentes dando origem 
a culturas e civilizações com características próprias e formas 
particulares de organização social. Estas culturas estiveram e estão 
sujeitas a mudanças ou transformações históricas como reflexo da 
atitude do grupo social ou ainda por imposição, inclusive pela força, 
de culturas externas. 
CULTURA E EVOLUÇÃO 
Estudos efetuados no século XIX pretendiam colocar as 
culturas humanas em escalas hierárquicas. Segundo estes estudos 
haveria escalas sucessivas de evolução social pelas quais as 
populações passariam, primeiramente se diferenciando de outras 
espécies animais até alcançar o índice de evolução conhecido na 
Europa Ocidental da época. Sendo assim as sociedades todas 
fariam parte desta escala de evolução em linha única. 
Com base nesta proposta as diversas sociedades do século 
XIX estariam inseridas em diferentes estágios da evolução humana 
quando as civilizações indígenas seriam classificadas como 
“selvagens”, as tribos africanas como “bárbaras” e as populações 
européias como “civilizadas”. 
32 
 
 
Obviamente que nesta concepção de evolução hierarquizada 
há todo um critério europeu de visão da humanidade. Isto serviria 
inclusive como forma de consolidação do domínio de países 
capitalistas sobre os demais povos. 
Esta concepção linear de evolução foi combatida com base no 
princípio que cada cultura tem suas características próprias e 
múltiplos critérios a serem considerados. Acima de tudo, estas 
classificações tinham como função principal considerar os povos 
não-europeus como inferiores e passíveis de domínio e exploração. 
Estudos contínuos permitiram derrubar os argumentos tendenciosos 
e preconceituosos. 
“Não existe relação necessária entre características físicas de 
grupos humanos e suas formas culturais, nem tampouco a 
multiplicidade das culturas implica quebra da unidade biológica da 
espécie humana.” (SANTOS, 1994, p.15) 
Podemos concluir que o princípio de uma linha evolutiva única 
para os grupos humanos implicava em considerações racistas e 
preconceituosas. Concomitantemente, este “enquadramento” 
cultural aos padrões preestabelecidos supera questionamentos 
importantes sobre a história da humanidade como a possibilidade 
das transformações dos grupos humanos e a importância da 
produção material nesta história. 
CULTURA E RELATIVISMO 
Neste processo passa-se a classificar a cultura ou o grau 
cultural de um grupo tendo como referência o ponto de vista do 
observador com critérios culturais próprios de avaliação e tornando 
esta visão relativa. 
 “Passa-se assim da demonstração da 
diversidade das culturas para a constatação do 
relativismo cultural. Observem o quanto essa 
equação é enganosa. Só se pode propriamente 
respeitar a diversidade cultural se se entender 
a inserção dessas culturas particulares na 
história mundial. Se insistirmos em relativizar 
as culturas e só vê-las de dentro para fora, 
teremos de nos recusar a admitir os aspectos 
objetivos que o desenvolvimento histórico e da 
relação entre povos e nações impõe. Não há 
33 
 
 
superioridade ou inferioridade de culturas ou 
traços culturais de modo absoluto, não há 
nenhuma lei natural que diga que as 
características de uma cultura a façam superior 
a outras. Existem no entanto processos 
históricos que as relacionam e estabelecem 
marcas verdadeiras e concretas entre elas.” 
(SANTOS, 1994, p.16) 
 
CULTURA E SOCIEDADE 
Estas mesmas discussões surgem quando relacionamos 
culturas de sociedades diferentes à cultura de uma outra sociedade 
em particular. Ou seja, numa macrocultura encontramos grupos 
menores com outras características peculiares ou outros modos de 
organização. São realidades culturais internas que podem ser tão 
diversas parecendo, às vezes, culturas estranhas. Por isso é de 
fundamental importância considerarmos as culturas internas de um 
país para compreender os aspectos culturais do mesmo como um 
todo. Ao analisarmos cultura e sociedade nos deparamos com os 
mesmos limites da análise sob o ponto de vista relativo quando, ao 
invés disso, deveríamos considerar as realidades culturais em 
contextos históricos de cada sociedade, das suas relações sociais 
em si e entre elas. 
O QUE SE ENTENDE POR CULTURA 
O estudo e a discussão sobre culturas humanas são 
processos sistemáticos. Este interesse fica ainda maior com o 
aumento dos contatos e dos conflitos entre povos e nações. 
A preocupação com a questão cultural voltava-se tanto para 
as sociedades que progrediam como para aquelas que iam 
perdendo suas características originais ou mesmo desaparecendo 
em função da supremacia das grandes potências. Mas as 
discussões e as preocupações em si não conseguiram traduzir 
completamente o que se entende por cultura. Podemos relacionar 
cultura ao estudo, à educação e à formação escolar. Podemos nos 
referir à cultura considerando as manifestações artísticas (teatro, 
música, pintura, escultura etc.) ou os meios de comunicação de 
massa (rádio, televisão e cinema). 
34 
 
 
Temos ainda as festas e cerimoniais tradicionais, as crenças, 
as lendas, as características do vestuário, as comidas, o idioma e 
tantas outras manifestações. Santos (1994, p.22) diz descrever 
cultura de modo genérico preocupando-se com tudo que caracteriza 
uma população humana. 
AS DUAS CONCEPÇÕES BÁSICAS DE CULTURA 
Podemos definir cultura em duas concepções básicas nas quais 
cada uma delas reúne um conjunto comum de preocupações. 
Primeiramente há a concepção que evidencia os aspectos de uma 
realidade social. 
 
"Assim, cultura diz respeito a tudo aquilo que 
caracteriza a existência social de um povo ou 
nação, ou então de grupos no interior de uma 
sociedade. Podemos assim falar na cultura 
francesa ou na cultura xavante. Do mesmo 
modo falamos nacultura camponesa ou então 
na cultura dos antigos astecas." (SANTOS, 
1994, p.24) 
 
Com esta colocação concluímos que apesar de estarmos 
falando de situações sociais distintas podemos caracterizar cada 
uma delas como cultura. O que levamos em conta é a organização 
da vida social de cada grupo bem como o seu modo de administrar 
ou gerir os aspectos materiais. Este primeiro conceito básico de 
cultura é usualmente adotado quando nos referimos às falas dos 
povos e de realidades sociais diferentes das nossas e com as quais 
temos pouco em comum. Uma segunda definição básica pode ser 
aplicada quando nos referimos particularmente ao conhecimento, às 
idéias e crenças e às formas como são evidenciadas na vida da 
sociedade. Mas, ainda assim, nos referimos a uma totalidade de 
aspectos pertencentes a um grupo enfatizando o conhecimento e as 
dimensões associadas a ele. 
 
 
35 
 
 
"De acordo com esta segunda concepção, 
quando falarmos em cultura francesa 
poderemos estar fazendo referência à língua 
francesa, à sua literatura, ao conhecimento 
filosófico, científico e artístico produzidos na 
França e às instituições mais de perto 
associadas a eles." (SANTOS, 1994, p. 25) 
 
Santos (1994, p. 25) ainda considera, como definição desta 
segunda concepção de cultura, as culturas alternativas (lojas de 
produtos naturais, clínicas de medicina alternativa etc.), as 
tendências de pensar a vida e a sociedade na qual enfatizamos a 
natureza e a realização individual quando temas como ecologia, 
alimentação, o corpo, as relações pessoais e a espiritualidade são 
considerados como principais. 
Ao considerarmos estas duas concepções é possível que 
cultura seja vista como uma realidade estagnada ou fechada. No 
entanto, ao estudá-las é que percebemos claramente os processos 
de transformação pelos quais as sociedades passam e entendemos 
assim o quão dinâmicas são as culturas humanas. 
DESENVOLVIMENTO DAS PREOCUPAÇÕES COM CULTURA 
A diversidade dos modos de vida dos povos e nações é fator 
essencial quando pensamos em cultura. Reflexões sobre o assunto 
foram encontradas nos escritos de autores da Grécia, Roma e da 
China antigas. No entanto, as preocupações com a cultura 
desenvolveram-se de forma sistemática a partir do século XVIII na 
Alemanha. Até então a preocupação com esta questão limitava-se 
aos pensadores empenhados na interpretação da história humana, 
na compreensão da particularidade dos costumes e crenças e a 
entender o contexto em que se desenvolviam. 
Este foi o caminho para que se estabelecessem as modernas 
preocupações com cultura. Contudo a palavra, de origem latina 
derivada do verbo colere (que significa cultivar), percorre longo 
caminho até adquirir esse sentido. 
O sentido da palavra cultura foi ampliado pelos pensadores 
romanos antigos passando a se referir também ao refinamento 
pessoal e à educação elaborada de uma pessoa. 
36 
 
 
No século XIX com o predomínio do poder europeu sobre os 
demais povos as preocupações com a cultura tornaram-se ainda 
mais intensas e generalizadas como uma questão científica. 
Neste contexto temos que considerar dois aspectos principais 
aos quais as preocupações com a cultura estiveram associadas. 
Primeiramente no século XIX a visão não religiosa do mundo e da 
vida humana passou a dominar. Até então a visão de mundo era 
disseminada a partir da ótica cristã. Essa ruptura ocorreu pela 
necessidade do entendimento da origem e da transformação social 
e das espécies de vida. Isso desencadearia o surgimento de teorias 
científicas sobre a evolução das espécies. Portanto, novas formas 
de conhecimento surgiram sistematizando as preocupações com a 
cultura. Como historicamente as potências européias expandiam-
se, um segundo aspecto ligado à preocupação com a cultura foi a 
necessidade de se conhecer mais amplamente os povos a serem 
dominados. 
 
"Nesse sentido, as preocupações com cultura 
contribuíram para delimitar intelectualmente a 
posição internacional do Ocidente. [...] 
Assim a moderna preocupação com cultura 
nasceu associada tanto a necessidades do 
conhecimento quanto às realidades da 
dominação política. Ela faz parte tanto da 
história do desenvolvimento científico quanto 
da história das relações internacionais de 
poder. Esta é uma relação muito íntima. De 
fato, o próprio entendimento moderno do que 
seja uma nação tem muito a ver com as 
discussões sobre cultura." (SANTOS, 1994, 
p.31) 
 
CULTURA E NAÇÃO 
A Alemanha foi referência para a formalização do conceito de 
cultura em função da unidade política da qual era constituída. A 
partir disso, cultura podia ser vista segundo Santos (1994,p.32) 
como "expressão de uma nação que não tinha estado". 
37 
 
 
No século XX, nas Américas, de forma diferente da Alemanha 
dos séculos anteriores, os debates sobre cultura traduzem projetos 
de nação em Estados como influência da colonização européia 
dessas terras. A Rússia, no século XIX, continha uma diversidade 
de povos e preocupava-se em estabelecer entre eles uma realidade 
cultural que se estendeu mesmo após a revolução comunista de 
1917. 
Notamos que, historicamente, a discussão sobre cultura 
esteve ligada à questão da nação nas unidades políticas que 
queriam definir o que lhes era próprio, específico, em relação às 
nações que dominavam tanto política quanto economicamente. 
Assim, no século XVIII, este fato ocorre com a Alemanha. Neste 
período a Inglaterra e a França eram econômica, política e 
intelectualmente as nações mais poderosas da Europa. O mesmo 
ocorre na Rússia no século XIX e com a América Latina e os 
Estados Unidos antes de se tornar a potência que é hoje. 
[...] "Nestes casos todos a realidade de cada país foi pensada tendo 
por referência a cultura dominante no Ocidente, entendendo-se aí 
cultura tanto no seu aspecto material quanto de formas de 
conhecimento e concepções sobre a vida e a sociedade." 
(SANTOS, 1994, p. 33) 
Na América Latina, inclusive no Brasil, as culturas anteriores à 
conquista européia foram consideradas como "mundos à parte" das 
culturas nacionais que se desenvolveram a partir daí. Sua 
contribuição para a formação da cultura nacional só passa a ser 
considerada quando fornecem elementos particulares como nomes, 
comidas, roupas, lendas etc. Assim também são tratadas as 
contribuições culturais dos imigrantes de outras partes do mundo 
bem como dos que foram trazidos como escravos. 
 
"Assim, é comum que na América latina as 
discussões sobre cultura se refiram a uma 
história de contribuições culturais de múltipla 
origem, as quais têm por pólo de integração os 
processos que são dominantes no mundo 
ocidental no que concerne à produção 
econômica, à organização da sociedade, à 
estrutura da família, ao direito e às idéias, 
concepções e modos de conhecimentos. É 
38 
 
 
preciso cautela com essa tendência a entender
países como o nosso como uma mistura de 
traços culturais. [...] o importante para 
pensarmos a nossa realidade cultural é 
entendermos o processo histórico que a 
produz, as relações de poder e o confronto de 
interesses dentro da sociedade." (SANTOS, 
1994,p.34) 
 
PREOCUPAÇÕES DA CULTURA 
Outras preocupações estão implícitas quando se discute 
cultura. Por exemplo, quando nos referimos à cultura como sendo 
oposição à selvageria então estamos concebendo cultura como 
marca da civilização. Durante os séculos XVIII e XIX as discussões 
sobre cultura tentavam distinguir aspectos materiais dos não-
materiais ou entre matéria e espírito de uma sociedade. Os 
conceitos de cultura e civilização passaram a ser quase sinônimos 
com o decorrer do tempo. 
 
"É importante ainda lembrar que essas 
discussões sobre cultura firmaram-se no 
mesmo período em que outras abordagens se 
preocupavamem estudar criticamente as 
características internas da sociedade 
capitalista, em estudar as condições para a sua 
superação e contribuir para as lutas operárias. 
Estudava-se assim a natureza das classes 
sociais e sua dinâmica, a expansão do 
capitalismo e seus fundamentos. Os dois 
planos de estudo, o da cultura e o da 
sociedade de classes, andam muitas vezes 
separados, mas nada impede que os 
pensemos conjuntamente." (SANTOS, 1994, p. 
37) 
 
 
39 
 
 
RELAÇÕES ENTRE AS DUAS CONCEPÇÕES BÁSICAS DE 
CULTURA 
De forma geral, duas concepções básicas orientam há tempos as 
discussões sobre cultura: 
• uma trata da totalidade das características de uma realidade 
social (preocupação sedimentada na concepção de cultura e 
ciência do século XIX); 
• outra diz respeito ao conhecimento que a sociedade - povo, 
nação, grupo - tem da realidade e a maneira como o 
expressam (preocupação mais antiga herdada da relação de 
cultura com erudição e refinamento pessoal). 
Quando relacionamos estes dois conceitos básicos encontramos a 
origem da maneira de entender cultura. 
Para definirmos cultura considerando todos os aspectos de 
um povo (nação, sociedade) ampliaremos este conceito de forma 
pouco operacional. Mesmo assim, isto pode ser válido quando 
comparamos sociedades muito distintas que resultaram de 
processos históricos bem diferentes. Contudo, conforme Santos 
(1994,p.38) o encontro entre sociedades assim torna-se cada vez 
mais raro. Com a interação entre os povos é comum que estes 
partilhem características comuns fundamentais. Analisar culturas 
de forma isolada deixa de ser viável pois não reflete a realidade 
comum. 
 
[...] Assim, por exemplo, por mais diferenças 
que possam existir entre países como o Brasil, 
o Peru, Quênia e Indonésia, todos eles 
partilham processos históricos comuns e 
contêm importantes semelhanças em sua 
existência social, buscam desenvolver suas 
economias dependentes, superar 
desigualdades sociais internas e atingir 
padrões internacionais de qualidade de vida. É 
uma situação bem diferente, vejam bem, dos 
contatos iniciais da sociedade inglesa com 
sociedades nativas da Oceania ou com reinos 
da África, ou da sociedade brasileira com 
sociedades indígenas da Amazônia." 
40 
 
 
(SANTOS, 1994, p.40) 
 
Podemos dizer também que cultura está associada a outras 
preocupações do estudo da sociedade como relações de poder e a 
organização social. Sendo assim, novamente nos deparamos com 
as duas concepções básicas de cultura. 
[...] ao falarmos de cultura, nos referimos principalmente á 
dimensão de conhecimento de uma sociedade, mas sempre temos 
em mente a sociedade como um todo. (SANTOS, 1994, p. 44). 
ENTÃO O QUE É CULTURA 
Não é possível considerar cultura como um fato isolado, 
independente do contexto histórico de uma sociedade. 
"Cultura é uma construção histórica, seja como 
concepção, seja como dimensão do processo 
social. Ou seja, a cultura não é algo natural, 
não é uma decorrência de leis físicas ou 
biológicas. Ao contrário, a cultura é um produto 
coletivo da vida humana. Isso se aplica não 
apenas à percepção da cultura, mas também à 
sua relevância, à importância que passa a ter. 
Aplica-se ao conteúdo de cada cultura 
particular, produto da história de cada 
sociedade. Cultura é um território bem atual 
das lutas sociais por um destino melhor. É uma 
realidade e uma concepção que precisam ser 
apropriadas em favor do progresso social e da 
liberdade, em favor da luta contra a exploração 
de uma parte da sociedade por outra, em favor 
da superação da desigualdade." (SANTOS, 
1994, p.45) 
 
Atualmente, as preocupações com cultura relacionam-se à 
civilização ocidental. As sociedades de classe preocupam-se muito 
mais com as discussões sobre cultura do que as sociedades tribais. 
A ciência vê o mundo com os olhos da civilização procurando 
compreender sua dinâmica e seu destino. 
41 
 
 
Cultura pode ter um mesmo significado de forma genérica, 
quando falamos da dimensão do processo social. No entanto, têm 
diferentes significados quando falamos de cultura numa sociedade 
indígena brasileira e numa sociedade primitiva, pois cada uma 
delas possui características absolutamente próprias, mesmo que 
estejam em constante processo de mudança ou sofram influência 
das outras sociedades. 
 
" [...] cultura é a dimensão da sociedade que 
inclui todo o conhecimento num sentido 
ampliado e todas as maneiras como esse 
conhecimento é expresso. É uma dimensão 
dinâmica, criadora, ela mesma em processo, 
uma dimensão fundamental das sociedades 
contemporâneas." (SANTOS, 1994, p. 50) 
 
A CULTURA EM NOSSA SOCIEDADE 
A diversificação interna é uma das características das 
sociedades contemporâneas. Isso ocorre basicamente pela posição 
de cada um no processo de produção ou seja, alguns são 
proprietários de empresas, outros são funcionários e assim por 
diante. Estas posições originam as classes sociais e cada uma 
destas classes tem suas características, sua forma de viver, seus 
problemas, sua dinâmica e suas diferenças no processo todo. Mas 
ainda dentro de uma classe social encontramos diferenciações mais 
complexas como por exemplo entre trabalhadores rurais, operários 
de indústrias e comerciários. São diferentes estilos de vida, de 
renda, de acesso a escolas, hospitais, centros de lazer, etc. Isso 
nos permite refletir sobre como a dimensão cultural em nossa 
sociedade pode ser tratada.. 
"A nossa questão é discutir o que tem tudo isso 
a ver com cultura. Será que cultura se resume 
em expressar esses pequenos mundos? Notem 
que logo se poderia querer falar, a partir do 
exposto acima, na cultura dos jovens, dos 
católicos, dos bancários, das mulheres de 
classe média. Ou quem sabe dos jovens 
42 
 
 
bancários católicos, ou das mulheres de classe 
média na região sul na década de 1960.
Algumas preocupações são, contudo, mais 
freqüentes do que outras e vamos centrar 
atenção nelas. Assim, ao estudarmos cultura 
no Brasil, podemos nos preocupar em saber o 
que seria a cultura nacional, ou qual seria a 
importância dos meios de comunicação de
massa na vida do país, ou indagarmos sobre 
cultura das classes sociais ou sobre a cultura 
popular." (SANTOS, 1994, p. 53) 
 
POPULAR X ERUDITO 
No final da Idade Média, nos Estados nacionais em formação na 
Europa, com base no "refinamento pessoal", cultura passou a 
descrever as formas de conhecimento dominantes. Assim a cultura 
era medida pelo conhecimento erudito ao qual somente as classes 
dominantes tinham acesso. Em contrapartida a maior parte da 
população partilhava de um conhecimento que se supunha inferior, 
atrasado, superado e que gradativamente passou a ser considerado 
como uma forma de cultura: a cultura popular. 
"As preocupações com cultura popular são 
tentativas de classificar as formas de 
pensamento e ação das populações mais 
pobres de uma sociedade, buscando o que há 
de específico nelas, procurando entender a sua 
lógica interna, sua dinâmica e, principalmente, 
as implicações políticas que possam ter." 
(SANTOS, 1994, p.54) 
 
Ainda hoje a cultura popular é avaliada com relação à cultura 
erudita e esta relacionada às classes dominantes. A polarização 
entre o popular e o erudito transfere para a dimensão cultural o que 
de fato seria a luta entre classes sociais. 
 
 
43 
 
 
Há sempre uma preocupação de localizar 
marcas políticas quando se opera esse tipo de 
polarização entre as duas concepções de 
cultura. Nesse sentido, o que se busca na 
cultura popular é seu caráter de resistência à 
dominação, ou seu caráter revolucionário em 
relação a esta. (SANTOS, 1994, P.56) 
 
Mas cultura popular pode ainda ser vista como um universo 
de saber, independente

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