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AN02FREV001/REV 4.0 1 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 2 CURSO DE TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE MÓDULO I Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 3 SUMÁRIO MÓDULO I 1 TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE 1.1 DEFINIÇÃO 1.2 PERSONALIDADE NORMAL X ANORMAL – TRAÇOS X TRANSTORNO 1.3 DIAGNÓSTICO 1.4 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 2 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE PARANOIDE 2.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS 2.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA MÓDULO II 3 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE 3.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS 3.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA 3.2.1 Abordagens Terapêuticas 4 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE NARCISISTA 4.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS 4.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA 4.2.1 Abordagens Terapêuticas MÓDULO III 5 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ANTISSOCIAL 5.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS 5.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA 5.3 ABORDAGEM TERAPÊUTICA 6 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ESQUIZOIDE E ESQUIZOTÍPICA AN02FREV001/REV 4.0 4 6.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS 6.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA 6.3 ABORDAGEM TERAPÊUTICA 7 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE HISTRIÔNICA 7.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS 7.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA 7.3 ABORDAGEM TERAPÊUTICA MÓDULO IV 8 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE DEPENDENTE 8.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS 8.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA 8.3 ABORDAGENS TERAPÊUTICAS 9 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ESQUIVA 9.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS 9.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA 9.3 ABORDAGENS TERAPÊUTICAS 10 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE OBSESSIVO-COMPULSIVA 10.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS 10.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA 10.3 ABORDAGENS TERAPÊUTICAS GLOSSÁRIO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AN02FREV001/REV 4.0 5 MÓDULO I 1 TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE 1.1 DEFINIÇÃO De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), somente quando os traços de personalidade são inflexíveis, mal adaptativos e causam prejuízo funcional ou angústia subjetiva, é que eles constituem transtornos de personalidade. Essa definição leva-nos a pensar no que são traços de personalidade, ou seja, a personalidade na ausência de um transtorno. Devemos considerar que a palavra personalidade é muito versátil. Embora o conceito venha sendo descrito desde 4 a.C., é difícil defini-lo. Há, no entanto, algum consenso quanto ao seu significado. Podemos dizer que a personalidade consiste em modos de funcionamento psicológico arraigados, difusos, resistentes e habituais que caracterizam o estilo do sujeito. Trata-se de uma intrincada organização de atitudes, percepções, hábitos, emoções e comportamentos que definem o modo de uma pessoa relacionar-se com os outros e consigo mesma. Somam-se a isso os modos pelos quais a mente processa as informações, ou seja, suas funções sintetizadoras e integradoras, que incluem o reconhecimento das motivações. De modo análogo, o DSM-IV define traços de personalidade como “... um padrão persistente, e relativamente estável ao longo do tempo, no modo de pensar, agir e se comportar”, ou seja, padrões constantes na maneira de perceber, relacionar-se e pensar sobre o ambiente e si próprio, os quais são exibidos em uma ampla gama de contextos sociais e pessoais. Frequentemente, os termos caráter e temperamento são usados como sinônimos do termo personalidade. Cada qual tem um significado diferente. Caráter, AN02FREV001/REV 4.0 6 derivado da palavra grega charaxo, que significa gravar, sugere a natureza característica de uma pessoa. É habitualmente usado para definir os traços da personalidade, que são produtos dos processos evolutivos e experiências de vida. Por outro lado, temperamento sugere aquelas disposições com base biológica que colorem a personalidade. Os aspectos temperamentais são tomados habitualmente como características simples, não motivadas, que embora geneticamente determinadas não se tornam estáveis após os primeiros anos de vida. A maioria das concepções atuais considera a personalidade como fruto das interações dos aspectos constitucionais, das experiências evolutivas e da experiência de vida atual. Assim, estas definições acerca da personalidade englobam a noção de temperamento e caráter. O estudo dos transtornos da personalidade conduz a áreas nas quais a diferença entre saúde e doença é ambígua. A distinção entre patologia e normalidade é muito tênue. Devem ser considerados portadores de transtorno mental um sujeito arrogante e dominador, um jovem com fones de ouvido que se recusa a sair do quarto, uma criança que tortura animais, uma mulher que se sente constantemente perseguida por seu chefe? Em grande parte, os transtornos da personalidade são influenciados por normas sociais e valores pessoais. O fato de se considerar um sujeito portador de transtorno da personalidade depende de que seus traços de personalidade sejam nocivos à sociedade, ao meio em que vive, e particularmente às pessoas com quem mais frequentemente interage. Essas qualidades que incomodam aos outros são, em muitos casos, manifestadas também no relacionamento com o terapeuta. Deve-se, então, levar em conta a bagagem étnica, cultural e social do sujeito. Os transtornos da personalidade não devem ser confundidos com expressões típicas de cada cultura, como a expressão de hábitos, costumes, valores religiosos e políticos. Isso significa dizer, por exemplo, que na avaliação de uma pessoa de origem étnica diferente, é importante saber informações sobre a respectiva bagagem cultural, os hábitos e todos os valores, próprios da sua cultura. AN02FREV001/REV 4.0 7 1.2 PERSONALIDADE NORMAL X ANORMAL – TRAÇOS X TRANSTORNO Como entender esta diferença? Quando a personalidade deixa de ser normal e passa a ser anormal? Quando um traço de personalidade torna-se um transtorno de personalidade? Podemos pensar em algumas proposições. Temos o conceito estatístico ou de desvio, em que os traços que são comuns em uma população são considerados normalidade, enquanto os traços incomuns são patológicos. Temos também a definição de que os traços patológicos de personalidade são os que impedem uma resposta flexível às situações da vida, ao meio em que o sujeito vive. Um terceiro conceito sugere que quando uma série de traços de caráter anormais ou patológicos provoque um distúrbio significativo do funcionamento intrapsíquico e interpessoal, pode ser considerado como transtorno de personalidade. Vale notar que esta definição leva em consideração os conflitos internos, intrapsíquicos, na constituição do transtorno. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) os transtornos da personalidade “compreendem diversos estados e tipos de comportamentos clinicamente significativos que tendem a persistir e são a expressão característica da maneira de viver do indivíduo e do seu modo de estabelecer relações consigo próprio e com os outros”. Os dados epidemiológicos sugerem que aproximadamente 10 a 13% da população em geral possuem transtornos da personalidade. Estes números tornam- se maiores em classes socioeconômicas mais baixas e em comunidades desfavorecidas. Os transtornos da personalidade são dispendiosos para a sociedade. Há relações claras entre transtornos da personalidade e crime, alcoolismo e abuso de drogas. São comuns em homicidas, incluindo os infanticidas, os filicidas e os matricidas. Temos taxas aumentadas de morte por suicídio, tentativas de suicídio, acidentes e internações. Geralmente um transtorno da personalidade pode ser identificado durante a adolescência ou começo da idade adulta. Os traços são frequentemente evidentes na adolescência, mas podem remontar à infância. AN02FREV001/REV 4.0 8 1.3 DIAGNÓSTICO De acordo com o DSM IV, a característica essencial do transtorno de personalidade é um padrão persistente e duradouro de vivência íntima que se desvia de forma marcante das expectativas da cultura do sujeito. A avaliação deve incluir aspectos múltiplos de experiência e comportamento, tais como afetos, cognição, experiência psíquica e relacionamentos interpessoais. Para se diagnosticar um transtorno, deve-se investigar se seus traços estão presentes em uma ampla gama de situações, angustiantes ou prejudiciais, de início precoce e persistente. Fica a questão: como executar um diagnóstico com segurança? As entrevistas clínicas são a base do diagnóstico destes transtornos. Para tal, o profissional tem que estar familiarizado com os princípios psicodinâmicos da entrevista. Isto significa dizer que o profissional precisa saber identificar os mecanismos de defesa, transferência, contratransferência, entre outros, que surgem durante a entrevista. Esta técnica tem suas limitações. Nem todos os transtornos podem ser avaliados e, muitas vezes, o profissional não possui conhecimento necessário para trabalhar com esta abordagem. Outro recurso são as entrevistas semiestruturadas e instrumentos autodescritivos. Esses asseguram um delineamento sistemático de cada transtorno. Muitos destes instrumentos são relativamente fáceis de administrar, sendo muito úteis quando combinados com a entrevista aberta, na qual o profissional pode investigar melhor as contradições e ambiguidades. Mesmo que esses instrumentos possam ajudar no processo diagnóstico e superar alguns problemas de uma entrevista aberta, deve-se ter em mente suas limitações. Como diferenciar transtornos da personalidade de traços de personalidade normais? Como executar o processo com segurança? A fronteira é frequentemente imprecisa. AN02FREV001/REV 4.0 9 1.4 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS O DSM IV classifica como transtornos de personalidade: Transtorno de Personalidade Paranoide - o sujeito mantém um comportamento de desconfiança e suspeitas, de modo que as intenções das pessoas são interpretadas como maldosas. Transtorno de Personalidade Esquizoide - o sujeito mantém um distanciamento dos relacionamentos sociais, com pouca expressão emocional. Transtorno de Personalidade Esquizotípica - o sujeito manifesta um desconforto agudo em relacionamentos íntimos, distorções cognitivas ou da percepção e comportamento excêntrico. Transtorno de Personalidade Antissocial – o sujeito apresenta desconsideração e violação dos direitos alheios. Transtorno de Personalidade Boderline – o sujeito manifesta instabilidade nos relacionamentos interpessoais, autoimagem e afetos, bem como grande impulsividade. Transtorno de Personalidade Histriônica – o sujeito mostra excessiva emotividade e busca de atenção. Transtorno de Personalidade Narcisista – o sujeito apresenta uma necessidade por admiração, um sentimento de grandiosidade e falta de empatia. Transtorno de Personalidade Esquiva - o sujeito apresenta inibição social, sentimentos de inadequação e hipersensibilidade a avaliações negativas. Transtorno de Personalidade Dependente – o sujeita mostra um comportamento submisso e aderente, que está relacionado a uma necessidade de proteção e cuidados. Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva – o sujeito apresenta uma preocupação constante com organização, perfeccionismo e controle. AN02FREV001/REV 4.0 10 FONTE: DSM IV CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO DSM IV PARA TRANSTORNO DE PERSONALIDADE A. Um padrão persistente de vivência ou comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo. Este padrão manifesta-se em duas ou mais das seguintes áreas: - cognição (modo de perceber e interpretar a si mesmo, outras pessoas e eventos); - afetividade (variação, intensidade, labilidade e adequação da resposta emocional); - funcionamento interpessoal; - controle dos impulsos. B. O padrão persistente é inflexível e abrange uma ampla faixa de situações sociais e pessoais. C. O padrão persistente provoca sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. O padrão é estável e de longa duração, podendo seu início remontar à adolescência ou idade adulta. E. O padrão persistente não é mais explicado como uma manifestação ou consequência de outro transtorno mental. F. O padrão persistente não é decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (ex. droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral (ex. traumatismo craniano). AN02FREV001/REV 4.0 11 2 TRANSTORNO DA PERSONALIDADE PARANOIDE 2.1 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E ASPECTOS CLÍNICOS FONTE: DSM IV CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO DSM IV PARA TRANSTORNO DE PERSONALIDADE PARANOIDE A. Um padrão global de desconfiança e suspeitas em relação aos outros, de modo que nas intenções são interpretados como maldosos; manifesta-se no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, quatro dos seguintes critérios: (1) Suspeita, sem fundamento suficiente, de estar sendo explorado, maltratado ou enganado por terceiros. (2) Preocupação com dúvidas infundadas acerca da lealdade ou confiabilidade de amigos ou colegas. (3) Relutância em confiar em outros por um medo infundado de que essas informações possam ser maldosamente usadas contra si. (4) Interpretação de significados ocultos, de caráter humilhante ou ameaçador em observações ou acontecimentos benignos. (5) Armazenamento de rancores persistentes, ou seja, é implacável com insultos, injúrias ou deslizes. (6) Percepção de ataques ao seu caráter ou reputação que não são visíveis pelos outros e reage rapidamente com raiva ou contra- ataque. (7) Suspeitas recorrentes, sem justificativa, quanto à fidelidade do cônjuge ou parceiro sexual. B. Não ocorre exclusivamente durante o curso da esquizofrenia, transtorno de humor com características psicóticas ou outro transtorno psicótico, nem é decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral. AN02FREV001/REV 4.0 12 O transtorno de personalidade paranoide é uma entidade patológica distinta, independente de fatores culturais e não é um estado transitório. Envolve um estilo global de pensar, sentir e relacionar-se com os outros, excessivamente rígido e imutável. Estas pessoas apresentam suspeitas frequentes, sem base sustentável de que os outros as exploram, prejudicam ou tiram vantagens delas. Frequentemente duvidam da lealdade ou da fidelidade de seus amigos, sócios e cônjuges ou parceiros sexuais. Temem confiar em outros por medo de que as informações sejam usadas contra elas. Esta forma de pensamento é caracterizada por uma busca constante de significados ocultos, de pistas que revelem a “verdade” por trás das aparências. O óbvio, o aparente, simplesmente mascara a realidade. Estão constantemente em guarda, vigiando o comportamento dos outros em busca de evidências de trapaças, motivos ocultos. Esta busca interminável envolve um estado de hipervigilância. O sujeito paranoide geralmente esquadrinha o ambiente com bastante atenção, em busca de qualquer coisa fora do comum. Geralmente são rápidos em encontrar tais evidências. Um acontecimento benigno pode ser interpretado como ameaçador. O pensamento paranoide é caracterizado por falta de flexibilidade. O argumento mais persuasivo geralmente não terá qualquer impacto sobre as crenças rígidas e inabaláveis da pessoa paranoide. FIGURA 1 FONTE: Disponível em: <http://imgs.sapo.pt/gfx/440808.gif>. Acesso em: 22/03/2012. AN02FREV001/REV 4.0 13 Os indivíduos com o transtorno geralmente culpam os outros por suas dificuldades e resistem a qualquer sugestão de sua própria culpa ou responsabilidade. De fato, aquelas pessoas que tentam discutir com uma pessoa com tal transtorno irão descobrir que simplesmente passarão a ser alvo de suspeita. Frequentemente sentem-se atacadas pelos outros e podem reagir rapidamente a estas ameaças. Devido à excessiva desconfiança e sensibilidade a estes supostos ataques, podem ser excessivamente propensas a discussões sarcásticas e queixosas ou silenciosamente hostis e distantes. Guardam rancores persistentes contra um suposto atacante. Elas tendem a conter a expressão de emoções afetuosas, têm dificuldade para relaxar e parecem tensas, sérias e vigilantes. Muitas vezes são extremamente sensíveis a temas de posição e poder e podem ter visões negativas e prejudiciais dos outros, tais como membros de outras raças. Entretanto, alguns sujeitos são capazes de manter relações com outros sujeitos que compartilham das suas crenças paranoides, no contexto de uma seita, por exemplo. Os portadores de transtorno da personalidade paranoide podem funcionar com relativa estabilidade, principalmente se seu trabalho não exigir excessiva cooperação com outras pessoas. Podem apresentar dificuldades com figuras de autoridade e em relacionamentos íntimos, o que tendem a evitar devido aos medos de dominação ou vulnerabilidade. Já, sob estresse extremo, podem experimentar um pensamento francamente paranoide. Tendem a ter percepções altamente precisas do seu ambiente. Entretanto, seu julgamento a respeito destas percepções é que está prejudicado. Assim, não é a realidade que é distorcida; mas, o significado da realidade aparente que é mal interpretado. 2.2 COMPREENSÃO PSICODINÂMICA A dissociação é o mecanismo de defesa central na dinâmica do paciente paranoide. Este mecanismo desenvolvido por Freud e ampliado por Melanie Klein, AN02FREV001/REV 4.0 14 consiste em um processo inconsciente que separa ativamente sentimentos contraditórios. Assim, sentimentos de amor e ódio em relação ao mesmo objeto devem ser separados um do outro. Qualquer movimento em direção à integração cria uma ansiedade intolerável, que tem origem no medo de que o ódio destrua o amor. A sobrevivência emocional do paciente paranoide exige que ele dissocie tudo que é “mau” e projete nas figuras externas. Ele está constantemente no papel de vítima frente aos agressores ou perseguidores externos. FIGURA 2 FONTE: Portal Educação. O mundo do paranoide é povoado de estranhos, indignos de confiança. Nenhum relacionamento é percebido como duradouro. O sujeito paranoide aproxima-se de cada relacionamento com a crença de que a outra pessoa irá eventualmente cometer um deslize e confirmar suas suspeitas. Mesmo depois de um terapeuta prestativo e estável ter trabalhado com um paciente paranoide por muito tempo, um pequeno desapontamento pode levá-lo a desconsiderar a conduta anterior do terapeuta e a sentir com total convicção de que o terapeuta não merece sua confiança. O terapeuta foi “desmascarado”. AN02FREV001/REV 4.0 15 Logo, as boas experiências com uma pessoa no passado podem ser totalmente anuladas pela situação presente. A baixa autoestima está na essência da personalidade paranoide, o que os leva a desenvolver uma sintonia aguda em relação a questões de hierarquia e poder. Eles têm uma grande preocupação que pessoas em posição de autoridade possam humilhá-los ou esperar que sejam submissos. Apresentam um medo constante de que seus relacionamentos interpessoais ameacem sua autonomia. Temem que qualquer pessoa que se aproxime deles esteja tentando secretamente assumir o controle. Abordagens terapêuticas – Os pacientes com transtorno de personalidade paranoide são tradicionalmente considerados resistentes à terapia. Isto pode ser explicado pelo fato de que estes traços perturbados estão em sintonia com o eu do sujeito, o que muitas vezes pode fazer com que o sujeito se apegue a eles com orgulho e inflexibilidade. Por exemplo, uma pessoa desconfiada pode orgulhar-se de estar sempre preparada, em alerta e uma pessoa indecisa pode sentir-se satisfeita de raramente cometer erros. O tratamento ameaça tornar vulnerável o indivíduo desconfiado e sujeito a falhas, o indeciso. Quem, voluntariamente, se submeteria a tais mudanças? Geralmente estes pacientes iniciam o tratamento por alguma pressão externa. Em função da grande dificuldade de confiar em qualquer pessoa geralmente não se dão bem na psicoterapia de grupo. O indicado, a princípio, é a terapia individual, apesar do grande desafio que representa para o terapeuta. O primeiro passo, na psicoterapia, é desenvolver uma aliança terapêutica. Este processo é dificultado pela tendência destes pacientes a evocarem respostas defensivas nos outros. Com o terapeuta não acontece diferente. Ao longo da psicoterapia, principalmente durante as fases iniciais de formação de uma aliança, o terapeuta deve evitar responder de forma defensiva – assim como todos os demais no ambiente do paciente. Embora os pacientes que sofram de qualquer um dos transtornos psiquiátricos possam tornar-se violentos, os pacientes paranoides são uma ameaça em especial. Para prevenir a escalada da agressão, o terapeuta deve ter em mente diversos princípios de manejo: AN02FREV001/REV 4.0 16 - Fazer todo o possível para ajudar o paciente a não se sentir humilhado. A essência da paranoia é a baixa autoestima, de forma que o terapeuta deve ser empático com a experiência do paciente e não desafiar a veracidade do que o paciente diz. - Evitar levantar mais suspeitas – Devido à desconfiança básica destes pacientes, todas as intervenções do terapeuta devem voltar-se para evitar qualquer aumento em sua paranoia. - Ajudar o paciente a manter um senso de controle. Os pacientes paranoides temem a perda do controle. Boa parte da sua ansiedade tem origem no medo de que os outros tentarão assumir o controle; assim qualquer coisa que o terapeuta possa fazer para indicar respeito pela autonomia destes pacientes irá ajudar a reduzir sua ansiedade. Um terapeuta que demonstre medo do paciente perder o controle irá apenas aumentar o medo do paciente. - Sempre estimular estes pacientes a verbalizarem, em vez de violentamente atuarem sua raiva. Conseguir que eles falem da sua raiva o mais detalhadamente possível. Tentar oferecer sempre alternativas construtivas para a violência. Considerar as consequências lógicas de se tornar violento. O terapeuta que se sente ameaçado pode tentar traduzir esta ameaça em palavras. - Sempre oferecer aos indivíduos paranoides um ambiente bastante espaçoso. Seu medo de submissão passiva aos outros é aumentado pela proximidade física. Evitar um arranjo do espaço, das cadeiras, por exemplo, de forma a que eles se sintam encurralados. - O terapeuta tem que estar sintonizado com sua própria contratransferência ao lidar com pacientes que possuam um potencial violento. A negação da contratransferência é comum em terapeutas que trabalham com pacientes paranoides. Eles podem deixar de fazer importantes perguntas sobre a história, por medo de confirmar seus temores. Os terapeutas devem assumir seus próprios medos e então evitar situações de perigo. Para finalizar, temos um caso-exemplo, retirado do Manual de Psiquiatria Psicodinâmica (GABBARD, 1998). Trata-se dos estágios iniciais da psicoterapia de um paciente com transtorno de personalidade paranoide, que pode ajudar na compreensão dos princípios técnicos descritos neste capítulo. Os comentários entre AN02FREV001/REV 4.0 17 parênteses indicam a relação entre a teoria e a técnica. O Sr. EE era um contador de 42 anos quer havia ficado em auxílio previdenciário por um ano devido às suas constantes queixas de alergias a substâncias no ambiente de trabalho. Depois de receber uma promoção, ele mudou-se pra um novo escritório, onde subitamente percebeu o início de diversos sintomas físicos perturbadores, incluindo cefaleia, pensamento lento, aperto no peito, visão borrada, dores generalizadas, fraqueza, fadiga fácil e falta de motivação. O Sr. EE associou estes sintomas ao novo sistema de ventilação. Os sintomas começavam a se dissipar sempre que ele deixava o escritório e muitas vezes desapareciam, até ele ir ao médico. Ele passou por várias avaliações diagnósticas com diversos especialistas e apenas um deles pensou que houvesse alguma base orgânica para as queixas. O Sr. EE utilizava esta opinião isolada para justificar seu próprio ponto de vista. Ele foi pressionado a buscar psicoterapia pelo administrador de sua firma, que estava preocupado com o fato de sua incapacidade estar se tornando permanente. Nos estágios iniciais da terapia, o Sr. EE negou quaisquer problemas emocionais além da tensão conjugal, pela qual ele culpava sua esposa. Ele falou extensamente sobre seus sintomas físicos e estava convencido da origem física destes, independente dos achados negativos da maior parte dos especialistas. (O paciente se mostra totalmente impenetrável aos argumentos racionais dos especialistas. Ele também apresenta grandiosidade ao acreditar que sabe mais que os médicos.) Quando perguntado a respeito de seus relacionamentos interpessoais, o Sr. EE disse que ele e seu pai não estavam se falando, por seu pai tê-lo enganado em questões de negócios. Além disso, ele queixou-se de que seu pai era sempre mais duro com ele que com todos seus irmãos. Resumiu sua descrição do pai dizendo que ele era um homem injusto e que não merecia sua confiança. O Sr. EE continuou descrevendo sua esposa como enganadora. Ela o havia iludido para ter um filho, deixando de fazer a contracepção e ficando grávida. Ele disse nunca ter perdoado sua esposa por esta “armação” – oito anos antes – e disse que seu casamento havia sido um desastre, desde então. Disse que a única forma pela qual esta situação poderia se modificar seria ela tornando-se mais confiável. (O paciente projetou objetos maus persecutórios em figuras próximas de sua família e os vê como fonte de todos os seus problemas. O próprio admite não contribuir para estas dificuldades familiares e sugere que a única solução possível é a modificação dos outros e não dele.). AN02FREV001/REV 4.0 18 Ao longo da primeira sessão de psicoterapia, o Sr. EE escutou atentamente o terapeuta, constantemente solicitando mais esclarecimentos sobre os comentários. Ele parecia estar em busca de mensagens ocultas nas comunicações mais benignas. O Sr. EE também estava hipervigilante aos mínimos movimentos corporais do terapeuta, com frequência interpretando- os erroneamente como indicadores de enfado ou desinteresse. Depois de escutar por algum tempo, o terapeuta comentou empaticamente: “Você deve estar se sentindo horrível. Seu chefe está no seu pescoço para que você faça terapia, você se sente fisicamente miserável, e sua esposa e você não estão se falando”. O paciente respondeu a este comentário empático abrindo-se um pouco mais, admitindo que sempre havia sido “sensível”. Ele admitiu que comumente se perturbava com pequenas coisas que não incomodavam as outras pessoas. (A validação empática que o terapeuta fez da autoestima ameaçada do paciente permitiu que ele se sentisse compreendido. Esta aliança incipiente permitiu ao paciente admitir um problema próprio pela primeira vez, ou seja, que ele era “sensível”.). O Sr. EE descreveu seu relacionamento com seu filho de forma fria, calculista, dizendo: “Nós estamos juntos mais que a média da população em geral.” (Esta descrição revela a incapacidade da personalidade paranoide de sentir calor emocional e ternura em relacionamentos, pois ter estes sentimentos o faria vulnerável à rejeição e ao ataque). O Sr EE mudou de assunto, passando a falar das suas preocupações em relação aos médicos que o haviam examinado. Ele expressou uma forte sensação de que todos os médicos são basicamente incompetentes e pareceu convencido de que um médio havia quase provocado nele uma hemorragia cerebral com determinada medicação. Descreveu três psiquiatras que o haviam examinado anteriormente como sendo totalmente incompetentes. A seguir, perguntou ao terapeuta se ele conhecia uma determinada medicação não psiquiátrica. Quando o terapeuta admitiu não conhecer a droga, o Sr. EE rapidamente respondeu que o terapeuta provavelmente era tão “charlatão” quanto os outros médicos. (O medo das pessoas paranoides de serem controladas, aliado a sentimentos de inferioridade em relacionamentos “desiguais”, com frequência leva à desvalorização e humilhação de outras pessoas. Desvalorizando o terapeuta, o Sr. EE reassegura a si próprio de que não tem nada a invejar e nenhuma razão para se sentir inferior.) Como o Sr. EE continuou a não acreditar nas opiniões dos vários especialistas que o haviam examinado, o terapeuta observou: “Isto deve ser muito desmoralizante para você”. O Sr. EE respondeu categoricamente: AN02FREV001/REV 4.0 19 “Você está tentando me gozar!” (Aqui o terapeuta tenta empatizar introduzindo um novo sentimento, mas ele excedeu a capacidade do paciente de admitir tal sentimento. A reação do paciente teria sido mais positiva se o terapeuta tivesse permanecido mais próximo às palavras e sentimentos descritos pelo paciente.) À medida que o Sr. EE continuou a falar a respeito do seu estado atual, ele foi capaz de admitir que achava difícil ajustar-se à incapacidade e ao desemprego depois de estar na posição de executivo. Percebendo uma abertura com relação a questões de autoestima, o terapeuta observou que o fato de estar incapacitado de trabalhar deve ter sido um golpe. O Sr. EE respondeu perguntando ao terapeuta: “Você pensa que eu sou um fraco?” (Novamente, a capacidade do terapeuta de empatizar com a baixa autoestima do paciente, em vez de torná-lo defensivo, permitiu ao Sr. EE revelar sua preocupação em relação à sua fraqueza e inferioridade subjacentes). FONTE: GABBARD. Manual de Psiquiatria Psicodinânica.Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 282-284. FIM DO MÓDULO I
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