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ANÁLISE CASO SIEGFRIED ELLWANGER - HC 82424

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CASO SIEGFRIED ELLWANGER – HC 82424
No início do século, mais precisamente entre dezembro de 2002 e setembro de 2003, efetuou-se o julgamento do pedido de Habeas Corpus (HC 82424) de Siegfried Ellwanger pelo Supremo Tribunal Federal. Ele foi acusado de ser o responsável pela edição e venda de livros com menções racistas e discriminatórias em relação à comunidade judaica. 
Por maioria de oito a três, o Supremo Tribunal Federal recusou o pedido de Habeas Corpus e preservou a condenação determinada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul por crime de racismo. 
Assim votaram Vossas Excelências: Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Murício Corrêa foram contra o recurso e interpretaram que há uma relação entre o racismo e a discriminação contra os judeus. Já Moreira Alves e Marco Aurélio consideraram que o crime havia perdido sua validade e Carlos Ayres Britto, por sua vez, atribuía o recurso de ofício para absolver o réu por falta de provas. 
O voto do ministro relator Moreira Alves foi baseado na premissa de que “os judeus não podem ser considerados uma raça”. Para enriquecer seus argumentos, V.Ex.ª utilizou de referências e citações bibliográficas de autores como Miguel Asheri, o rabino Morris Kertzer, Moacyr Scliar e Eugene B. Bnorowitz. 
Para concretizar e concluir seu voto, enfatizou o sermão do rabino Samuel M. Stahl feito em maio de 2002, onde faz três indagações e uma delas, a que merece destaque, foi se os judeus são realmente uma raça. Ele afirma que não, pois há judeus caucasianos, orientais e negros de todas as nacionalidades do mundo. Conclui, então, que são uma comunidade com a religião como foco central. 
Dessa forma, o ministro constatou que, já que os judeus não são reconhecidos como uma raça, não se pode classificar o crime como racismo, considerando extinta a punição, deferiu o Habeas Corpus de Siegfried Ellwanger. 
Na hora de seu voto, o ministro Maurício Corrêa afirmou que o conceito de raça não poderia concentrar-se no significado apenas biológico do termo e deveria ser entendido em suas mais variadas formas, harmonizando com os demais preceitos com ele inter-relacionados, resultado de sua valoração socioantropológica. Tal divisão dos seres humanos, resulta de um segmento político-social consequente do preconceito dos homens.
Ressaltou que antissemitismo é, de fato, uma forma de racismo, pois os preconceitos contra o povo judeu na Alemanha nazista eram claramente de caráter racial. Para justificar tal argumento, V.Ex.ª fez menção ao livro “Minha Luta” de Adolf Hitler, mais especificamente ao capítulo “Povo e Raça”, onde ele se referia ao povo judeu como “anti-raça”, inferindo que não estaria na condição humana ser judeu.
Assim, constatou que as condutas do editor caracterizam-se racistas, pois as publicações que ele fez procuram negar os fatos históricos, em especial o holocausto, incentivando a discriminação e o segregacionismo. Portanto, o ministro concluiu seu voto e negou o pedido de Habeas Corpus, se opondo ao ministro relator Moreira Alves.
O ministro Celso de Mello, em seu voto, destaca a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana promulgada pela ONU em 1948, onde os Estados reconheceram os atos hediondos cometidos pelos regimes nazifascistas. Ela afirma que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, assegurando o direito de liberdade. Com isso, V.Ex.ª reforça que é preciso reagir contra situações de discriminação em favor da proteção da integridade de todas as pessoas.
Nega a validade da proteção da cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão. A partir do momento que as publicações extravasam os limites da pesquisa histórica e partem para o insulto e ao ódio público pelos judeus, elas não merecem imunidade jurídica.
Conclui sua decisão reconhecendo que deve-se controlar os abusos da liberdade de expressão e, assim, punir a manifestação de opinião que evidentemente indica a intenção de discriminar raça, credo e segmento social. Sendo assim, vota contra o pedido de Habeas Corpus de Siegfried Ellwanger.
O ministro Gilmar Mendes dá início ao seu voto tratando da noção de racismo que, do ponto de vista histórico e constitucional, engloba o antissemitismo. Ele cita autores como Kevin Boyle e Norberto Bobbio que fizeram reflexões sobre o tema. E reforça o debate entre as declarações de índole racista e o direito à liberdade de expressão.
Analisa a situação da liberdade de expressão a partir do princípio da proporcionalidade que “constitui um exigência positiva ou material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um ‘limite do limite’ [...] na restrição de tais direitos”. Ou seja, o fato de Ellwanger ter publicado livros com ideais racistas, o restringe do direito fundamental da liberdade de expressão.
Concluiu que além dos materiais publicados pelo editor conterem passagens de discriminação, ainda estimulavam a aversão e a violência contra o povo judeu. Com isso, indeferiu o pedido de Habeas Corpus e mencionou que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acertou em sua decisão.
Pedindo antecipação do voto, o ministro Carlos Velloso menciona a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, previsto na Constituição brasileira. Desenrola sua linha de pensamento dizendo que uma das piores formas de desrespeito aos direitos da pessoa humana é aquela embasada no preconceito, nesse caso, no antissemitismo que faz parte do racismo.
Segundo ele, os livros editados pelo editor compreende os judeus como uma raça, citando pontos em que se menciona “inclinação racial e parasitária dos judeus”, “judeus como culpados e beneficiários da Segunda Guerra” e outras. Ele afirma não ter dúvidas quanto a conduta racista do mesmo. Dessa forma, seguindo a maioria, nega o recurso de Habeas Corpus de Ellwanger.
Também antecipando seu voto, o ministro Nelson Jobim considerou o caso de Siegfried Ellwanger típico de fomentação de racismo. Afirma que ele não teria editado os livros por motivos históricos, mas sim como uma prática antissemita. A edição em si não seria a prática do racismo, todavia os textos se tornam instrumentos para produzi-lo. 
Determina, portanto, que a discriminação contra o povo judeu caracteriza o crime inafiançável e imprescritível de racismo, votando contra o pedido de Habeas Corpus, juntamente com a maioria.
Iniciando seu voto pela definição de raça da Enciclopédia Judaica, a ministra Ellen Gracie afirma que “quando se fala em preconceito de raça, não se há de pensar em critérios científicos [...] mas, na percepção do outro como diferente e inferior, revelada na atuação carregada de menosprezo e no desrespeito a seu direito fundamental à igualdade”. 
Como se torna evidente a manifestação antissemítica, não há compromisso com a correção biológica ou antropológica, podendo a ideologia do preconceito excludente nos proporcionar inúmeros exemplos para sua irracionalidade. Com tal afirmação, V.Ex.ª conclui seu voto e denega a ordem. 
Votou, por sua vez, o ministro Cezar Peluso, que reitera que a Constituição não adotou nenhum conceito rigoroso e extrajurídico para racismo, apenas elaborou um conceito próprio, isto é, normativo. Com tudo isso, ele diz concordar com o ministro Nelson Jobim, que afirma que a definição de racismo deve ser pragmática, “no sentido de atender a esse procedimento lógico-jurídico da racionalidade da norma”. 
Chamou a atenção do ministro o fato de que Siegfried Ellwanger se tornou especialista na edição e publicação dos diversos livros de índole discriminatória. Para tanto, há uma interpretação óbvia, o caso gira em torno de um ato que contraria a validade constitucional e ameaça os fundamentos de uma sociedade livre. Dessa forma, segue com a denegação do Habeas Corpus. 
Em seu voto, o ministro Carlos Ayres Britto levanta uma questão de ordem ainda não mencionada no julgamento: nenhum dos atores processuais originários mencionoude que a infração em questão aconteceu depois da publicação da Lei federal nº 8.081/90. Até a data de vigor da lei, o crime de racismo não estava associado à sua difusão “pelos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza”. A maioria das edições foram publicadas em 1989 ou meados de 1990, e a lei apenas entrou em vigor em setembro de 1990.
Dessa forma, V.Ex.ª conclui sua fala exprimindo que entende que Ellwanger não cometeu o crime e que não há justa causa para a condenação, além de reforçar a atipicidade da conduta. Então, o ministro concede o Habeas Corpus “debaixo de todas as vênias daqueles tão bem elaborados votos discordantes”. 
No voto do ministro Marco Aurélio, a questão em destaque foi a liberdade de expressão. Ele aponta que ela pode ser entendida como uma garantia da diversidade de opiniões que ajuda a concretizar a democracia em que vivemos e reduzir tal direito significaria podar a própria democracia. Destaca que para o bem-estar intelectual, deve-se proteger a liberdade de expressão mesmo que sejam contrárias ao pensamento majoritário ou que estejam erradas.
Sustentando sua linha de raciocínio, o ministro defende que o julgamento não deve adotar pressupostos da cultura europeia a partir de acontecimentos que são alheios à nossa realidade sul-americana. Ainda diz que, se o caso fosse de racismo contra negros, seria outra óptica, pois tal situação está enraizada em nossa cultura. Sob esse ponto de vista, ele foi a favor do recurso do Habeas Corpus.
Por último, votou o ministro Sepúlveda Pertence, retomando muitos argumentos feitos anteriormente por seus antecessores. Reitera que o alvo do racismo não é necessariamente uma raça, já que no presente caso o alvo são os judeus, “um grupo humano diferenciado, identificado historicamente”. Logo, o preconceito antissemita constitui racismo.
O ministro diz ter se convencido de que um livro pode, de fato, se tornar um instrumento da prática do preconceito e da discriminação, com isso, não pode entender os textos como tentativa de revisão da história. Finalizando seu voto, negou o Habeas Corpus ao editor.
A decisão final do Supremo Tribunal Federal, por maioria, foi o indeferimento do Habeas Corpus de Siegfried Ellwanger. Tiveram seus votos vencidos os ministros Moreira Alves, relator, Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto. Foram vencedores os votos dos ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Murício Corrêa, como mencionado anteriormente.

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