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• .. C'} POVOAMENTO As ESTATISTICAS demognificas que possuimos da col6nia sao ex- tremamente escassas. Nao havia coleta regular e sistema- tica de dados, e faziam-se levantamentos apenas para dois fins especificos e restritos: um eclesUlstico, outro militar. Os parocos organizavam listas paroquiais que se destinavam a recensear os fi€is sujeitos a desobri~a pascal, e que serviam tambem para a divisao e forma<;ao ctas par6quias. A outra fonte de dados que possuimos e dos coletados para fins do recrutamento mi- litar. Ambos processos tem, para nosso objetivo, urn grave de- feito: a sua finalidade e . restrita, e interessam-se por isso ape- nas por determinadas categorias da popula9ao. 0 primeiro, s6 as pessoas sujeitas ao preceito pascal, isto e, aos maiores de sete anos. 0 outro, aos homens capazes de pegar em armas. Nos dois casos tambem, a sonega<;ao tern fortes estimulos, e por isso OS levantamentos sao eivados de grandes falhas. Ouanto as listas paroquiais, a relutancia dos fieis diante de uma obriga<;ao oncro- sa - pagava-se entao a "desobriga" -, hem como o interesse dos parocos, temerosos do desmembramento de suas par6quias e procurando por isso dissimular as autoridades superiores 0 nu- mero exato de fieis. No caso das listas para o recrutamento, a relutfmcia em se apresentar e 6bvia. Acresce a tudo isto o geral desleixo e relaxamento da admi- nistra<;ao publica, tanto civil quanto eclesiastica. Parece que s6 muito tarde, ja pelos Ultimos anos do sec. XVIII, a metr6pole co- gitou da organiza9ao de cstatisticas gerais e sistematicas. Tiveram tal objetivo, segundo as aparencias, as instru96es dadas em 1797 ao governador da Para!ba, Fernando Delgado de Castilho, cujo texto possuimos, e que teriam sido 0 padrao de uma circular sobre 0 ass':lnto, enviada na mesma ocasilio a todos os govemadores da co- loma (1.) Solicita ai o governo central dados estatfsticos de na- tureza varia e que deveriam ser coli<ridos anualmente: movimento d~mogra.fico (nascimentos, Casamento~ 6bitos), ocupay6es, comer- ClO, pre<;os. _ Tal recenseamento complete se realiz~u pelo menos uma vez; nao conhecemos seus resultados, que poss1velmente dor- (1) Documentos Oficiais, V arios assuntos, 456. 30 CAIO PRADO JONIOH mem ainda o sono dos arquivos em Portugal, mas temos noticias dele atraves do Cons. Velo.so de Oliveira, que na sua memoria so- bre a Igreja do Brasil, que e de 1819, se refere a urn recenseamento de 1797/8 que e, com toda a probabilidade, conseqiiencia claque- las instru\!6es acima referidas. Pela mesma cita9ao de Veloso de Oliveira, infere-se que o calculo da popula9ao brasileira ultrapas- sou entao "de muito", 3.000.000. Na data em que ele escreve, or9Uva-a em cerca de 4.400.000, incluindo os .indios nao domes- ticados que se avaliavam, sem grande base, em 800.000. Sao estes, em suma, OS dados mais seguros que possu1mos sobre 0 conjunto da colonia em principios do seculo passado. Excluamos os indios barbaros - que por enquanto nao"" nos in- teressam, porque eles ainda niio fazem parte da "coloniza9ao", e s6 representam alguma coisa neste sentido, como reserva futura que vai sendo por ela absorvida em contingentes sucessivos, e contribuindo assim para o crescimento da popula9ao efetiva da colOnia -, fa9amos esta exclusao e podemos avaliar em cerca de 3.000.000 de habitantes a populagiio brasileira no dobrar do seculo XVIII. A sua distribui9ao pelo territ6rio da colonia e, como logo se ve, grandemente irregular. Nucleos apenas, alguns bastante densos, mas separados uns dos outros por largos vacuos de po- voamento ralo, se nao inexistente. 0 seu aspecto geral, guarda- das naturalmente as devidas propor96es quantitativas, e mais ou menos o mesmo de hoje. Ha uma flagrante semelhans;:a entre a distribui9ao do povoamento naquele principio do sec. XIX e a de nossos dias. Salvo o adensamento posterior, a estrutura geral do povoamento continua mais ou menos a mesma; exce- tua-se apenas a remodela9ao que sofreu o Sul e o Centro-Sui do pais, bern como esta regiao dos altos afluentes do Amazonas, que hoje forma o Territ6rio do Acre, e que nao fazia ainda parte do Brasil, nem se .achava ocupada. Afora isto, pouca e a dife- ren9a. Ja entao a popula9ao brasileira se espalhava por todo territ6rio que hoje constitui o pais. Isto alias meio seculo an- tes, em 1750, ja era o caso, e quando se redigiu o tratado luso- -castelhano daquele ano (tratado de Madri) (2), em que se deli- nearam efetivamente pela primeira vez, as linhas divis6rias entre pos_sessoes po.rtuguesas e espanholas neste hemisferio, linhas que senam grosserramente as mesmas de hoje, o criterio que deu na- quelas fronteiras tao atuais nao foi senao o da ocupa9ao. "Cada (2) Sobre este tratado, vejam-se OS vols. 52 e 53 dos Anais da Bi- blioteca Nacional, onde se encontram os documentos que lhe dizem res- peito, precedidos de uma introdu~ao de Rodolfo Garcia. <!) FORMAQAO DO BRASIL CONTEMPORANEO 31 parte ha de ficar com que atuahnente possui", reza o preambulo do arordo fixando a forma com que se faria a demarca9aO. Assim se procedeu, e a linha que envolve o territ6rio brasileiro, saida des- te prindpio do uti possidetis, como se dira, permaneceu pratica- mente a mesma ate nossos dias. Isto ja nos mostra, a priori, que de fato a coloniza91io portugue- sa ocupara toda esta ::'!rea imensa que constituiria o nosso pais. Nao nos pertenceria, alias, se assim nao £6sse. Porque s6 o fato da ocupa9iio militava em nosso favor. 0 direito derivava ainda do famoso tratado das Tordesilhas, velho de dois seculos e meio por ocasiao do de Madri, e que outorgara ao soberano portugues e seus sucessores uma nesga apenas daquilo que ocupamos e possuimos hoje. Obra considenivel, nao M duvida, daquele punhado de po- voadores capazes de ocupar e defender efetivamente, como o fize- ram muitas vezes antes e depois de 1750, e contra pretens6es aguer- ridas e exigentes de fortes rivais, um territ6rio de oito e meio mi- lh6es de quilometros quadrados. Obra consideravel e fator basico da grandeza futura do Brasil; mas ao mesmo tempo, onus tremen- do que pesara sobre a colonia e depois sobre a na9a0, provocando como provocou esta dissemina9ao pasmosa e sem paralelo que apar- ta e isola OS indivfduos, cinde 0 povoamento em nucleos esparsos de contacto e comunica96es dificeis, muitas vezes ate impossiveis. . Varios fatores determinaram esta dispersao do povoamento. 0 primejro e a extensao da costa que coube a Portugal na parti- lha de Tordesilhas, o que obrigou, para uma ocupa9ao e defesa efi- cientes, encetar a coloniza9iio simulH\neamente em varios pontos dela. Foi tal o objetivo da divisao do territ6rio em capitanias, o que de fato, apesar do fracasso do sistema, permitiu garantir a Coroa portuguesa a posse efetiva do longo litoral. Conconeram em seguida, para a expansao interior, dois fato- res essenciais: o bandeirismo preador de indios e prosp~ctor_de metais e pedras preciosas, que abriu caminho, explorou a terra e repeliu as vanguardas da coloniza<;-iio espanhola concorrente; mais tarde: ~ explora9ao das minas, descobertas sucessivamente a partir d?~ ultnnos anos do sec. XVII, e que fixou nucleos estaveis e defi- mhvos no cora9ao do Continente (Minas Gerais, Goi<1s, Mato Gros- so.) No Extrema-Norte, na ba.cia amazonica, intervem outro fator, ~e carater local: sao as ,miss6es cat6licas catequizadoras do gen- tio, sobre~do _?S p~dres da Companhia de Jesus; seguidas de perto pela colo~za9a? le1ga, provocada e animada pela politica da me- tr6pole, tao ab~a neste setor, e sustentada pela explora91io dos produtos natura1s da floresta amazonica: o cacau, a salsaparrilha e outros. 32 CAIO PRADO J'ONIOR Urn outro fator, tambem local, atua no sertaodo Nordeste, nes- ta hinterlandia dos maiores centros agricolas do litoral da colonia, Bahia e Pernambuco, consumidores da came que viria dos rebanhos que avanc;am por aquele sertao e o vao ocupando. Todos estes fatores sao condicionados, em grande parte, por outro negativo, que e a !nercia castelhana. Fixaram-se OS espa- nh6is, sobretudo, nos altiplanos andinos, onde a presenga dos me- tais preciosos, mola mestra da sua colonizac;ao, bern como de popu- Iac;6es indigenas densas, sedentarias e aptas para o fomecimento de mao-de-obra abundante e facil - circunstancias estas que niio ocor- reram no litoral do .A:tlantico, ocupado pelos portugueses - escusa- ram aventuras exploradoras e internag1io pelo corac;ao do_ continen- te. Os obstaculos fisicos tambem nao sao de desprezar: o inte- rior do continente sul-americano abre-se para o Atl1lntico; nao para o Pacifico, de que o separam o grande acidente dos Andes e a densa floresta intransponivel que reveste as fraldas orientais da cordilheira (3.) A colonizac;ao portuguesa nao encontrou por isso pela frente, de castelhano, scnao os inermes jesuitas e suas redu- c;6es indigenas. Os padres, que procuravam outra coisa que rique- zas minerais, tinham-se adiantado a seus compatriotas espanh6is; deixando aos colonos as minas do planalto andino e sua densa po- pulac;ao indigena, a materia-prima e o trabalho que aqueles que- riam, foram-se estabelecer la onde nao chegava a cobic;a do con- quistador e onde esperavam nao ser perturbados na sua conquista espiritual, preludio do dominio temporal que aspiravam; e vao-se fixar na vertente oriental e baixada subjacente dos Andes. Dai esta linha ininterrupta de miss6es jesuiticas espanholas, estabelcci- das no correr dos sees. XVI e XVII, e que se trac;a de Sui a Norte, do· Prata ao Amazonas, pelo interior do continente: miss6es do Uruguai, do Paraguai; a efemera Guafra; dos Chiquitos e dos Mo- xos, na Bolivia; miss6es do Pe. Samuel Fritz no Alto-Amazonas. Nao contavam OS jesuitas com este outro adversario que lhes viria pelo oriente: os· portugueses. E fracamente apoiados pelo seu Rei, abandonados as suas pr6prias f6rc;as no mais das vezes, achando mesmo no soberano de sua patria terrena urn adversario que faz causa comum com seus inimigos - como se deu na exe- cuc;ao do tratado de 1750, em que as forc;as castelhanas se unem as portuguesas para arrancar-lhes os Sete Povos do Uruguai - os mi~sion~rios s~o r~pelidos e ~racassa o seu plano grandioso. Nao sena deles o mtenor do con~ente sul-americano, como quiseram num belo sonho que durou d01s seculos; mas nao seria tambem, na (3) Paradoxalmente, e vindo de ocidente para oriente que se realizaria a primeira incursao pclo Amazonas: e a expedi!(aO de Orellana de 1541. ' (!} FORMA<;A.O DO BRASIL CONTEMPOR.ANEO 33 sua maior parte, de seus legitimos senhores, os espanh6is. Caberia aos conquistadores e ocupantes efetivos dele, os portugueses e seus sucessores brasileiros, tao avantajados pela geografia. Fixou-se assim e como vimos desde meados do sec. XVIII, o territ6rio que constituii:ia o Brasil. Analisemos pois a cstrutura que, dentro aaqueles limites, ern prindpios do seculo passado, ten1 o povoamento nele instalado pela coloniza~o portuguesa, no mo- mento em que as disputas tenitoriais ja se tinham transferido de- finitiva e exclusivamente para as zonas fronteirigas. Cerca de 60% da populac;ao colonial, ou sejam quase 2.000.000 de habitantes, concentram-se numa faixa litoranea que nao ultrapassa para o in- terior, nos seus pontos de maior Iargura, algumas dezenas de quilo- metros. Sobra para todo o resto do territ6rio, noventa ou mais por cento da area, menos da metade do total. ~ste desequilibrio entre o litoral e o interior exprime muito hem o canlter predomi- nante da colonizac;ao: agricola - donde a preferencia pelas fer- teis, {unidas e quentes baixadas da inarinlia; e comercialmente voltada para o exterior, onde estao os mercados para scus produtos. Localizado ai de inicio, o povoamento s6 comec;a a penetrar o in- terior propriamente, no segundo seculo. 0 nosso cronista de prin- cipios dos seiscentos, Frei Vicente do Salvador, acusa entao ainda os colonos de se contentarem em "andar ananhando as terras ao Iongo do mar como caranguejos" (4.) Mesmo no segundo seculo, a pen'etrac;ao e timida. Excluo as bandeiras, esta visto, que andaram por toda parte, mas que exploram apenas e nao fixam povoadores. De ocupac;ao efetiva do interior, a parte o caso excepcional de S. Paulo, plantado de inicio no planalto e arredado da costa, encon- tramos apenas a marcha progressiva das fazendas de_ gac!o po _ ser· tao nordestino e a lenta e escassa pcnetrac;~o d~ basia amazonica. A dispersao pelo interior, intensa e rapida, e da primeira metade do sec. XVIII, quando o ouro, descoberto sucessivamente em Minas ,Gerais (ultimo decenio do sec. XVII), Cuiaba, em 1719, e GoUts seis anos depois, desencadeia o movimento. Afluem entao para o corac;ao do Continente levas sobre levas de povoadores. Alguns sao colonos novos que vern diretamente da Europa; outros, os escravos trazidos da Africa. Muitos porem acorrem dos cstabelecimentos agrfcolas do litoral, que sorrem consideravelmcnte desta sangria de ~ente e cabedais. :E este urn perlodo sombrio pa1·a a agricultura litoranea, que assiste entiio ao encerramento do seu primeiro ciclo de prosperidadc, tao brilhante ate aquela data. Terras abando- n~das, engenh?s em n1ina; a vida cessara af quase, para renascer, vxgorosa e puJante, no eldorado das minas. (4) Hist6ria do Brasil, 19. 34 CAIO PRADO JCKIOR Mas a febre seria de curta duragao. Jcl. em meados do seculo, as minas comeyam a dar sinais de cansayo; a decadencia franca e, do terceiro quartel do sec~o. Cess~ enHio a Corrente. de povoa- mento para o interior; ~ ate, em_ mmtos casos~ ela. se mverte. Re- nasce o litoral e a agncultura recupera a pnmazia. f;sse escasso meio seculo de intenegno da ntinera<;iio, apesar da violencia com que irrompc no cenano economico e demografico da col&nia, revolucionando sua estrutura e ci caniter da sua evo- lu<;ao, nao bastou contudo para fazer pender a balan<;a em pro- veito definitivo do interior. Como vimos, em fins do seculo, quan- do ja cessara de longa data 0 deslocamento para ele, 0 Jitoral ainda o u.ltrapassa sensl.velmente em numero de hahitantes . . Na sua expressao ecooomica, seria a mesma coisa. Aquela faixa de povoamento costeiro, cuja origem e evolu<;iio acabo de sumariar, se distribui com muita-. irregularidade. Nada tem de continua, e sobram nela tratos largos intei.ramente desertos, alguns em que nem o trinsi.to por terra e praticado. Os fatores naturais que construiram a costa brasileira intervcm af claramente. Em conjunto, nosso litoral se apresenta pouco favoravel ao estabe- lecimento do homem; desenvolve-se numa linha regular e unifor- me, quase sem sinuosidades ou endentag()es. Os abrigos, mesmo para pequenas embarca~6es, sao escassos; ah3m disto, a orla ma- ritima e bordada, em regra, quando nao por tenenos alagadi<;os - os mangueirais, invadidos pela agua salgada na preamar e pelo des- pejo dos rios na vazante, - por grandes depositos arenosos que obstruem as brechas abertas para o interior das terras: a barra dos lios ou as lngunas. Os raros pontos favoraveis foram por isso avi- damente aproveitados, e neles se condensou a popula<;ao. 0 mais interessante destes pontos, pela extensao que abrange e curioso fen&meno natural que o avantaja, e t6da aquela e;>.:tremidade Nor- deste do pais que se alongaf do cabo 9alcanhar (Rio-Grande-do- Norte) ate a altura de ¥acei6 1 (5.) Acompanhando a costa, para- lela e muito proxima, alinha-se uma cadeia de recifes, que na prea- mar se nivelam com as aguas, e na mare haixa selevantam como muralhas cuja espessura vai de uns poucos metros ate mais de cern. Atras d~ste quebra-mar, dom gracioso da natureza, abate-se a fu- ria das ondas e se atenua o anasto de areias, que para o norte e sui dele e o grande responsavel pela £alta de abrigos utilizaveis. A navega9fio costeira encontra ai urn mar sereno, enseadas calmas e ancoradouros seguros. 0 grande n1lmero de rios, embora peque- (5) Para a descri~lio da costa brasileira, veja-se Alfredo Lisboa, Vi11s de Comunicag(io - Portos do Brasil no Dicionario Hist6rico Geog1·#ico e EtMgrtifico do Brasil. e FOR~·!AQ.~O DO BRASIL CO~TEMPORANEO 35 nos, que ahrem suas aguas neste setor da costa, conservam as barras desimpedidas e garantem urn facil acesso do interior. A estas circunsH\ncias favon\veis, quis a natureza acrescer um tcrrit6rio litor~neo avantajado - solo fertil, relevo propicio, abun- dfmcia de matas fomecedoras de combustive} e born material de constru<;1io. _ A_presenta-se -_por isso este setor como urn dos pontos ideais, no dfficil litoral brasileiro, para a vida humana. Tornou-se tambem por isso urn dos de mais elevada concentra~ao demogra- fica. Coisa que se perpetuara, e que ainda hoje e o caso. Segu- ramente urn quinto da popula91io da marinha colonial, neste co- merro do sec. XIX que nos ocupa, estava ai fixada. Sejam cerca de 300.000 hab.itantes. Segue-se para o sul o 'Rcconcavo Baiano. Uma larga bafa, urn vercladeiro mediterraneo de aguas encravadas na terra e com mais de mil quilometros quadrados de superficie. Varios rios abrem nela seus estuarios largos c profundos, navegaveis por dezen<ts de quil6metros e articulando uma zona extensa de ten·as ferteis. Nao era preciso mais para se tornar este ponto, desde 0 inicio da colo- nizarrao, o mais densamente povoacfo e o mais rico da col6nia. Vilhena, professor regio e ohservador contemporaneo meticuloso e inteligente da cidade e comarca que habitava, atrihui ao Recon- cavo mais de 100.000 habitantes. Duzentos e sessentn engenhos de a<;ttcar nele trabalhavarn (6.) A estes dois nucleos demograficos de primcira ordem do lito- raJ brnsileiro, acrescenta-se mais urn de igual categoria: 0 ' Rio-de- Janeiro. Da foz do rio Itabapoana para o sui, estende-se uma baixada espremida entre a serra e o mar, baixada que se vai estrei- tando a mcdida_ que avan9amos para 0 sui ate 0 limite dn capitania, e que ainda e o atual do Estado, onde desaparece e a serra abrupta limitrofe mergulha diretamente no mar. Neste arco de circulo ir- regular que inclui terras planas interrompidas apenas por peque- nos c.ontrafortes e cabes:os isolados, e que forma o que se denomi- nou Baixada Fluminense, concentrou-se desde muito cedo, mea- dos do sec. XVI, urn dos principais contingentes demogrificos cla colonia. Em 1789 era avaliado em 168.709 pessoas, inoluindo a cidade, capital nominal da colonia, o Rio-de-Janeiro (51.011 hahs.) (7.) Em prindpios do seculo passado seria supeiror a . .... 200.000. De engenhos de a9ucar, principal riqueza, havia em 1799, segundo urn Almanaque daquele ano, 616; e 253 de aguardente. (6) Recopilagiio, 48. (7) Mem6rias do Rio-de-lat~eiro para u.so do Vice-Rei L11f.s de Vas- concelos, com censo por categorias e fregucsias da capitania. 36 CAIO PRADO JUNIOR Podemos dividir este trecho litoraneo em duas reg~oes- naturais. A ' I>rimeirh compreende o percurso extremamente- endentado que incllii"-a--1S'afa de Guanabara e o mediterraneo que se estende para o~ste, entre a terra firme de um lado, a restinga de Marambaia e a ilha Grande do outro. Nesta regHio, ja sem £alar na imensa baia, com seu contorno de 131 kms. onde, como no Reconcavo Baiano, embora em menor numero, se abrem os estuarios de alguns rios navegaveis, multiplicam-se os portos e abrigos bern protegidos pe- las terras fronteiras da restinga e da ilha Grande (Angra-dos-Reis, Parati, Mangaratiba ... ) · A outra regiao e a dos Campos-dos-Goitacases. Embora afas- tados do mar cerca de 30 kms., e dele apartados por uma zona de Iagunas e terras baixas e alagadi9as, nao s6 inaproveitaveis mas ainda· de dificil transito sem obras preliminares de certo vulto, os Campos. oferecem tais condi96es favon\veis - relevo unido, solo fertil, vegeta9ao natural que nao obstrui a passagem ou dificulta a ocupa9ao ·-, que desde o sec. XVII come9al!L~ ser intensamente _aproveitadas, primeiro pela pecuaria, que constitui sua atividade economica pioneira, servindo de abastecedouro do mercado pr6xi- mo do Rio-de-Janeiro; depois pela agricultura, vindo a cana tao bern no seu ''barro fino, branco ou loiro" (8), como nos massapes baianos ou pernambucanos. Na segunda metade do sec. XVIII seu progresso e acelerado: 55 engenhos em 1769; 168, dez anos de- pais; 278 em 1783 (9) e finalmente, 328, compreendidos 4 de aguardente, em 1799 (10.) Os obstaculos que os an·edam do mar nao sao para OS Campos-dos-Goitacases de grande manta; 0 rio Ps- ra1ba, francamente navegavel por pequenas embarca96es nos 42 kms. que separam do · mar seu centro principal, a vila de S. Salvador, hoje cidade de Campos, poe-nos em contacto facil com o mundo exterior; cerca de 50 embarca96es andavam af a carga, transyor- tando para o Rio, de onde se . reexportavam para fora da colonia, as 8.000 caixas de a9ucar da sua produ9ao exportavel (ll.) A par destes trcs grandes nucleos de povoamento - Rio-de- Janeiro, Bahia e Pernambuco, - disseminam-se ao Iongo do .litoral alguns outros de segunda ordem, e em muito maior numero, uma serie de fnfimos estabelecimentos de vida mais ou menos vegetativa e sem horizontes, de expressao economica e demografica quase nu- la. Todos eles, maiores, medias, pequenos, ligam-se a condi96es particulares e locais da linha costeira; os acidentes geograficos, se- (8) J. Camei.ro da Silva, Mem6rias dos Campos-dos-Goitatases, 13. (9) Mem6rias, cit., 49. (10) Almanaque hist6rico . •. , 159. (11) Mem6ri{ls cit. 8 e 53. ~ FOH?viA<;.AO DO BHASIL CONTEMPOHA.NEO 37 jam portos naturais ou simples abri&os, brechas que abrem acesso mais ou menos facil para ah~m da or!a praiana ou quaisquer outros uteis ao homem e suas atividades, todos cles infelizmente escas- sos em rela9ao ao longo pe1:curso daquela linha, tomam-se p6los de atras:ao para a vida humana. Cada qual dara origem a urn ' pequeno OU minuscu}o n{IC}eo, compartimentado por areas desertas que se estendem para todos os lados, olhando exclusivamente para o mar e isolado inteiramente, por via terrestre, dos seus vizinhos mais pr6ximos. Numa simples cart:a fisica, urn observador atento poderia reproduzir com rigorosa fidelidade os pontos habitados do litoral brasileiro. Os trabalhos humanos nada tinham realizado ainda para suprir o que a natureza negava: condic;oes naturais fa- von1veis. Onde elas faltam, onde tudo nao e posto a disposi9aO dele, o homem esta ausente. Acompanhemos este litoral, quase sempre ingrato, de norte a sui, saltando apenas aqueles trechos que ja analisamos acima. Urn primeiro percurso vai do extrema setentrional da colOnia, o rio Oia- poque, ao Araguari; e a famosa regiao do Amapa, disputada ao Bra- sil durante seculos por ingleses, holandeses e finalmente franceses, e que s6 se incorporou definitiva e indisputadamente no nosso territ6rio em 1899 (12.) Fonnada no seu litoral de terras baixas e alagadic;as onde a navega9ao costeira e muito · dificil pela ·falta de abrigos, e a penetrac;ao interior quase impossivel, o Amapa se conserva praticamente despovoado. Algumas rriissoes francisca- nas, maior numero de jesuiticas, tinham estendido para ai a sua catequese dos indfgenas no sec. XVII. Seus resultados foram mi- nimos, se nao nulos. Restariam delas, em fins do sec. XVIII, al- gumas miseraveis e vegetativas aldeias de indios semicivilizadose degenerados. . . Logo ao sul deste trecho in6spito, abre-se o imenso delta do Amazonas. Af o povoamento encontrou f<1cil acesso, nao s6 local, mas para o cora9ao do Continente, mere& desta admiravel rede hi- drol?:Uica de comunica96es que oferecem o grande rio e seus tri- butanos. 0 que de infcio favorece 0 povoamento da regii:io, e 0 ' fato de :ma soberania duvidosa. Os portugueses se instalam na foz. do no em 1616, expulsando daf ingleses e holandeses, os pri- meiros ocupantes, embora sem direito algum. As duvidas eram com a Espanha, mas a unHio das duas coroas adiou qualquer ques- (12·) T8da a parte hist6rica relativa a esta regif:o encontra-se, admi- ravelmente documentada na: j\Jemoire presente par les ttats Unis du Bresil au Gauvernement de la Confederation Suisse, a·rbUre ent1'e 1-e Bresil et la France, da lavra de Rio Branco, e L'Oyapoc et l'Amaume, question bresi- lienne. et franr;aise, por J. C:::ctano da Silva. 38 CAIO PRADO JCXIOR tao para mais tarde. Ao recobrar a independencia, Portugal ja firmara sua soberania, avantajado como estava pela posse da saida unica deste imenso tenit6rio amaz&nico, fechado para ocidentc e norte onde se situavam seus concorrentes. Foi-lhe facil estender sobre (He seu dominio, para o que alias nao se pouparam esfor90S, unindo-se govemo e ordens religiosas num ativo trabalho de colo- niza~ao . Mas embora penetrando fundamente o Continente, e na zona litoranea, nas proximidades do delta, que se concentran1 o povoamento. ~le se agrupa sobretudo no bra90 oriental do grande rio (o rio Para), onde as condi<;oes de navegabilidade sao mais favoraveis, e no quadrihitero limitado por cle, o alto mar e o rio Guama, cuja navegabilidade pe1mitiu a fixa9ao povoadora nas suas margens. Pela costa maritima propriamente, o povoamento e escasso e pene- tra muito pouco; alcan9a apenas :Rragan~a, sihtada no estuario do rio Caite, trcs Jeguas acima da bama; ai se adensa a popula9ao, aproveitando, numa costa baixa e alagadi<;a, a brecha providencial daquele estuario, que se prolonga para o intelior pelo mesmo rio Caite, navegavel ate o p&rto de Tertuga1, donde uma estracla ter- restre alcan9a 0 rio Guama e OS nuc1eos povoados das margens deste ttltimo. Enccrra-se assim o circuito que pelo rio Para, alto mar, rios Caite e Guama, cont«~m o principal nucleo do povoamen- to amazonico. A ilha de Joanes (hoje Maraj6), sera sua zona tributaria, fomecedora de carne que provem dos rebanhos do unico territ6rio local favodtvel a pecuaria. Acompanhando a costa de Bragan9a para leste, atravessa-se um::~: regiao quase deserta, habitada por escassos indios semicivi- lizados; as comunica96es se fazem a't pelos "furos" numerosos que abundam neste territ6rio semi-aqml.tico. Mas eram muito pouco utilizadas, servindo-se delas, regt11armente, s6 o correio do Mara- nhao, estabelecido nos Ultimos anos do sec. XVIII (13.) E assim vai a costa ate o rio Turia9u, entao limite administrativo das duas capitanias do Grao-Para e do Maranhao, e o pequeno povoado do mesmo nome, situado no ftmdo do estuario e habitado por uns pobres lavradores mesti<;os. Alem do rio Turiac;u, a costa propriamente nao e mais £avo- ravel ao povoamento que a do trecho anterior. Mas acompanhan- do-a, pouco afastados da orla maritima, aparecem estes caracteris- ticos campos do noroeste maranhense, os Perizes, tao favoraveis, a c~rtos respeitos, para o. estabelecimento da cria9ao. Alagados no mverno, navegam por eles sem obstaculos, canoas carregadas com 50 sacos de algodao, e o "crado pasta metido na acrua ate o ~ 0 v (13) Atartius, Viagem, 11, 560. ~ FOR~1ACAO DO BRASIL COt-;TE~IPORM\EO 39 pesco9o", referc um contemporaneo (14); pode no ent'lnto abri- gar-se nas eleva96es e ilhas de bosques, onde tambem se protege, no verao, contra os ardores do sol. Zona de f~'icil penetra9ao e ocupa<;ao, estendcndo-se· por vasta <1rea que alcan9a o rio Pindan3, os Perizes, se povoam regularmente - em confronto bern entendido com o que vimos mais para o norte. 0 rio Piracuma e a baia de Cuma, onde esta Guimaraes, o principal centro da regiao, nave- gaveis em qualquer esta9ao do ano, servem para as comunica96es locais e articulam os Pcrizes com o exterior. Alcan9amos assim as baias conjugadas de S. Marcos e S. Jose, vasto estuario de grandes rios navegaveis ate o alto sertao. 0 si- tio reune por isso condi96es excepcionalmente favoniveis, e nele se centralizou o que a capitania do Maranhao possui de mais con- sideravel, inclusive a capital. Tanto na ilha, em que ela se edifi- cou, como no continente fronteiro, e muito para o interior, sobre- tudo pelo rio Itapicuru acima, a colonizac;ao se fixou solidamente, e no momento que aqui nos situamos, prindpios do sec. XIX, achava-se em vias de se tornar urn dos centros mais importantes da colonia. Para leste deste ponto voltam a predominar condi¥5es desfa- voraveis, e nada ha que estimule 0 estabelecimento do homem. Isto ate o delta do ~,J:aiha, em que se concentram cerca de 15.000 habitantes. Nao sao ai s6 as condi<;Qes locais favoniveis a nave- ga9ao do delta, que sc abre para o mar por dois canais praticavcis, Tut6ia e Igara9u ( dos cinco que possui), que permitiram o pro- gresso da regiao. :£ que para ai conflui a produc;ao de toao o curso navegavel do rio Parnaiba, que alcanga o alto sertao atraves- sando uma regii~o regulannente povoada e valorizada. 0 maior desenvolvimento da vlla de Parnaiba, que centraliza o comercio do rio, data de 1770, quando urn comerciante da vila, Joao Paulo Diniz, levantou oficinas de carne seca nas margens do alto Par- naiba, bern no centro de in1portante zona criaoora, trazendo dai a came embarcada pelo rio ate a vila, donde se reexportava para a Bahia, Rio-de-Janeiro e Para (15.) Em fins do sec. XVIII tor- nara-se aquele p&rto principal fornecedor, no Norte, de carne seca; o Ceara, que ocupara dantes tal lugar, afligido pelas estiagens tremendas que o assolam, desaparecera do mercado, deixando ape- nas o ~~u nome ligado ao produto, que continuara ate hoje chaman- do-se carne do Ceara." Dezesseis· ou dezessete embarcac6es vi- nham anualmente do Sul buscar carne em Parnaiba (16.) ' (14) A. B. Pereira do Lago, Itinerario da provincia do :\.laranMo, 402. (15) Roteiro do Maranhao, 64. (16) Southey, Ilistory, III, 801. 40 CAIO PRADO JUKIOR Passando-se para o Ceara, entra-se em outro tipo, inteiramente diverso, de zona litoranea. A fei<;lio local caracteristica e o gran- de acllinulo arenoso que o arrasto das correntes maritimas deposita em toda esta costa setentrional do Nordeste brasileiro, do ponto em que nos achamos ate o cabo Calcanhar, no Rio-Grande-do-Norte. 0 efeito deste arrasto e a singular uniformidade da costa, em que desaparecem os acidentes entupidos pela areia; efeito agravado pela baixa e irregular pluviosidade local~ o que torna os rios cscas- sos e intermitentes; suas aguas sao de todo insuficientes para deter e varrer, mesmo em parcela minima, .o acumulo arenoso nas suas barras. Mas uma outra caracteristica do litoral cearensc impediu que sua faixa costeira permanecessc inteiramente deserta. Sao as serras, que em maci<;os isolados se alinham sucessivament~ ao Ion- go da costa e captam urn pouco da umidadc atmosferica; destacam- -se por isso estas elevacsoes como oasis de tenas ferteis e cultivaveis em meio da aridez que as cerca. Tais serras (lbiapaba, Sobral, Uruburetama, Baturite) atrairam e fixaram algum povoamento que procura sua saida pelo mar proximo, dando lugar a pequenos por- tos que se arranjaram como puderam nesta costa dificil: Camocim, Acarau, F01taleza - que sera a capital da capitania gra<;as a sua posi<;iio central, a prote<;ao, embora pequena, que lhe proporciona a ponta de Mucuripe, e sobretudoa fcrtilidade da serra de Ba- turite que for-ma a sua hinterlllndia. 0 Ultimo porto cearense para leste, c tambem o mais notavel, Aracati, tern outros fat6res vanta- josos: e por ai a saida da extensa zona banhada, embora s6 nas chuvas, pclas aguas intermitentes do Jaguaribe, cuja bacia com- preende, em 1810, quase 60.000 habitantes (17) produtores de g~do e alg?~iio. Expfi~a-se, portanto, o porto, apesar de suas pes- sunas cond1goes natura1s. . Afora estes nucleos, o litoral cearense e desabitado. A larga planicie arenosa que o constitui, arida, desprotegida e capaz ape- nas de suportar uma vegetagao rala e inutil, nlio se prestava ao es- tabelecimento do homem. 0 mesmo prevalece no trecho que o su- cede para leste, a costa setentrional do Rio-Grande-do-Norte. Kos- ter perconeu esta regiao em 1808, viajando de Natal para Aracati, e sofreu consideravelmente cla sua aridez c falta de agua potavel. Encontrou urn povoamento escasso, algumas raras e miseraveis ha- bita<;6es que apareciam distantes muitas leguas umas das outras (18.), Ko~ter se~~1iu urn cami~o mais arre?ado para o interior: na f1mbna mantlma, a extragao do sal mannho deu alguma vida ao trecho que vai da foz do Mogor6 a do A<;u: as baixas precipi- (17) Castro earreira, DesCt'i(:(iO do Ceara, 129. (18) Koster, Voyages, I, cap. VI. ~ FORMA<;.AO DO BRASIL CONTEMPORA.NEO 41 ta<;6es e a intensidade da evapora9lio nesta atmosfera seca e supe- raquecida, contribuem para a alta salinidade naquele ponto das aguas do mar, e fazem da regiao o maior produtor de sal da colo- nia (19.) Na mesma costa, pouco mais adiante e come<;ando na ponta dos Tres Irmaos, uma linha de bancos de areia, precursores dos recifes da costa oriental, concede alguma prote<;lio ao litoral, ate ai desabrigado, e o povoamento reaparece, embora ralo, num pequeno trecho. Alcan<;amos assim 0 primeiro dos grandes nucleos do povoa- mento da faixa costeira do Brasil, e que ja analisei acima; e af, na costa oriental do Rio-Grande-do-Norte, embora t1midamente ainda, que ele se inicia. Saltemo-lo para chegar ao seu limite meridional, na altura de Macci6. Dai para o sui, interrompe-se a linha con- tinua de recifes que e a principal causa, para o norte, da concen- tragao do povoamento. A navega<;ao ja nao encontra o abrigo que contra a impetuosidade do mar oferecem os recifes. Tambem o arrasto de areias, resultado tambem da falta de cobertura, reapa- rece como no Ceara e no litoral setentrional do Rio-Grande-do Norte, obstruindo as endenta<;6es da costa, uniformizando a orla maritima e dificultando o seu acesso. E a medida que se desce para o sui, em dire<;ao da baia de Todos os Santos, tais dificuldades se agravam. Tambem as terras ja nlio sao as mesmas e os solos de cultura escasseiam. Em Sergipe, ainda simples comarca da Bahia, salvam-se alguns rios acessiveis pelo mar para pequenas em- barca96es: o S. Francisco, o Japaratuba, o Cotingiiiba, o Vaza- -Barris, o Real com seu afluente da margem norte, o Piaui. 0 Cotingiliba em particular, que banha os campos do mesmo nome, famo.sos pclo a<;ucar que produziam (20): dos 140 engenhos ser- gipanos, a grande maioria localiza-se ai. Apesar disto, o povoa- mento decresce consideravelmente, com relagao ao setor que fica ao norte e forma o nucleo pernambucano; e escasseia de todo no litoral baiano que se estende ate o Reconcavo. A este ja me referi como sendo o principal nucleo de povoa- mento da faixa costeira da colonia, gra<;as a fatores estritamente locais. Para o sui dele, come9a urn setor litoraneo de caracteristicas especiais e particulares, sem paralelo ate o ponto em que nos en- contral?os. A costa que achamos ate agora e sem exce<;ao baixa, alagadi<;a e com uma vegeta<;ao intrincada, mas de pequeno por- te ate o Maranhao, arenosa e arida daf por diante, vestida de urn manto florestal, ja bastante desbastado pelo homem, entre a Parafba e Alagoas; mas sempre rasteira e plana. Agora ela muda inteira- (19) Vcja-se o capitulo abaixo sobre as Produr-oes extrativas, nota final. (20) Vilhena, Recopilar-iio, 604. 42 CAIO PRADO JUNIOR mente de aspecto. Da bafa de Todos os Santos para o sul, as ter- ras altas do interior aproximam-se do litoral e termioam nele, a pouca distancia da praia, por urna serra ingreme e coberta de ve- geta9ao florestal densa. De espa90 em espa9o, a praia desaparece, interrompida por urn Ultimo contraforte da serra que avan~ em promont6rio pelo mar. Uma serie de rios paralelos, alguns de certo vulto, abrem oeste setor da costa barras acessiveis a nave- o-a9ao. A Ientidao de suas aguas oeste ultimo trecho plano em que ~orrem antes de atingir o mar, fa-los ramificar-se em canais e Ia- ~as de aguas paradas que tornam o Iugar malsao. Apesar dis- fo, na desembocadtua de cada um daqueles rios ou canais formar- -se-a urn pequeno nucleo: Camamu, Barra-do-Rio-de-Contas, Ilheus, Canavieiras, Belmonte, P8rto Seguro, Caravelas sao OS principais. Caracteriza-se este povoamento pela sua concentra9ao exclusiva na orla maritima; nao penetra ai alem de poucas leguas, em regra ate menos, e se aglomera exclusivamente na foz dos rios e na sua re- dondeza imediata. A mata densa que acompanha o litoral a pou- ca distancia, fonnando uma larga faixa ininterrupta e de passagem dificil, bem como o relevo acidentado, sobretudo de Parto Seguro para o sui, onde atinge a linha de grandes altitudes da Serra-do- Mar, sao OS fat6res que isolaram 0 li.toral, separando-o por com- pleto do interior. 0 povoamento se desenvolveu, oeste e naquele setor, independentemente um do outro, formando compartimentos entre si estanques. E isto se pode dizer tanto das antigas capita- nias de Ilheus e Porto Seguro, incorporadas mais tarde a Bahia (a ultima s6 nas vesperas da Independencia) como da do Espirito Santo. As primeiras comunica96es entre o litoral e o sertao, nesta altura do territ6rio brasileiro, s6 foram abertas em principios do sec. XIX: pelo rio Doce e sua variante por terra; pela estrada do Mucuri, de S. Jose-de-Porto-Alegre a Bom-Sucesso, em Minas Ge- rais; o caminho de Belmonte, e o de IlMus para aquela mesma ca- pitania interior. Voltarei a estas vias em outro capitulo. Mas ate a data de sua inaugura9ao, como depois dela, pois as novas comu- nica96es niio supriram senao parcialmente e muito tarde as defi- ciencias do litoral, OS nucleos que nele Se formam, isolados na cos- ta, vegetam. Explica este isolamento, em grande parte, o pe<;lue- no progresso das capitanias de Ilheus, Parto Seguro e Espuito Santo, em contraste com as do Rio-de-Janeiro, Bahia, Pernam- buco e ou~ras para o ~orte. A causa ja era notada pelo arguto autor an6nrmo do Rotcrro do Maranhao a Goias, ja citado acima. ? isola~en~o destes nucleos da ,costa nao e alias Aapenas com rela9ao ao mtenor, mas deles pr6pnos entre si, merce dos obsta- culos opostos a.o transito por terra. 0 Desembaruador Luis Tomas de Navarro, incumbido em 1808 de percorrer o lltoral da Bahia ao Rio-de-Janeiro, a fim de estudar o estabelecimento de uma linha ~ FOR}.fAQ.i\0 DO BRASIL CONTE!VIPOHJ.NEO 43 de correio, anotava tais obstaculos que segregam vilas e povoac;:6es umas das outras: rios invadeaveis, praias de areia fina em camadas espessas que fazem a marcha sumamente penosa, inteiTompidas a cada passo pelos promont6rios abruptos que avan~ do interior para o mar e tinham de ser escalades (21.) Vegetaram assim estes nucleos, formando pequenos compartimentos estanques, com saida unicamente para o mar, e cuja vida precaria se sustentava com a produ9ao de alguns generos que se exportam para a Bahia e o Rio-de-Janeiro: farinhas, peixe, algum cafe. Acresce ainda urn 6bice ao desenvolvimento desta infeliz re- giiio: a hostilidade do gentio. A serra e mata que a perlongam a poucadisttmcia serviram de abrigo e sao 0 ultimo reduto cfos in- digenas que nao se submeteram, nesta parte da colonia, ao avan- 90 e ocupa9ao dos brancos. tstes, nurn amplo movimento de te- nazes, atacam simultaneamente as na96es indigenas no litoral e em Minas Gerais; acossados de ambos os lados, os remanescentes, que sao numerosos, se refugiam nesta area intermediaria de florestas indevassadas ainda pela colonizayao; e assim permanecerao ate o sec. XIX. Dai eles descerao periodicamente sobre a costa, saquean- do e destruindo (22.) Entre eles destacam-se OS ferozes Aimores, conhecidos vulgarmente por Botocudos, devido ao drculo de pau se- melhante a urn botoque que usavam engastado no labio inferior. Sao os mais teiTiveis, e respeitados por todas as demais na9oes indf- genas vizinhas, com que estao em hostilidades continuas. Sao tambem os que mais freqiientemente "visitam" o litoral. Tinham- -se aquietado depois das campanhas e investidas do Capitiio-mor Joao Domingos Monteiro, no terceiro quartel do sec. XVIII, e hou- ve um hiato de hostilidades que durou ate 1786, quando recome9am com tal insistencia que muitos sitios se despovoam e outros de- cacm considen\velmente. Em 1808, informa o sargento-mor de Caravelas, que acossados pelos barbaros, tinham sido os morado- res obrigados a abandonar as ferteis terras mais entranhadas para (21) Itinerario da Bahia ao Rio-de-Janeiro. (22) Note-se que estas incurs6es indfgenas sao intennitentes, o que alias pcnnite aos estabelecimentos coloniais do literal sui da Bahia e do Espirito Santo respirarem e se reconstitufrem depois de cada assalto. Esta intermi- tencia, que se verifica em caso semelhante em Goias, sugere a hip6tese, ao par do temor que dcpois de cada assalto recha~do mantem os indios aquietados, de causas mais profundas e gerais das peri6dicas incurs6cs. :E: P?sslvel que o crescimento vegetative das na~oes ind!genas provocasse peri?- dicamente certa diminui~ao relativa dos recursos alimentares da floresta, u- nicos de que se sustcntavam; a incursoes, seguidas naturalmentc de grande mortandade entre elos, restabelecia o equiHbrio. Vicissitudes climatericas tam- hem teriam possivelmente seu papel. Sao pontos estes ainda totalmente obscures, mas que merccem a aten~o dos historiadores. 44 I CAIO PRADO JU~IOR o interior, contentando-se em lavrar as areas estereis e pantanosas vizinhas do mar (23.) 0 Espirito Santo nao sofre menos. Nos primeiros anos do seculo passado os sclv~gens ainda c?egavam na~ suas tropelias ~te _duas Ie~uas apenas d1stantes da cap1tal (24.) J! 1sto que determmara o goAvcrno em 1808, ~ declarar. guerra ofen- siva aos Aimores, materia sobre que voltare1 com ma1s vagar nou- tro capitulo. Retornemos ao nosso assunto. No trecho espirito-santense des- te setor do litoral que nos ocupa - espirito-santense segundo os limites atuais do Estado; em prindpios do seculo passado a di- visa entre esta capitania e a de P6rto Seguro era pelo rio Doce, - do rio Mucuri para o sui, e em particular alem da barra do S. Ma- teus, a costa se abaixa senslvelmente, e penetra-se numa zona de terras alagadi9as e uma linha costeira pejada de extensos dep6sitos arenosos. 0 povoamento desaparece inteiramente neste lugar on- de £alta ate agua potavel; e depois de S. Mateus, pequeno povoado de indios e mesti9os, marcha-se por urn deserto de 18 a 20 leguas. 0 Desembargador Navarro, acima citado, entendia que para se po- der fazer passar ai o correio e tornar possivel o transito de viajan- tes, era preciso cogitar, antes de mais, do estabelecimento de algu- ma povoa9ao que servisse de pouso e rccurso. 0 Principe Maximi- liano sofreu neste trecho, por ocasiao de sua viagem em 1816, as maiores atribula9oes, inclusive sede (25.) Tais condi96es se pro- longam ate a barra do Sta. Cruz, onde reaparecem terras altas e a Serra-do-Mar se aproxima novamente do litoral. Ai come9a a parte propriamente povoada do Espirito Santo, em circunstancias que se assemelham as de Pt>rto Seguro e IlMus. Seriam cerca de 19.000 habitantes em 1813 (26), concentrados e agrupados nas barras e abrigos do litoral, que com a exce91io da baia do Espirito Santo, em cujo cont6rno e ilha, onde esta a capital, se reune a maior parte da popula91i0 da capitania, sao todos nucleos de insignifican- tes propor96es; este povoamento penetra ·ligeiramente 0 interior das terras aproveitando alguns 1ios navegaveis num curto trajeto por pequenas embarca96es; particularmente o rio Jecu, o Santa Maria, o Benevente e o Itapemirim. No Doce, infestado pelos Ai- mores, quase nada havia senao o quartel de Linhares, fundado nos primeiros anos do seculo passado para a defesa da capitania. (23) Cit. p. Navarro Itinerdrio da Bahia ao Rio-de-Janeiro, 431. (24) Francisco Manuel da Cunha, Informa!!iio sobre o Espirito Santo (18ll) 246. (25) Voyage, I. 342. (26) Notas para a hist6ria de Esp!rito Santo, coligidas por J. J. Ma- chado de Oliveira, 197. C) FORMAQAO DO BRASIL CONTEMPORANEO 45 CheO'amos assim a capitania do Rio-de-Janeiro, que constitui 0 terceir~ e tlltimo, em dire91iO no Sui, dos tres maiores nucleos de povoamento do litoral brasileiro. Dai por diante, de Parati, limi- te cla capitania para o Sul, o povoamento sc torna de novo escasso. A caracteristica essencial de toda esta marinha melidional da colo- nia e a grande proximidade, mais que em qualquer caso anterior, da Serra-do-Mar, erguendo-se paralelamente e cosida a ela numa barreira abmpta de altitude continua superior a mil metros, e que, baixando em bora ligeiramente, se estende ate o paralelo de 30. 0 , isto e, quase o limite meridional extremo da colonia. Ela separa do interior a marinha de tres capitanias: S. Paulo, que inclui o atual Parana, entao comarca paulista de Paranagua, Santa Catarina c parte do Rio-Grande-do-Sui. Espremido contra o mar pelos con- trafortes da Serra, quase isolado do interior pelo obstaculo da- quele forte aclive, o povoamento deste trecho do litoral da colt>nia estacionou, apesar dos p01tos numerosos e bem abrigados, como S. Sebastiao e Santos em S. Paulo, e da grande articulas;ao da cos- ta no Parana. Outra circunstancia que desfnvorece estc setor da colonia e sua posi9a0 excentrica, afastada como esta do foco e das fontes da coloniza9ao brasileira, bern como dos mercados para os grandes produtos coloniais, que se acham na Europa. 0 desenvol- vimento da agricultura local foi seriamente desfavorecido por es- te afastamento; e embora tenha sido S. Vicente o primeiro, e du- rante algum tempo, importante centro a9ucareiro, ele perde muito cedo esta posi91io de destaque em favor de seus concorrentes mais hem situados do Norte; ja antes do fim do primeiro seculo acha-se num plano bern mediocre e secundario. Quase todos os estabe- cimentos coloniais desta marinha meridional, que nao ultrapassam, alias, em conjunto, uma dezena, ficaram restritos a uma vida local e vegetativa, com escassas comunica96es para o interior, e por ca- botagem com o Rio-de-Janeiro, centro principal de con sumo de seus produtos: um pouco de ac;U.car e aguardente, farinhas e ma- deiras. Destacam-se apenas Santos e Paranagua, sobretudo o pri- meiro, em maiores comunica96es com o interior que por ali expor- tava a produ9ao crescente do planalto paulista. No litora1 cata- rinense a popula9ao se adensa; em particular na Ilha de Santa Ca- tarina, nucleo principal da capitania e sitio cla capital, entao ainda ~ossa Senhora do Desterro. A sua densidade, nos 540 kms.2 da ilha, atinge urn fndice notavel para a colonia: 25 habs. por km.2 (27.) Saint-Hilaire aponta esta concentras_:ao, em 1820, como uma (27) Isto em 1820, tomando os dados que ap(escnta St. Hilaire, Voya- ge aux provinces de St. Pa11l et de Sainte Cather·ine, II, 320: 14.000 habs- Joiio Antonio Rodrigues de Carvalho, mais preciso, da para 1824, 15.533 hnbs. Projecto de wna estrada de Desterro 6s Jlissoes do Urugu.ai, 508. 46 CAIO PRADO JONIOR das causas do empohrecimento da ilha, que dados os processos agricolas rudimentares e primitivos que se empregavam, ;e tomaran apesar de sua fertilidade natural. incapaz de ~uste~tar tao numer~ sa populac;ao (28.) Dai a n~cessrdade de_ em1w~c;ao para o contr- nente, o que alias nao se fazm na propor~ao e;ngrd~ porque a popu- la9ao local, de hahitos altamente socuivers, so emrgrava em grupos numerosos, 0 que na~ralx;tente emha~ac;a o ~eSlo~amento. Es~a ohservac;ao, que tambem e do naturahsta frances crtado, nos poe diante de um dos aspectos mais interessantes, emhora de vulto mi- nimo, da colonizac;ao portuguesa do Brasil. Aquela circunstancia e um dos caracteres que tomou este tipo especial de colonizac;ao, a emigrac;ao provocada (sobretudo de ilMus dos Ac;ores), de casais, isto e, familias constituidas, com que se povoaram alguns raros pontos da colonia. 0 governo concedia-lhes passagem gratuita e facilidades para o estahelecimento: terras (sempre em pequenos lo- tes}, instrumentos agricolas, sementes, etc., e eles partiam para seu destino em grupos numerosos indo ocupar regioes previamente demarcadas e preparadas para recebe-los. ~ste tipo de coloniza- <;;ao, inteiramente diverso daquilo que se observa no geral da co- lonia, teve resultados muito interessantes, que ainda veremos no COrrer deste livro, e de que OS dois que acahamos de notar, isto e, o rapido crescimento da populac;ao e os seus habitos altamente so- ciaveis, sao dos mais salientes. 0 sistema de coloniza9iio por ca- sais foi adotado pela metr6pole para povoar regi6es pr6ximas as fronteiras e amea9adas de agressao extcrna. Sta. Catarina, que es- tava no caso, foi assim heneficiada. Sabre tudo isto, alias, voltarci em Iugar proprio. Por ora, basta-nos constatar o adensamento da populac;ao neste setor da colonia. Alias nao s6 na ilha, mas tam- hem na terra firme, em alguns de seus pontos. Assim, reportan- do-me ainda a St. Hilaire, posso citar em particular este pequeno trecho de uma legua cscassa, na proximidade da foz do rio Itajuha, onde o viajante frances se admirou de ver uma area inteiramente cultivada, sem espac_ro vago algum e onde as propriedades se apro- ximavam uma das outras tanto como nos arredores imediatos do Rio-de-Janeiro (29.) Coisa que, no campo brasileiro, e Hio excep- cional e indice de condic;oes tao particulares, que merece ser lem- brado. De Laguna para o sul a feic_rao da costa se modifica novamen- te. Desaparecem as endenta96es tao caracteristicas para o norte, ~stas articula96e~ n~mcrosas que dllo bons portos, ahrigos e faci- htam as comumcac.roes e portanto o estabelecimento e progresso (28) Voyage cit., II, 332. (29) Voyage cit., II, 304. /:!} FORMAQ.AO DO BRASIL CONTEMPORA.NEO 47 do homem. 0 litoral e acompanhado por largos estiroes arenosos, sucedendo-os, para o interior, terras baixas semeadas de Iagunas. 0 povoamento desaparece nesta acanhada nesga de terrenos ina- proveitaveis que a Serra, aproximando-se da linha costeira a dist~n cia de uns poucos quilometros, dei'Ca livre apenas para as comuni- ca<;Qes entre Santa Catarina e o Rio-Grande-do-Sui. Comunica- c;6es de alguma importancia, pois por ai transita o gado que vai desta ultima a fim de ahastecer a primeira. Historicamente impor- tantes tambem, tendo sido esta a passagem dos primeiros povoado- res chegados ao territ6rio rio-grandense, iniciando a ocupa9ao para os portugueses da futura capitania. No ponto em que a Serra-do-Mar, ate ai orientacla norte-sui e acompanhando o litoral, inflete hruscamente, em fmgulo reto, pa- ra oeste, formanclo com sua escarpa o limite meridional do pla- nalto brasileiro, abrem-se na proximidade da costa, livre inteira- mente da montanha que se intemou pelo territ6rio, os tao conhe- cidos campos do Viamiio, limitados ao norte e a sul respectivamen- te pela serra e a lagoa dos Patos. De topografia plana, estenden- do-se por larga area, cobertos de uma vegeta9ao rasteira de grami- neas que se entremeia de pequenos bosques esparsos, com aguas ahundantes e urn clima ideal, estes campos nao poderiam ser me- lhor escolhidos para a eriac_rao de gado; e assim o foram por aqueles primeiros colonos que chegados de Laguna ai se estabeleceram em 1719 (30.) Depois de um seculo de ex-plora9ao rudimentar destes pastos naturais em que nada se fazia para melhorar ou mesmo s6 conservar os dons da Providencia, eles comec_ram a se exaurir por efeito da tosa que ne}es praticam OS animais, hem como das queima- das (que se faziam e ainda se fazem em todo o Brasil, como e sa- h~d?, para renovar a veg~:ac;ao ressequida da estiagem.) St. Hilaire, vtaJando por ai em 1820, 1a notava esta decadcncia Cl.as pastagens do Viamao, que ja nao conseguiam suportar mais que um gado de pe- queno porte (31.) As estancias em conseqiiencia, vlio-se deslo- cando para oeste; em 1820, o caminho que conduzia de Viamao pa- ra os campos de cima da Serra (Vacaria), e dai para S. Paulo, e por onde seguiam as hoiadas e sobretudo tropas de bestas, estava qua- se ahandonado e reduzido a uma simples picada (32.) Substitui- ra-o ?u~ro cujo ponto ~e partida estava mais pr6ximo das ~andes e maiS 1n1portantes estancias dcslocadas para oeste: o da Boca-do- Mo~te (Santa Maria), que dai ascendia a Serra em demanda do caminho de S. Paulo. Ai se fixariam alias, definitivamente, as co- (30} Dreys, Noticia desc·ritiva do Rio-Grancle-clo-Sul, 157. (31) Viagem ao Rio-Grande-do-Sui, 47. (32} Dreys, Noticia descritiva, 121. 48 CAIO PHADO JONIOR municas:oes do Rio Grande com o Norte e o resto do pais; e a es- trada de ferro moderna aproveitaria, quase urn seculo depois, 0 seu tras:ado. Os campos da Vacaria, desprezados, se tinham despovoado. Assim mesmo, St. Hilaire cncontrara neles estancias suficientemen- te aproximadas para pousar nebs sucessivamente, em todas as noi- tes de sua viagem para Porto Alegre. Ao sul dos Campos de Viamao estende-se a Lagoa dos Patos. Sua margem oriental, beirando o oceano, e formada por uma restin- ga, que, exclusivamente arenosa na sua extremidade sui, cobre-se de vegetas:ao rasteira e pobre da localidade do Estreito para o norte. Estabeleceram-se nesta restinga algumas estancias de gado, que so- fre considenl.velmente na estas:ao das chuvas quando o terreno, bai- xo e quase no nivel do mar, se cobre de agua, deixando poucos espas:os enxutos. Trata-sc por isso de urn povoamento escasso e de parcos recursos. A populaglio se concentrou mais para dentro das terras, na outra margem da lagoa, ou antes, nos dois extremes dela; ao norte, no largo estuario do rio J acuf, o Guaiba, onde se edifi- cou a capital, Porto Alegre; e ao sul, onde a lagoa se abre para o mar e onde se situou, embora em pessimas condis:6es para que nao houve altemativa, o porto maritimo da capitania, S.-Pedro-do- Rio-Grande. Pouco afastado dele, no rio S. Gons:alo, que e o canal que liga as lagoas dos Patos e Mirim, esta uma zona que em principios do seculo XIX, alias ja desde fins do anterior, sc povoava e desenvolvia intensamente. Isto gras:as as charqueadas onde se prepara e seca a came fornecida pelas esUlncias do in- terior, e cuja exportagao para todos os portos da colonia se inicia em larga escala naquele periodo. Ali se formaria, pouco depois, a cidade de Pelotas. A igreja local, elevada a par6quia em 1811, indicava o progresso do Iugar. Alcangamos aqui o Extremo-Sul da colonia; mais para baixo, ate o arroio Chuf ou os Castilhos Grandes, pontos entre os quais oscilava uma fronteira ainda incerta, estava uma zona de sobera- nia indecisa cuja vida a guerra incessante ate o penttltimo quarteldo sec. XVIII, e que recomega em 1801, impediu de sc estabilizar. E.n~ontravam-se nela apenas uns postos militares com suas guar- rus:oes. Visto assim todo o litoral da colonia, sua parte mais povoada, afastemo-nos agora do mar para lanyar as vistas sobre 0 que se passa alem da marinha, oeste imenso territ6rio interior que abran- ge dois terc;oS' do continente sui-americana. ~ POVOAMENTO INTERIOR JA. ME referi aos fatores principais que determinaram a penetra-gao do povoamento pelo vasto interior da colonia, e que embora na maior parte a oeste da linha de Tordesilhas e cabendo por isso, de direito, nos dominios castelhanos, passou para os por- tugueses e seus sucessores brasileiros. Foram tais fatores a mine- rac;ao e a disperslio das fazendas de gado. No Extremo-Norte, na Amazonia, atuam circunstancias locais e pr6prias que anali- sarei em Ultimo lugar. Entre a mineras:ao e o avans:o dos rebanhos ocorre, no que diz respeito ao povoamento, uma primeira diferenya que devemos logo notar. A primeira impele o homem num arranco brusco, do lito- raJ para o coras:lio do continente; nlio ha contigi.iidade na expansao: OS nucleos mineradores vao surgir muito longe dos pontos de par- tida das correntes migrat6rias, e no espas:o intermed!ario pennane- cera o deserto que s6 raras vias de comunicaglio ah·avessam. Estas articula96es das minas com o litoral, donde lhes vem a vida e para onde se encaminha sua produ9ao, as vezcs nem ao menos respeitam o tras:ado dos roteiros e J?rimeiras vias utilizadas para alcang<'t-las. Assim OS nucleos que se formam em torno das explorac;oes do cen- tro de Minas qerais, que sao cronologicamente as primeiras e fica- rao sendo definitivamente as principais, aqueles nucleos se desta- cam da origem donde tinham partido os descobridores e as pri- meiras levas de povoadores, e que e S. Paulo; destacam-se tambem do segundo centro de irradias:ao do povoamento que as ocupou, a Bahia; e vao convergir para o Rio-de-Janeiro, cujas comunicas:oes com as minas s6 se estabelecem nos primeiros anos do sec. XVIII, qu~ndo elas ja estavam bastante povoadas. As vias paulistas e batana, apesar da prioridade, serao relegadas a um pfano secun- dano. Isto serve para ilustrar a forma que tomou a dispersao minera- dora; de tao brusca e violenta que e, ate perde contacto com as fon- tes de onde brotou. Coisa muito divcrsa se passa com a penetra9ao levada. pelas fazendas de gado. Dos seus focos, cujo principal e a Ba~a, as fazendas, e com clas o povoamento, vao-se espraiando ~aulatmamente para o interior. A sua expansao e por contigi.iida- e, e as populas:oes fixadas no sertao conservam um contacto fn. 50 CAIO PRADO JONIOR timo e geograficamente continuo co~ o seu cen~o U:adiador. Da Bahia tomemos este exemplo, o mov1mento da d1spersao, come9an- do ja' em fins do stk XVI, alcan9a o rio S. Francisco em meados do seguinte (1); sobem-se-lhes as margens, tanto direita, como esquer- da, povoando todo 0 curso medio do rio com tantas fazendas que provocavam em 1711 a admira9ao de Antonil. Daf, transporta para o Norte a bacia do S. Francisco, as fazendas invadem o que e hoje Piau!, descendo pelo rio Gurgueia e por aquele que deu seu nome a capitania. Expansao nipida, nao ha duvida - o seu mecanismo propulsor que explica tal rapidez sera analisado em outro capitulo, - mas que fica muito longe da minera9ao; que fica longe dela tam- bern em area global abarcada; sobrepassando-a contudo em terri- t6rios efetiva embora ralamente ocupados. E contiguos: ao con- trario do povoamento provocado pela minera9ao, nao se constitui de nucleos que surgem isolados no interior e largamente afastados uns dos outros, bern como de seus centros de origem no litoral. · Esta diferenc;:a determina uma estrutura de povoamento intei- ramente diversa no Centro-Sui, setor da minera9ao, e no sertao do Nordeste. No primeiro o que vamos encontrar quando cessam a expansao mineradora, as explorac;:oes e novas descobertas que se sucedem contlnuamente, provocando migra96es e deslocamentos bruscos da populac;:ao; quando, numa palavra, se sedimenta e esta- biliza 0 povoamento - e isto se verifica cerca de meados . do sec. XVIII -, o que vamos encontrar entao e Bma nebulosa de esta- belecimentos mais ou menos separados e isolados uns dos outros, e dissetninados por l!ma area que nao e inferior a dois milhoes de quili)me~ros quadrados, isto e, que' forma todo 0 miolo do que hoje constitui o ' territ6rio brasileiro; abrangendo os Estados de Minas Gerais, Goias, parte de Mato Grosso e urn pouco da Bahia. Apro- ximadamente 600.000 habitantes, ou seja pouco menos de urn quinto da populagao total da coltlnia, ocupavam esta area em co- mec;:os do sec. XIX. Aquela nebulosa de estabelecimentos mineradores se agrupa em trcs nucleos de maior densidade. Cada qual constituinf, ad- ministrativamente, uma capitania: Minas Gerais, Goi{ts, Mato Gros- so. Analisemo-los nesta ordcm, que e a de seu aparecimento e entrada em cena da hist6ria. Em Minas Gerais, o centro de condensa9ao (para empregar urn termo emprestado a Fisica e que a distribu19aO do povoamento (1) Sabre a expansao da coloniza~o na Bahia, em particular das fa- zendas de gado, sao muito interessantes os estudos de Felisbelo Freire, que usou como fonte as cartas de. sesmaria. Jlist6ria territorial do Brasi.l. • ~ FORMA<;A.O DO BRASIL CONTEMPORAI\EO 51 que ora analisamos sugere tao vivamente) esta localizado numa faixa que se estende de sui a norte, da bacia do rio Grande as proximidades das nascentes do Jequitinhonha; mais ou menos entre os pontos em que se formaram a vila de Lavras e o arraial do Tejuco (Diamantina.) Ela corresponde a serra do Espinhas:o, e c.reologicamente, a uma formac;:ao peculiar do terreno, as series de Minas e de Itacolomi, ambas do algonquian.o, onde se verifica- ram os principais afloramentos de ouro no pais. :ll:ste fato explica suficientemente a concentrac;:ao ai do povoamento, multiplicando-se as aglomera96es, as vezes bern pr6ximas umas das outras, e cujas principais sao: as vilas de S. Joao e S. Jose del-Rei (Tiradentes), Vila Rica (Ouro Preto); cidade de Mariana, Cacte, Sahara, Vila do Principe (Serro) e arraial do Tejuco (Diamantina), onde, como se sabe, exploraram-se os diamantes. Em torno deste nucleo central, que constitui propriamente as "minas gerais", nome que mais tarde se estendeu a toda a capita- nia, foram surgindo outros secundarios: Minas Novas, a nordeste, ocupadas desde 172.6; Minas do Rio Verde, com Campanha por centro principal, que sao de 1720; Minas do Itajuba, onde se for- maria a cidade deste nome, exploradas a partir de cerca de 1723; Minns do Paracatu, a oeste, que sao as ultimas descobertas, em 1744. Outros nucleos de povoamento tiveram origem em atividades subsidiarias da minera9ao ou que a elas se substituiram quando comes:a a decadencia das explorac;:oes na segunda metade do sec. XVIII. As regioes mineradoras nao eram, em conjunto, favoraveis nem a agricultura nem a pecwhia. 0 relevo acideritado, a natu- reza ingrata do solo se opunham a tais industrias. Para o abaste- cimento da populas:iio que nelas se adensou, o que se fez com grande rapidez, teve de se recorrer, a principio, a territ6rios nao muito pr6ximos. A carne, elemento essencial na alimentas:ao da colonia, foi fornecicla pelo gado que vinha das fazendas estabcle- cidas ao longo do curso medio do S. Francisco (Bahia.) Estimula- das pelo mercado pr6ximo, as fazendas subiram mais as margens do rio, alcan9ando 0 territ6rio que e hojc mineiro, e penetram ate 0 rio das Velhas. Povoou-se assirn uma area contigua ao norte dos centros mineradores. Ao sul deles, na bacia do Rio Grande, que formaria a comarca do B.io-das-Mortes, instala-se depermeio com os estabelecimentos mineradores locais, de pequeno vulto e logo decadentes, urn outro centro pastoril. Constituira o que hoje se denomina o Sui de Minas. 0 progresso da pecuaria nesta regiao, favorecida por condi96es naturais destacadas, foi r:ipido; e j:i em 1756 descia gado daf para S. Paulo, concorrendo com o forneci~ 52 CAIO l'RADO J ON IOR mento dos campos do snl - Curitiba c Hio. Grande (2.) Alias, a par da pecuc1.ria, pratica-se na comarca do Rw-das-Mortes alguma agricultura, e o Rio-de-Janeiro se abastecera af de muita coisa; de modo que a popula~ao se adensa bastante. Nestas condi96cs, a popula9ao da capitania, que em fins do sec. XVIII or9aria por 500.000 habs., ficou distribufda da scguiute forma: uma faixa central,. estendida de Lavras ao Tejuco, compre- endendo a parte mais antiga, mais povoada, e apesar da decadcncia da minera9ao, ainda a mais importante da capitania; a1ticulada com quatro regioes distintas, distribuidas em t6rno dela, e tt>das menos povoadas. Sao na ordem de importancia, as seguintes: ao sui, a comarca do Rio-das-Mortes (bacia do Rio Grande e seus principais tributaries: Mortes, Sapucai e Verde), zona sobretudo de pecuaria, tambem agricola, e onde a pequena minera9ao que se praticara no passado quase desaparccera de todo. A nordeste, as Minas Novas (bacia do Ara9uai), antiga regiiio mineradora de- cadente que evoluira ja quase inteiramente para a agricultura, em particular do algodao. A oeste, a comarca de Paracatu, tam- bern zona de minera9ao decadente que se tentava refazer com a pecuaria. Para o norte finalmente, o serUio do rio de S. Francisco, zona de fazendas do tipo sertanejo - no capitulo relativo a pe- cuaria veremos este ponto -, cscassamente povoada e mais ou menos vegetativa no ingrato meio fisico que e 0 seu. Passemos agora ao segundo grande nucleo de povoamento deri- vado da minera9ao, e que constitui a capitania de Mato Grosso. Segundo apenas cronologicamente, pois em importancia ultrapassa-o Goias. r:>escobrira-se o ouro, ali, precisamente em Cuiaba, no ano 9-e 1718. Porem jazidas e aluvioes escassas, comparadas as de Mi- nas Gerais. 0 afluxo de popula9ao foi rnuito menor, a decadencia mais acentuada e rapida. Dai uma estrutura demografica muito mais simples. · Ao abrir-se o seculo passado achava-se a capitania reduzida a dois pequenos centros insignificantes: Cuiaba, com seus 19.731 habs. (3), concentrados na vila daquele nome e arraiais da sua proximidade; e Mato Grosso (Vila Bela), com 7.105 habs. apenas em todo seu distrito; centro de pequena minera91io que nunca se desenvolveu apreciavelmente. Apesar disto, capital da capitania desde 1746, quando foi elevado a vila, gra9as a sua posi- 9ao estrategica nas margens do Guapore, e dominando ai as fron- teiras com os domlnios castelhanos. Afora isto, nada mais bavia na capitania que os fortes e pra9as armados, com suas guarnis:oes e (2) Roteiio do Maranhao, 62. (3) Os dados demogn\ficos de 111ato Grosso sao do mapa do Gov. Cae- tano Pinto, Popula9iio da Capitania de Mato Grosso em 1800. l ~ FOR":\IA(:AO DO BHASIL CONTE~!POR.A~EO 53 dependencias que protegiam as fronteiras da coMnia: forte do Principe da Beira, no Guapore, pr6ximo a sua confluencia com o Mamore; Coimbra, Miranda e Albuquerque. A guarni9ao d~stes fortes era em 1800 de 421 homens, e mais 230 paisanos dependentes deles. Ravia ainda na capitania os 213 m01·adores da fazenda Camapoa, onde se formou a cidade deste nome, e onde se fazia o transbordo por terra, do rio Pardo ao Camapoa, das canoas que serviam na navega9ao fluvial de S. Paulo a Cuiaba. Chegamos assim ao terceiro e ultimo grande nucleo de povoa- mento de origem mineradora. J! Goias. :ftle se divide em dois agrupamentos, mn ao sui, outro ao norte. No primeiro, onde esta a capital da capitania, Vila Boa, e onde primeiro se fizeram desco- bertas de ouro, em 1725. Esta divisao natural sera reconhecida administrativamente em 1809 quando se reparte a capitania em duas comarcas (4.) A decadencia de Goias, que data, como a dos demais ccnh·os roineradores da colonia, do terceiro quartel do sec. XVIII, se nao ja de antes, foi ainda mais acentuada e sensivel; e isto porque qu.ase nada veio suprir o esgotamento das suas aluvioes auriferas. 0 Bri- gadeiro Cunha Matos afirmava que ainda em 1824, quando des- creveu a capitania, nao havia na comarca do sul, a mais importante, 100 pessoas sequer que acreditassem em outra coisa que na mine- ra9ao (5); apesar das evidencias, desprezava-se qualquer outra ocupa9ao. 0 povoamento por isso, uma vez que as minas ja nao davam mais quase nada, se reduzira consideravelmcnte. Em 1804 sobravam em t6da a capitania pouco mais de 50.000 j1abitantes" sendo 36.000 .na comarca do Sui (6.) 0 povoamento desta, alem de maior, se agrupava mais, concentrando-se sobretudo no extremo sudeste da capitania (7), entre os Montes Pireneus, que fazem o divisor das aguas do Tocantins e do Paranaiba, e ~te ultimo. Para (4) A sede da comarca do Norte foi localizada muna vila a scr cria- da na conilu8ncia dos rios Tocantins e Araguaia, onde ja havia o reg·isto de S. ]oao-das-Duas-Barras e um presidio militar. Provisoriamente, a scdc ficou !JO arraial do Carmo, passando a Porto Real (hoje Nacional) em 1~10, e para S. Joao da Palma em 1814. Mas o nome oficial da comarca f1cou sendo o da sua scde nominal, S. ]ocio-das-Duas-Barras. (5) Corografia hist6rica, 291. (6) Luis Antonio da Silva e Sousa, Memoria sabre a Capitania de Gem, 482. (7) Sudeste do territ6rio atual de Gohis, excluido o TrHlngulo Mi- neiro que cntao fazia parte da capitania. Esta ultima area, compreendida entre os rios Grande e Paranaiba e que passara para Minas Gerais em 1816, estava cscassamente povoada ao Iongo da cstrada que conduzia para Sao Paulo, e um pouco mais na sua extrema oriental, onde estao Araxa, Desem- boque e outros pequenos povoados. 54 CAIO PRADO JUNIOR oeste, onde se dirige o caminho que demanda Cuiaba, o Ultimo estabelecimento regular era o dos rios Claro e Pil6es, onde se des- cobrira ouro e se estabelecera urn povoado desde meados do sec. XVIII. Encontrando-se af, pouco depois, diamantes, o govemo me- tropolitano, seguindo a norma que adotara na materia, v~dou a regiao, expulsando os m01·adores e entregando a explora9ao das pedras, por contrato, ao conhecido Felisberto Cald~ira Brant, que se notabilizaria mais tarde como contratador no TeJUCO. Mas a ex- plora91io nao deu resultados e sc abandonou. Apesar disto, os rios Claro e Pil6es continuaram por muito tempo vedados e a regiao deserta; s6 em 1803 se levantou a proibi9ao. 11: urn exemplo entre muitos outros - assunto sobre que voltarei adiante - dos pro- cesses aclministrativos da metr6pole. Alem destes estabelecimen- tos, mais ou menos precarios, que se povoavam s6• na esta9ao das chuvas em que a minera91io era mais rendosa, s6 bavia ao longo do caminho para Cuiaba algumas esparsas fazendas de gado. Os povoadores da comarca do Norte achavam-se muito mais espalhados que no Sui, e ocupavam s6 o territ6rio a leste do Tocan- tins. A oeste eram s6 tribos de indios selvagens. 0 estabeleci- mento da navega9ao do Tocantins em fins do sec. XVIII, impul- sionou o povoamento para o Norte. E alias sobretudo para favo- recer e ativar aquela navega9ao que se criou a comarca do Norte. Ao longo do rio, embora em pequenas propor96es, menos que se esperava, formaram-se alguns novos nucleos e apareceram algumas fazendas de gado. Ate urna parte do territ6rio maranhense foi atingida por esta expansao goiana. Em 1810, urn comerciante de Goilis, Francisco Pinto de Magalhaes, erigiu um povoado na mar- gem direita do Tocantins entre os rios Farinha e Manuel Alves Grande (8); ai se localizaria maistarde a cidade maranhense atual de Carolina. A comarca do norte de Goias sofria duramente da hostilidade dos indios, em particular dos Acroas e Xicriabas, que dominavam inteiramente a margem ocidental do Tocantins e mesmo parte da outra margem em que se estabelecera a coloniza9ao. As suas incur- s6es se repetiam periodicamente, e n5.o se conseguira, ainda em princfpios do sec. XIX, pacifica-los ou OS repelir definitivamente (9.) S6 no distrito do arraial do Catmo havia em 1824, segundo refere o Brig. Cunha Ylatos, mais de noventa fazendas abandona- das, em grande parte pela hostilidade do gentio (10.) (8) Francisco de Paula Ribeiro, Roteiro da Viagem . .. , 73. (9} Sabe-se que ate hoje os indios de Goias ainda nao estiio inteira- mente dominados, e formam um dos ultirnos redutos de imlios seh·agens do pals. (10) c"orografw hist6rica, 354. ~ FORMA<;A.O DO BRASIL CONTEMPORANEO 55 Sao estes, em suma, OS grandes nucleos de povoamento forma- dos pela explora9ao das minas. Outros havia de menor impor· tancia; assim na Bahia, em Jacobina e Rio-de-Contas. Lavrava-se urn pouco de ouro por toda parte do interior da colOnia, desde o Maranhao ate 0 Parana. Mas afora OS pontos citados, e uma ativi- dade insignificante que neles se pratica, alias quase sempre espo- radica e subsidUtria de outras ocupa96es mais importantes. Nao contribuem em nada ou quase nada para o povoamento e ocupac;ao de novos territ6rios; em particular no momento de que ora trata- mos. Passemos portanto a outra parte do interior brasileiro, o povoado pela expansao das fazendas de gado. J a afirmei acima que a pecmiria se deve a ocupa9a0 de boa parte do territ6rio da colonia, e calculado em area efetivamente colonizada, ela ultrapassa a minera9ao. Vimos tambem que as fazendas de gado se alastram sempre por contigtiidade, a partir de urn ponto que representa o seu centro de irradia9ao. 11: esta a forma caracteristica pela qual o povoamento que as acompanha se vai estendendo pelo interior. Aqueles centros de irradia9ao cor- respondem sempre a urn nucleo agricola, as vezes minerador. Cada vez que se formou urn destes nuCleos, liga-se a .ele imediatamente uma zona de cria9ao destinada a abastece-lo de gado e came. Os principais e mais antigos daqueles nucleos agrico)as, que sao OS do litoral do Nordeste a9ucareiro, desde Pernambuco ate a Bahia, determinam tambem as maiores e mais notaveis zonas criat6rias; seguem-nas, mais para o sui, as regioes pastoris de Minas Gerais, tributarias dos centros mineradores desta capitania; finalmente, no E.<tremo-Sul, do Parana ao Rio Grande, estabelece-se uma Ultima &rande zona de cria9ao destinada a abastecer os centros agricolas ao litoral-sul da colonia, em particular o mais importante deles gue e o Rio-de-Janeiro. Outros menores e de importancia mais local, podem ser lembrados: assim, no passado, os Campos-dos- Goitacases, que antes de se tornarem agricolas, como lembrei acima, serviam para fornecer gado ao Rio-de-Janeiro; e, no Extremo-Norte, a ilha de Joanes (Maraj6), que abastece o Para. , Comecemos pelo Nordeste, que oeste capitulo do povoamento e o que mais interessa. Em todo interior do Nordeste, o sertao, co~preendendo a vasta regiao que vai do medio S. Francisco ate o no Parnaiba, nos limites do Piau!. e do Maranhao, aparecem com grande ~iformidade, condi96es geograficas muito particulares. 0 que nos mteressa aqui de tais condi96es e a natureza do relevo e da flo:a. 0 primeiro se constitui de largos chapad6es de ter- reno mats ou menos unido e plano; e a vegeta9ao, ao contrario das ~ensas matas. qu~ bordam boa J?arte do litoral e revestem outras n~·e~s do ternt6no da colonia, e formada de 1.1ma associacrao flo- nstJca que sem ser rasteira, e bastante rala para oferecer passagem 56 CAIO PRADO JUNIOR natural franca, dispensando para a instalac;ao do homem quaisquer trabalhos preliminares de desbravaroento ou preparo do terrcno. A agricultura era ai impossivel: falta:a a~ua; ~as ? ga-do encon- traria horizontes largos, podendo difundu·-se a le1 da natureza, como foi mais ou menos o caso. A forragem que fornece a "caatin- ga" na~ e com certeza suculenta; con~ede no entant~ um mi~~o ?e subsistencia para rebanhos pouco eXIgentes, de grande res1stenc1a, e sobretudo largamente esparsos, com areas medias por cabec;a con- sider{tveis. Por selec;ao, o gado sertanejo foi apurando um tipo adaptado as dificuldades da regiao: nab s6 muito rustico, mas do- tado de urn instinto notavel na procura do escasso alimento que en- contra nos seus pastos. A aspereza do clima tarobem nao era favoravel ao progresso dos rebanhos; verdadeiras hecatombes pe- ri6dicas sao produzidas pelas secas prolongadas. Ha no entanto, a cste respcito, zonas privilegiadas, como as mm·gens do S. Fran- cisco, do Parnaiba e seus afluentes, e outros rios de aguas perenes, excec;oes raras nesta vasta regiao e que garantem pelo menos .aque- le elemento indispensavel as populac;oes locais e fazendas ribei- rinhas. Contrabalanc;a em parte tais fatores desfavon1veis, a natureza salina do solo que da os chamados "lambedouros", onde o gado encontra o sal de que prccisa. Em certos pontos, a ocorrencia deste mineral e suficienteroente grande para dar Iugar a uroa explo- ra<;ao regular e comercial. E o que se verifica na zona que mar- geia o S. Francisco, entre seu afluente o Salitre e a vila de Urubu. Feitas as contas, nao seriam as condi<;oes naturais dos sert6es nordestinos realmente muito favoraveis a criac;ao; e isto se compro- varia definitivamente em fins do sec. XVIII, quando como forne- 9edor de carne para OS nucleos do seu litora}, eles serao des- bancados pelo produto de outra procedencia, o charque rio-gran- dense. Veremos este assunto noutro capitulo. Mas ate entao, favo- recido pela proximidade de bons mercaaos, e na falta ainda de con- correntes, o sertao do Nordeste se manteve economicamente e pro- grediu. A coloniza<;ao e o povoamento se espalharam por ele todo. A penetrac;ao come<;ou, ja o viroos, desde o inicio da colo- niza<;ao e a pa-rtir de dois focos principais: Bahia e Pernambuco. A expansao que neles respectivamente se origina, acaba contluindo e sc confunde. Pode no entanto ser trac;aaa a parte. A baiana que por roaior e mais caracteristica foi abordada acima, ocupa desde principios do sec. XVIII toda a area que compreende o atual terri- t6rio do Estado, inclusive a margem ocidental do S. Francisco, entao ainda parte da capitania de Pernambuco; mais o Piaui; e penetrando ~esmo, num ultimo arranco, pioneiro ainda no mo- mento em que abordamos nossa hist6ria, o Maranhao, ocupa uma faixa de territ6rio que envolve o alto Itapicuru, rio das Balsas, e ~ FOR:\<lA<;.~O DO BRASIL CONTE~IPORA.l.'JEO 57 alcan9a o Tocantins na foz do seu afluente Manuel _.o\lves Grande - o chamado tcrrit6rio dos Pastos Bons. Tudo isto, que se pode considerar sertao baiano porque e dali, em ultima insttmcia, que partem os povoadores e suas fazendas de gado, e se estabelecem as comunicac;oes, constitui o ~ue Capistrano denominou com muita propriedade o "sertao interior', para distingui-lo, do outro, o per- nambucano, que seria 0 "externo" (11.) ~ste ultimo e mais pr6- ximo ao litoral: dai a designa9ao. A expansao pernambucana nao se interna. Come<;ou suhindo para o norte, acompanhando a linha costeira; ocupou assim a Paraiba e o Rio·Grande-do·Norte: a orla maritima e aos poucos o interior. No Ceara confluem os dois movimentos: o da Bahia, que de retorno do Piau\, se desvia para leste, atravessa o cordao de sern-ts que separa esta capitania da do Ceara (serras de lbiapaba, Grande), e se estabelece na regiao limitrofe, bacia do alto rio Poti, onde hoje esta Crateus, e que por isso pertenceu de inicio ao Piaui, s6
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