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BAGGIO O PRINCÍPIO ESQUECIDO

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O PRINCÍPIO ESQUECIDO – a fraternidade na reflexão atual das ciências políticas 
Antônio Maria Baggio 
 
INTRODUÇÃO: A redescoberta da fraternidade na época do terceiro 1789 
A Revolução Francesa proclama o lema “liberdade, igualdade, fraternidade”. 
Esse lema não era oficial; viria a sê-lo somente na República revolucionária de 1848. 
Posteriormente, atravessou vicissitudes históricas, ora sendo esquecido, ora tendo 
momentos de fulgor, até se impor com a vitória dos republicanos em 1879 e, em 1946, 
encontra lugar definitivo no artigo 2º da Constituição. 
Por que se ocupar com os acontecimentos de 1789 se o aparecimento da trilogia 
na época foi passageiro? Porque a revolução constituiu um ponto de referência histó
rico de grande relevância e porque, pela primeira vez na Idade Moderna a ideia de 
fraternidade foi interpretada e praticada politicamente. No ocidente, em virtude da 
cultura cristã, a linguagem de fraternidade esteve continuamente presente com vasta 
gama de nuances. Mas em 1789, a novidade é que a fraternidade adquiriu dimensão 
política pela aproximação e interação com os outros dois princípios que caracterizam 
as democracias atuais: liberdade e igualdade. 
A trilogia arranca a fraternidade do âmbito das interpretações da tradição e a 
insere ao lado da liberdade e da igualdade, compondo três princípios e ideias 
constitutivos de uma perspectiva política inédita, introduzindo um mundo novo que 
logo decai pelo desaparecimento da fraternidade da cena pública: permanecem em 
primeiro plano a liberdade e a igualdade. Estas conheceram evolução que as tornou 
categorias políticas, manifestando-se tanto como princípios constitucionais quanto 
como ideias-força de movimentos políticos. Já a fraternidade, com exceção do caso 
francês, viveu aventura marginal. 
Com a aproximação do bicentenário da revolução francesa, uma nova atenção 
passou a ser dada à trilogia e à fraternidade e estudos desta redescoberta salientam 
trajetória que ajuda a explicar o sentido que a abordagem da fraternidade em chave 
política assume hoje. 
J. M. Roberts, em 1976, desenvolve estudo desenvolve estudo sobre a trilogia em si 
e sua relação com a maçonaria, aceitando as conclusões de Béatrice Hyslop (1951) e 
de Robert Amadou (1974: historiador e conhecedor da maçonaria, exclui a afirmação 
de que a invenção da trilogia foi de origem maçônica). A importância do trabalho de 
Roberts foi chamar a atenção para o tema para além da maçonaria. 
G. Antoine, com estímulo da Unesco e auxílio do Institut de la Langue Française e 
o Laboratoire d’Étude des Textes Politiques Français, no final dos anos 70, conduziu 
pesquisa e indagou em que medida os grandes ideais da Revolução estavam 
presentes na cultura dos séculos seguintes e se ainda eram vitais na Europa. Por meio 
de busca em artigos digitalizados, pesquisou o termo fraternidade e termos que são 
suas variações (solidariedade e participação). Afirma que a fraternidade sempre 
sofreu com o excesso das suas ambições e com a vaga amplitude que disso decorre e 
que seu conceito tem poderosas raízes cristãs que a impedem de ser um sinal de 
reconhecimento geral, afirmando que seria preciso esperar o ano de 1848 para que o 
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conceito de fraternidade encontrasse novos significados e amplo consenso. Antoine 
apresentou justamente o problema: o laço universal revela-se politicamente ineficaz e 
uma conotação mais precisa, de origem cristã, é rejeitada ao colidir com a concepçã
o republicada de fraternidade. Para ele, é preciso entender a fraternidade como laço 
universal e dotado de conteúdos fortes, desde que não aqueles conferidos pelo 
cristianismo. 
Jacques Derrida, em seminário realizado em 1988, coloca no centro da análise a 
relação entre fraternidade e democracia: “nunca deixei de me perguntar [...] sobre o 
que se quer dizer quando se chama alguém de irmão e quando nisso se resume ou se 
subsume a humanidade do homem de modo idêntico à alteridade do outro [...] qual 
é a política implícita nessa linguagem?”. 
Giuseppe Panella, em um ensaio, parece estar convencido do papel não tanto 
de aplicação política quanto de função relacional da fraternidade: daí a 
necessidade de sua reconsideração e provavelmente de uma reavaliação de 
natureza não mais politicológica, mas sim de base antropológica. 
Alberto Martinelli assinala que a trilogia constituiu o núcleo normativo e critério 
interpretativo da sociedade moderno (projeto moderno da sociedade desejável). 
A partir dessas considerações, compreende-se a necessidade de uma pesquisa 
histórica séria que aprofunde os significados que a fraternidade assumiu com a 
mudança das culturas e projetos políticos. Atualmente, há um déficit de reflexão polí
tica e uma impotência na abordagem dos problemas das democracias, que apesar 
de darem alguma eficácia aos princípios da liberdade e igualdade, estes estão longe 
de sua plena realização. A dificuldade em se pôr em prática os princípios leva à 
desconfiança e ao empobrecimento factual e definitório de seus conteúdos. A atual 
discussão sobre a fraternidade obriga a se comprovar as possibilidades e limites dos 
outros dos princípios, ou seja, o caráter utópico ou realista da ideia democrática. 
Ana Maria de Barros destaca a necessidade de readmissão da fraternidade 
porquanto somente a trilogia no seu todo, com a relação dinâmica entre os três princí
pios, confere fundamento adequado às políticas dos direitos humanos. 
John Raws (A Theory of Justice) afirma que, no confronto com as ideias de 
liberdade e igualdade, a ideia de fraternidade sempre teve papel secundário na 
teoria da democracia. Ela é pensada como conceito menos político que os outros por 
não definir nenhum direito democrático e incluir certas atitudes mentais e linhas de 
conduta, sem as quais se perderiam de vista os valores expressos por esses direitos. A 
fraternidade inclui a estima social, a superação das relações servis, o senso de 
fraternidade cívica e a solidariedade social. Raws inicia um difícil processo de construç
ão e definição dos princípios de justiça: precisamos encontrar um princípio de justiça 
que expresse fielmente a ideia subjacente. Apesar de abandonar a linguagem 
tradicional da fraternidade, sua intenção é introduzir uma fraternidade sistêmica como 
elemento imprescindível do novo contratualismo, fazendo-o mediante o princípio da 
diferença (capacidade de manter certa igualdade entre os diferentes – princípio de 
benefício recíproco). A fraternidade não é mais uma concepção impraticável, mas 
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um padrão perfeitamente aceitável desde que seja no seio da concepção democrá
tica. 
HOJE – formulação explícita: a problemática realização da liberdade e da 
igualdade, inclusive nos países democráticos mais desenvolvidos, não poderia ser 
devida justamente ao fato de a ideia de fraternidade ter sido quase que totalmente 
abandonada (ou os três ou nada)? E o que implica e que consequências traz hoje 
essa questão no âmbito das diversas disciplinas relacionadas à política? Responder a 
esta pergunta implica esforço aprofundado dos estudiosos, pois a fraternidade foi 
descartada porque não podia conviver com a dura lei do Terror e acabou perdendo 
significado na esfera pública (resumindo-se a relações privadas – ex: ligação sectária 
como a maçonaria para fortalecer a própria rede de poder econômico e político ou 
sendo usada de forma deturpada: guerra Hungria e Tchecoslováquia – guerra de paí
ses irmãos = sempre ideia de excluir os demais grupos humanos = deturpação da 
fraternidade), razão pela qual não é possível responder a esta pergunta apenas com 
os estudos já disponíveis. Hoje surge uma nova necessidade que impele a pergunta: a 
fraternidade pode se tornar a terceira categoria política, ao lado da liberdade e daigualdade, para completar e dar novos significados aos fundamentos e às 
perspectivas da democracia? 
Houve deturpações do conceito de fraternidade ao longo da história, tal como 
ocorreu na primeira guerra mundial (ideologias nacionalistas – um segundo 89) e, 
depois, com a queda do muro de Berlim (terceiro 89 – primeiro sinal de esperança foi 
perdido em virtude de novas e poderosas formas ideológicas que continuam a 
contrapor liberdade e igualdade, prisioneiras de uma dicotomia da qual não 
conseguem se livrar). 
Mas também a fraternidade foi adquirindo significado universal, chegando a 
identificar o sujeito “humanidade” (comunidade das comunidades), único que 
garante a completa expressão também aos outros dois princípios universais. Os 
problemas relativos à universalidade dos princípios democráticos, à exigência de 
serem aplicados a um sujeito igualmente universal, ao “sofrimento” por terem ficado 
presos a uma dimensão estatal, às formas que poderiam assumir mediante 
reflorescimento nas culturas, têm estado presentes nos debates do Ocidente. 
A fraternidade teve ainda certa aplicação política com a ideia de solidariedade: 
políticas do bem-estar social (tentativa de realização da dimensão social da 
cidadania). Ocorre que solidariedade permite uma relação vertical que vai do forte 
ao fraco, ao passo que a fraternidade pressupõe um relacionamento horizontal (ideia 
de solidariedade horizontal). 
Conclusão: é possível dizer que a fraternidade assume dimensão política 
adequada, sendo intrínseca ao próprio processo político, somente se realizadas pelo 
menos duas condições: 
(a) a fraternidade passa a fazer parte constitutiva do critério de decisão 
política, contribuindo para determinar, junto com a liberdade e igualdade, o mé
todo e os conteúdos da própria política; 
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(b) consegue influir no modo como são interpretadas a liberdade e a 
igualdade  garantia de interação dinâmica entre os princípios em todas as 
esferas públicas: política econômica (decisão sobre investimentos, distribuição 
dos recursos), legislativo e judiciário (equilíbrio dos direitos entre pessoas, pessoas 
e comunidades e entre comunidades) e internacional (para responder às exigê
ncias entre os Estados e enfrentar os problemas da dimensão continental e 
planetária); 
 
CAPÍTULO 1: A IDEIA DE FRATERNIDADE EM DUAS REVOLUÇÕES: PARIS 1789 E HAITI 1791 
1. A divisa republicana francesa na Revolução de 1789: 
1.1. O ano de 1789: 
A Revolução destacou inicialmente só a liberdade. E esta nem era, quando 
começaram a surgir os lemas, o ponto de referência de todos que queriam mudar a 
situação vigente. Depois de 1789 os franceses foram aos poucos aprendendo a se 
sentir livres, mas durante a monarquia não se sentiam iguais. Até o golpe de estado de 
1792, que derrubou Luís XVI, vigorava um regime censitário que conferia à metade da 
população o direito de voto. 
Os slogans eram lançados durante as manifestações públicas, principalmente nas 
bandeiras assumidas em 1790 pelos distritos de Paris, que constituíram os princípios que 
sintetizavam a Revolução. Num conjunto de 60 bandeiras, apenas uma fazia referê
ncia à fraternidade – Distrito de Val-de-Grâce: “viver como irmãos, sob o império das 
leis”. Em 1790, há menção oficial à fraternidade na fórmula de juramento dos 
deputados eleitos para a federação: “permanecerão unidos a todos os franceses 
pelos laços indissolúveis da fraternidade”. Com o juramento cívico de agosto/1792, 
igualdade é oficialmente posta ao lado da liberdade: “juro que serei fiel à nação e 
manterei a liberdade e igualdade, ou morrerei em sua defesa”. Expressão oficial e 
mais duradoura da revolução. 
O termo fraternidade já tinha notável circulação em 1790: fraternidade que 
vinculava todos os franceses (sentimento patriótico). Camille Desmoulins descreve o 
primeiro aparecimento da fraternidade ao lado dos demais princípios na Festa da 
Federação, em 14/07/1790: descreve os soldados-cidadãos que se abraçam 
prometendo liberdade, igualdade, fraternidade. No depoimento, fica evidente o 
papel relevante da fraternidade, que assume o fundamento da cidadania, o vínculo 
extensivo a todos os cidadãos (França como um território unitário). No discurso sobre a 
organização das Guardas Nacionais (05/12/1790), Robespierre apresentou projeto de 
decreto que descrevia o emblema dos guardas: “Eles carregarão no peito estas 
palavras bordadas: o povo francês. E acima: liberdade, Igualdade, Fraternidade. Essas 
mesmas palavras serão inscritas em suas bandeiras, que trarão as três cores da Naçã
o”. (mesma ideia de patriotismo – antiaristocrático). 
O marquês de Giardin fez discurso ao Clube dos Cordeliers em 29/05/1791 assim 
mencionando: “o povo francês, que aspira como base de sua Constituição à 
Igualdade, à Justiça e à Fraternidade universal, declarou que jamais atacará qualquer 
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outro povo”. O clube enviou o discurso a todas as associações patrióticas com pedido 
de adesão  um dos instrumentos de divulgação da trilogia. 
O clube aceitava cidadãos passivos e mulheres, e seu caráter era muito mais pú
blico (orientação política mais democrática que o clube dos Jacobinos que era 
claramente burguês). Foi o clube quem favoreceu o surgimento das Sociétés 
Populaires que colhiam homens, mulheres, burgueses e proletários, permitindo a difusã
o da ideia do sufrágio universal, que pressupõe o conceito de povo (a fraternidade 
permite a formulação da própria ideia de povo, realidade mais ampla e múltipla do 
que a de nação). Nessas sociedades começou-se a usar o tu em lugar de vós, irmão e 
irmã no lugar de senhor e senhora (equivalência entre cidadão e irmão). Nesse 
contexto, a fraternidade introduz ideia mais ampla de cidadania, de caráter universal, 
pois antes se limitava apenas aos cidadãos ativos e surgem as Sociétés Fraternelles. 
Robespierre, em 1791, manda publicar discurso à Assembleia Nacional apoiando 
o sufrágio universal e fazendo verdadeiro elogio do polvo, que surgia como o novo 
sujeito político, bem mais amplo e plural do que a burguesia, que até então 
identificava a nação. Consolida-se o hábito de elogiar os pobres nas publicações 
revolucionárias. 
A ideia de fraternidade, de 1790-1791, sustentou o avanço do processo de 
democratização, fornecendo a base para a definição de povo e para a superação 
das divisões censitárias. 
Por que a trilogia não se impôs definitivamente em toda a França? Porque, no 
decorrer da revolução, a fraternidade desempenhou 2 papeis sucessivos: unir (deu à 
nação uma ideia-força em torno da qual esta poderia se constituir = homem novo, 
consciência pública, unidade entre os cidadãos) e dividir (pelas duas diferentes 
interpretações: uma voluntária e construída e outra proveniente da igreja – dádiva das 
origens, originária que precede os outros princípios). 
A questão foi receber a fraternidade sem pressupor a ideia de paternidade (irmã
os sem pais). Com a morte do pai-rei, os revolucionários jacobinos foram obrigados a 
renunciar a ideia de fraternidade. 
Divisão dentro da França: “confraternizemos entre nós, patriotas, e não 
abdiquemos de nosso vigoroso ódio aos aristocratas. A fraternidade deve ser 
concentrada, durante a revolução, entre os patriotas, unidos por um objetivo comum. 
Os aristocratas não têm uma pátria, e nossos inimigos não podem ser nossos irmãos”. 
(discurso de Barère em 1794). 
Na época do Terror, a fraternidade se distancia do seu verdadeiro significado. “
Seja meu irmão, ou então eu o mato”. 
 
1.2. As Raízes cristãs dos princípios da trilogia 
É impossível apontar um autor para a criação da trilogia, ela é criação coletiva 
de uma época, mas é possível indicar alguns autores que lançaram suas premissas. 
Étienne de la Boétie, 1550: foi republicado diversas vezes sempre que se queriadar um fundamento sólido à crítica antitirânica, tornando-se contemporâneo. “a 
natureza [...] fez-nos todos da mesma forma e, ao que parece, com o mesmo molde, 
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a fim de que nos reconheçamos companheiros ou, antes, como irmãos”. Se a 
natureza dotou os homens de características diferentes, não foi para induzi-los ao 
conflito, “ela queria dar espaço à afeição fraterna, a fim de que esta tivesse onde ser 
empregada, com uns tendo força de levar ajuda, e outros tendo a necessidade de 
recebe-la”. A liberdade nasce como consequência: se a natureza mostrou que não 
queria fazer-nos todos unidos quanto todos um, não devemos duvidar de que somos 
naturalmente livres, pois somos todos pares e ninguém deve entender que a natureza 
colocou alguém em situação de servidão, pois colocou todos nós num plano de 
paridade.  a fraternidade, reconhecida e vivida pela razão como laço natural, cria a 
igualdade (que chamou de compaignie) e permite a liberdade. Trilogia enunciada de 
forma dinâmica baseada no papel fundamentador da fraternidade (entendida como 
interpretação correta da igualdade e da diversidade humanas). 
Obras de autores católicos do século XVII – tradição dos padres da igreja: a Igreja 
reúne os homens em fraternidade, os religiosos vivem a igualdade por não terem 
propriedades e os fiéis vivem na caridade, na santidade e na liberdade cristã. 
François Fénelon, 1699: descrição dos habitantes da mítica Bética: “vivem todos 
juntos, sem dividir as terras; cada família é governada pelo seu próprio chefe [...] todos 
os bens são em comum [...] não existem interesses que se oponham uns aos outros, e 
todos se amam com um amor fraterno que nada ofusca. É a supressão das vãs 
riquezas e dos falsos prazeres que mantém essa paz, essa união e essa liberdade. Eles 
são todos livres e todos iguais”. (fórmula que permite entrever a possibilidade de uma 
ordem social diferente, organizada de baixo para cima). 
Claude Fleury, 1810: a caridade torna todos os irmãos e os une em uma só família 
(comunidade cristã de Jerusalém). 
Abade de Notre-Dame d’Argenteuil: reafirmou os costumes dos israelenses e cristã
os, sendo a fraternidade característica destes últimos. 
 
1.3. A ação dos iluministas 
Os cristãos incluíram no circuito da cultura europeia os princípios da trilogia. Os 
iluministas arrancaram os princípios do cristianismo e procuraram fundamentá-lo na 
cultura pagã pré-cristã. 
Desenvolvia-se uma intensa batalha contra a Igreja e sua autoridade, e a trilogia 
se volta contra a própria Igreja. Quem mais sofreu foi a fraternidade: origem 
claramente cristã – não podia ser emendado completamente – perdeu sua 
centralidade. 
Rousseau critica o cristianismo porque, ao sublinhar a ideia de fraternidade 
universal, diminuía a coesão física. A fraternidade deveria ser endereçada apenas aos 
concidadãos e contribuir para reforçar a união dentro do Estado (ideia nacionalista). 
 
2. A Revolução Negra 
2.1. A situação do Haiti no estouro da Revolução 
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Em 1791, os escravos negros do Haiti se rebelaram e, em 1804, houve a 
proclamação da república independente. A revolução Haitiana pode ser 
considerada outra face da revolução Francesa. 
O Haiti teve importância excepcional e valor de modelo ao movimento 
anticolonialista na América Latina. 
Peculiaridade: primeira República Negra. Toussaint-Louverture, o principal chefe, 
junto com outros escravos, fez algo que a cultura europeia não conseguia admitir: 
500.000 escravos importados da África rebelaram-se contra os senhores, lutaram por 13 
anos, derrotaram 3 potências europeias e decidiram virar um povo, transformando-se 
num estado independente. 
Contexto: operários de São domingos, a burguesia francesa e a burguesia inglesa 
começaram a lutar por rivalidades e tensões, provocando conflitos que fizeram ruir a 
base do domínio e criar a possibilidade de emancipação. Os escravos se 
aproveitaram da oportunidade: tendo ouvido da revolução francesa, captaram o 
espírito da coisa (liberdade, igualdade e fraternidade). Realizam reuniões nas florestas, 
surgem movimentos isolados. 
 
2.2. A França revolucionária e a ajuda econômica das colônias 
Ideia dos Haitianos – fazer valer a ideia de que “todos os homens nascem livres e 
iguais perante a lei”. 
Os franceses negaram reconhecer esse direito por motivos econômicos (tráfico 
de escravos movimentava a economia, a colônia representava 2/3 dos lucros 
comerciais e o tráfico era incentivado). Mesmo depois da revolução francesa, não 
havia qualquer interesse em acabar com a escravidão, mas tão somente em dar 
direitos políticos aos mulatos livres proprietários de terras, que muitas vezes também 
tinham escravos negros. A Assembleia Nacional decidiu que jamais deliberaria sobre o 
estado político das pessoas de cor que não nasceram de pai e mãe livres sem o voto 
preliminar, livre e espontâneo das colônias. 
Com a chegada dos espanhóis ao Haiti, os escravos propuseram lutar pelos 
franceses contra os espanhóis em troca da liberdade, o que foi aceito, acarretando o 
decreto de libertação geral de Sonthonax em 29/08/1793. 
 
2.3. Os motivos culturais 
Os franceses também negaram o direito à liberdade por motivos culturais: a 
crença na inferioridade natural dos povos africanos. A Revolução francesa 
considerava a humanidade com base no modelo específico do homem, o europeu. 
Não houve efetivamente universalidade da trilogia. 
Iluministas chamavam de pré-conceito a cultura de matriz cristã (reflexão neo-
escolástica), que fala na impossibilidade dogmática, canônica, de integrar ao 
esquema a escravidão de qualquer grupo de homens. Os iluministas criam uma 
antropologia nova, baseada no empirismo, para dizer que a humanidade na África 
era imperfeita e incompleta. 
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Poucos, como o padre Grégoire, interpretavam de modo efetivamente universal 
os princípios da revolução francesa, igualando brancos e negros, pois na bíblia está o 
fundamento da fraternidade universal baseada no fato de todos serem filhos do pai 
celeste. Foi recuperando a fraternidade em base bíblica que o padre superou os 
limites que a revolução impôs aos seus próprios princípios. Todavia, entendia que a 
liberdade no Haiti dependia da aquisição da cultura do iluminismo, da substituição 
das convicções religiosas africanas pelo catolicismo, da difusão da língua francesa. 
Mérito: apontar a fraternidade como o caminho a ser percorrido. 
Haitianos: querem que se reconheça o igual na diferença. Testemunho vivo de 
que a liberdade e a igualdade sem a fraternidade podem se voltar numa situação 
contrária; só a fraternidade permite que se alcance o humano. Universalismo em seu 
pleno sentido. 
O caso do Haiti mostra o papel que a fraternidade exerceu no nascimento dos 
Estados, quando a liberdade e a igualdade ainda não existiam e os combatentes 
lutavam sem medir sacrifícios, estando dispostos a dar a própria vida, e sua causa 
dependia inteiramente da fraternidade entre eles. A fraternidade funda os Estados. 
Experiência ausente nos livros do Ocidente. O Haiti abre o tema da fraternidade, 
que é capaz de dar fundamento à ideia de uma comunidade universal, de uma 
unidade de diferentes, na qual os povos vivam em paz entre si, no respeito das pró
prias identidades. E justamente por isso a fraternidade é perigosa. Talvez seja por isso 
que não se aceita considera-la uma categoria política. 
Descobrimos que somos livres e iguais porque somos irmãos (fraternidade como 
alicerce dos demais princípios – princípio regulador: se vivida fraternalmente, a 
liberdade não se torna arbítrio do mais forte, e a igualdade não degenera em 
igualitarismo opressor). 
A fraternidade precisa ser vivida: ela é uma condição humana, ao mesmo tempo 
dada mas também a ser conquistada. É precisoreler a história para construir uma 
nova visão da política, baseada numa visão mais completa do homem. 
 
 
 
CAPÍTULO 2: Fraternidade: o porquê de um eclipse 
Por que, após a revolução francesa, a fraternidade desapareceu? Isto é um tema 
pouco discutido. O autor procura dar uma resposta a partir de considerações 
particulares feitas por alguns estudiosos. Os três eleitos falam do fenômeno revolucioná
rio refletindo sobre o conceito de revolução em geral, pois a revolução francesa veio 
após a inglesa e a americana. Alguns disseram que ela foi arremate das 
antecedentes, e há quem diga que são completamente diferentes (como Edmund 
Burke). 
 
1. A perspectiva liberal-democrática de Alexis de Tocqueville 
Conhecido pelo estudo “A democracia na América”, escreveu sobre a revolução 
francesa na obra L’ancien régime e la Révolution, talvez propositalmente esquecida, 
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que só veio a ser estudada recentemente. Tocqueville pergunta a si mesmo porque a 
França não conseguiu fazer o que os EUA fizeram após a revolução, país que era uma 
conquista democrática de vanguarda, ao passo que a França, depois da revolução, 
deixou de lado as melhores conclusões realizadas. Para ele, a razão é simples: 
enquanto a revolução americana se baseou em pressupostos de natureza religiosa, a 
francesa deixou a religião de lado, e o princípio mais prejudicado foi o da fraternidade 
por ser o mais claramente ligado a motivações religiosas. 
Para ele e outros pensadores (como lorde Acton), a revolução americana é o 
triunfo da liberdade de consciência; os americanos fizeram algo que os europeus 
jamais conseguiram fazer porque olhavam para os americanos com sentimento de 
superioridade, como se fossem a história madura do mundo. Todavia, é a América que 
constitui a plena realização da história europeia, pois não só conquistadores foram 
para lá; ideias gloriosas também. 
Tocqueville acredita que os norte-americanos encontraram um antidoto para a 
degeneração da democracia, fornecido pelo sentimento de liberdade que se 
fundamenta em princípios religiosos, os únicos capazes de deter derivas perigosas e 
imprevisíveis. Para ele, o espírito puritano e de outros movimentos reformadores, em nã
o encontrando espaço na Inglaterra, emigraram para os EUA. O triunfo do cristianismo 
nos EUA é o triunfo de todas as correntes cristãs da Europa. 
Houve fundamental papel dos imigrantes irlandeses, tanto que a primeira 
constituição moderna de 1665, é irlandesa. 
O que de mais importante Tocqueville afirma é que o espírito de religião encontra 
sua razão de ser nos princípios do Evangelho, e que é justamente esse cristianismo, 
com seus valores básicos, que é aceito por todos os norte-americanos. 
No preâmbulo de Filadélfia há uma evocação explícita desses princípios 
religiosos, que foram pressupostos fundamentais da história norte-americana. A religião 
desempenhou papel importantíssimo na civilização dos EUA. O espírito religioso 
conseguiu moderar a agressividade, a rudeza, o espírito de pilhagem, por isso é 
impossível falar de democracia prescindindo da religião. É preciso enxergar os EUA nã
o como o passado dos europeus, mas como o futuro deles, por constituir o único país 
que realizou uma democracia, ainda que liberal. 
O que deu errado na França: quando a revolução estourou, havia três categorias 
sociais não homogêneas na França. As maiores diferenças estavam no clero (parte 
defendia privilégios, parte se orientava pela doutrina cristã). Triunfou na França um tipo 
específico de filósofo que ignorava a vida concreta; interessado em pensamentos 
abstratos, inventa utopias perigosas e impossíveis de serem atuadas. A revolução, ao 
atacar personalidades do baixo clero, em contato com o povo, permitiu o triunfo da 
heresia e incredulidade e, sem o pressuposto religioso, propósitos como liberdade, 
igualdade e fraternidade se transformaram em abstrações. Conclusão: no lugar de 
religião, abriu-se espaço para ideologia. 
Enquanto a revolução americana desejou referir-se a princípios religiosos para 
implementar a democracia na medida do povo norte-americano, os franceses 
perseguiram sonhos quiméricos de perfeição, entusiasmando-se com ideias gerais e 
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abstratas ao perderem a capacidade de se ocuparem hodiernamente da 
administração e fatos concretos. 
 
2. A perspectiva conservadora de Augustin Cochin (século XX – l’Éspirit du 
Jacobinisme) 
Esboça como ninguém o verdadeiro sentido da ideologia que constitui o autê
ntico espírito do jacobinismo. 
A revolução francesa significou, para a França, um divórcio consigo mesma: no 
início, havia uma situação paradoxal na medida em que era o Estado mais democrá
tico (a burguesia = terceiro estado, fazia tudo no lugar dos nobres e alto clero) e, ao 
mesmo tempo, o mais antiliberal. Assim, a revolução foi consequência de uma cultura, 
que poderia ser a Iluminista. 
O jacobinismo era uma máquina de experimentações, uma tentativa de fazer 
uma sociedade perfeita, capaz de resolver todos os problemas do homem. Os 
jacobinos não consideram o que fazem um estudo, mas, quando chegam ao poder, 
pretendem expor os resultados de suas experimentações como se fossem um projeto 
político efetivo (os jacobinos se sentem porta-vozes de uma verdade que querem 
impor aos outros). 
Angústia de Cochin: não se convence que os jacobinos não tivessem consciência 
de suas contradições (ex: hipercríticos e, quando no poder, não aceitam críticas). 
Nesse contexto, a fraternidade é prejudicada porque os jacobinos não se 
reconhecem semelhantes aos demais, pois são superiores. Por isso, o jacobinismo 
tende a instaurar um projeto político e pedagógico a fim de instruir as massas. 
O jacobinismo gera um novo tipo de ator político: o homo ideologicus. É um ator 
individual e social que pretende ser ator político e que nasce de uma espécie de 
cultura de “salão”, na qual era moda discutir a respeito de tudo e de todos (salões de 
superficialidade em que se fala de liberdade sem referência a conteúdos precisos; 
fala-se de um homem abstrato). A cultura dos salões baseia-se na retórica vazia: saber 
baseado em opiniões e não em estudos. Jamais se fala em análise séria, pois as opiniõ
es são mais simples de elaborar e mais fáceis de serem digeridas e assumidas como 
próprias. Fica evidente um novo espírito maniqueísta (o homem ideológico procura o 
consenso no aplauso; ninguém se admira; o que interessa é o sucesso imediato, que 
permite conquistar o poder e exercê-lo). Real é aquilo que os outros veem, verdadeiro 
é o que dizem, bom o que a provam. Assim, a ordem natural é invertida, a opinião é 
causa e não, como na vida real, efeito. Gera-se o triunfo da passividade e da ignorâ
ncia. O intelectual fala de tudo porque sempre tem algo a dizer a respeito de tudo. 
Mais uma vez, no fracasso dos sonhos renovadores, quem sofreu a maior 
consequência foi a fraternidade. Os jacobinos, na esperança de sucesso, constituem-
se juízes dos outros e, na esperança de justificar o fracasso, procuram bodes expiató
rios (a culpa é posta em fantasmas). Quem fim leva o sistema ideológico? Ele cai em si 
mesmo ou sobre si mesmo, pois se corrompe. 
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Comportamento de todos os jacobinos: “a humanidade que mata é irmã da 
liberdade que aprisiona, da fraternidade que espiona, da razão que excomunga, e 
todas juntas compõem o estranho fenômeno social que chamamos de jacobinismo”. 
 
3. A perspectiva de esquerda de Antonio Gramsci (século XX) 
Análise do conceito de revolução e de sua possibilidade de se consolidar no 
poder depois de tê-lo conquistado. 
Para ele, a revolução não ocorreu por motivos econômicos, mas sim em virtude 
da cultura por intermédio da intelligentsia (intelectuais). Também há influência 
religiosa: para França,Itália e Espanha, fazer revolução mudando apenas estrutura 
econômica não é mudar profundamente. A mentalidade desses povos está de tal 
forma embebida de cristianismo e catolicismo que é preciso criar nova cultura 
hegemônica que se contraponha à tradicional. E essa nova visão de mundo só pode 
ser criada por intelectuais, que são uma espécie de sacerdotes da revolução. 
“Não se pode tirar a religião do homem sem substituí-la imediatamente por algo 
que satisfaça as mesmas exigências que fizeram a religião nascer e permanecer” (esse 
ALGO é mais que um problema religioso, é político, pois tudo se reduz a um conflito 
dialético entre forças políticas contrapostas: “se a oposição é entre Estado e Igreja, 
trata-se de oposição entre duas políticas; mas exige uma oposição eterna entre 
Estado e Igreja em sentido especulativo, ou seja, entre moral e política”). 
Nessa perspectiva dialética, a visão religiosa tradicional está destinada a ser 
superada e os intelectuais são cruciais para o sucesso de uma fé sobre outra: o valor 
de uma posição é medido, em termos maquiavélicos, pela sua capacidade de se 
afirmar. A igreja conseguiu se firmar por saber dar resposta a todos os problemas do 
homem, do nascimento à morte (comer, nascer, morrer, trabalhar, tudo em nome de 
cristo). O Partido [comunista] deve fazer a mesma coisa por meio dos intelectuais 
(tudo em nome do ideal comunista). 
Querer renovar a sociedade significa renovar estruturas e quadros que a fazem 
funcionar: é preciso criar novos intelectuais. Para ele, o verdadeiro intelectual é aquele 
que está diariamente em contato com as massas (pároco, delegado, farmacêutico), 
pois por meio deles passa, de modo contínuo e duradouro, determinado tipo de 
ideologia. O papel dele é compreender e depois fazer os outros compreenderem a 
inteira vida do homem. 
Retomada da fraternidade distribuída a partir de cima: os intelectuais estão acima 
do povo nessa estrutura piramidal; são espécie de sacerdotes do saber comunista e 
de sua ideologia, que devem transmitir aos outros (a massa é o sujeito privilegiado ao 
qual se devem dedicar toso os cuidados. O intelectual é um membro do Partido 
porque, seja na cultura ou na política, o fim último é a organização de uma nova vida 
civil, e o Partido é o instrumento primordial para isso. O intelectual deve sempre se 
tornar um homem de partido, um político militante, pois, para eliminar essa separação 
entre ele e a massa, deve pôr a cultura a serviço dos outros (a massa é o ponto de 
partida e de chagada para todo o verdadeiro intelectual). 
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A história da humanidade só mudou quando os intelectuais souberam 
desenvolver ação construtiva no meio do povo, ajudando-o nas atividades cotidianas, 
e não quando se contentam com teorizações abstratas. 
 
4. Conclusão 
Maior herança de revolução francesa: por que imitar ingleses como se os 
franceses não fossem capazes de inventar algo novo? 
Houve notável anseio pela liberdade alimentando a revolução francesa, mas o 
aspecto ideológico eliminou sua alma religiosa e distorceu principalmente a 
fraternidade. A ideologia revolucionária parte de conceito abstrato, mas a história 
ensinou que não podemos basear democracias, igualdades e fraternidades em ilusõ
es. Por isso precisamos reconstruir o problema da fraternidade (temos de reconhecer 
no outro uma pessoa que deve ter a nossa mesma dignidade, no pleno sentido da 
palavra). 
Tocqueville entende que, depois da fraternidade, a liberdade é que pode entrar 
em crise, pois os homens, quando confrontados com a necessidade de escolher entre 
liberdade e igualdade, preferem esta. 
Só a religião reconhece ao ser humano a característica de unicidade sobre a 
qual a pessoa se constrói. Nenhuma ideologia ou força política é capaz de fazer o 
mesmo, pois só a religião recorda que o outro, no instante da criação, é chamado 
pelo nome e reconhecido com sua identidade precisa. Com a perda do espírito 
religioso, perdemos o sentido do caráter único de nossa consciência e da consciência 
alheia, e nos uniformizamos. 
Por isso devemos ser otimistas quanto à recuperação da fraternidade, sob pena 
de correr o risco de perder o verdadeiro sentido da liberdade e da igualdade. 
 
 
 
CAPÍTULO 3: Por uma fundamentação teológica da categoria política da fraternidade 
A fraternidade é uma categoria essencialmente cristã. Os discípulos de cristo se 
denominam adelphói (irmãos). No novo testamento, o substantivo adelphótes 
(fraternidade) não significa um ideal a ser cumprido, mas uma realidade a ser alcanç
ada. 
 
1. Da tradição de Israel à especificidade cristã da categoria de fraternidade 
Gênese da sociedade humana a partir da narração de Caim e Abel. O fratricídio 
demonstra tragicamente a rejeição da vocação de ser irmão. 
Mensagem de Jesus: “como um só é o vosso Pai, que é Deus, então sois todos 
irmãos”. Ideia de paternidade geradora e eficaz de fraternidade (amor de Deus a 
cada um). A prática de Jesus supera toda barreira de discriminação e a carga 
revolucionária intrínseca da ordem estabelecida é percebida pelo establishement 
religioso e político. 
 
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2. A cruz: causa de instituição da fraternidade 
A rejeição e condenação de Jesus pela autoridade judaica, ratificada pela 
autoridade romana, expulsa Jesus da convivência civil e do espaço da aliança de 
Deus com seu povo. Como consequência (da morte de Jesus), há a superação da 
barreira que se tinha instaurado pelo fato de Deus, ao constituir o povo da aliança, 
separou-o dos demais povos, pois essa separação não tem mais razão de ser e a 
fraternidade não deve mais ser vivida somente dentro de uma aliança, e sim com 
todos. 
Carta de Efésios apresenta Jesus como reconciliador, que de ambos os povos fez 
um só, derrubando o muro de separação e suprimindo a inimizade a fim de criar em si 
mesmo um só homem: em Cristo, a relação de fraternidade é regra básica da relação 
humana em toda sua extensão universal. 
Nesse contexto as categorias tipicamente cristãs de fraternidade e cidadania 
adquirem pleno significado: a fraternidade, experimentada e vivida na comunidade 
cristã, é uma realidade em andamento por ser dádiva de Cristo que instaura um novo 
estado das coisas que deve ser vivida pelo exercício concreto do amor fraterno 
(Philadelphia). Essa realidade restabelece a fraternidade universal e dá início a uma 
nova politeia. 
 
3. Perspectivas sociopolíticas da fraternidade cristã 
Consequência social 1: explicitada por Paulo na Carta aos Gálatas: percepção 
da eficácia da fraternidade cristã é expressa com veemência em relação às três 
separações que marcavam a realidade da época: religiosa (judeus e gregos), social 
(escravos e livres) e antropológica (homens e mulheres). “todos vós sois um só em cristo 
jesus”. 
Consequência social 2: Jesus crucificado e abandonado mostra o único lugar a 
partir do qual pode nascer e se articular uma autêntica prática de fraternidade: a 
partilha com quem é marginalizado e excluído. A fraternidade nasce somente a partir 
de baixo, do identificar-se, fazer-se um (semblante de quem sofre). 
Consequência social 3: no abandono, Jesus supera a categoria do inimigo; ele 
rompe com a tradição judaica precedente e introduz uma prática alternativa e 
eficaz: amar sem esperar nada em troca. O amor pregado não é sentimento, mas sim 
determinação da liberdade, que decide querer o bem do outro, inclusive de um 
inimigo, custe o que custar (estratégia de não-violência ativa que visa transformar em 
positiva a posição do adversário). 
A fraternidade fermentou a cultura do Ocidente em vários aspectos, mas como 
ideal de transformação global das relações sociais se mostrou presente nas correntes 
reformadoras que apareceram na história da cristandade, propagando-se para a vidacivil (ex: fraternidade franciscana). 
Questão prática: Jesus salvou só o indivíduo ou também a relação social entre 
pessoas? Na história da Igreja, assistimos à alternância das duas possibilidades de 
interpretação. 
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A forma perfeita da relação interpessoal é a fraternidade como reciprocidade do 
ágape em Cristo, que pressupõe e expressa a liberdade do indivíduo e que, como tal, 
construtivamente se abre à dedicação e ao diálogo com todo aquele que está 
comprometido na busca da verdade/justiça. Deixo Cristo viver em mim e reconheço 
Cristo no outro: “onde dois ou mais, eu estou no meio dele”. A qualidade da relação 
de fraternidade vivida em Cristo não consegue ter analogia real inferior àquelas que o 
filho vive com o pai no espírito e vice-versa. 
 
 
CAPÍTULO 4: Notas sobre participação e fraternidade 
O atual momento de transição social e política impõe novas questões à teoria 
democrática. 
A extensão dos processos de democratização às mais variadas áreas geopolíticas 
do planeta foi considerado o fenômeno mais relevante do século XX. 
Meados do século XX: a derrocada do totalitarismo nazista e a descolonização 
assinalam primeiro divisor de águas: há 22 democracias que satisfazem os principais 
requisitos de uma situação democrática (31% da população mundial). 
Final do século XX: predomínio das democracias após a terceira onda de 
democratização no mundo pós-comunista. Em 2000, há 120 democracias eleitorais 
(622,5% da população mundial). 
Podemos afirmar que a política democrática do século XX adquire 
definitivamente um elemento que daí em diante a definirá em termos gerais: a 
dimensão horizontal da participação da massa (conquista do sufrágio universal). Ex: 
ampla taxa de participação da sociedade civil no debate sobre a guerra no Iraque 
testemunha uma nova fase de consolidação da ideia democrática. 
A partir dessas premissas, a perspectiva científica se foca no estudo de elementos 
qualitativos que definem as atuais estruturas das democracias e o interesse se volta 
cada vez mais para a tentativa de refinar progressivamente a definição de 
democracia e aproximar-se do conceito de “democracia de qualidade” por meio de 
um rigoroso aprofundamento de sua estrutura, seus procedimentos e seu projeto como 
um todo. Objetivo de promover práticas de justiça e de equidade territorial, 
desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. 
Método utilizado pelo autor para refletir sobre oportunidades e lógicas 
participativas: exame da participação a partir de seus “fatores de risco”. Sua reflexão 
parte dos problemas que a participação impõe à política e tenta comparar a 
participação à ideia política de fraternidade universal. O objetivo do trabalho é fazer 
dialogarem as tensões características do exercício político de participação no 
contexto das democracias contemporâneas e a ideia política de fraternidade 
universal (conjugação de relações de pertencimento mútuo e de responsabilidade = 
princípio de reconhecimento da identidade e do caráter unitário do corpo social, 
respeitando as diferentes multiplicidades). 
 
1. Democracia e participação 
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A participação dos cidadãos representa um dos conteúdos constitutivos da 
definição de democracia, sendo um de seus indicadores mais relevantes, já que a 
definição de democracia é composta por 4 aspectos que contemplam a participaçã
o como elemento central: (a) sufrágio universal; (b) eleições livres, competitivas, perió
dicas e corretas; (c) sistema político pluripartidário; (d) fontes de informação variadas 
e alternativas. 
Tese divergente: “excesso de democracia” formulada nos EUA pela Trilateral 
Commission na década de 1970  aumentar as oportunidades de participação 
levaria a estrutura democrática a uma crise porquanto a sobrecarga de pedidos de 
participação acabaria bloqueando seu funcionamento. Consequentemente, em 
nome da estabilidade do sistema, seria necessário impor limites à participação dos 
cidadãos. 
A questão que se põe: multiplicar as oportunidades de inclusão e de 
responsabilidade dos sujeitos sociais nos processos políticos é sempre um motor de 
desenvolvimento da coletividade? Pesquisas destacam que as pessoas que se 
envolvem são essencialmente as que ocupam as posições centrais da estratificação 
social, os círculos mais internos e estáveis (homens de meia-idade dotados de elevado 
grau de instrução, da classe média) que possuem recursos econômicos e culturais. 
Disso se extrai que há um círculo fechado: a posse de recursos políticos (possibilidade 
de influenciar nos processos de decisão) se traduz em recursos socioeconômicos (bens 
materiais e imateriais) e vice-versa  quem possui maiores recursos, conhece caminhos 
mais curtos para influenciar as decisões coletivas. A participação se mostra um 
processo seletivo. 
O princípio da democracia participativa tornou-se um dos pilares de 
funcionamento da UE e a abertura das instituições da comunidade europeia à 
sociedade civil é um princípio que cada vez mais vem se afirmando. 
 
2. Participação e democracia representativa 
Os mecanismos elitistas que aprisionam o exercício da participação devem ser 
entendidos no contexto institucional em que vivemos, que é o da democracia 
representativa. Embora responda a uma demanda de igualdade, não consegue 
deixar de ter efeitos seletivos e corre o risco de ser um instrumento de desigualdade 
social. É preciso questionar o funcionamento atual do sistema de representação 
democrática. 
Não basta o voto eleitoral. O primeiro significado de participação deveria ser a 
possibilidade dos cidadãos em dialogar com seus representantes eleitos, pois o que 
qualifica o sistema representativo é o eixo vertical de baixo pra cima estabelecido 
entre eleito e eleitor. 
Por isso, é preciso: (a) abrir novas formas de participação à sociedade civil; (b) 
dar maior atenção à representatividade dos sujeitos que tendem a ser marginalizados 
do ponto de vista econômico ou cultural; (c) favorecer o espaço do princípio da 
subsidiariedade horizontal nas legislações (ex: Constituição italiana permite, através de 
uma emenda, o incentivo das instituições a iniciativas dos cidadãos que procuram 
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desenvolver atividades de interesse geral – cidadãos com poder específico de 
iniciativa = subsidiariedade horizontal permite que as instituições busquem lado a lado 
com os cidadãos o interesse geral). Problema: essa subsidiariedade pode ser substituí
da por um tipo de “convite a sobreviver”: união, estado, município, ninguém age, entã
o os cidadãos que se virem como puderem. 
 
3. Os processos de decisão das administrações públicas 
Podemos analisar as relações participativas tanto a partir da base (destacando a 
iniciativa e a ação desenvolvida pelos cidadãos) quanto a partir das estruturas de 
governo (ações específicas voltadas a promover e sustentar o interesse e o 
envolvimento da sociedade civil). 
A perspectiva a partir das estruturas de governo vem conhecendo mudanças 
significativas: uma série de experimentações tende a incluir cada vez mais diferentes 
sujeitos portadores de um interesse específico quanto ao objeto de deliberação 
(stakeholders), pois, no planejamento das políticas sociais, profissionais da ação social 
têm consciência de problemas diferente da dos habitantes do território, razão pela 
qual cada vez mais aumenta a participação dos cidadãos na formulação das 
mesmas (“inteligência da democracia”: profissionais + cidadãos = elaboração de 
soluções eficazes). O problema é que às vezes os processos participativos de decisão 
são muito complicados ou lentos (ex: participar de uma assembleia pública sem 
entender o que estão falando). 
Outro aspecto que merece atenção é a ruptura que se evidencia quando a 
delegação administrativadiz respeito ao funcionamento de bens ou serviços de 
grande impacto ambiental (ex: instalação de um lixão). Os cidadãos organizam 
oposições em forma de reação popular que muitas vezes assume um caráter 
descontrolado. O assunto chega a ser tratado como uma síndrome chamada de 
NIMBY (not in my back Yard). 
Novamente fica evidente a tendência seletiva e excludente: quando a agregaç
ão e a representação dos interesses se limitam a reforçar grupos circunscritos de 
stakeholders, ainda que o processo possa consolidar a identidade deles e valorizar 
suas competências, a busca de vantagens particulares enfraquece a coesão social e 
aumenta a fragmentação. 
 
4. Participação e governança 
Na busca por novas formas de administração em rede capazes de governar 
arenas políticas cada vez mais descentralizadas, insere-se o debate sobe a governanç
a, cuja tradução é difícil. 
O que caracteriza a ideia de governança é o fato dela substituir o princípio hierá
rquico de distribuição de recursos por um princípio de cooperação entre Estado e 
entidades locais, num papel de colaboração não mais estritamente hierárquico (ló
gica das redes). Ex: planos estratégicos para o desenvolvimento das áreas urbanas e 
metropolitanas, pactos territoriais, processos inclusivos da Agenda 21 para 
desenvolvimento sustentável. 
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Ainda há o mesmo problema: a comunidade que toma as decisões pode acabar 
por reproduzir um circuito selecionado de interesses, excluindo sujeitos mais fracos 
(reforço da lógica do gripo fechado). Ademais, em vez de promover a transparência, 
pode conservar certa opacidade e esconder acordos paralelos de interesses 
comerciais nos bastidores. Também o papel das instituições políticas se enfraquece 
porque não pode ser um ator qualquer, ele deve exercer papel mediador entre indiví
duos e coletividade em nome do interesse de todos. 
A maioria das ambiguidades decorre do funcionamento imposto pelas técnicas 
de deliberação empregadas nessas arenas de decisão. 
Não se pode menosprezar o perigo de transformar uma negociação seguida de 
deliberação numa forma vazia, na qual o reconhecimento das exigências das partes 
é só simbólico. De fato, quanto mais os interesses em jogo são fortes, mais os sujeitos se 
tornam pouco confiáveis por serem capazes de exercer sua influência fora desse 
processo de negociações. 
É preciso reconhecer que o crescimento dos espaços de mediação entre sujeitos 
não-institucionais também se deve ao enfraquecimento dos recursos de autoridade 
do Estado e dos órgãos públicos em geral. É verdade que a crescente complexidade 
dos problemas objeto de deliberação política exige apelo à competência de sujeitos 
econômicos, técnicos e árbitros que trabalham fora das instituições públicas, mas essa 
evolução deve ser considerada com cautela, pois tirar responsabilidades das instituiçõ
es públicas pode abrir caminho para mecanismos de auto-regulação que tendem a 
limitar a ação governamental das instituições, levando à introdução de elementos 
danosos de distorção das dinâmicas do mercado político. Ademais, pode favorecer 
sujeitos econômicos e financeiros possuidores de maiores recursos. 
 
5. Entre inclusão e exclusão 
Tem sentido participar quando quem decide é quem tem maiores recursos? 
Quem de fato governa? Debater demandas políticas predefinidas não é pouco? É 
suficiente inserir nos processos de decisão uma medida genérica de consulta passiva? 
Essas perguntas assinalam problemas importantes e afastam uma visão soft da 
participação. 
Liberdade e igualdade, fundamentos do projeto democrático moderno, sobre os 
quais se edificou o modelo da liberal-democracia ocidental, mostram-se cada vez 
mais insuficientes para orientar as relações e instituições políticas de acordo com 
diretrizes de equidade e paz estável. Se a referência à liberdade é causa e justificação 
de um espaço político criativo e aberto no qual cada participante pode ordenar 
autonomamente suas expressões de vida individual e social, e a referência à 
igualdade implica o reconhecimento do direito de cada participante de representar 
com igual dignidade e oportunidade sua posição na comunidade política, a aplicaçã
o de ambos não parece ser capaz de sozinha apontar respostas satisfatórias aos 
problemas da democracia. 
Então, até que ponto e de que maneira a fraternidade universal pode contribuir? 
É importante identificar o conflito que enfraquece o significado da participação e a 
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torna ambivalente: a tensão entre um aspecto inclusivo (participar é empregar 
recursos contribuindo na determinação da estrutura e dos valores do sistema social) e 
outro excludente (sujeitos são excluídos). O processo de inclusão, no qual se 
concentra todo e qualquer procedimento participativo, implica o exercício de uma ló
gica de exclusão de outro espaço externo. Por isso, a fraternidade universal é capaz 
de interromper e sanar os efeitos perversos da lógica que transforma inclusão em 
exclusão. 
Do ponto de vista político, fraternidade é princípio de construção social no qual o 
outro é outro eu mesmo. Ela visa buscar reconhecer mutuamente as fisionomias 
semelhantes entre os diversos sujeitos, grupos sociais e políticos. Se a participação é 
uma questão de identidade, o que a fraternidade oferece é uma redefinição do laço 
social a partir do reconhecimento da existência de uma relação constitutiva 
fundamental entre os sujeitos das relações políticas. 
Dadas essas premissas, a fraternidade parece ser uma categoria não menos vá
lida que a liberdade e a igualdade para uma análise aprofundada dos fatos políticos. 
 
6. Experienciar a fraternidade. O Pacto Político-Participativo 
A opção de assumir a fraternidade universal como categoria da política vem 
indicando que isto não parece sem significado. O Pacto Político-Participativo (Itália, 
1980) é um dos indicadores, uma experiência que reinterpreta, à luz da fraternidade, a 
relação política fundamental: cidadãos, saindo dos limites de sua necessidade 
individual, decidem colaborar na construção da agenda política com a qual o 
representante eleito se compromete. Nesse constante diálogo, enriquecem-se os 
conteúdos do debate político e as propostas de regulação que dele derivam, e 
participam cidadãos diferentes entre si (diferentes culturas, profissões, status econô
mico e social). 
Aspecto relevante 1 – aspecto individual: opção anti-elitista, reconhecendo-se a 
cada cidadão, enquanto tal, a capacidade e responsabilidade de participar do 
mandato eletivo. A fraternidade aparece como relação de pertencimento recíproco, 
baseada na igual dignidade dos sujeitos, decorrente da referência a um quadro unitá
rio. 
Aspecto relevante 2 – aspecto interpessoal: espaço de diálogo transversal entre 
as diversas filiações ideológicas e partidárias. O eleito é chamado a representar 
interesses gerais, reconhece que não tem como fazê-lo de maneira abstrata e aceita 
o envolvimento concreto dos cidadãos, suas sugestões e críticas. A fraternidade 
aparece como princípio de construção social que aceita o dinamismo da composiçã
o dos interesses, garante as identidades pessoais que fundamenta uma identidade 
coletiva comum. 
Aspecto relevante 3 – aspecto coletivo: ampliação do espaço da ação social. O 
grupo se identifica como sujeito político; o vínculo entre eleito e eleitores é voluntarista, 
mas tem caráter de reciprocidade (comprometimento do eleito e dos eleitores). A 
fraternidade aparece como princípio de responsabilidade compartilhada sobre a 
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produção de bens públicos, em que a função política de mediação reforça a relação 
de reciprocidade entre os bens legítimos. 
 
7. Participação e qualidade democrática 
As pesquisas hoje se dedicam ao funcionamento e características próprias deuma democracia de qualidade. Razões para os diversos estudos: 
(a) o aprofundamento da democracia pode ser considerado um bem moral; 
(b) uma operação de reforma para melhorar a qualidade democrática é 
essencial para legitimar o processo de consolidação democrática no mundo; 
(c) mesmo as democracias mais estáveis precisam considerar reforma se 
pretendem enfrentar as dificuldades provenientes da insatisfação da sociedade em 
relação às atuais estruturas institucionais. 
 
O que é democracia de qualidade: capacidade constante do governo 
responder às preferências de seus cidadãos, considerados politicamente iguais. 
Considera 3 aspectos: 
- Conteúdo da ação política: cidadãos gozam da tradução concreta dos princí
pios da liberdade e igualdade em medida superior ao mínimo. 
- Resultado da ação política: cidadãos satisfeitos com os resultados alcançados 
com as escolhas feitas 
- Procedimento da ação política: cidadãos são capazes de controlar e avaliar se 
e como igualdade e liberdade são realizados. (aspecto central: responsabilização – 
accountability: permite controle das instituições políticas pelos cidadãos). 
 
Essa definição de democracia não consegue evitar alguns problemas e levanta 
questões. Apesar de tudo, optar por apoiar-se num quadro teórico forte, 
fundamentado numa concepção unitária da cidadania democrática parece ser vá
lido e estimulante. Também a metodologia como do Pacto Político-participativo pode 
ser avaliado por ele: 
- qualidade do conteúdo: os cidadãos envolvidos na experiência participativa tê
m a oportunidade de exprimir sua contribuição no debate político e de influenciar 
mais diretamente a função de decisium making numa situação de oportunidades 
iguais (anti-elitista); 
- qualidade do resultado: a ampliação das oportunidades de articulação faz 
crescer a responsiveness em virtude do modo transversal de interesses orientados ao 
bem comum e a satisfação pelas políticas adotadas; 
- qualidade de processo: maior espaço participativo amplia a relevância da funç
ão de accountability do quadro institucional, aumentando os espaços de ação social. 
 
“creio poder afirmar que a fraternidade é capaz de expressar realmente o coraç
ão inteligente da democracia, ou seja, ampliar sua capacidade de harmonizar o que 
é autenticamente humano dentro das formas normativas necessárias à organização 
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da convivência dos homens e dos povos”. 
 
 
CAPÍTULO 5: A fraternidade no ordenamento jurídico italiano 
O termo fraternidade não está expresso na constituição italiana. Consta no artigo 
2º o princípio da solidariedade. Em um texto jurídico como a constituição, o que 
interessa é saber se um princípio é dotado de dispositivos que possam ser úteis para 
influir nas relações sociais, e isso pode se dar por caminhos alternativos ao da referê
ncia nominal. 
O termo possui enraizamento maior no ordenamento francês: célebre trilogia 
revolucionária. Porém, também enfrentou dificuldades para se traduzir em dispositivo 
jurídico. Mesmo assim, é empregado às vezes para embasar tendências nacionalistas, 
outras vezes classistas: percebido a partir de diferenças e exclusões, não se 
valorizando o alcance universal intrínseco. Segundo estudos, é muitas vezes 
confundido com solidariedade, cujo instrumento essencial e insubstituível é o Estado: 
missão de eliminar desigualdades. 
 
1. Solidariedade vertical e horizontal 
Na Itália, é possível definir fraternidade como forma intensa de solidariedade que 
une pessoas que, por se identificarem por algo profundo, sentem-se “irmãs”: forma de 
solidariedade que se realiza entre iguais (sujeitos num mesmo plano) e que interpela 
diretamente o comportamento individual e o responsabiliza pela sorte dos irmãos. 
Seria uma espécie de solidariedade horizontal, pois surge do socorro mútuo prestado 
entre as pessoas pelas próprias pessoas, seja espontaneamente ou por fora de lei (a 
vertical pressupõe vínculo de subsidiariedade e é feita pelo Estado social – mas o fato 
de o socorro poder decorrer de lei, torna confusa a divisão entre vertical e horizontal). 
Como na Constituição italiana se fundamenta a fraternidade entendida como 
solidariedade horizontal? É preciso interpretar o artigo 2º. A justificativa antropológica 
do princípio da solidariedade na Constituição induz precisamente e até obriga a 
descobrir nela a presença realmente viva do princípio da fraternidade. 
 
2. Personalismo constitucional 
Analisando trabalhos preparatórios da Assembleia Constituinte, vê-se que o 
personalismo se torna o Grundwert (valor fundamental) constitucional, o ponto de 
mediação antropológica no qual toda a arquitetura constitucional se sustenta. Oposiç
ão às concepções próprias do estado totalitário (fascismo: o indivíduo só encontra 
valor e dignidade por ser parte de um organismo que o transcende, a cuja 
prosperidade deve indicar sua existência individual) e do estado liberal individualista 
(revoluções americana e francesa). Foi uma surpresa refutar o estado liberal 
individualista, que valoriza a dignidade de cada indivíduo. Para caracterizar o 
personalismo constitucional, não basta dizer que já não devia ser o homem para o 
Estado, mas o Estado para o homem. Só que isso só explica a recusa ao passado 
totalitarista recente. 
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Os constituintes contestam é o direito natural iluminista: indivíduo é entidade 
originária, titular de um feixe de direitos naturais cuja consistência procede a 
sociedade, fruto posterior e eventual de um livre ato de vontade (contrato) estipulado 
entre indivíduos, todos livres, independentes e iguais. Os direitos naturais gozam de 
uma fundamentação autônoma, racionalista e abstrata, anterior ao fenômeno jurí
dico que é social e voluntarista (os direitos naturais vêm antes da sociedade, 
assumindo vocação absolutista com pequena tolerância a limitações inevitáveis das 
relações sociais). 
Não se chega ao personalismo apenas por diferença aos modelos repudiados; 
ele tem estatuto filosófico e antropológico definidos que se enraíza na tradição que 
parte de Aristóteles, passa pro Santo Tomas e chega ao personalismo (comunitário) de 
Mounier e Maritain. Evidencia-se o caráter naturalmente social e político da pessoa, 
cuja identidade só se constrói na relação social com o diferente entre si, no 
pertencimento histórico e no enraizamento cultural. A identidade humana é situada 
(inserida no sistema estruturado e solidário das relações sociais), interage com um 
ethos que precede o indivíduo e socializa-o (costumes sociais, cultura). Segundo a ló
gica antropológica personalista, o homem é um ser estruturalmente carente aberto à 
relação com o diferente de si (dependência e interdependência estrutural). 
O processo de constituição da personalidade se desenvolve e se aperfeiçoa por 
intermédio das estruturas da sociedade. Coerentemente com essa convicção, o artigo 
2º da constituição reconhece e promove as “formações sociais” em que a 
personalidade humana se desenvolve. Pertencer a uma comunidade é constitutivo e 
estrutural da identidade humana, não um dado acessório ou opção voluntarista. 
Nesse contexto, o fraco/carente não é homem menor, e sim o ícone do homem 
em si. E nem o indivíduo mais independente pode deixar de reconhecer uma divida 
para com a comunidade, na qual pôde desenvolver sua personalidade. 
Podemos pensar numa espécie de dívida antropológica do indivíduo para com a 
comunidade que se reflete nas formas de reconhecimento e de garantia da liberdade 
individual. Antes do indivíduo há uma comunidade (rede de relacionamentos, quadro 
de solidariedade que sustenta o indivíduo e permite seu desenvolvimento). 
 
 
3. Personalismo e princípio de fraternidade 
Por ser a fraqueza aquilo que identifica os homens entre si, não existe para a 
solidariedadeo caminho do paternalismo, mas tão-somente o da fraternidade. Existe 
uma interdependência na qual todo cidadão tem dever de desenvolver uma 
atividade ou função que concorra para o progresso material ou espiritual da 
sociedade. 
Há um esforço de promoção do fraco e necessidade de participação desse dos 
processos de construção social. O artigo 3º fala ser dever de todos remover os obstá
culos de ordem econômica e social que impedem o pleno desenvolvimento da 
pessoa humana e a efetiva participação de todos na organização política, econô
mica e social do país (responsabilidade social). Uma liberdade não-comunitária é 
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suicida, pois destrói o mecanismo reprodutivo do humano (ideia do bem comum). 
Direitos e deveres são aspectos complementares de uma liberdade que assume a 
solidariedade como seu horizonte. 
É justamente por intermédio do princípio da solidariedade que o princípio 
personalista introduz a ideia de fraternidade. É em nome de uma interdependência 
estrutural que a solidariedade se transforma em fraternidade. É nessa fraqueza 
constitutiva do homem que se fundamenta a fraternidade, abrindo para a 
relacionalidade solidária. É uma dimensão horizontal da solidariedade. Não se resume 
a “não prejudicar o outro”, mas sim “faça bem ao outro porque é também o seu bem”. 
Exemplo disso é a função social da propriedade. 
A orientação social das liberdades é o mesmo imperativo que deriva do princípio 
da subsidiariedade. Solidariedade e subsidiariedade estão entrelaçadas porque 
ambas atribuem às articulações sociais intermediárias responsabilidades diretas na 
busca da finalidade solidária, reservando-se ao Estado um papel subsidiário, que 
respeita a missão intermediária de cada nível de agrupamento social, complementa-a 
e só em caso de necessidade a substitui. 
O caminho da aplicação constitucional da subsidiariedade horizontal é também 
o caminho de uma aplicação constitucional possível da fraternidade. A solidariedade 
confiada apenas à autoridade fica burocratizada (estado), mas a solidariedade 
também não pode ser entregue apenas à espontaneidade (cidadãos), pois precisa 
ser institucionalizada para existir continuidade e estabilidade. Na busca desse equilí
brio, não há ainda termo satisfatório. Exemplo é a valorização das formas estruturadas 
da sociedade (voluntariado e organizações sem fins lucrativos) pela lei 28/2000: “
promoção da solidariedade social, com a valorização das iniciativas das pessoas, nú
cleos familiares, formas de auto-ajuda e reciprocidade e da solidariedade 
organizada”. Só que o poder público não pode interpretar que não é também 
responsável: deve coordenar e promover a construção de uma rede de sujeitos. Nessa 
e em outras leis delineia-se o papel do Estado fiador que promove as condições para 
o reconhecimento mútuo entre as esferas da liberdade e da interdependência entre 
sujeitos autônomos, favorecendo a incorporação da solidariedade à liberdade. 
Parecer do Conselho de Estado confirme que a interpretação do princípio da 
subsidiariedade horizontal como a mais coerente: adotando a concepção de 
cidadania societária, vincula o princípio da subsidiariedade horizontal às atividades 
que sujeitos comunitários realizam em seu contexto social em razão da vontade de 
cada comunidade de regular dentro dela mesma as decisões de interesse geral. 
 
4. Princípio de fraternidade e balanceamento dos direitos 
A fraternidade penetra no ordenamento jurídico por outras vias. Pela lei, os 
direitos devem ser exercidos em harmonia com o bem comum. Esse entrelaçamento é 
um espaço de composição fraternal dos direitos: solidariedade que nasce da 
ponderação entre as esferas de liberdade confiada à ação do Estado enquanto 
ordenamento jurídico. Os mecanismos de balanceamento (legislativos e judiciários) 
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visam evidenciar as direções de desenvolvimento das liberdades individuais que 
salvaguardem as razões dos mais fracos. 
 
O princípio da fraternidade, na França, nasce e se desenvolve em clima 
revolucionário (clima iluminista), sendo instrumento de apoio do Estado aos cidadãos 
indigentes. Difere da ideia de solidariedade confiada à estruturação social tal qual 
ocorre na Itália. 
O princípio da fraternidade conjugado em sentido personalista passa pelo 
reconhecimento e valorização institucional de um tecido social rico e solidário de um 
sistema de relações estruturado em formações sociais, no qual seja continuamente 
recriada a interdependência entre sujeitos, base mais duradoura da solidariedade. A 
promoção desse tecido social interdependente permite ao estado buscar o 
desenvolvimento da pessoa humana sem substituir as formações sociais intermediárias. 
É uma fraternidade que segue o modelo comunicaria não baseada em convergê
ncias de interesses individuais nem na transferência integral ao Estado das tarefas de 
socorro às fraquezas. 
 
 
CAPÍTULO 6: Fraternidade e direitos humanos 
Se não fossem as duas guerras e as aberrações nazistas será que teríamos a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos? É provável que se tendesse a definir de 
qualquer forma princípios comuns inerentes à dignidade da pessoa humana, mas os 
eventos históricos deram impulso decisivo ao texto aprovado pela Assembleia Geral 
da ONU em 10/12/1948. Em 1945, já havia sido escrita uma carta, que estabelecia no 
artigo 1º ser uma das finalidades das Nações Unidas promover e estimular o respeito 
aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, 
sexo, língua ou religião. A falta de uma declaração na carta sobre os direitos do 
homem levou o presidente dos EUA, Harry Truman, a prometer que em curto prazo se 
redigiria um International Bill of Human Rights. 
Uma das primeiras questões era qual seria a forma da Declaração. Prevaleceu a 
ideia de conjugar uma declaração-manifesto coletivo de princípios e uma ou mais 
convenções multilaterais ou medidas internacionais que definiriam a natureza e 
conteúdo dos direitos e liberdades fundamentais que deveriam ser garantidos. 
Diferentemente da carta de direitos do século XVIII, ela possui 3 aspectos 
fundamentais: 
(a) Universalidade: de declaração internacional passa para declaração 
universal, deixa de ser um simples acordo entre Estados e vai além do papel 
desempenhado pelos Estados, pois o papel central passa a ser ocupado pela 
dignidade humana; 
(b) Amplia a ideia de a carta ser um instrumento de defesa da autonomia do 
indivíduo perante a autoridade: o artigo 28 destaca a necessidade de uma 
ordem social e internacional em que os direitos e liberdades possam ser 
plenamente realizados (a responsabilidade pela aplicação dos direitos humanos 
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é também dos sujeitos políticos e sociais intermediários) e o artigo 29 evidencia 
que todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e 
pleno desenvolvimento da sua personalidade é possível (responsabilidade 
individual pela aplicação dos direitos humanos); 
(c) Definição dos direitos econômicos e sociais, considerados um dos pilares da 
declaração. Podem ser entendidos como fruto do esforço dos movimentos cristã
os e socialistas; a enunciação deles representa uma parte consistente do texto e 
ocupa espaço pouco menor que aquele dos direitos civis e políticos. 
 
 
1. O princípio da fraternidade na Declaração Universal 
Artigo 1: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. 
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com 
espírito de fraternidade”. 
O artigo sofreu diversas alterações até chegar na versão final (ex: seres humanos 
em vez de “homens”; “espírito de fraternidade” em vez de “irmãos”. Alguns delegados 
da comissão de direitos humanos da ONU queriam colocar no preâmbulo ao invés dedeixar no artigo. A proposta final foi aprovada com 26 votos a favor, 6 contra e 10 
abstenções, passando para a assembleia geral. 
 
2. Fraternidade e deveres para com a comunidade 
O primeiro artigo é uma transposição para a esfera universal dos princípios da 
liberdade, igualdade e fraternidade. Segundo o francês René Cassin, que redigiu a 
primeira versão do artigo, a declaração deveria incorporar os seguintes princípios: 
unidade da raça/família humana + ideia de que todo o ser humano tem o direito de 
ser tratado como qualquer outro + conceito de solidariedade/fraternidade entre os 
homens (a fraternidade aparece como princípio motor de todo o comportamento, 
com conotação essencialmente moral, ligada também ao preâmbulo). 
A evocação expressa de deveres numa declaração de direitos tem diversas 
implicações de caráter histórico e metodológico (as cartas do século XVIII queriam 
defender os indivíduos contra arbitrariedades – preocupação em definir os direitos 
relativos à liberdade individual). Isso evidencia a contribuição prestada por todo ser 
humano na construção da sociedade. 
Anos depois João XXIII enfatiza que a relação entre direitos e deveres na pessoa é 
indissolúvel, havendo reciprocidade deles na convivência humana. Gandhi menciona 
que existe o dever de cidadania, com a comunidade. 
 
Artigo 29° 
1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual 
não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua 
personalidade. 
2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém 
está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista 
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exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos 
direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigê
ncias da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade 
democrática. 
3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos 
contrariamente e aos fins e aos princípios das Nações Unidas. 
 
Dever com a comunidade traduz afastamento da identificação de deveres 
apenas perante o Estado – mais amplo – internacional. Ao falar no desenvolvimento 
da personalidade dentro da comunidade, a declaração abre diálogo com as culturas 
que valorizam em sua tradição o papel do contexto social no qual cada um está 
inserido sem condescender com visões massificadoras que anulam a personalidade 
individual. 
Não há menção expressa sobre deveres individuais para com outras pessoas fí
sicas, mas isso não deve ser considerado como um desejo de não considerar esse 
aspecto, pois decorre da falta de debate sobre o pinto à época. Tanto que o preâ
mbulo deixa evidente, assim como o artigo 1º, os deveres para com os outros indiví
duos. 
Que indicações podemos extrair, para compreender a fraternidade na Declaraçã
o Universal, a partir desse exame coordenado entre os artigos 1º e 29, levando em 
conta a referência à família humana contida no preâmbulo? A fraternidade é 
considerada um princípio que está na origem de um comportamento que deve ser 
instaurado com outros seres humanos, o que implica a dimensão de reciprocidade. A 
fraternidade, então, mais do que princípio ao lado da liberdade e da igualdade, é 
aquele capaz de tornar esses princípios efetivos: a fraternidade pressupõe que minha 
liberdade não se possa realizar sem a liberdade do outro, e que nesse sentido eu sou 
responsável por ela. Ao mesmo tempo, não pode ser reduzida ao conceito de 
solidariedade, pois esse não significa efetiva paridade dos sujeitos que se relacionam e 
não considera a reciprocidade (uma coisa é ser solidário com o outro, associando-me 
à sua causa. Outra é ser irmão – relação pessoal não com a causa do outro, mas com 
o outro enquanto pessoa, membro da mesma família humana),. 
A responsabilidade fraternal enunciada no artigo 1º encontra aplicação no que 
prescreve o artigo 29 acerca dos deveres para com a comunidade. Amplia-se o leque 
de sujeitos sobre os quais recai a responsabilidade de pôr em prática os direitos 
humanos. Tanto a visão liberal quanto a socialista fazem recair essa responsabilidade 
principalmente sobre o Estado, enquanto a fraternidade responsabiliza cada indivíduo 
pelo outro e, consequentemente, pelo bem da comunidade. A consequência disso é 
uma valorização das entidades voltadas à busca da ampliação das liberdades civis e 
políticas e à melhoria das condições econômicas e sociais. 
O fato de a fraternidade ampliar os sujeitos responsáveis não elimina ou diminui a 
responsabilidade do Estado e autoridades públicas. 
 
3. Fraternidade e direito ao desenvolvimento 
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No contexto da globalização, a fraternidade permite enfrentar problemas de 
ponto de vista global, considerando que todo problema e solução têm ligação de 
interdependência fraternal com outros povos e pessoas. 
A reflexão sobre direitos humanos também se depara com novos temas e sofre 
alterações. Uma delas foi o direito ao desenvolvimento, contemplado na Declaração 
sobre o Direito ao Desenvolvimento, aprovado pela assembleia geral em 
dezembro/1986, cuja origem emana das exigências dos países subdesenvolvidos. E a 
ONU busca o desenvolvimento de todos os Estados membros. 
O preâmbulo evoca: “o direito ao desenvolvimento constitui um direito inalienável 
do homem, e o ser humano é o sujeito central do processo de desenvolvimento”. O 
fundamento da declaração está nos artigos 1º e 2º, que se baseia no direito da 
pessoa ao desenvolvimento por ser a protagonista (universalidade e indivisibilidade). 
 
Artigo 1º 
§1. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, 
em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados 
a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e polí
tico, para ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos 
humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente 
realizados. 
§2. O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena 
realização do direito dos povos à autodeterminação que inclui, 
sujeito às disposições relevantes de ambos os Pactos Internacionais 
sobre Direitos Humanos, o exercício de seu direito inalienável à 
soberania plena sobre todas as sua riquezas e recursos naturais. 
 
Artigo 2º 
§1. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e 
deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao 
desenvolvimento. 
§2. Todos os seres humanos têm responsabilidade pelo 
desenvolvimento, individual e coletivamente, levando-se em conta 
a necessidade de pleno respeito aos seus direitos humanos e 
liberdades fundamentais, bem como seus deveres para com a 
comunidade, que sozinhos podem assegurar a realização livre e 
completa do ser humano e deveriam por isso promover e proteger 
uma ordem política, social e econômica apropriada para o 
desenvolvimento. 
§3. Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas 
nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem ao 
constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e 
de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e 
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significativa, e no desenvolvimento e na distribuição eqüitativa dos 
benefícios daí resultantes. 
 
 
Artigos 3º a 8º: responsabilidade dos Estados pela aplicação do direito ao 
desenvolvimento (mútua colaboração, não apenas dos desenvolvidos para com os 
emergentes, e sim de todos). 
Artigos 5º ao 7º: necessidade de adoção de medidas para a eliminação das 
flagrantes violações dos direitos humanos (evitar racismo, promover o desarmamento). 
Artigo 8º: fala do princípio da participação popular, muito importante para um 
autêntico processo de desenvolvimento, ligado ao da centralidade da pessoa (artigos 
1 e 2). 
Artigo 9º: norma interpretativa de caráter geral de todos os aspectos do direito ao 
desenvolvimento.

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