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Universidade de Bras´ılia Departamento de Matema´tica Prof. Celius A. Magalha˜es Ca´lculo III Notas da Aula 01∗ Revisa˜o: Retas no Plano De in´ıcio sera´ apresentada uma breve revisa˜o, apenas o essencial, sobre vetores e suas propriedades. Apesar de elementares, os conceitos revistos aqui sera˜o usados de maneira sistema´tica durante todo o curso, e vale a pena reveˆ-los com cuidado. O Plano Cartesiano O plano cartesiano e´ o conjunto dos pares ordenados R2 = {(x, y); x e y ∈ R}, e pode ser identificado com o plano euclidiano introduzindo-se um sistema de eixos ortogonais Oxy, como ilustra a Figura 1. Da figura percebe-se que a cada ponto do plano corresponde um u´nico par (x, y), dito as coordenadas do ponto; e reciprocamente, a cada par corresponde um u´nico ponto. Com essa identificac¸a˜o diz-se que o plano euclidiano e´ o conjunto R2. Por simplicidade, sera´ usada a mesma notac¸a˜o para o ponto P = (x, y), de coordenadas x e y, e para o vetor P = (x, y), que e´ o segmento de reta orientado −−→ OP que parte da origem O e termina no ponto P . Para P0 = (x0, y0) e P1 = (x1, y1) em R 2 e r ∈ R define-se a soma e a multiplicac¸a˜o por escalar por meio das igualdades P0 + P1 = (x0 + x1, y0 + y1) e r P0 = (rx0, ry0) (1) x y P O Figura 1 x1 x0 x0 + x1 y0 y1 y0 + y1 P0 P1 P0 + P1 O P1 Figura 2 A soma tem uma interpretac¸a˜o geome´trica interessante, ilustrada na Figura 2. De fato, observe que o ponto P1 foi obtido marcando-se, a partir da origem, uma distaˆncia x1 ao longo do eixo Ox e uma distaˆncia y1 ao longo do eixo Oy. Ja´ as coordenadas de P0 + P1 foram obtidas da seguinte forma: a partir de x0, marca-se uma distaˆncia x1 ao longo do eixo Ox, e a partir de y0 marca-se uma distaˆncia y1 ao longo do eixo Oy. Assim, P0+P1 pode ser visto como o mesmo vetor P1 transladado para a nova origem P0. Resumindo, a soma P0+P1 corresponde a transladar o vetor P1 para o ponto P0. Trocando o papel entre esses pontos, obte´m-se tambe´m que a soma P0 + P1 corresponde a transladar o vetor P0 para o ponto P1. Essa interpretac¸a˜o da´ origem a` regra do paralelogramo: a soma de dois vetores corresponde a uma diagonal do paralelogramo por eles gerado. O vetor P1, ilustrado na Figura 2 e correspondente ao segmento −−→ OP1, foi identificado como o segmento −−−−−−−−→ P0(P0 + P1). Essa identificac¸a˜o facilita a visualizac¸a˜o de algumas operac¸o˜es ∗Texto digitado e diagramado por Yuri Santos a partir de suas anotac¸o˜es de sala alge´bricas e, em geral, o segmento orientado −→ PQ, de origem P e extremidade em Q, sera´ identificado com o vetor Q− P , de origem em O e extremidade em Q− P . A interpretac¸a˜o geome´trica da multiplicac¸a˜o por escalar e´ fa´cil: ela prolonga ou contrai o vetor, podendo alterar o seu sentido, mas na˜o a sua direc¸a˜o. Isso porque, se a inclinac¸a˜o de P0 = (x0, y0) em relac¸a˜o ao eixo Ox e´ y0 x0 , enta˜o a inclinac¸a˜o de rP0 = (rx0, ry0) em relac¸a˜o ao mesmo eixo tambe´m e´ ry0 rx0 = y0 x0 . A Figura 3 ilustra os casos em que r < 0 e 0 < r < 1. Em particular, para r = −1, obte´m-se que o vetor −P1 = (−1)P1 = (−x1,−y1) tem a mesma direc¸a˜o, mas sentido oposto ao de P1. P rP 0 < r < 1 rP r < 0 Figura 3 P0 − P1 P0 P1 P0 + P1 −P1 P0 − P1 Figura 4 Agora a diferenc¸a P0−P1 pode ser melhor interpretada, diferenc¸a entendida como a soma P0 + (−P1). Observe na Figura 4 que P0 − P1 e´ uma diagonal do paralelogramo gerado por P0 e −P1, e esse paralelogramo e´ congruente a`quele gerado por P0 e P1. Assim, P0−P1 pode ser identificado com o segmento −−→ P1P0, de origem em P1 e extremidade em P0. Apo´s essas interpretac¸o˜es, a regra do paralelogramo pode ser enunciada como Regra do Paralelogramo: no paralelogramo gerado por dois vetores, a diagonal que con- te´m a origem representa a soma, e a outra diagonal representa a diferenc¸a entre os vetores. Apesar de simples, essa regra desempenha um papel importante no estudo de vetores, como ilustra os pro´ximos exemplos. Exemplo 1. Determinar a equac¸a˜o parame´trica da reta L que passa por P0 = (x0, y0) e tem a direc¸a˜o do vetor Q = (a, b). P P0 Q L Soluc¸a˜o. De acordo com a figura ao lado, um ponto P = (x, y) esta´ sobre a reta se, e somente se, a diferenc¸a P −P0 tem a mesma direc¸a˜o do vetor Q. Dito de outra forma, tem-se que P ∈ L ⇔ P − P0 = tQ para algum t ∈ R. Assim, a condic¸a˜o necessa´ria e suficiente para que o ponto esteja sobre a reta e´ que P = (x, y) = tQ+ P0 = t(a, b) + (x0, y0) = (x0 + ta, y0 + tb). � Esta equac¸a˜o e´ dita parame´trica porque descreve a reta em termos do paraˆmetro t. E´ uma forma conveniente porque se adapta com facilidade em dimenso˜es maiores. Ale´m disso, no caso do R2, ela coincide com a maneira usual de descrever retas, colocando uma varia´vel em termos da outra. De fato, se a 6= 0 e b 6= 0, da equac¸a˜o parame´trica x = x0+ ta e y = y0+ ty obte´m-se que t = x−x0 a = y−y0 b , de onde segue a conhecida fo´rmula y − y0 = b a (x− x0). Exemplo 2. Determinar a equac¸a˜o parame´trica da reta L que passa pelos pontos P1 = (x1, y1) e P0 = (x0, y0). Ca´lculo III Notas da Aula 01 2/5 Soluc¸a˜o. De acordo com a figura, a reta tem a direc¸a˜o do vetor Q = P1−P0, e com essa escolha o exemplo fica reduzido ao caso anterior. Assim, P = (x, y) ∈ L⇔ P − P0 = tQ = t(P1 − P0) para algum t ∈ R. Equivalentemente, a condic¸a˜o para que o ponto esteja sobre a reta e´ que P = P (t) = P0 − t P0 + t P1 = (1− t)P0 + t P1 � P1 P1 − P0 P0 P Para 0 ≤ t ≤ 1, a expressa˜o P (t) = (1 − t)P0 + t P1 e´ conhecida como a combinac¸a˜o convexa entre os pontos P0 e P1. Isso porque ela parametriza o segmento de reta com origem em P (0) = P0 e extremidade em P (1) = P1. Distaˆncia em R2 Ale´m de direc¸a˜o e sentido, os vetores possuem normas (ou mo´dulos), que sa˜o as medidas de seus comprimentos, comprimentos que sa˜o calculados por meio do Teorema de Pita´goras: Definic¸a˜o 1. A norma do vetor P =(x, y) e´ definida como sendo o nu´mero ‖P‖ = √ x2 + y2. ‖P ‖|y| yP |x| x P1 P1 − P0 P0 ‖P1 − P0 ‖ A norma e´ a distaˆncia do ponto a` origem. Mais geralmente, como ilustra a figura acima, a distaˆncia entre os pontos P0 e P1 pode ser calculada assim: como o segmento −−→ P0P1 esta´ identificado com o vetor P1 − P0, basta enta˜o calcular o comprimento desse u´ltimo. Assim, a distaˆncia entre os vetores e´ ‖P1 − P0‖. P P ‖P‖ 1 Uma propriedade importante da norma e´ a homogeneidade, no sentido de que, para r > 0, a norma de rP e´ igual a` r vezes a norma de P . Mais geralmente, tem-se que ‖r P‖ = √ (rx)2 + (ry)2 = |r| √ x2 + y2 = |r|‖P‖ Em consequeˆncia, se P 6= O, enta˜o P ‖P‖ e´ um vetor de norma 1 (vetor unita´rio) na mesma direc¸a˜o e sentido de P . De fato, da homogeneidade segue-se que ‖ P ‖P‖ ‖ = 1 ‖P‖ ‖P‖ = 1. Observe o uso interessante do vetor unita´rio no pro´ximo exemplo. Exemplo 3. Descreva a forc¸a gravitacional com que a Terra atrai um sate´lite que se desloca ao longo do plano que conte´m o equador. Soluc¸a˜o. Introduza um sistema de coordenadas Oxy no plano que conte´m o equador, e de modo que a origem O coincida com o centro de massa da Terra. Sejam m a massa e P = (x, y) a posic¸a˜o do centro de massa do sate´lite. Veja a figura abaixo. Sejam ainda G a constante gravitacional, M a massa e F = F (P ) a forc¸a da Terra sobre o sate´lite. Ca´lculo III Notas da Aula 01 3/5 PF Com essa notac¸a˜o, e´ claro que o vetor unita´rio na direc¸a˜o e sentido da forc¸a e´ dado por F (P ) ‖F (P )‖ . Por outro lado, das leis da gravitac¸a˜o, a forc¸a tem a direc¸a˜o da linha que une os centros de massa, e atua no sentido de P para O. Ora! O vetor unita´rio nessa mesma direc¸a˜o e sentido e´ dado por − P ‖P‖ , e portanto F (P )‖F (P )‖ = − P ‖P‖ . Assim, F (P ) = −‖F (P )‖ P ‖P‖ , e resta apenas determinar a intensidade da forc¸a. Mas essa e´ bem conhecida, e dada por ‖F (P )‖ = GMm ‖P‖2 . Da´ı segue-se que a forc¸a gravitacional e´ F (P ) = − GMm ‖P‖2 P ‖P‖ = − GMmP ‖P‖3 = − GMm (x2 + y2)3/2 (x, y) (2) � Exemplo 4. No mesmo sistema Oxy do exemplo anterior, suponha que uma nave espacial parta do ponto P0 = (3, 0) e siga em linha reta ate´ alcanc¸ar o ponto P1 = (0, 4). Determine o ponto da trajeto´ria em que a forc¸a gravitacional tem intensidade ma´xima. Soluc¸a˜o. O primeiro passo e´ parametrizar o seguimento de reta entre P0 e P1 usando a equac¸a˜o parame´trica P (t) = (1− t)P0 + tP1 = (3(1− t), 4t) com t ∈ [0, 1]. O segundo passo e´ notar que, em raza˜o da expressa˜o da forc¸a em (2), a intensidade e´ ma´xima se a distaˆncia for mı´nima. Assim, o problema e´ minimizar a func¸a˜o ‖P (t)‖. Equivalentemente, o pro- blema e´ minimizar a func¸a˜o g(t) = ‖P (t)‖2 = 9(1 − t)2 + 16t2. Derivando e igualando a zero obte´m-se que 0 = g′(t) = 2[16t− 9(1− t)] = 2[25t− 9] Logo, o u´nico ponto cr´ıtico e´ t = t0 = 9/25, que claramente e´ o ponto de mı´nimo de g(t). Assim, a intensidade da forc¸a e´ ma´xima no ponto P (t0) = (1− t0)P0 + t0P1 = 12 25 (4, 3). � P0 P1 P (t) F Ortogonalidade Ale´m da soma e da multiplicac¸a˜o por escalar, pode ser definida uma terceira operac¸a˜o em R2, conhecida como o produto escalar (ou produto interno). Como motivac¸a˜o, considere o problema de decidir se os vetores P0 = (x0, y0) e P1 = (x1, y1) sa˜o ortogonais. Usando Pita´goras, tem-se que esses vetores sa˜o ortogonais se, e somente se, ‖P1 − P0‖ 2 = ‖P1‖ 2 + ‖P0‖ 2. Veja a figura abaixo. Usando as coordenada, obte´m-se que os vetores sa˜o ortogonais se, e somente se, P1 ‖P1‖ P0 ‖P0‖ ‖P 1 − P 0‖ (x1 − x0) 2 + (y1 − y0) 2 = (x21 + y 2 1) + (x 2 0 + y 2 0) ⇔ −2x1x0 − 2y1y0 = 0 ⇔ x0x1 + y0y1 = 0 Resumindo, para decidir se os vetores sa˜o ortogonais, basta calcular x0x1 + y0y1. Essa expressa˜o e´ exatamente o produto escalar, conforme a definic¸a˜o a seguir. Definic¸a˜o 2. O produto escalar entre os vetores P0 = (x0, y0) e P1 = (x1, y1) e´ definido como sendo o nu´mero 〈P0, P1〉 = x0x1 + y0y1. Com essa notac¸a˜o, os vetores P0 e P1 sa˜o ortogonais se, e somente se, 〈P0, P1〉 = 0. Ale´m disso, na˜o e´ dif´ıcil verifica que o produto escalar possui as seguintes Ca´lculo III Notas da Aula 01 4/5 Propriedades 1. 〈P, P 〉 = ‖P‖2 2. 〈P0, P1〉 = 〈P1, P0〉 3. 〈r P0, P1〉 = r〈P0, P1〉, ∀ r ∈ R 4. 〈P0, P1 + P2〉 = 〈P0, P1〉+ 〈P0, P2〉 1 2 1 −2 Exemplo 5. Determinar a direc¸a˜o ortogonal ao vetor P0 = (1, 2). Soluc¸a˜o. Deve ser escolhido um vetor P1 = (a, b) de modo que 〈P0, P1〉 = a + 2b = 0, isto e´, de modo que a = −2b. Escolhendo b = 1, por exemplo, obte´m-se que P1 = (−2, 1) e´ um vetor ortogonal a P0. Veja a figura acima. De fato, P (t) = tP1 = (−2t, t) e´ a equac¸a˜o parame´trica da reta pela origem que tem a direc¸a˜o ortogonal a P0. Em geral, o vetor P1 = (−y0, x0) e´ ortogonal a P0 = (x0, y0). � Exemplo 6. Resolver o Exemplo 4 usando o produto escalar. P0 P1 P (t) P (t0) Soluc¸a˜o. Com a notac¸a˜o do exemplo, a nave segue na direc¸a˜o do vetor P1 − P0, que sai de P0 e vai para P1. Ora! Por Pita´goras, a distaˆncia ‖P (t)‖ sera´ mı´nima no ponto t = t0 em que P (t0) for ortogonal ao vetor P1−P0 = (−3, 4). Veja a figura ao lado. Impondo a condic¸a˜o de ortogonalidade obte´m-se que 0 = 〈P (t), P0−P1〉 = 〈(3(1−t), 4t), (−3, 4)〉 = 16t−9(1−t) = 25t−9 que e´ exatamente a mesma condic¸a˜o obtida no Exemplo 4 usando a derivada. Logo, a soluc¸a˜o e´ a mesma t = t0 = 9/25. � Exemplo 7. Sejam C o c´ırculo unita´rio de equac¸a˜o x2 + y2 = 1 e P0 = (a, b) um ponto de C. Determinar a equac¸a˜o da reta tangente a C por P0. Soluc¸a˜o. A propriedade importante aqui e´ que a reta tangente e´ ortogonal ao vetor posic¸a˜o, como ilustrado ao lado. Assim, P = (x, y) e´ um ponto da reta tangente se, e somente se, P −P0 e´ ortogonal a P0. Equivalente- mente, usando as propriedades do produto escalar, P e´ um ponto da reta tangente se, e somente se, 0 = 〈P − P0, P0〉 = 〈P, P0〉 − 〈P0, P0〉 = ax+ by − 1 onde foi usado que 〈P0, P0〉 = ‖P0‖ 2 = 1, pois P0 ∈ C. Assim, a equac¸a˜o da reta tangente e´ ax+ by = 1. � P0 P Ca´lculo III Notas da Aula 01 5/5
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