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FEMINISTAS, AMBIENTALISMO E ECOLOGIA: EM BUSCA DO MÚLTIPLO 
 
Íris Nery do Carmo1(PPGNEIM/UFBA). 
irisnery@hotmail.com 
 
Alinne Bonetti 2(UFBA) 
alinne.bonetti@gmail.com. 
 
A distinção entre natureza e cultura, bem como as práticas que cada uma autoriza, é 
um assunto em constante disputa entre diversos atores e atrizes sociais, envolvendo as 
ciências, as religiões, os políticos, os agentes econômicos, os governos, etc. (SORJ, 1992). 
Não obstante, Ynestra King (1997) argumenta que boa parte das filosofias de libertação 
existentes até agora, estão assentadas numa noção humanista de que devemos dominar a 
natureza e de que a sua crescente dominação constitui uma pré-condição para o acesso à 
verdadeira liberdade humana. 
Recentemente, no bojo dos chamados “novos movimentos sociais”3, notadamente o 
movimento ecológico se constituiu em mais um grupo em condições de oferecer uma 
definição desta distinção, em contraposição a estas representações humanistas (SORJ, 
1992). Contudo, um olhar crítico sobre estes movimentos revelam um uso da “defesa da 
natureza” que reincide em lugares-comuns. Nesse sentido, David Bell (2010) mostra como 
o ambientalismo norte-americano esteve relacionado a princípios eugênicos baseados na 
 
1
 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e 
Feminismo (PPGNEIM/UFBA). 
2
 Professora adjunta da Universidade Federal da Bahia. 
3
 Ernesto Laclau (1986) coloca que a novidade dos “novos movimentos sociais”, está na crise do paradigma 
tradicional com o qual as Ciências Sociais analisavam as lutas sociais. Segundo o autor, essas análises se 
davam a partir de três características principais, quais sejam: 1) relaciona-se a área de emergência de 
qualquer conflito com a unidade empírico-referencial do grupo, isto é, a determinação da identidade dos 
agentes é feita através de categorias pertencentes à estrutura social – por exemplo, as lutas são classificadas 
como “camponesas”, “burguesas”, etc; 2) determina-se o significado de cada luta em termos de um esquema 
diacrônico/evolucionário, isto é, este significado não depende da conscientização dos agentes mas sim de um 
movimento subjacente à história – como por exemplo, a transição da sociedade tradicional para a sociedade 
de massa; 3) como consequência dos dois primeiros aspectos, o terceiro diz respeito à visão da esfera política 
como um nível preciso do social, de modo que a presença dos agentes só podia ser concebida como uma 
“representação de interesses”. Com essas novas lutas que emergiram nas últimas décadas do século XX, o 
político deixa de ser um “nível” do social, para tornar-se uma “dimensão” presente em toda prática social – 
como se vê, por exemplo, no slogan feminista “o pessoal é político”. Os novos movimentos sociais rompem 
os três aspectos do paradigma, fazendo com que a noção racionalista e homogênea do sujeito social seja 
questionada. 
2 
 
ideia de “pureza ambiental” – tal como o ambientalismo nazista em terras germânicas 
durante a década de trinta. O autor também pesquisou a prática do Naturismo e mostrou 
como este está enraizado na naturalização do sexo reprodutivo heterossexual, tido como o 
único autêntico e natural, de modo que a nudez é dissociada da sexualidade – e daí decorre 
a proibição da presença de pessoas solteiras e a ênfase na presença de famílias (nucleares) 
em espaços naturistas, por exemplo. 
Tendo em vista que estes significados estão em permanente disputa, é nesse sentido 
que Elisabeth Badinter (2010b) afirma que o movimento ambientalista é ideologicamente 
motivado por valores sexistas e que há interesses que vão além do que a simples proteção 
do meio ambiente. Ela acusa estes movimentos de cooperar para a regressão do papel da 
mulher na sociedade ao “impor” às mães, entre outras coisas, o uso de fraldas laváveis e a 
amamentação obrigatória, de modo a aumentar o número de deveres maternos e o tempo aí 
gasto – o que faz com que ela conclua que se trata de um novo movimento de “volta à 
natureza” (2010a). 
Portanto, “a natureza não é um lugar desprovido de ideologia. [...] Termos tais 
como ‘natureza e ‘natural’ tem sido usados para expulsar e/ou controlar corpos, vidas e 
culturas [...].” (BELL, 2010). As fronteiras estabelecidas entre o humano e o não-humano, 
a natureza e a cultura, são fronteiras políticas e em constante disputa e policiamento4, não 
havendo aí uma materialidade pré-discursiva: a ontologia da substância é, antes, um efeito 
semiótico (HARAWAY, 1999).5 
Porém, dentre os “feminismos hifenizados” (OLIVEIRA, 2010) que eclodiram a 
partir dos anos oitenta do século passado, certas vertentes do feminismo ecológico, ou 
ecofeminismo, podem ser entendidas como uma forma de resistência a este uso da ecologia 
que, através da “defesa da natureza” traz consigo grandes limitações no que condiz ao 
questionamento da própria ontologia do natural, de modo a tomar como dado o que seria a 
“natureza humana”. 
 
4
 “[...] usamos em nosso dia-a-dia uma série de expressões que trazem em seu bojo a concepção de natureza 
que redomina em nossa sociedade: a de oposição entre sociedade e natureza, entre cultura e natureza. 
Chama-se de burro ao aluno ou à pessoa que não entende o que se fala ou ensina; de cachorro ao mau-
caráter; de cavalo ao indivíduo mal-educado; de vaca, piranha ou veado àquele ou àquela que não fez a 
opção sexual que se considera correta, etc. São todos nomes de animais, de seres da natureza, tomados em 
sentido negativo, em oposição a comportamentos considerados cultos, civilizados e bons.” (GONÇALVES, 
1989 apud BRUGGER, 2009). 
5
 Para uma discussão mais aprofundada sobre a questão, consultar o artigo “Há algo de natural na natureza? 
Corpo, natureza e cultura nas teorias feministas” (CARMO, 2011). 
3 
 
Segundo Emma Siliprandi (2000), o ecofeminismo trata de propostas de 
transformações não só nas relações de gênero mas articuladas com a passagem para outro 
modelo produtivo, isto é, outra relação com o meio ambiente. Em outras palavras, trata-se 
do vislumbre de uma sociedade onde há elementos comuns entre uma “utopia feminista” e 
uma “sociedade ecológica”: 
O pedaço do bolo que as mulheres começaram a provar, como resultado 
do movimento feminista, está podre e carcinogênico. A teoria e a política 
feministas precisam certamente levar tudo isso em consideração, por mais 
que anulemos as oportunidades que nos foram negadas dentro dessa 
sociedade. O que adianta partilhar com igualdade um sistema que está 
matando a nós todos? (KING, 1997, p. 126, grifo meu). 
Dito isto e atenta a este processo de “hifenização”, o objetivo deste trabalho 
introdutório consiste em investigar a multiplicidade de vozes dentro do feminismo 
ecológico ou ecofeminismo, rompendo com a visão unívoca do mesmo e questionando: 
como dentro deste campo as categorias natureza e cultura foram objeto de disputas, usos e 
(re)significações? 
Para Siliprandi, no Brasil, são poucas as organizações e movimentos que se 
preocupam em fazer essa relação; também Paulilo (2010) coloca que a corrente ainda não é 
tão forte aqui quanto em outros países. Ainda assim, segundo Di Ciommo (2003), as 
décadas de oitenta e noventa do século vinte, no Brasil, constituíram um período de 
intensas articulações para os movimentos feminista, ecologista e ecofeminista. 
Notadamente a ECO 92 – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o 
Desenvolvimento – e, mais especificamente, a sua Tenda Planeta Fêmea, constituiu um 
momento político importante para o desenvolvimento deste último movimento no país. 
Para Siliprandi (2000), o início da década de noventa marca, no Brasil,o auge da 
visibilidade social e política dessas posições.6 
Organizações como a REDEH (Rede de Defesa da Espécie Humana) e a RME 
(Rede Mulher de Educação), que compartilham princípios ecofeministas, fizeram parte da 
coordenação do Planeta Fêmea e articularam as questões de gênero com o meio ambiente 
de forma influente no campo político brasileiro (SILIPRANDI, 2000). Entretanto, 
Siliprandi (2000) problematiza a visão que orienta a ação desses grupos, qual seja, de um 
ecofeminismo que se insere dentro da corrente do feminismo da diferença, que trata o 
público e o privado como dicotômicos, em que se considera que o mundo público reflete 
 
6
 Na segunda e terceira edições do Fórum Social Mundial (em 2002 e 2003, respectivamente) o Planeta 
Fêmea marcou presença entre os fóruns presentes. 
4 
 
um ethos masculino e que as mulheres, em decorrência da maternidade e da reprodução da 
vida, são depositárias de outros valores e cultura, tendo portanto um lugar privilegiado na 
luta ecológica ao incorporar a valorização “riqueza do universo feminino”.7 
Utilizando as palavras de Holland-Cunz (apud KULETZ, 1992), parece-nos que a 
“libertação da natureza” está em contradição com a “libertação da mulher” de modo que o 
ecofeminismo poderia ser considerado mais uma corrente que trabalha com mulheres no 
interior do movimento ambientalista, do que propriamente parte do movimento feminista, 
cujo alicerce se encontra na negação do determinismo biológico, não compartilhando 
portanto dos pressupostos do chamado “princípio feminino” propugnado pela ecofeminista 
Vandana Shiva, entre outras. 
As mulheres tem um lugar privilegiado na luta ecológica? Bila Sorj (1992) diz que, 
pra o ecofeminismo e feminismo da diferença sim, elas teriam, por causa da crença em 
uma ética feminina desenvolvida no espaço privado das relações pessoais baseada no 
cuidado com o outro. Na visão da autora, é como se o projeto feminista para a natureza 
estivesse em si mesmo fadado ao fracasso, pois ela equaciona ecofeminismo com 
feminismo da diferença e portanto como igual a essencialismo. 
Barbara Holland-Cunz (apud KULETZ, 1992) sugere ainda que o essencialismo, 
embora presente em parte da filosofia ecofeminista, é um termo usado politicamente para 
desacreditar o ecofeminismo, cumprindo portanto uma função (política) de deslegitimação 
que busca demarcar simbolicamente o que seria o feminismo acadêmico e o ecofeminismo 
popular “essencialista”. 
Entretanto, assim como ela, Garcia (1992), entre outras, argumentam sobre a 
existência de abordagens ecofeministas plurais, não podendo portanto ser reduzidas a uma 
única – talvez a mais publicizada. É preciso ter em vista que este é um fenômeno social 
múltiplo e não-estanque, pois “dentro do que se chama ecofeminismo existem muitas 
correntes, que vão desde aquelas com tradição mais anarquista (‘radicais’), socialistas, até 
aquelas mais liberais, as que privilegiam as ações institucionais, no parlamento, etc.” 
(SILIPRANDI, 2000). 
Em 2012 completam-se vinte anos desde a ECO 92 e o Planeta Fêmea: desde então, 
o quê mudou? É indubitável que a crise ecológica se agravou e portanto há uma 
 
7
 É oportuno nos reportamos aqui ao slogan do Planeta Fêmea: 
“Mulher/mundo/manhã/maravilha/mais/mistério/magia/Menina/mão/movimento/mãe/música/mel” (DI 
CIOMMO, 2003). Está presente aí associação já conhecida entre a maternidade, fenômenos “naturais” 
(mundo, manhã), o âmbito da arte e do não-racional (música, mistério, magia). 
5 
 
necessidade crescente de lutas que proponham uma outra forma de lidar com o que se 
entende por “Natureza”. 
No país, são escassas as pesquisas sobre aqueles grupos feministas que incorporam 
em sua agenda um projeto ecológico ou ambientalista8 – por exemplo, a Revista Estudos 
Feministas, uma das principais publicações acadêmicas sobre o tema no Brasil, entre seus 
dezenove anos de existência, dedicou apenas três edições com dossiês na temática de 
gênero e meio ambiente.9 Nesse sentido, abundam pesquisas de abordagem etnográfica 
sobre, por exemplo, mulheres protagonistas no meio rural (LISBOA; LUSA, 2010; 
PAULILO, 2010; SHIVA, 1993a), mulheres da floresta (CRUZ, 2010), mulheres parteiras 
(CRUZ, 2010), mulheres indígenas (SHIVA, 1993b; LISBOA, LUSA; 2010) – embora não 
sejam mulheres “politicamente organizadas”, mas cujos estilos de vida são considerado 
próximos à(s) utopia(s) ecofeminista(s). 
Há, contudo, pesquisas internacionais acerca de grupos não-usais nos estudos sobre 
mulheres e meio ambiente, como comunidades lésbicas e queer, e feministas pro-sex. 
Assim, numa abordagem mais heterodoxa, Nancy Unger (2010), investigou o papel da 
natureza não-humana nos ambientes alternativos criados por lésbicas nos Estados Unidos. 
Para a autora, as formas lesbianas de incorporar a natureza não-humana em suas 
comunidades temporárias e permanentes demonstram como os membros de uma minoria 
oprimida criaram refúgios e espaços seguros para vivenciarem suas identidades: 
Durante a década de 1960, um grupo de pessoas, a maioria branca e de 
classe média, inclusive muitas lésbicas, algumas das quais se 
identificavam como ecofeministas, começaram a se mover para as 
comunidades rurais de todo o país. Elas estavam determinadas, tornando-
se parte do crescente movimento “de volta à terra”, para ser a “esperança 
de sobrevivência” transcendendo o sexismo, a homofobia, a violência, o 
materialismo e o abuso ambiental que afligem a sociedade hegemônica 
(Agnew, 2004). 
 
Assim, em 1972 houve uma onda de mulheres imigrantes que se instalaram no sul 
do Oregon em uma comunidade lésbica rural separatista chamada “Oregon Women’s Land 
Trust”, não em busca de um refúgio temporário em uma espécie de mundo da fantasia, 
 
8
 Nestes trabalhos, nota-se também a falta de rigor conceitual no que concerne à utilização dos termos 
“ambientalismo” e “ecologia”, como se estes fossem sinônimos. É preciso fazer uma distinção conceitual: 
pode-se dizer que estas organizações estavam mais próximas do ambientalismo, no sentido definido por 
Ynestra King (1997, p. 131, grifo meu), qual seja: segundo a autora, a principal diferença entre 
ambientalistas e ecologistas está no fato de que os primeiros possuem uma visão utilitária e portanto 
antropocêntrica sobre o “meio ambiente”: “[...] os ambientalistas referem-se [...] à natureza não humana 
como ‘o meio ambiente’, ou seja, ambiente para os seres humanos, e os ‘recursos naturais’ são aqueles para 
uso humano.” 
9
 <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-026X&lng=en&nrm=iso>. 
6 
 
mas empenhadas na criação de uma nova e viável alternativa comunitária. Em seu desejo 
de proteger o meio ambiente como parte de um esforço maior para combater os “males do 
patriarcado e do heterossexismo”, essas mulheres se esforçaram para se adaptar ao 
ambiente natural em vez de transformá-lo, de modo que evitavam a tecnologia sofisticada, 
máquinas pesadas e os produtos animais, em favor da energia solar, ferramentas manuais e 
comidas vegetarianas orgânicas. Nas falas dessas mulheres, a natureza era representada 
como uma parceira na exploração da identidade lésbica. 
No mesmo sentido, em 1977, foi fundada a “The womyn of the pagoda” por quatro 
lésbicas da Flórida, com forte ênfase em práticas espirituais centradas na mulher. Unger 
também cita os festivais anuais de música para mulheres realizados ao ar livre entre as 
décadas de oitenta e noventa, como espaços que enfatizavam a “unicidade” das mulheres, 
com a terra, a lua e ciclos naturais. Em 1975 também teve início os encontros de lésbicas e 
workshops políticos realizados em locais remotos ao ar livre (como o Sisterspace, 
realizado nas Montanhas Pocono, e outros que acontecemna Flórida, organizados pela 
LEAP – Lesbians for Empowerment, Action, and Politics). Unger conclui que, oferecendo 
segurança e liberdade, esses espaços eram mais do que apenas enclaves do desejo entre 
pessoas do mesmo sexo, pois eles foram objeto de esforços ambiciosos na criação de 
ambientes aonde elas pudessem colocar em prática as suas filosofias ecofeministas, 
realizando experimentos igualitários e com sustentabilidade ambiental. 
 Talvez como uma herança e ao mesmo tempo uma repaginação dessas ideias, há o 
surgimento de novas políticas ecofeministas, como a SexEcology e o Ecofeminismo 
Queer. Elizabeth Stephens, professora de Arte na Universidade da Califórnia (UCSC) e 
ativista ambientalista e sua companheira Annie Sprinkle, artista feminista pro-sex, ex-
prostituta e atriz pornô, autoras do The EcoSex Manifesto, propõem mudar a metáfora da 
terra como mãe – “someone who takes care of you” – para a terra como amante – 
“someone you desire to care for”10. Essa é a proposta que vem sendo veiculadas por elas 
em seus workshops de ecofeminismo nos Estados Unidos e Europa. 
Nos últimos anos vimos o surgimento, no Brasil e em outros países, de mulheres 
ativistas cuja identidade se apoia em dois eixos: o feminismo e o vegetarianismo.11 
 
10
 Em <http://www.sexecology.org>. 
11
 Alicia Puleo (2007, p. 72) mostra que essa articulação não é nova no feminismo: “Si la historia oficial de 
los manuales tiende aún hoy a olvidar oportunamente al feminismo como esse grande movimiento que 
revolucionó las sociedades occidentales, desafiando antiguos estereotipos de género y emancipando a 
millones de mujeres, el feminismo tiene su propia historia interna olvidada: la de aquellas sufragistas que 
lucharam contra la crueldad hacia los animales y contra la vivisección.” Entretanto, trata-se certamente de 
7 
 
Certamente podemos enxergar a conjunção entre feminismo e ativismo pelos direitos 
animais como parte dessas novas políticas ecofeministas. 
Assim, vemos que a associação feminismo-libertação animal está presente no país e 
marca presença em eventos como I Congresso Mundial de Bioética e Direitos Animais 
(2008), o qual contou com a mesa “Ecofeminismo e direito animal”, e “Ética e 
ecofeminismo: uma perspectiva no debate dos direitos dos animais” 12; no ENDA 2010 – 
Encontro Nacional de Direitos Animais –, a palestra “Ecofeminismo e libertação humana”. 
No plano institucional acadêmico, encontramos o projeto de pesquisa “Feminismo 
ecoanimalista: contribuições para a superação da violência e discriminação especistas, 
revisando a literatura sobre defesa de animais e ecossistemas produzida por mulheres” 
coordenado por Sônia T. Felipe no Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas da 
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Entre os encontros feministas autônomos 
não-institucionais, temos a oficina sobre veganismo “Avental Radical” no encontro Corpus 
Crisis 200813, entre outros. 
 Carol J. Adams (1990) publicou, em 1990, o livro, considerado pioneiro no tema, 
“The Sexual Politics of Meat: A Feminist-Vegetarian Critical Theory” no qual ela se 
perguntava: What does the eating of meat have to do with the women’s movement?, 
buscando relacionar o consumo de carne com a masculinidade e valores masculinos em 
torno da virilidade. À diferença de raça e sexo a autora acrescenta a diferença entre 
espécies, como uma categoria analítica que revela, dada a hostilidade ao corpo, que 
aqueles/as igualadas com corpos ao invés de mentes, – pessoas de cor, animais e mulheres 
– são oprimidas por essa equação, e então objetificadas. Adams é uma das propulsoras do 
veganismo e da micropolítica da alimentação como uma forma de ativismo feminista. 
Nos Estados Unidos, o “Projeto Sistah Vegan” é o primeiro livro publicado, em 
2010, no país – e provavelmente o primeiro em todo o mundo – escrito por e sobre 
mulheres negras veganas. Segundo Harper (2010), o projeto diz respeito ao veganismo 
como prática de descolonização do corpo e da mente, uma vez que assegura também a 
sobrevivência da população negra, e em especial da mulher negra. O projeto aborda 
também temas como o Ecowomanism – uma filosofia baseada na obra de Alice Walker. 
 
momentos históricos distintos onde apenas no contexto da segunda metade do século vinte o feminismo 
aparece como um movimento social organizado (o mesmo é válido para o movimento de direitos dos 
animais). 
12
 <http://www.semarh.ba.gov.br/pdf/programacao_direitoanimal.pdf>. 
13
 <http://178.79.155.229/kk2011/index.php/Main/Corpuscrisis2008FinitoEmParticular>. 
8 
 
Em consonância com estas perspectivas, Barbara Holland-cunz (1992) destaca, 
segundo seu ponto de vista, os momentos inovadores do ecofeminismo como a 
desconstrução das dicotomias e hierarquias na filosofia e epistemologia modernas através 
da representação da natureza como sujeit@: “el ecofeminismo puede ser interpretado como 
uma filosofia de la naturaleza como sujeto hermana.” (p. 14). 
Por sua vez, Donna Haraway (1995, p. 37) se posiciona no mesmo sentido quando, 
em sua proposta epistemológica anti-humanista14 sobre a dissolução do binarismo sujeito-
objeto, diz que “As ecofeministas talvez tenham sido as que mais insistiram em algumas 
versões do mundo como sujeito ativo, não como um recurso a ser mapeado e apropriado 
pelos projetos burgueses, marxistas ou masculinistas.” Para a autora, os movimentos pelos 
direitos animais, “[...] não constituem negações irracionais da singularidade humana: eles 
são um lúcido reconhecimento das conexões que contribuem para diminuir a distância 
entre natureza e a cultura.” (HARAWAY, 2009, p. 40). 
Nesse sentido, Donna Haraway (2009) aposta na figura desestabilizante do 
ciborgue15 (organismo cibernético) enquanto mito político, cuja hibridez tem o potencial de 
transgredir fronteiras através de sua heteroglossia, afirmando ironicamente que “[...] 
prefiro ser uma ciborgue a uma deusa” (p.99): 
o ciborgue aparece como mito precisamente onde a fronteira entre o 
humano e o animal é transgredida. Longe de assinalar uma barreira entre 
as pessoas e os outros seres vivos, os ciborgues assinalam um perturbador 
e prazerosamente estreito acoplamento entre eles. (HARAWAY, 2009, p. 
41). 
 
Do que foi visto. Fica evidente a urgência de trabalharmos com a noção plural de 
“ecofeminismos” pois o pensamento (e a práxis) feminista sobre a natureza e o meio 
ambiente não são internamente homogêneos, havendo dissidências, embates e rupturas, de 
modo que é heuristicamente ineficaz trabalhar com a noção reificante de “ecofeminismo”. 
À título de conclusão, reproduzo a fala de Oliveira: dado o contexto da 
contemporaneidade, 
não é possível continuar a produzir uma teoria feminista que atenda 
exclusivamente ao gênero. Sem abdicar deste conceito nem da sua 
proficuidade conceptual e analítica, é necessário hifenizar o gênero [...] 
 
14
 Resguardando-se o universalismo do termo “homem”, segundo o Dicionário de Filosofia, anti-humanismo 
é: “o vocábulo com que se indica a recusa a ver no homem – entendido nos termos modernos de sujeito e 
consciência – o centro da realidade e do saber.” (ABBAGNANO, 2007, p. 68). 
15
 “o ciborgue aparece como mito precisamente onde a fronteira entre o humano e o animal é transgredida. 
Longe de assinalar uma barreira entre as pessoas e os outros seres vivos, os ciborgues assinalam um 
perturbador e prazerosamente estreito acoplamento entre eles.” (HARAWAY, 2009, p. 41). 
9 
 
para produzir teorias feministas, não unificadas que desafiem esta 
construção de fronteiras e que possibilitem a análise e a práxis a partir de 
pontos multifacetados que nos conduzamao espaço dos hífens, onde 
nunca se é apenas um/a, mas múltipl@. (OLIVEIRA, 2010). 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
 
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 1210 p. 
 
ADAMS, Carol. The sexual politics of meat: a feminist-vegetarian critical theory. New 
York: Continuum, 1990. 
 
AGNEW, Eleanor. Back from the Land. Chicago: Ivan R. Dee, 2004. 
 
BADINTER, Elisabeth. Feminista diz em livro que movimento ecologista oprime as mães. 
Bol Notícias, 28 maio. 2010a. 
 
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Entrevista realizada por Der Spiegel. 
 
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ERICKSON, Bruce (Orgs.). Queer Ecologies: sex, nature, politic, desire. Bloomington: 
Indiana University Press, 2010. 
 
BRUGGER, Paula. Nós e os outros animais: especismo, veganismo e educação ambiental. 
Linhas críticas, Brasília, v. 15, n. 29, p. 197-214, jul./dez. 2009. 
 
CARMO, Íris N. do. Há algo de natural na natureza? Corpo, natureza e cultura nas 
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Salvador. Anais eletrônicos... Salvador: UNEB, 2011. 
 
CRUZ, Tereza Almeida. Mulheres da floresta do Vale do Guaporé e suas interações com o 
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DI CIOMMO, Regina Célia. Educação ambiental e o movimento feminista: o caso da 
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GARCIA, Sandra Mara. Desfazendo os vínculos naturais entre gênero e meio ambiente. 
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GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. São Paulo: 
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HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o 
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10 
 
______. Las promesas de los monstruos: uma política regeneradora para otros 
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