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A Psiquiatria e a Saúde Mental no Brasil

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26/4/2014 Jornada V3 - ListarUE EstudarDisciplina
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Curso: Cursos IbacBrasil
Disciplina: Enfermagem em Saúde Mental e Atenção Psicossocial
NT1: Conhecendo a área de Enfermagem em Saúde Mental
UE2: A Psiquiatria e a Saúde Mental no Brasil
OBJETIVO
Estabelecer a relação entre a história da Psiquiatria, da Saúde Mental e da Enfermagem no Brasil.
Olá! Na Unidade de Estudo anterior vimos que as concepções de
loucura, ou de doença mental, e os determinantes da prática de
cuidados e de tratamento à pessoa com transtorno mental têm
íntima relação com a trajetória histórica e social da humanidade.
Deste modo, as práticas e os saberes relativos à Psiquiatria, de
certa forma, são construídos coletivamente, de acordo com as
épocas, culturas e sociedades, levando em consideração as
representações que se têm da pessoa que é portadora de
transtorno mental.
Assim, continuaremos falando sobre como essas concepções foram
construídas na nossa sociedade. Veremos que a história da
Psiquiatria e da Saúde Mental no Brasil tem relação direta com a
trajetória histórica da Enfermagem. Assim, vamos partir logo para a
leitura do texto e desbravar os acontecimentos históricos que
influenciam, ainda hoje, as formas de cuidados e o tratamento das
pessoas com transtorno mental. Bom estudo!
No Brasil, as concepções relacionadas ao fenômeno da loucura sempre estiveram atreladas ao
período histórico influenciado por fatores socioculturais e, por vezes, econômicos. Por exemplo, no período
colonial (1500-1822), refletindo a concepção de loucura, até então vigente na Europa, que era sinônimo de
ociosidade, de desrazão e não de doença, pois não havia nenhuma forma de tratamento ou cuidados
específicos com os loucos. Eles viviam vagando por ruelas, encarcerados em prisões, mantidos
enclausurados em suas casas ou nos porões e nas “ de ” das Santas Casas de
Misericórdia (FIGUEIREDO, 2000; GUIMARÃES et al., 2010; AMARANTE, 2011).
Como já estudamos, o século XVIII foi marcado por transformações ocorridas na Europa, as quais
influenciaram na concepção do conceito de loucura. A partir disto, a Psiquiatria surgiu como novo campo
do saber médico. A sociedade brasileira imperial (1822-1889) teve forte influência dos ideais euro-
pinelianos, que concebiam que a loucura era doença e que só poderia ser tratada eficazmente em
instituições próprias para esse fim, os manicômios e os hospícios (COUTO; ALBERTI, 2008).
Nesta perspectiva, nas primeiras décadas do século XIX, a Sociedade de Medicina do Rio de
Janeiro iniciou um movimento, cujo lema era “Aos loucos, o hospício!”, que objetivava a retirada dos
doentes mentais das ruas, transferindo-os para um local em que não ficassem às vistas da sociedade. Foi
assim que presenciamos o alvorecer da criação dos hospícios brasileiros e a implantação do modelo
manicomial (BRASIL, 2004).
Assim, em 1852 foi inaugurado o primeiro hospício brasileiro, o Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro,
com a finalidade de abrigar os alienados e, assim, retirá-los da sociedade. Esta proposta tinha seus
objetivos pautados no planejamento de urbanização das cidades, principalmente o Rio de Janeiro, capital
imperial, e em associação às ações da medicina higienista da época (COUTO; ALBERTI, 2008).
Desta forma, você deve estar percebendo que a Psiquiatria brasileira não surgiu
com a finalidade de oferecer condições de tratamento aos alienados, mas de proteger a
sociedade que vivia nos centros urbanos daquela época. Neste sentido, a criação do
Hospício Pedro II tinha um cunho social e estava diretamente relacionados com a
organização da sociedade do período imperial, sem muita preocupação com tratamento e
cura das doenças mentais.
O Hospício Pedro II, seguindo o modelo daqueles construídos na Europa, era uma construção
gigantesca para a época, por isso era conhecido como Palácio dos Loucos. Localizava-se na Praia
Vermelha, distante do centro urbano. As fotos a seguir mostram a fachada do Hospício Pedro II em quatro
casinhas1 doudos2
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momentos, inclusive atualmente, abrigando a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A partir destas
imagens, você terá condições de visualizar a grandiosidade da construção para a época.
Figura 1 – Hospício Pedro II – os primeiros anos.
Figura 2 – Hospício Pedro II – Brasil imperial.
Figura 3 – Hospício Nacional de Alienados (Antigo Hospício Pedro II) – Brasil/ Republicano.
Figura 4 – Palácio Universitário – UFRJ.
A partir da inauguração do Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro, outras localidades do Brasil
trataram logo de construir um , ou seja, um manicômio. Veja alguns
exemplos no quadro abaixo:
Quadro 1 - Primeiros estabelecimentos ditos exclusivos para alienados, nas províncias, criados
durante o Segundo Reinado. 
Província Ano Estabelecimento
São Paulo 1852 Hospício Provisório de Alienados de São Paulo (Rua São João).
Pernambuco 1864 Hospício de Alienados de Recife-Olinda (da Visitação de Santa Isabel)
Pará 1873 Hospício Provisório de Alienados (Belém, próximo ao Hospício dos Lázaros).
Saiba Mais
Para visualizar mais sobre o acervo histórico da UFRJ e da história do Hospício Pedro II, clique aqui.
Leia também o artigo publicado em 2009 que complementa as informações históricas sobre a instalação do
modelo manicomial pelo Hospício Pedro II clicando aqui.
palácio para guardar os doidos3
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Bahia 1874 Asilo de Alienados São João de Deus (Salvador).
Rio Grande do Sul 1884 Hospício de Alienados São Pedro (Porto Alegre).
Ceará 1886 Asilo de Alienados São Vicente de Paulo (Fortaleza).
Fonte: ODA, Dalgalarrondo (2005).
 Com o início do funcionamento do Hospício Pedro II, houve a necessidade de contratação de mão
de obra barata para os serviços de auxílio no atendimento aos loucos. Dessa forma, para qualquer pessoa
com pouca experiência em lidar com enfermos era conferido o título prático de “enfermeiro”, cuja função
era ser um agente intermediário entre o guarda e o médico do hospital (PAES, 2009).
Anteriormente a essa época, a Enfermagem não tinha distinção profissional e nem funcional, mas
retratava o cuidado realizado por religiosas e leigas.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a enfermagem brasileira nasceu no
hospício, com as funções de vigiar, reprimir e controlar os alienados que se encontravam
internos naquele lugar. Cabia aos médicos decidir os meios de repressão e coerção e aos
enfermeiros executá-los (BELMONTE et al., 1998).
O enfermeiro deveria apresentar as seguintes qualidades para o desempenho das tarefas que lhe
eram confiadas: severidade, doçura, coragem, prudência, discrição, caridade, inteligência, capacidade para
entender o médico e o doente. Devia, ainda, ser um homem , ativo, zeloso, apresentar robustez e
força física para o exercício da prática coercitiva aos doentes mentais. Portanto, naquela época os homens
eram em maior quantidade na Enfermagem (PAES, 2009).
Para se ter uma ideia de como o modelo manicomial privilegiava a coerção dos doentes mentais
pela força, disponibilizamos a figura a seguir:
Figura 5 – Enfermeiro José Batista.
Esta é uma foto do enfermeiro chefe, José Batista, que atuava em um dos hospícios brasileiros. Na
grande maioria destas instituições:
Preste atenção, pois aqui vamos fazer um apontamento importante: tais enfermeiros eram pessoas
sem preparo, sem formação e simples cumpridores de ordens médicas. Ao serem contratados recebiam
algumas orientações das irmãs de caridade que atuavamna direção e organização dos serviços do
PIRES, 1959, apud SILVEIRA, 2008, p. 14.
os pacientes eram tratados com violência. Era comum a presença de funcionários como o
[...] atleta e lutador de boxe José Batista, que gostava de exibir seus músculos de
enfermeiro-chefe do Instituto Raul Soares, consagrado pela fama de derrubar qualquer doido
com um murro.
probo4
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Essa escola tinha o objetivo de preparar os
enfermeiros práticos em profissionais para atuar no
hospício e na Santa Casa de Misericórdia. O currículo
de formação consistia em adquirir noções práticas de
higiene hospitalar, curativos, aplicação de
balneoterapias, noções gerais de administração
interna e escrituração do serviço sanitário e
econômico das enfermarias (MAGALHÃES et al., 2004;
SOUZA; MOREIRA; PORTO, 2005).
hospício. Suas ações, na grande maioria das vezes, não tinham fundamentos teórico-científicos, o que
difere da conformação atual da enfermagem moderna.
Com a Proclamação da República (1889), o Estado e o Clero impuseram uma quebra de aliança, o
que resultou na saída das irmãs de caridade do poder da direção das Santas Casas de Misericórdia e,
consequentemente, da assistência aos doentes. Assim, coube a responsabilidade de manutenção do
hospício e do hospital ao Estado e a direção para os médicos. Neste mesmo ano, o Hospício Pedro II foi
separado da Santa Casa de Misericórdia e passou a ser denominado Hospício Nacional de Alienados
(MIRANDA, 1994; BELMONTE et al., 1998).
Com a saída das religiosas, houve uma crise de pessoal nos hospitais e, principalmente, no
hospício, haja vista que neles a quantidade de pacientes era superior à das Santas Casas de Misericórdia.
Essa situação fez com que o Governo
Provisório da Primeira República, pelo Decreto
n. 791, de 27 de setembro de 1890,
instituísse, nas dependências do Hospício
Nacional de Alienados, a primeira escola
profissionalizante de Enfermagem no Brasil.
Inicialmente, recebeu o nome de Escola
Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras
(Figura 6) e, a partir de 1904, passou a se
chamar Escola Alfredo Pinto, que se mantém
até a atualidade.
Aqui, mais uma vez, vemos a relação histórica entre a Psiquiatria e
a Enfermagem no Brasil. Assim, você deve estar pensando: a
enfermagem, a partir desta formação, começou e melhorar. De
certa forma, podemos dizer que melhorou, mas não do modo que
precisava.
Isto porquanto, mesmo recebendo formação, os enfermeiros mantiveram os mesmos conceitos
sobre doença e doente mental, conforme o modelo da psiquiatria convencional, pautada na exclusão social
e na dos manicômios, sem haver modificações de comportamento, de concepções e de
melhoramento das práticas de cuidado aos doentes mentais (PAES, 2009).
Figura 6 - Escola Profissional de Enfermeiras Alfredo Pinto (1921).
Como uma tentativa de melhorias na atenção psiquiátrica no Brasil, a partir da primeira década do
século XX, foram criados os hospitais colônias, que tinham como premissa o tratamento dos doentes
mentais pelo trabalho agrícola. Entretanto, esse mecanismo não foi bem aplicado, se transformou em mais
uma medida coercitiva, fortalecendo e aumentando a exclusão social da pessoa com transtorno mental,
haja vista que os hospitais colônias foram construídos distantes das cidades (COUTO; ALBERTI, 2008;
AMARANTE, 2011).
Durante a ditadura militar (1964-1985), a atenção psiquiátrica manteve sua característica
hospitalocêntrica, manicomial e excludente, sendo marcada pelo aumento das instituições psiquiátricas, do
tipo colônias, subsidiadas e mantidas pelo governo federal.
Na década de 1960, os hospitais e clínicas psiquiátricas privadas aumentaram de forma
assustadora em todo o território nacional e a assistência psiquiátrica se tornou fonte lucrativa, pois a
Previdência Social destinava 97% do total dos recursos em Saúde Mental para os internamentos
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psiquiátricos, caracterizando a chamada mercantilização da loucura (AMARANTE, 1998; COUTO; ALBERTI,
2008).
Para exemplificar a situação caótica da assistência aos indivíduos com transtorno mental naquela
época, o número de internações psiquiátricas em instituições manicomiais, em 1965, era de 5.186. Em
cinco anos, esse número quase quadriplicou, alcançando o total de quase 19.000 internações. Em 1975, a
quantidade de pessoas internadas era de 70.383 e em mais dois anos esse valor atingiu 200.000
(GUIMARÃES et al.,2010).
A seguir, apresentamos algumas imagens que denotam a falta de
estrutura e de compromisso com o cuidado à saúde mental das
pessoas institucionalizadas nos hospitais psiquiátricos brasileiros.
Figura 7 – Interior de hospital 
psiquiátrico superlotado.
 
Figura 8 – Pacientes no interior de 
hospital psiquiátrico.
 Essa situação não pareceu bem aos olhos de parte da sociedade, que considerou o modelo de
assistência manicomial ineficaz e, deste modo, passou a questioná-lo e criticá-lo, uma vez que outras
experiências já demonstravam maior êxito e possibilitavam a reinserção dos pacientes nas suas famílias e
em suas comunidades. Assim, a mobilização de trabalhadores da área da Saúde Mental, juntamente com os
portadores de transtorno mental, familiares e sociedade civil, lutou para a implantação de um modelo de
assistência favorável à ressocialização e garantia dos direitos das pessoas com transtorno mental (PINHO;
BAÑON HERNÁNDEZ; KANTORSKI, 2010; AMARANTE, 2011). Este movimento foi fundamental para
impulsionar a Reforma Psiquiátrica no Brasil, assunto que iremos abordar na próxima Unidade de Estudo.
Ao concluir este estudo esperamos que você tenha refletido sobre
a construção histórica de alguns conceitos sobre a loucura nos
séculos XVIII, XIX e XX e que ainda influenciam a forma de
perceber, cuidar e tratar das pessoas com transtorno mental. Nas
próximas Unidades de Estudos recordaremos alguns destes
conceitos e os compararemos com os conceitos que atualmente
estão sendo construídos no movimento complexo, histórico, social
e cultural, conhecido como Reforma Psiquiátrica. Até breve!
Referências
AMARANTE P. Saúde mental e atenção psicossocial. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; 2011.
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