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DESVENDANDO AS CÉLULAS-TRONCO: DOS SONHOS À REALIDADE 16 a 20 de julho de 2007 Centro de Estudos do Genoma Humano Depto. de Genética e Biologia Evolutiva Instituto de Biociências Universidade de São Paulo Docentes responsáveis: Profa. Dra. Eliana Maria Beluzzo Dessen Profa. Dra. Regina Célia Mingroni-Netto 2 INDICE Cronograma 03 Apresentação do curso 04 Portifólio como recurso de avaliação 06 Textos de apoio As células eucarióticas e sua capacidade de diferenciação 08 Diferenciação celular e o controle do gene eucariótico 10 Sinalização celular 18 O básico sobre células-tronco 24 Clonagem 31 Reprogamação celular 36 Células-tronco: progressos científicos e o futuro das pesquisas 39 Terapia celular – o uso de células-tronco no tratamento de doenças – etapas e questões geradas 42 A polêmica das células-tronco.embrionárias 43 Desvendando as raízes do câncer 48 Células-tronco: mocinha e bandida 57 Célula-tronco por encomenda 58 Reprodução assistida 59 Medula óssea e as células-tronco hematopoiéticas 61 Transplante de medula óssea – uma terapia celular bem conhecida 63 Colcha de retalho de leis 67 O artigo 5o Quando começa a vida? 77 . Da lei No. 11.105, de 2005, não é inconstitucional 72 Que vida, biológica ou moral? 79 Glossário 81 Atividades: Atividade de acolhimento e contrato pedagógico 85 Levantamento de conceitos 87 Estudo dirigido 1 – Identificação de conceitos relativos a células-tronco 88 Atividade 1 – Diferenciação da hemácia 90 Atividade 2 – um caso muito interessante de diferenciação celular 92 Diferenciação no protozoário Naegleria grubei 94 Diferenciação celular em tecido ósseo 96 Atividade 3 – Diferenciação celular em tecido ósseo 98 Atividade 4 – Diferenciação de células embrionárias: a formação do trofoblasto 99 As primeiras mudanças morfológicas no embrião 101 Atividade 5 – Desenvolvimento muscular 104 Estudo dirigido 2 – Clonagem reprodutiva versus clonagem terapêutica 107 Atividade 6 – Jogo das células-tronco 108 Atividade 7 – Hematopoiese: seguindo uma via de diferenciação 118 Atividade 8 – Regras para o debate 123 Atividade 9 – Palavras cruzadas 124 Anexos: Respostas do estudo dirigido 2 – Clonagem 126 Gabarito da atividade 2 – Diferenciação no protozoário N. gruberi 126 Solução das palavras cruzadas 128 Bibliografia sobre câncer e células-tronco 129 3 CRONOGRAMA Data Manhã Tarde 16/07 Acolhimento inicial.Apresentação do curso. Levantamento de conceitos. Estudo dirigido sobre células-tronco. Diferenciação celular. Oficinas. O gene eucariótico e sua regulação. Estruturação do debate sobre ética. 17/07 Sinalização celular. Oficinas. Células-tronco: definição, tipos e características. Clonagem reprodutiva versus clonagem terapêutica. Desdiferenciação celular. Diferenças entre células-tronco embrionárias e de adulto. Jogo sobre células-tronco. Palavras cruzadas. Preparação do debate 18/07 Câncer e células-tronco Reprodução assistida Preparação do debate. As doenças do sangue e transplantes de medula óssea. Oficina. Preparação do debate 19/07 Perspectivas da aplicação de células-tronco em doenças musculares. Filme Globo News. Discussão. Debate: A polêmica sobre a utilização de células-tronco embrionárias em terapia humana: aspectos legais e éticos. Discussão de situações problema. 20/07 Oficina de criação: Como abordar o tema células-tronco numa feira de ciências? Início da apresentação dos grupos. Apresentação dos grupos. Avaliação do curso. 4 APRESENTAÇÃO DO CURSO Desvendando as células-tronco: dos sonhos à realidade Objetivos • Ampliar o universo conceitual significativo dos professores de ensino médio no que se refere a células-tronco e suas aplicações. • Capacitar o professor de ensino médio para acompanhar de maneira crítica a literatura de divulgação científica sobre o tema. • Utilizar o tema "células-tronco” como eixo para a integração de conceitos clássicos da Biologia Celular e Molecular, bem como ponto de referência para a análise e discussões no campo da bioética. • Considerar o papel do professor em sala de aula como "Agente disseminador” de temas que permeiam a discussão de valores éticos e sociais e que exigem um posicionamento crítico acerca de situações relacionadas à área de Ciências da Natureza e suas tecnologias. Conteúdo e Metodologia de desenvolvimento • Noções de diferenciação e sinalização celular. Relação genótipo-fenótipo. • Células-tronco: definição, potencialidade e plasticidade. Reprogramação celular. • Células-tronco embrionárias versus células-tronco de adultos. Potencialidades de uso e aplicações experimentais. • Terapia celular. Aplicações atuais. • Clonagem terapêutica versus clonagem reprodutiva. • Câncer e células-tronco. • Problemas legais e éticos decorrentes do uso de células-tronco. Estratégias e recursos tecnológicos A metodologia utilizada para desenvolver o conteúdo acima relacionado é variada, com ênfase em métodos não expositivos. Além de curtas apresentações orais dialogadas e de palestras de especialistas, diversas atividades didáticas/pedagógicas serão utilizadas como facilitadores da aprendizagem: (1) estudos dirigidos; (2) atividades presenciais como jogos didáticos ou oficinas (3) Debate, (4) animações demonstrativas de fenômenos biológicos, (5) discussão de artigos publicados pela mídia leiga, etc. Formas de acompanhamento e de avaliação dos participantes Avaliação A avaliação será constituída por duas ferramentas: • Avaliação formativa: elaboração de portifólio diário. O aluno deverá registrar as atividades desenvolvidas durante o dia e o seu envolvimento nas mesmas respondendo diariamente as seguintes questões: (1) O que aprendi hoje? O que as atividades me acrescentaram? (2) O que não foi adequado? Considerar nas respostas: o conteúdo da aula, as atividades e estratégias utilizadas, o relacionamento com o grupo e a própria participação. As respostas serão por escrito e entregues no final do dia. Um portfolio pode ser definido como um conjunto de diferentes tipos de documentos (anotações pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controles de aprendizagem, conexões com outros temas, fora da escola, representações visuais, etc.) que proporciona evidências de conhecimentos que foram sendo construídas durante o aprendizado, as estratégias utilizadas para aprender e a disposição de quem o elabora para continuar aprendendo. Devido à brevidade do curso o portifolio a ser elaborado diariamente no final de cada dia será mais sucinto e registrará o desenvolvimento 5 do programa de ensino e as reflexões diárias do processo de aprendizagem de modo a que o estudante sinta a aprendizagem como algo próprio e não alienada de seus processos pessoais e coletivos. O portfolio nesse caso é entendido também como uma reconstrução de conhecimento. Ele não se caracteriza como algo descritivo, mas reflexivo. Todos os portifólios são lidos diariamente pelos docentes do curso que podem desse modo realizar um acompanhamento mais personalizado da aprendizagem de cada um dos alunos. • Avaliação final: Cada participante deverá fazer uma breve apresentação individual com relação a: (a) Quais os conteúdos/atividades desenvolvidas durante o curso que poderiam ser levadas para a escola? Por quê? (b) Deque maneira isso poderia ser feito? Relação Nominal dos professores Prof. Dra. Eliana Maria Beluzzo Dessen (professora responsável) Monitoria (mestrandos e doutorandos do Instituto de Biociências) Adriana Ribeiro de Oliveira Marques, Ana Carolina Susuki Dias Cintra, Fernando Nodari, Lúcia Teiceira Machado Paula Cristina Gorgueira Onofre Renato Chimaso dos Santos Yoshikawa, Silvio Ganika Higa, Vivian Lavander Mendonça 6 PORTFÓLIO COMO RECURSO DE AVALIAÇÃO (adaptado de Hernandez, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre, Artmed, 2000) A avaliação é um processo inerente ao processo de construção de conhecimento. Mais do que memorizar ou recordar informações ou aplicar fórmulas para resolver problemas, o objetivo do processo educativo se propõe a aprender a formular problemas e desenvolver a capacidade de buscar, organizar e interpretar a informação dando-lhe sentido e transformando-a em conhecimento. A avaliação compreende três formas de recolhimento de informações: • avaliação inicial, para perceber o conhecimento prévio de estudantes ao iniciarem o curso; • a avaliação formativa, que está na base do processo avaliador e não tem a finalidade de controlar ou qualificar, mas ajudar estudantes a “progredir no caminho do conhecimento”, e • a avaliação somativa, que é o processo de síntese, que “permite reconhecer se [as] os estudantes alcançaram os resultados esperados (...) e serve como passagem para dar credibilidade oficial aos conhecimentos adquiridos.” O portfólio representa uma possibilidade alternativa de avaliação, e pode ser, para algumas disciplinas, substituto das avaliações pontuais em forma de provas e exames. Na educação ele serve como possibilidade de indicar a trajetória de aprendizagem e de novas formas de avaliar o desenvolvimento do conhecimento. Uma das vantagens da realização do portfólio é a de perceber o desenvolvimento do programa de ensino e a participação mais ativa de estudantes, o que permite que sintam a aprendizagem como algo próprio e não alienada de seus processos pessoais e coletivos. O portfólio é uma forma de avaliação dinâmica realizada pelo próprio estudante e que reflete seu desenvolvimento e suas mudanças através do tempo “. Nele inclui-se a avaliação do processo, a maneira de encarar e de interpretar as experiências e os processos de aprendizagem”. Definição de um portfólio: Podemos definir um portfólio como um conjunto de diferentes tipos de documentos (anotações pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controles de aprendizagem, conexões com outros temas, fora da escola, representações visuais, etc.) que proporciona evidências de conhecimentos que foram sendo construídas, as estratégias utilizadas para aprender e a disposição de quem o elabora para continuar aprendendo. (...) Um portfoóio não significa apenas selecionar, ordenar evidências de aprendizagem e organiza-las num formato para serem apresentadas. (...) O que caracteriza definitivamente o portfólio como modalidade de avaliação não é tanto o seu formato físico (pasta, caixa, CD-ROM, etc.), mas sim a concepção de ensino e aprendizagem que veicula“. O portfólio não é a mera recopilação de apontamentos; mas pode ser entendido como uma reconstrução de conhecimento. Ele não se caracteriza como algo descritivo, mas reflexivo. Assim, um diário reflexivo é uma ferramenta importante para a sua realização Estabelecer as finalidades de aprendizagem por parte de cada estudante • Cada qual explicita o que pretende chegar a aprender. • Professora explicita os objetivos. • Uma possibilidade: extrair uma frase de cada apontamento de aula (ou leitura) e fazer um comentário reflexivo, representativo do que foi significativo. • Incluir experiências da sala de aula e de fora dela. 7 • Pensar no grupo: o processo de aprendizagem é mais significativo se for proveitoso para todo o grupo. • Fazer um acordo público por escrito é conveniente e, se possível, presente na sala de aula como forma permanente de compromisso compartilhado. • Nomear as fontes relacionadas com o processo (não apenas fontes bibliográficas): as evidências de aprendizagem • Encontrar um fio condutor que organize a seleção das evidências que farão parte do portfólio • Ter presente as perguntas: o que aprendi? De que maneira aprendi? O portfólio é propriedade do estudante • O trabalho realizado no portfólio é memória de aprendizagem. • Cada portfólio é criação única, pois cada qual determina que evidências e que experiências devem ser incluídas e faz uma auto-avaliação do seu processo de formação. • Ele é parte do processo de aprendizagem de cada aluna e cada aluno. • Ele pode tornar-se público para compartilhar com o grupo e ajudar no processo coletivo de aprendizagem – “estudantes e docentes podem ir construindo um conhecimento compartilhado mais equilibrado” (p.170). Os componentes do portfólio a) O propósito • Diário reflexivo: falar sobre os temas, comentando-os, não de forma descritiva, mas de forma reflexiva - também com perguntas, questionamentos, dúvidas. • Não é mera recopilação dos apontamentos. • Estudantes explicitam como imaginam construir o seu portfólio. • Cada exemplo selecionado para dar evidência de seu progresso deve ser recolhido, criado e organizado de uma determinada forma para demonstrar sua avaliação. Ter presente o fio condutor mais a explicitação do porquê de ter selecionado cada evidência. 8 AS CÉLULAS EUCARIÓTICAS E SUA CAPACIDADE DE DIFERENCIAÇÃO Regina Célila Mingroni Netto e Eliana Maria Beluzzo Dessen Nosso corpo é formado por diversos tipos de células O nosso corpo é constituído de trilhões de células, organizadas em diversos tipos de tecidos. Todas essas células originam-se de uma única, denominada célula-ovo ou zigoto, que, por sua vez, é o resultado da união de duas outras: o espermatozóide e o óvulo. À medida que o embrião cresce, grupos de células vão se tornando diferentes em estrutura e função, em decorrência de um processo chamado de diferenciação celular (Figura 1). Figura 1. O zigoto dá origem aos trilhões de células diferenciadas de nosso organismo. Em última análise, esse processo é controlado pelo DNA, que é o material genético. Mas, se o DNA contém a informação genética e essa informação é a mesma em todas as células do nosso corpo, você consegue entender como é possível que as células possam ser tão diferentes? O que se tem concluído das pesquisas científicas é que as células dos tecidos se diferenciam por terem diferentes trechos da molécula de DNA, ou seja, diferentes genes em funcionamento. Assim, as modificações celulares no processo de diferenciação resultam da ativação de certos genes e da inativação de outros: cada tipo de célula possui um conjunto característico de genes ativos. Em conseqüência dessa atividade diferencial, o conjunto de proteínas codificadas pelos genes varia dependendo do tipo de célula. Por exemplo, nas células do tecido nervoso, estão ativos genes que codificam proteínas que tornam as células ramificadas e capazes de fazer sinapses. Por outro lado, nas células das glândulas salivares, devem estar ativos genes que codificam enzimas secretadas na saliva. É claro que os genes que determinam a produção das enzimas da saliva não devem estar ativos em nenhum outro tecido do corpo. A atividade Célula nervosa Células do sangue Células adiposas Células musculares Óvulo sendo fertilizado Fases iniciais do desenvolvimento embrionário, a partir do zigoto 9 diferencial dos genes começa a ser determinada no decorrer do desenvolvimento embrionárioe persiste nos tecidos adultos. Todas as células têm duas características importantes: o grau de diferenciação e a potencialidade. O grau de diferenciação reflete o quanto uma célula é especializada. A potencialidade é a capacidade que ela tem de originar outros tipos celulares. Quanto maior a potencialidade da célula, geralmente será menor o seu grau de diferenciação. O zigoto é a célula com a máxima potencialidade, pois ele dá origem a todos os tipos de células. Assim, ele não é especializado ou diferenciado. No outro extremo, há células com potencialidade nula, como é o caso dos glóbulos vermelhos. Durante o processo de diferenciação dessas células, elas perdem o núcleo. Perderam, conseqüentemente, a capacidade de originar células iguais a elas. Logo, não têm potencialidade. A compreensão das diferenças de potencialidade celular é importante para o entendimento de uma série de tópicos tratados nesse volume. Figura 2. Classificação das células de acordo com sua potencialidade. Células-tronco totipotentes podem originar um organismo inteiro. Ex. Zigoto e primeiras células que resultam da divisão do zigoto Células-tronco pluripotentes podem originar quase todos os tipos de tecidos. Ex. Massa interna do blastocisto Célula-tronco multipotente podem originar diversos tipos de tecidos. Ex. Células-tronco do adulto CT hematopoiética outras CT plaquetas Glóbul hemácias Glóbulos brancos 10 DIFERENCIAÇÃO CELULAR E O CONTROLE DO GENE EUCARIÓTICO Eliana Maria Beluzzo Dessen (adaptado de Fundamentos de Biologia Celular – Alberts e col.) A diferenciação produz uma variedade de células especializadas em eucariotos Durante as repetidas divisões celulares que ocorrem no zigoto unicelular transformando-o em um organismo multicelular, as células individuais sofrem diferenciação celular, isto é, tornam-se especializadas em estrutura e função. É a regulação de genes que leva a essa especialização. Genes ativos em células de uma asa de mosca em desenvolvimento, por exemplo, são expressos como proteínas que tornam as células chatas e lisas, formando uma superfície de vôo forte e fina, semelhante a plástico transparente. Noutro exemplo, as células dos olhos em desenvolvimento, outros genes estão se expressando e sintetizam as proteínas que formam lentes capazes de focalizar luz. Células especializadas podem reter todo o seu potencial genético O zigoto possui um conjunto completo de genes que dará origem a todos os tipos de células especializadas do organismo. O que ocorre a esses genes à medida que as células se diferenciam? Uma hemácia, por exemplo, perde seu núcleo e todo seu DNA. Porém, a maioria das células diferenciadas retém o núcleo e um conjunto completo de cromossomos. Quando todos os genes ainda estão presentes as células diferenciadas retêm seu potencial de expressa-los? Uma maneira de responder a essas questões é a experimentação, ou seja, substituir o núcleo de um ovo ou zigoto pelo núcleo de uma célula diferenciada. Se genes forem perdidos ou irreversivelmente inativados durante a diferenciação, o núcleo transplantado não permitirá o desenvolvimento de um embrião normal. Experimentos pioneiros de transplantes de núcleos foram realizados pelos embriologistas Robert Briggs e Thomas King na década de 1950. Esses pesquisadores destruíram os núcleos de óvulos de sapo com luz ultravioleta (UV) e, em seguida, transplantaram no óvulo anucleado um núcleo de célula intestinal de girino. Muitos dos ovos contendo os núcleos transplantados começaram a se desenvolver, porém, poucos originaram girinos normais. Desse modo os pesquisadores foram capazes de clonar sapos – produzir cópias geneticamente idênticas – usando núcleos de células diferenciadas. Tais estudos mostraram que núcleos de células diferenciadas podem reter todo o seu potencial genético. Evidencias adicionais apareceram em 1997 com a clonagem do primeiro mamífero usando núcleos diferenciados. Nesse caso, os pesquisadores usaram choques elétricos para fundir uma célula de glândula mamária de ovelha com um óvulo do qual o núcleo havia sido retirado. O ovo começou a se dividir, foi implantado no útero de outra ovelha, e desenvolveu-se na celebrada “Dolly”. Como previsto Dolly parecia-se com sua parental feminina, a célula de mama doadora do núcleo, e não com o óvulo doador ou a mãe de aluguel. Outra indicação que a diferenciação não interfere no potencial genético é o processo natural de regeneração, ou seja, a reposição de partes perdidas do corpo. Quando uma salamandra perde uma perna, por exemplo, certas células do toco do membro se diferenciam, e então se rediferenciam para dar origem a uma nova perna. Em plantas, a habilidade de uma célula diferenciada desenvolver-se em um novo organismo é comum. A figura 1C mostra de modo esquematizado uma única célula, removida da raiz de cenoura e colocada em meio de cultura, pode começar a se dividir e originar uma planta adulta. Essa técnica pode ser usada para clonar plantas, reproduzindo centenas de milhares de organismos geneticamente idênticos a partir de células somáticas de um único indivíduo. Desse modo, é possível propagar grande número de plantas que tem características desejáveis tais como alta produtividade de frutos ou resistência a doenças. O fato de uma planta madura poder se desdiferenciar e originar 11 todos os tipos de células especializadas de uma nova planta é uma evidência que a diferenciação não necessariamente envolve mudanças irreversíveis no DNA. Cada tipo de célula diferenciada tem um padrão de expressão gênica Se todas as células diferenciadas de um organismo contêm os mesmos genes, e todos os genes têm o potencial de ser expressar, como as células tornam-se especializadas? Como já foi dito, as grandes diferenças entre as células em um organismo resultam da expressão seletiva de genes. À medida que um embrião em desenvolvimento sofre sucessivas divisões, genes específicos são ativados em diferentes células durante diferentes períodos de tempo. Grupos de células seguem vias de desenvolvimento diversas, e cada grupo desenvolve um tipo particular de tecido. Finalmente, no organismo maduro, cada tipo de célula – nervosa ou pancreática, por exemplo, - tem um padrão diferente de genes que são expressos. A Tabela abixo ilustra padrões de expressão gênica para alguns genes em células de três diferentes tecidos especializados de um mamífero. Os genes para as enzimas da via metabólica da glicolise estão ativos em todas as células metabolicamente ativas, incluindo células do pâncreas, do cristalino e nervosas, como exemplificado. Entretanto, os genes que codificam proteínas especializadas são expressos apenas por células específicas. Célula pancreática Célula do cristalino (embrião) neurônio Genes das enzimas da via glicolítica Funcionais Funcionais Funcionais Gene do cristalino Inativo Funcional Inativo Gene da insulina Funcional Inativo Inativo Gene da hemoglobina Inativo Inativo inativo As proteínas especializadas que foram usadas como exemplo são as proteínas transparentes do cristalino, que formam a lente do olho; o hormônio insulina; e a proteína transportadora de oxigênio, hemoglobina. Note que os genes para hemoglobina não estão ativos em nenhum dos tipos celulares mostrados na figura. Eles se expressam apenas nas células que irão se desenvolver em hemácias. Os genes para insulina são ativados apenas nas células do pâncreas que produzem hormônio. As células nervosas expressam genes para outras proteínas especializadas não mostradas. Células maduras do cristalino, e as hemácias, por exemplo, atingem um grau máximo de diferenciação, pois elas, após acumularemprodutos protéicos, perdem seus núcleos e, assim, todos os seus genes. Vimos então que as células eucarióticas tornam-se especializadas porque expressam apenas certos genes. Desse modo, a diferenciação celular em organismos multicelulares resulta da expressão gênica seletiva, assim como a habilidade de bactérias produzirem diferentes enzimas quando necessárias. A seguir será examinado com mais detalhe o controle da expressão gênica nos eucariotos. A transcrição é controlada por proteínas que se ligam a seqüências reguladoras de DNA Quando comparados com os procariotos, os eucariotos enfrentam as mesmas tarefas básicas de coordenação da expressão gênica, porém de um modo muito mais complexo. Alguns genes têm que responder a mudanças nas condições fisiológicas. Muitos outros são parte de circuitos genéticos de desenvolvimento que organizam as células em tecidos e tecidos em um organismo inteiro (exceto para os eucariotos 12 unicelulares). Nesses casos, os sinais que controlam a expressão gênica são produtos de genes que regulam o desenvolvimento e não sinais do meio externo. Algumas das seqüências de DNA reguladoras são curtas, cerca de 10 pares de nucleotídeos, e atuam como um interruptor gênico, ligando ou desligando o gene, em resposta a um único sinal. Esse tipo simples de interruptor gênico predomina nas bactérias. Nos eucariotos existem longas seqüências reguladoras de DNA (algumas vezes mais do que 10.000 pares de bases) que atuam como um microprocessador molecular, respondendo a uma variedade de sinais que são por elas integrados e que determinam a taxa de início da transcrição. As seqüências de DNA reguladoras não funcionam por si só. Para que haja qualquer efeito essas seqüências devem ser reconhecidas por proteínas denominadas proteínas reguladoras que têm a capacidade de se ligarem ao DNA. É a combinação de uma seqüência de DNA e suas moléculas de proteínas associadas que atuam como interruptor no controle da transcrição. Centenas de seqüências reguladoras de DNA foram identificadas, e cada uma delas é reconhecida por uma ou mais proteínas reguladoras. As proteínas que reconhecem seqüências especificas de DNA o fazem porque a superfície da proteína ajusta-se perfeitamente na dupla hélice de DNA de maneira seqüência-específica, e assim, diferentes proteínas irão reconhecer diferentes seqüências de nucleotídeos. Na maioria dos casos, a proteína insere-se no sulco maior da dupla hélice e realiza uma série de contatos moleculares com os pares de bases. A proteína forma pontes de hidrogênio, ligações iônicas, e interações hidrofóbicas com as extremidades das bases, usualmente sem romper as pontes de hidrogênio que une os pares de bases. Embora cada contato individual seja fraco, os cerca de 20 contatos que são geralmente formados na interface DNA-proteína atuam juntos para assegurar que a interação seja altamente especifica e muito forte; de fato as interações DNA-proteínas estão entre as mais firmes e específicas interações moleculares conhecidas em biologia. Embora cada exemplo de reconhecimento proteína-DNA seja único em seus detalhes, muitas das proteínas responsáveis pela regulação gênica contêm um dos vários padrões estáveis de dobramento que formam os chamados motivos estruturais. Essas regiões da proteína que se apresentam dobradas em motivos estruturais se ajustam ao sulco maior da dupla hélice do DNA e formam associações estreitas com um curto trecho de pares de bases. A iniciação da transcrição gênica em eucariotos é um processo complexo Os interruptores dos genes presentes em bactérias são exemplos vivos da economia e simplicidade freqüentemente observada em biologia. Em eucariotos, entretanto, um gene típico responde a muitos sinais diferentes, e sua regulação é, conseqüentemente, mais complexa. A polimerase do RNA de eucariotos necessita de fatores gerais de transcrição Nos eucariotos, são várias as funções atribuídas aos fatores gerais de transcrição no processo de início da transcrição pela polimerase II do RNA: posicionar corretamente a polimerase no promotor, ajudar a separar as duas fitas da molécula de DNA para permitir que a transcrição se inicie e liberar a polimerase do RNA do promotor uma vez iniciada a transcrição. O termo geral refere-se ao fato desses fatores associam-se a todos os promotores transcritos pela polimerase II do RNA. Nesse aspecto, os fatores gerais de transcrição diferem dos repressores e ativadores (descritos em bactérias no texto VI) que atuam em genes ou operons específicos, e das proteínas reguladoras dos genes eucarióticos (discutidas a seguir), que também atuam apenas em genes específicos. A Figura 1 mostra um modelo de como os fatores gerais de transcrição associam- se aos promotores utilizados pela polimerase II do RNA. O processo de montagem do complexo de iniciação começa com a ligação do fator de transcrição TFIID a uma curta seqüência de DNA dupla hélice composta por nucleotídeos T e A, conhecida como 13 seqüência TATA ou TATA box. Ao ligar-se ao DNA, o fator TFIID causa uma dramática distorção local na molécula de DNA. Tal distorção funciona como um sinal para a subseqüente montagem de outras proteínas no promotor. A seqüência TATA é um componente presente em praticamente todos os promotores utilizados pela polimerase II do RNA e localiza-se cerca de 25 nucleotídeos a montante (upstream) do sítio de início da transcrição. Após a ligação do primeiro fator geral de transcrição ao DNA, outros fatores também se ligam, juntamente com a polimerase II do RNA, para formar o complexo de iniciação da transcrição. Proteínas reguladoras controlam a distância a expressão de genes eucarióticos As bactérias utilizam proteínas reguladoras (ativadoras e repressoras) para regular a expressão de seus genes. As células dos eucariotos utilizam a mesma estratégia básica. Embora seja necessária a presença conjunta dos fatores gerais de transcrição e da polimerase do RNA para o início da transcrição in vitro (veja figura 1), dentro das células essas proteínas sozinhas não conseguem iniciar a transcrição de modo eficiente. Praticamente todos os promotores eucarióticos necessitam também de proteínas ativadoras que auxiliam a associação dos fatores gerais de transcrição e da polimerase do RNA. Os sítios do DNA aos quais se ligam as proteínas ativadoras dos genes eucarióticos foram denominados enhancers, desde que sua presença aumenta dramaticamente a taxa de transcrição. Foi muito surpreendente para os biólogos quando, em 1979, foi descoberto que essas proteínas ativadoras podiam se ligar a segmentos muito distantes do promotor, a milhares de pares de bases. Além disso, esses ativadores eucarióticos podem influenciar a transcrição quando se ligam a montante (upstream) ou a jusante (dowstream) do gene. Como as seqüências enhancers e as proteínas ligadas a elas funcionam a distâncias tão grandes? Como elas se comunicam com o promotor? Vários modelos de “ação à distância” foram propostos, mas o mais simples deles parece se aplicar para a maioria dos casos. O segmento de DNA compreendido entre o enhancer e o promotor dobra-se permitindo que as proteínas ligadas ao enhancer fiquem em contato ou com a polimerase do RNA ou com um dos fatores gerais de transcrição ligados ao promotor (Figura 2). Desse modo, o segmento de DNA compreendido entre o enhancer e o promotor DNA atuaria como uma estrutura de ligação que aproximaria a proteína ligada ao enhancer, localizado a milhares de pares de bases, permitindo sua interação com o complexo de proteínas ligadas ao promotor. Em eucariotos, as proteínas reguladoras ligadas a seqüências reguladoras distantes do promotor podem aumentar ou então diminuir a atividade da polimerase do RNA ligada ao promotor. Uma das maneiras de ação de tais proteínas é influenciar a montagem do complexode iniciação. Proteínas ativadoras irão facilitar a montagem do complexo enquanto repressoras impedem a montagem correta. O empacotamento do DNA em nucleossomos no promotor pode afetar a iniciação da transcrição As proteínas da cromatina e o DNA são parceiros no controle das atividades do material genético dentro da célula. O cromossomo é um complexo nucleoprotéico intrincadamente enovelado e com muitos domínios (Figura 3), nos quais a estrutura da cromatina local está estreitamente relacionada à manutenção de genes na configuração ativa ou silenciada, e a outras atividades da célula tais como a replicação do DNA, o emparelhamento e segregação dos cromossomos, e a manutenção da integridade do telômero e centrômero. Algumas regiões do genoma (heterocromatina, telômero e centrômero) estão empacotadas com características estruturais especificas. Esse empacotamento diferencial é definido por histonas modificadas, ou pela associação de proteínas adicionais não histônicas, ou então por moléculas de RNA reguladoras, que surpreendentemente também estão implicadas na organização da cromatina. Por exemplo, o X inativo dos 14 mamíferos está enriquecido por variantes de histonas como a macro H2A, quase três vezes maior que a H2A. No centrômero dos vertebrados, uma das histonas do octâmero, a H3, é substituída pela variante CENP-A. Esta por sua vez, forma um complexo com outras proteínas do centrômero, influenciando assim o empacotamento da cromatina centromérica. Uma vez que os nucleossomos estão localizados ao longo do DNA em intervalos regulares e com pouca especificidade, é provável que eles ocorram sobre regiões promotoras. Tais nucleossomos podem ser deslocados quando a transcrição do gene é ativada, embora ainda não seja completamente entendido como ocorre esse deslocamento. Sabe-se, porém que a célula possui proteínas especializadas cuja função é deslocar nucleossomos dos promotores e liberar o caminho para a montagem dos fatores gerais de transcrição. Outra possibilidade é que, como um prelúdio para a iniciação, as histonas nas vizinhanças do promotor sejam quimicamente modificadas, um passo que desestabiliza os nucleossomos afetados. Nucleossomos formados em seqüências reguladoras de DNA podem também interferir com a expressão gênica bloqueando a ligação de proteínas. Entretanto, nem sempre isso ocorre. Enquanto há evidencias de que algumas seqüências reguladoras são mantidas expostas em regiões livres de nucleossomos, certas proteínas reguladoras parecem capazes de ligarem-se às seqüências do DNA mesmo quando essas se encontram incorporadas em nucleossomos, possivelmente desestabilizando e desmontando parcialmente o nucleossomo nesse processo. A célula tem várias estratégias para assegurar que o inicio da transcrição ocorra num DNA empacotado em nucleossomos. Entretanto, também é claro que quanto mais compacta for a forma da cromatina (aquela encontrada em cromossomos mitóticos, cromossomos X inativos, e outras regiões da cromatina interfásica) mais resistente ela será ao inicio da transcrição. Presumivelmente, isso ocorre porque as proteínas reguladoras, os fatores gerais de transcrição, e a polimerase do RNA não podem ter acesso ao DNA quando ele está tão densamente empacotado. Genes eucarióticos são regulados por uma combinação de proteínas Nos eucariotos, as seqüências que controlam a expressão de um gene podem se espalhar por longos segmentos de DNA. Em animais e plantas não é raro encontrar seqüências reguladoras localizadas a 50.000 pares de nucleotídeos, embora a maioria desse DNA sirva apenas como “espaçador” e não seja reconhecido por proteínas reguladoras do gene. As proteínas reguladoras de genes não funcionam individualmente para ligar ou desligar um gene. Enquanto essa idéia cabe para muitos ativadores e repressores de bactérias, a maioria das proteínas que regulam os genes dos eucariotos funcionam como parte de um comitê de proteínas reguladoras, todas necessárias para fazer com que o gene se expresse na célula certa, em resposta às condições corretas, no tempo certo, e com nível de expressão adequado. O termo controle combinatorial refere-se ao modo como grupos de proteínas trabalham juntas para determinar a expressão de um único gene. Como mostrado na figura 4, muitas proteínas diferentes ligam-se a seqüências reguladoras para influenciar o inicio da transcrição nos eucariotos. A maioria dos genes eucarióticos possui regiões reguladoras contendo numerosos sítios para ambos os tipos de proteínas: com ação ativadora e repressora. Padrões estáveis de expressão gênica podem ser transmitidos para as células filhas Embora todas as células procarióticas e eucarióticas sejam capazes de ligar e desligar genes, organismos multicelulares necessitam de mecanismos especiais de controle para gerar e manter seus diferentes tipos de células. Uma vez que uma célula de um organismo multicelular tenha se diferenciado em um tipo específico, ela geralmente irá 15 permanecer diferenciada, e se for capaz de dividir-se, toda a sua progênie será do mesmo tipo celular. Algumas células altamente especializadas nunca se dividem após a diferenciação, como por exemplo, células da musculatura esquelética e neurônios. Mas há vários outros tipos de células diferenciadas, tais como fibroblastos, células da musculatura lisa, e células do fígado (hepatócitos), que irão se dividir muitas vezes durante a vida do organismo. Todos esses tipos celulares originam, quando se dividem, apenas células como elas mesmas: células de musculatura lisa não originam células do fígado. Isso significa que as mudanças na expressão gênica dão origem as células diferenciadas devem ser lembradas e transmitidas para suas células filhas em todas as divisões subseqüentes, ao contrário das mudanças temporárias na expressão gênica que ocorrem nas células de procariotos e eucariotos. Por exemplo, nas células ilustradas na figura 13, a produção de cada proteína reguladora, uma vez iniciada, deve ser perpetuada nas células filhas em cada divisão celular. Como isso deve ocorrer? Há várias maneiras de assegurar que as células filhas “lembrem” que tipos de células espera-se que elas sejam. Uma das mais simples delas é por meio de uma alça de feedback positivo, onde uma proteína reguladora chave ativa a transcrição do gene que a codifica além de ligar genes específicos de outros tipos celulares (figura 5). Por exemplo, a proteína reguladora MyoC funciona com esse tipo de feedback. Outra maneira de manutenção do tipo celular é através da propagação fiel da estrutura da cromatina da célula parental para a célula filha mesmo com um evento de replicação entre elas. Um exemplo disto é o fenômeno da inativação do cromossomo X nos mamíferos. O evento de inativação de um dos cromossomos X, o de origem paterna ou o de origem materna, ocorre no início do desenvolvimento embrionário e, a partir daí, o mesmo cromossomo X é inativado por muitas gerações seguidas. O mecanismo molecular por meio do qual o estado da cromatina é transmitido não é ainda totalmente conhecido em detalhes Figura 1.Início da transcrição de um gene eucariótico pela polimerase II do RNA. Para que a transcrição possa se iniciar são necessários vários fatores gerais de transcrição denominados, TFIIA, TFIIB e assim por diante. (A) o promotor contém uma seqüência de DNA denominada TATA Box, localizada a cerca de 25 nucleotídeos do sítio de início de transcrição. (B) O fator TFIID reconhece a seqüência TATA, se liga a ela, e permite a ligação do fator TFIIB. (C a E) os demais fatores de transcrição e a polimerase ligam-se ao promotor como em uma linha de montagem. início da transcrição RNA polimerase transcrição16 Figura 2. Modelo de ativação gênica à distância. Nesse exemplo, os fatores gerais de transcrição, os fatores de transcrição e a polimerase do RNA por si só não se associam eficientemente ao promotor e uma proteína reguladora ligada ao enhancer é necessária para estimular o processo de montagem do complexo de iniciação.O dobramento do DNA permite o contato entre a proteína reguladora ligada ao enhancer e o complexo de iniciação ligado ao promotor. No desenho, a linha interrompida indica a grande distancia que geralmente existe entre o enhancer e o promotor. Figura 3. Esquema de alguns dos níveis de empacotamento da cromatina do cromossomo mitótico altamente condensado. O nível deorganização melhor compreendido é aquele em que o DNA nu associa-se às histonas formando os nucelossomos. As estruturas que correspondem aos níveis seguintes de organização são mais especulativas. Proteína ativadora Ligação de fatores gerais de Transcrição, polimerase do RNA, mediadores, etc. Início da transcrição Início da transcrição DNA Colar de contas Fibra cromatínica de 30nm A fibra se organiza em alças Segmento condensado Cromossomo mitótico Cada molécula de DNA foi empacotada em cromossomos mitóticos que é 10.000 vezes mais curto que o DNA entendido. 17 Figura 4. Seqüências reguladoras de um gene eucariótico típico. O promotor é a seqüência de DNA onde a polimerase do RNA e os fatores gerais de transcrição se ligam. As seqüências reguladoras do gene são usadas como sítios de ligação de proteínas reguladoras cuja presença no DNA afetam a taxa de início de transcrição. As seqüências reguladoras podem estar localizadas adjacentes ao promotor, muito longe dele na direção 5’ (montante) ou, a 3’do gene (jusante). Figura 5. Esquema do modo como uma alça de feedback positivo pode criar a memória celular. A proteína A é uma proteína reguladora que ativa sua célula progenitora que experimentou um sinal transitório que deu início à produção da proteína. (I) A proteína A não é normalmente produzida, pois ela é necessária para sua própria transcrição. (II) sinal transiente liga o gene A, (III) O efeito do sinal transiente é lembrado em todas as células descendentes. Seqüências reguladoras do gene DNA espaçador Fatores gerais de transcrição RNA polimerase Proteínas Reguladoras do gene 5’ Início da transcrição I II III 18 SINALIZAÇÃO CELULAR Adriana Ribeiro de Oliveira-Marques – adaptado de Alberts e col. 2004. Os organismos multicelulares possuem um elaborado sistema de comunicação celular. Tal sistema depende de: 1. moléculas-sinal extracelulares, produzidas por células para sinalizar células vizinhas ou mais distantes 2. um elaborado sistema de proteínas que cada célula contem e que a habilita a responder a um conjunto particular de sinais de modo célula-específico. Essas proteínas incluem: a. proteínas receptoras de superfície celular que se ligam a molécula sinal b. uma variedade de proteínas sinalizadoras intracelulares que distribuem o sinal para partes apropriadas da célula. Entre essas proteínas estão: quinases, fosfatases, proteínas que se ligam a GTP e proteínas que interagem com as anteriormente citadas. c. no final de uma via de sinalização intracelular estão proteínas alvo, que são alteradas quando a via está ativa e mudam o comportamento da célula. Dependendo do efeito do sinal, essas proteínas alvo podem ser reguladoras, canal de íons, componentes da via metabólica, partes do citoesqueleto, etc Princípios gerais da comunicação celular Para facilitar a compreensão de como ocorre a sinalização celular vamos fazer uma analogia com a transmissão de uma mensagem por telefone. Uma pessoa fala ao telefone e sua voz é convertida num sinal elétrico. O sinal é amplicado e a mensagem é carregada na forma de impulsos elétricos pelo fio do telefone. Na extremidade oposta o sinal elétrico é convertido em onda sonora que é captada pelo ouvido e finalmente expressada na forma de impulsos no encéfalo de quem a recebeu. Em passos sucessivos ao longo dessa via de comunicação, formas diferentes de sinais são usadas para representar a mesma informação: o ponto crítico na transmissão ocorre quando a informação é convertida de uma forma em outra. Esse processo de conversão é chamado transdução de sinal. Os sinais que passam entre as células são mais simples que as mensagens humanas: um tipo particular de molécula é produzido por uma célula – a célula sinalizadora – e detectada por outra – a célula alvo – por meio de proteínas receptoras, que reconhecem e respondem de modo especifico à molécula sinal. A proteína receptora realiza o primeiro passo numa série de processos de transdução na extremidade final da via de sinalização, na célula alvo, aonde o sinal extracelular que chega é convertido num sinal intracelular que direciona o comportamento da célula. Os dois pontos chave dizem respeito à recepção e a transdução do sinal. Quando os biólogos referem-se a sinalização celular, são esses dois aspectos que eles geralmente tem em mente. A seguir serão brevemente descritos os diferentes tipos de sinais que as células enviam umas para as outras. Sinais podem atuar em curta ou longa distância As células num organismo multicelular usam centenas de tipos de moléculas extracelulares para enviar sinais uma para as outras – proteínas, peptídeos, aminoácidos, esteróides, derivados de ácidos graxos e até gases dissolvidos – mas há apenas uma dezena de modos básicos de comunicação. A maneira mais pública de se comunicar é transmitir o sinal pelo corpo todo secretando na corrente sanguínea do organismo (Figura 1D). Moléculas sinais usadas dessa maneira são chamadas hormônios, e em animais, as células que produzem hormônios são chamadas células endócrinas. 19 Menos publico é o processo conhecido como sinalização parácrina. Nesse caso, as moléculas sinal difundem localmente pelo meio extracelular, relembrando as células nas vizinhanças da célula secretora: elas atuam como mediadores locais (Figura 1B). Muitas das moléculas-sinal que mediam a inflamação nos locais de infecção ou proliferação celular em cicatrização funcionam dessa maneira. Um terceiro modo de comunicação é a sinalização neuronal. Assim como na sinalização hormonal, mensagens são freqüentemente entregues em longas distancias; na sinalização neuronal, entretanto, mensagens são liberadas em linhas privadas para células individuais de modo muito rápido (Figura 1C). O axônio de um neurônio termina em junções especializadas (sinapses) nas células alvo distantes do corpo celular neuronal. Quando ativada por sinais do meio ou por outros nervos, o neurônio manda impulsos elétricos ao longo do axônio com velocidade superior a 100 metros por segundo. Chegando ao axônio terminal, os sinais elétricos intracelulares são convertidos em uma forma química extracelular: cada impulso elétrico estimula o terminal a secretar um pulso de um sinal químico chamado neurotransmissor. Neurotransmissores difundem através do estreito gap (<100nm) entre a membrana do axônio terminal e a membrana da célula alvo em menos que um mili-segundo. Um quarto modo de comunicação é o célula a célula – o mais intimo e a curta distancia de todos – não requer a liberação da molécula secretada. Ao contrário, as células fazem contato direto por meio de moléculas sinalizadoras em suas membranas plasmáticas. A mensagem é liberada pela ligação deuma molécula sinal ancorada na membrana plasmática da célula sinalizadora para uma molécula receptora embebida na membrana plasmática da célula alvo (Figura 1A) Enquanto um sinal neuronal é como uma chamada telefônica, essa sinalização dependente de contato é como uma conversa frente a frente. Figura 1: Diferentes tipos de Sinalização. (A) dependente de contato, (B) parácrina, (C) sináptica, (D) endócrina, (E) autócrina e (F) junção do tipo Gap (modificada de Alberts e col., 2004). No desenvolvimento embrionário, por exemplo, a sinalização dependente de contato tem um papel importante nos tecidos nos quais as células adjacentes, que são inicialmente semelhantes, têm que se tornar especializadas de modos diferentes. Assim, na linha de células que originam o tecido nervoso, células individuais têm que ser indicadas para diferenciar-se como neurônios enquanto suas vizinhas permanecem não 20 neuronais. Os sinais que controlam esse processo são transmitidos via contato célula- celula: cada futuro neurônio inibe seu vizinho imediato de diferenciar-se também como neurônio. Cada célula responde a um número limitado de sinais. Uma célula típica de um organismo multicelular esta exposta a centenas de sinais diferentes de seu meio. Eles podem estar livres no fluido extracelular, ou ancorados na matriz extracelular, ou ligado às superfícies de células vizinhas. A célula deve responder de modo seletivo a esta mistura de sinais, desprezando alguns e reagindo a outros, de acordo com a sua função especializada. Se a célula vai reagir a uma molécula sinal depende, antes de qualquer coisa, dela possuir um receptor para esse sinal. Sem um receptor, a célula será surda ao sinal e não pode responder a ele. Produzindo apenas um numero limitado de receptores entre as centenas possíveis, a célula restringe a gama de sinais que podem afeta-la. Mas esta gama reduzida de sinais pode ainda ser usada para controlar o comportamento da célula por meio de modo complexo. A complexidade pode ser de dois tipos. Primeiro, um sinal, ligando a um tipo de proteína receptora, pode causar uma multiplicidade de efeitos na célula alvo: forma, movimento, metabolismo, expressão gênica – tudo pode ser alterado conjuntamente. O sinal de um receptor-de-superfície-da- célula é geralmente retransmitido para o interior da célula por um conjunto de outros componentes intracelulares que produz efeitos amplos. Esse sistema de retransmissão e os alvos intracelulares nos quais ele atua variam de um tipo de célula especializada para outro, de modo que células diferentes respondem de modo diferente a um mesmo sinal. Assim, quando uma célula do músculo cardíaco é exposta ao neurotransmissor acetilcolina, ela diminui a freqüência de contrações, mas quando uma glândula salivar é exposta ao mesmo sinal, ela secreta componentes da saliva (Figura 2). Figura 2: Diferentes respostas induzidas pelo neurotransmissoraAcetilcolina. (A) célula muscular cardíaca, (B) célula musculoesquelética e (C) célula de glândula salivar (modificada de Alberts e col., 2004). O segundo tipo de complexidade existe porque numa célula típica uma coleção completa de receptores diferentes – algumas dúzias deles. Esse número é suficiente para tornar a célula simultaneamente sensível a muitos sinais extracelulares. Esses sinais, atuando juntos, podem evocar respostas que são mais do que a soma dos efeitos que cada sinal poderia causar separadamente. Os sistemas de retransmissão intracelulares dos diferentes sinais interagem, de modo que a presença de um sinal modifica a resposta de outro. Assim uma combinação de sinais pode simplesmente fazer com a célula sobreviva; outra combinação pode dirigir a célula a uma via de especialização; outra pode leva-la a dividir-se; e na ausência de qualquer sinal a célula pode ser programada para morrer. Desse modo, um número relativamente pequeno de sinais pode ser usado em diferentes combinações para fornecer controles sutis e complexos sobre o comportamento da célula. 21 Receptores retransmitem sinais por meio de vias de sinalização intracelular Antes de traçar com detalhes como uma molécula sinal particular controla o comportamento da célula, é importante saber alguns princípios gerais. A recepção de sinais começa no ponto onde um sinal originado fora da célula encontra a molécula alvo pertencente à própria célula. Em quase todos os casos a molécula alvo é uma proteína receptora, e ela é usualmente ativada por apenas um tipo de sinal. A proteína receptora desempenha o passo primário de retransmissão: ela recebe o sinal externo, e gera em resposta um novo sinal intracelular (Figura 3). Como regra, esse é apenas o primeiro evento em uma cascata subseqüente de sinais intracelulares nos processos de transdução do sinal. Neles, a mensagem é passada de um conjunto de moléculas sinalizadoras intracelulares para outro, cada um deles produzindo por sua vez o próximo sinal até que, por exemplo, uma enzima de uma via metabólica seja ativada, a expressão de um gene ativada, ou o citoesqueleto entre em funcionamento. Esse efeito final é a resposta da célula. Essas cadeias de retransmissão, ou cascatas de sinalização, de moléculas sinalizadoras intracelulares têm várias funções cruciais (Figura 3): 1. Elas transferem fisicamente o sinal de um ponto no qual ele foi recebido para a maquinaria celular que irá responder, a qual está freqüentemente localizada em alguma outra parte da célula. 2. Elas transformam o sinal numa forma molecular que é capaz de estimular uma resposta 3. Na maioria dos casos, cascatas de sinais também amplificam o sinal recebido, tornando-o mais forte, de modo que poucas moléculas sinais extracelulares são suficientes para evocar uma grande resposta. 4. as cascatas de sinalização podem distribuir o sinal de modo a que ele influencie vários processos em paralelo: em qualquer passo da via, o sinal pode divergir (separar) e ser retransmitido para um número de diferentes alvos intracelulares, criando ramos no fluxo de informação e evocando uma resposta complexa. 5. Por ultimo, cada passo nessa cascata de sinalização está aberto à interferência de outros fatores, de modo que a transmissão do sinal pode ser modulada de acordo com as condições que prevalecerem dentro ou fora da célula. Vamos inicialmente considerar algumas das vias de sinalização mais simples antes de considerar as cascatas mais longas que retransmitem sinais dos receptores na membrana da célula nas células animais. Algumas moléculas sinal podem cruzar a membrana plasmática Moléculas sinal extracelulares em geral são de duas classes, correspondendo a dois tipos fundamentalmente diferentes de tipos de receptores. A primeira e maior classe de sinais consiste de moléculas que são muito grande ou muito hidrofílicas para atravessarem a membrana plasmática da célula alvo. As proteínas receptoras dessas moléculas sinais devem estar localizadas nas membranas das células alvo e retransmitir a mensagem através da membrana (Figura 4A) A segunda, e menor classe de sinais consiste de moléculas que são suficientemente pequenas e hidrofóbicas para difundir pela membrana plasmática. Para essas moléculas sinal, os receptores encontram-se no interior das células alvo e são geralmente ou proteínas reguladoras de genes (discutidas no cap 8) ou enzimas. Elas são ativadas quando a molécula sinal liga-se a elas (Figura 4B) As moléculas sinal, hidrofóbicas, mais bem conhecidas são os hormônios esteróides (inclusive cortisol, estradiol e testosterona) e o hormônio da tireóide (tiroxina). Todas elas passam através da membrana plasmática da célula alvo e liga- se a proteínas receptoras localizadas ou no citosol, ou no núcleo. Os receptores para esses hormônios são proteínas reguladoras de genes que estão presentes na formainativa na célula não estimulada. Quando seu hormônio correspondente se liga, a proteína receptora sofre uma grande mudança conformacional que possibilita que ela 22 se ligue a seqüências reguladoras correspondentes no DNA; ela pode então promover ou a inibição ou a ativação da transcrição de um conjunto de genes. Há proteínas receptoras diferentes para cada tipo de hormônio; cada receptor atua num conjunto diferente de sítios reguladores e assim regula um conjunto diferente de genes. O papel essencial dos receptores dos hormônios esteróides é evidenciado pela dramática conseqüência de uma mutação, a que causa a falta de receptores de testosterona em humanos. O hormônio masculino testosterona atua no feto e na puberdade como um sinal para o desenvolvimento de sinais para o desenvolvimento das características sexuais secundárias. Alguns raros indivíduos são geneticamente machos (XY), mas não possuem o receptor de testosterona como resultado de uma mutação no gene correspondente: eles produzem hormônio, mas suas células não respondem a ele. A conseqüência é quem eles desenvolvem a aparência de mulheres. Essa demonstração do papel chave dos receptores de hormônio da testosterona mostra também que o receptor é necessário não em apenas um tipo de célula para mediar um efeito, mas em muitos tipos de células produzindo uma gama completa de características que distinguem os dois sexos. Texto modificado de: Alberts, B.; Johnson, A.; Lewis, J; Raff, M.; Roberts, K.; Walter, P. - tradução: Ana Beatriz Gorini da Veiga e col. – Biologia Molecular da Célula - Capítulo 15: Comunicação Celular - 4ª edição – Porto Alegre – Artmed, 2004 Figura 3: Diferentes tipos de proteínas de sinalização intracelular ao longo de uma rota de sinalização, desde o receptor de superfície celular até o núcleo. Nesse exemplo, uma série de proteínas sinalizadoras intracelulares conduz o sinal da molécula sinalizadora para dentro da célula, causando uma mudança na expressão gênica (no DNA). O sinal é amplificado, convertido (transduzido) e distribuído ao longo da via 23 de sinalização. No final, essa transmissão de sinais ativa ou inativa proteínas-alvo que alteram o comportamento celular, neste caso, a proteína-alvo é uma proteína reguladora de um gene. Figura 4. A) Uma célula sinalizadora hidrofílica é incapaz de atravessar a membrana plasmática, por isso ela se liga a receptores de superfície celular, os quais geram um ou mais sinais dentro da célula-alvo. B) Algumas moléculas sinalizadoras são suficientemente pequenas e hidrofóbicas e conseguem atravessar a membrana celular e se ligar a um receptor citoplasmático (presente do citoplasma) ou a um receptor nuclear (presente no núcleo, como este exemplo) (Figura modificada de Alberts e col., 2004) 24 O BÁSICO SOBRE CÉLULAS-TRONCO National Institutes of Health – Stem cells information - http://stemcells.nih.gov/info/basics/basics1.asp Tradução e adaptação Eliana Maria Beluzzo Dessen Nota sobre a nomenclatura Células-tronco: (A nova fronteira da Medicina. Organizador Marco Antonio Zago e Dimas Tadeu Covas. Ed. Atheneu) Apesar de estranha à língua portuguesa, a denominação “célula-tronco” foi adotada neste livro porque se impôs nos últimos anos na imprensa e nos meios científicos nacionais. Isso é apenas um reconhecimento dessa tendência por parte dos autores, não uma manifestação explícita de apoio a essa escolha. O termo constitui uma tradução literal do inglês “stem cell”. As línguas latinas têm expressões que descrevem melhor sua função primordial: célula madre (castelhano), cellula staminale (italiano) e céllule souche (francês). Em Portugal há uma forte tendência para utilizar as expressões célula-mãe ou célula estaminal, que estariam mais de acordo com a índole de nossa língua. CARACTERÍSTICAS DAS CÉLULAS-TRONCO As células-tronco possuem três características gerais: (a) dividem-se dando origem a células iguais a ela, (b) são indiferenciadas e (c) podem dar origem a células especializadas ou diferenciadas. Os cientistas estão tentando entender: (a) porque as células-tronco embrionárias têm a capacidade de proliferar As células-tronco são durante longos períodos, mais de um ano, em laboratório, sem diferenciarem-se e (b) quais são os fatores nos organismos vivos que normalmente regulam a proliferação e renovação dessas células. A elucidação dessas questões pode esclarecer como a proliferação é regulada durante o desenvolvimento embrionário normal e durante o processo de divisão celular alterado que leva ao câncer. Além disso, tais informações permitiriam que os cientistas conseguissem cultivar células-tronco embrionárias em laboratório com mais eficiência. indiferenciadas As células-tronco são capazes de se renovar por longo período. Ao contrário de células diferenciadas como musculares, sanguíneas ou nervosas, que não se dividem mais, as células-tronco replicam-se muitas vezes. Uma população inicial de células-tronco pode multiplicar-se em laboratório muitas vezes. Células com essa característica são ditas auto-renováveis. Foram necessários mais de 20 anos de pesquisas para que se aprendesse a cultivar células embrionárias sem que elas se diferenciassem espontaneamente. Assim sendo, uma importante área de estudo com células-tronco é entender os sinais, no organismo maduro, que mantém a população de células-tronco proliferando e indiferenciadas até que elas sejam necessárias para reparar em tecido. Essa informação é fundamental para que os cientistas possam cultivar grande número de células indiferenciadas no laboratório para experimentação futura. , pois não possuem nenhuma estrutura tecido-específica que permita a realização de funções especializadas como, por exemplo, produzir saliva, contrair-se ou transmitir impulsos nervosos. As células-tronco podem originar células especializadas. Quando células indiferenciadas originam células especializadas, o processo é chamado diferenciação. O entendimento dos sinais internos e externos da célula que desencadeiam a diferenciação é ainda incipiente. Os sinais internos são controlados pelos genes, que são os portadores das instruções para o funcionamento da célula. Os sinais externos para a diferenciação incluem substancias químicas secretadas por outras células, contato físico com células vizinhas e certas moléculas no microambiente celular Muitas questões sobre células-tronco permanecem sem resposta. Por exemplo, os sinais internos e externos para a diferenciação são os mesmos para todas as células? Existe um conjunto de sinais que pode ser identificado como indutores de diferenciação para todos os tipos de células? Respostas a essas perguntas podem levar os . 25 pesquisadores a encontrar novas maneiras de controlar a diferenciação de células-tronco em laboratório, uma vez que o cultivo de células ou tecidos pode ser usado para propósitos específicos inclusive terapia celular As células-tronco encontradas em organismos não embrionários, denominadas . células-tronco do adulto, normalmente dão origem aos tipos celulares dos tecidos nos quais residem. Por exemplo, célula-tronco de medula óssea normalmente origina células do sangue como hemácias, células brancas e plaquetas. Até recentemente se achava que células hematopoéticas - células que dão origem às células do sangue – não fossem capazes de gerar células de um tecido diferente, como células nervosas do cérebro. Entretanto, muitos experimentos realizados nos últimos anos mostraram que células- tronco de um tecido podem originar células de um tecido diferente, um fenômeno denominado plasticidade . Um exemplo de plasticidade é a origem de neurônios, de células musculares cardíacas e de células produtoras de insulina a partir de células hematopoéticas. Assim,a possibilidade de usar células-tronco de adulto para terapias celulares tornou-se uma área de investigação muito ativa. AS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS Estágios do desenvolvimento embrionário importantes para gerar células-tronco embrionárias As células tronco-embrionárias são derivadas de embriões. No caso da espécie humana, os pesquisadores utilizam apenas células-tronco de embriões que foram obtidos a partir de óvulos fertilizados in vitro e que foram doados para fins de pesquisa científica. Os embriões dos quais as células-tronco humanas são derivados têm cerca de 4 a 5 dias e estão no estágio de blastocisto . Os blastocistos têm três estruturas: o trofoblasto que é uma camada de células que rodeia o blastocisto, a blastocele – cavidade no interior do blastocisto e a massa interna de células, com aproximadamente 30 células, localizada numa extremidade da blastocele. Figura 3. Fases iniciais do desenvolvimento embrionário. A - Estágio de 8 células, B – Mórula, C – início de blastocisto, D – blastocisto. A B C D Zona pelúcida Massa interna de células Cavidade do blastocisto trofoblasto Zona pelúcida em degeneração 26 Cultivo de células-tronco embrionárias em laboratório O cultivo de células-tronco em laboratório é chamado de cultura de células. As células-tronco embrionárias são isoladas por transferência da massa interna de células para uma placa de cultura contendo um meio nutritivo denominado meio de cultura. Nesse meio as células se dividem e se distribuem pela superfície da placa. A superfície interna da placa de cultura, geralmente, é recoberta com células epiteliais de camundongo que foram tratadas para não se dividir. Essa camada de células é denominada feeder layer Durante vários dias, as células da camada interna do embrião proliferam e começam a superpopular a placa de cultura. Quando isso ocorre, o excesso de células é transferido para outras placas de cultura contendo meio fresco. Esse processo de replaquear as células é repetido muitas vezes, por muitos meses, é chamado de subcultura. Cada ciclo de subcultura é denominado . Ela fornece uma superfície aderente na qual as células-tronco podem se unir. Além disso, a feeder layer libera nutrientes no meio de cultura. Recentemente, foram desenvolvidos métodos de cultivo sem a camada de células de camundongos o que corresponde a um grande avanço técnico, pois havia o risco de transmitir contaminantes (vírus e macromoléculas) do camundongo para as células humanas. passagem. Após 6 meses, as 30 células originais da massa de células interna do blastocisto gerou milhões de células- tronco embrionárias. Tais células-tronco que proliferam em cultura por 6 meses sem se diferenciar são pluripotentes e constituem uma linhagem de células-tronco embrionárias . Uma vez estabelecidas as linhagens elas podem ser congeladas ou usadas imediatamente em experimentos. Testes de laboratório para identificar células-tronco embrionárias Os testes para identificação das células-tronco embrionárias estão resumidos abaixo: • Cultivar as células em cultura para ver se permanecem indiferenciadas; • Estudar os marcadores de superfície • Verificar a presença da proteína Oct-4, um fator de transcrição que ajuda a ligar e a desligar genes no tempo certo, um passo importante no processo de diferenciação e desenvolvimento embrionário; que são encontrados apenas em células indiferenciadas; • Analisar os cromossomos para detectar se estão normais; • Determinar se as células podem ser cultivadas após serem descongeladas; • Testar se células são pluripotentes: (a) manipular as células para que se diferenciem em diferentes tecidos; (b) permitir que elas se diferenciem espontaneamente em cultura e (c) injetar as células em camundongos imuno- reprimidos para testar a formação de teratoma, um tipo de tumor benigno. Os teratomas contem uma mistura de células diferenciadas ou parcialmente diferenciadas – uma indicação de que as células-tronco embrionárias são capazes de se diferenciar em muitos tipos de células. Estimulação de células-tronco embrionárias para diferenciar As células-tronco são estimuladas para se diferenciar por meio do acréscimo de diferentes substâncias, fatores de crescimento, ou hormônios ao meio de cultura. CÉLULAS-TRONCO DO ADULTO 27 Célula-tronco do adulto é uma célula indiferenciada localizada entre as células diferenciadas que compõem tecidos ou órgãos de um organismo. No organismo vivo, as células-tronco do adulto têm a função de manter e reparar os tecidos nos quais elas se encontram. Essas células são também chamadas células-tronco “adultas” ou células- tronco teciduais. A origem das células-tronco do adulto nos tecidos é desconhecida. Nos últimos anos, células-tronco do adulto foram encontradas em um número grande de tecidos. Esse fato levou os cientistas a se perguntarem se elas não poderiam ser usadas em transplantes de células. Na realidade, as células-tronco da medula óssea (hematopoiéticas), que dão origem às células do sangue, vem sendo usadas em transplantes a cerca de 30 anos. Certos tipos de células-tronco do adulto têm a habilidade de se diferenciarem num grande número de tipos celulares quando colocadas em ambiente apropriado. Se a diferenciação dessas células puder ser controlada em laboratório. Elas poderão vir a ser tornar a base para terapias de muitas doenças. Onde são encontradas as células-tronco de adulto? As células-tronco do adulto foram identificadas em muitos órgãos e tecidos. Um ponto importante a ser entendido sobre essas células é que há um número muito pequeno de células-tronco nos tecidos. Acredita-se que elas residam numa pequena área de cada tecido onde elas permanecem quiescentes (não se dividindo) por muitos anos até que sejam ativadas por doenças ou lesões. Os tecidos adultos nos quais células-tronco já foram localizadas são: encéfalo, medula óssea, sangue periférico, vasos sanguíneos, músculo esquelético, pele, fígado, polpa dos dentes, e tecido adiposo. É uma área de pesquisa intensa e com freqüência novos tecidos entram para essa lista. Cientistas do mundo inteiro estão tentando encontrar maneiras de crescer células- tronco do adulto em cultura e manipula-las para gerar tipos celulares específicos que possam ser usados no tratamento de lesões de diferentes tipos. Alguns exemplos de potenciais tratamentos incluem a substituição de células produtoras de dopamina no cérebro de doentes de Parkinson, células produtoras de insulina para tratamento de diabetes do tipo I e reparo do músculo cardíaco danificado por enfarto com células da musculatura do coração. O que se sabe sobre a diferenciação de células-tronco do adulto? As células-tronco do adulto entram em vias de diferenciação para formar células especializadas de diferentes tecidos nos quais elas residem (figura 4). Células-tronco do adulto de alguns tecidos podem também exibir a habilidade de formar tipos celulares de outros tecidos, um processo conhecido como plasticidade. 28 Figura 4. Diferenciação de células-tronco mesenquimais e hematopoiéticas Num organismo vivo as células-tronco podem se dividir por um longo período e originar células diferenciadas que têm formas, estruturas e funções especializadas daquele tecido. A seguir são apresentados alguns exemplos de vias de diferenciação de célula-tronco do adulto: • Célula-tronco hematopoiética que origina todos os tipos de células do sangue: hemácias, linfócitos B e T, células killer, neutrófilos, basófilos, eosinófilos, monócitos, macrófagos e plaquetas (figura 4). • Célula-tronco mesenquimais (estroma da medulaóssea) origina uma variedade de tipos de células: células do osso (osteócitos), células da cartilagem (condrócitos), células adiposas, e outros tipos de tecido conectivo tais como os tendões, • Células-tronco epiteliais do revestimento do trato digestório ocorrem em criptas profundas e originam vários tipos de células: células absortivas, células de Paneth e células enteroendócrinas, • Células-tronco da camada basal da epiderme e na base do folículo do pêlo. As células-tronco epidermais dão origem aos queratinócitos, que migram para a superfície da pele e formam uma camada protetora. As células-tronco foliculares originam o folículo do pêlo e epiderme. Um grande número de experimentos sugere que certas células-tronco de adulto são pluripotentes. Essa habilidade de diferenciar-se em múltiplos tipos celulares é chamada plasticidade (ou transdiferenciação, por alguns autores). A lista seguinte apresenta exemplos de plasticidade das células-tronco de adulto (figura 5): • Células-tronco hematopoiéticas podem se diferenciar em três tipos principais de células nervosas: neurônios, oligodendrócitos e astrócitos; células de músculo cardíaco; células de fígado. • Células-tronco estromais podem se diferenciar em: células de musculatura cardíaca e esquelética • Células-tronco de cérebro podem diferenciar em: células sanguíneas e células de músculo esquelético. 29 Figura 5. -Plasticidade das células-tronco de adulto Pesquisas estão tentando determinar os mecanismos que conferem plasticidade às células-tronco de adulto. Se tais mecanismos forem identificados e controlados, as células existentes em um tecido sadio podem ser induzidas a repopular e reparar um tecido doente. PERGUNTAS CHAVE SOBRE CÉLULAS-TRONCO DO ADULTO E CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAs Questões importantes sobre as células-tronco permanecem sem resposta. Entre elas estão as que se seguem: • Quantos tipos de células-tronco do adulto existem e em quais tecidos elas existem? • Quais são as fontes de células-tronco do adulto no corpo? Serão elas células- tronco “remanescentes” das células-tronco embrionárias, ou elas são originadas de outro modo? Por que elas permanecem num estado indiferenciado quando as células ao seu redor foram diferenciadas? • As células-tronco do adulto exibem plasticidade normalmente, ou elas se transdiferenciam apenas quando manipuladas pelos cientistas? Quais são os sinais que regulam a proliferação e a diferenciação das células-tronco que exibem plasticidade? • É possível manipular células-tronco do adulto para aumentar sua proliferação de modo a produzir células suficientes para um transplante? • Existe um tipo de célula-tronco de adulto que tenha a capacidade de gerar as células de todos os tecidos e órgãos? • Quais os fatores que estimulam as células-tronco a migrarem para locais lesionados ou danificados? 30 SEMELHANÇAS ENTRE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E CÉLULAS-TRONCO DO ADULTO Tanto as células-tronco embrionárias humanas como as células-tronco do adulto apresentam vantagens e desvantagens com relação ao seu potencial de uso em terapia celular regenerativa. É claro que as células-tronco embrionárias são pluripotentes enquanto as células-tronco do adulto são multipotentes. Assim sendo, as células-tronco do adulto são geralmente limitadas a diferenciar nos tipos de células diferentes presentes em seus tecidos ou órgãos. Entretanto, há evidencias de plasticidade, como comentado acima, aumentando assim o número de tipos celulares que elas podem originar. Grande número de células-tronco embrionárias pode ser obtido em cultura, enquanto as células-tronco de adulto são raras nos tecidos e os métodos para expandir seu número em cultura ainda não foram desenvolvidos. Essa é uma diferença importante, pois um grande número de células é necessário para as terapias regenerativas. Uma vantagem potencial do uso de células-tronco do adulto é que as células do próprio paciente podem ser expandidas e reintroduzidas. Isso significa que não haverá problemas de rejeição das células transplantadas. As células-tronco embrionárias quando injetadas em um paciente podem causar rejeição. Entretanto, ainda não foi determinado se células-tronco embrionárias humanas podem causar algum tipo de rejeição. POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO HUMANAS E OS OBSTÁCULOS A SEREM VENCIDOS PARA VIABILIZAR SEU USO EM TERAPIA Há vários entraves de ordem técnica que precisam ser vencidos para que as células-tronco possam passar a ser empregadas rotineiramente em terapia celular. Um dos principais objetivos das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas é a identificação de como as células indiferenciadas tornam-se diferenciadas. Os cientistas sabem ligar ou desligar determinados genes é um processo crucial. Algumas das mais sérias condições médicas como câncer e defeitos congênitos são devidos a anormalidades na divisão celular anormal e na diferenciação. Uma melhor compreensão do controle genética e molecular desses processos pode dar informações sobre como tais doenças ocorrem e sugerir novas estratégias para terapia. Os cientistas ainda não compreendem completamente os sinais que ligam ou desligam genes na diferenciação das células-tronco. Uma potencial aplicação das células-tronco é a geração de órgão e tecidos para substituir tecidos lesados e que atualmente só é possível a partir de doação de órgãos de pessoas com morte cerebral. Para realizar as promessas de uso, os cientistas devem ser capazes de reproduzir, manipular e diferenciar as células em número suficiente para os transplantes. A seguinte lista de passos precisa ser obtida: • Proliferar extensivamente e gerar quantidades suficientes de tecido, • Diferenciar as células no tipo celular desejado, • Garantir a sobrevivência das células no corpo do transplantado, após o transplante, • Garantir a integração das células transplantadas no tecido do receptor, • Garantir o correto funcionamento das células durante o período de vida do transplantado, • Evitar qualquer tipo de dano no transplantado, inclusive rejeição. 31 CLONAGEM Mayana Zatz A clonagem é um mecanismo comum de propagação da espécie em plantas ou bactérias. Em humanos, os clones naturais são os gêmeos idênticos que se originam da divisão de um mesmo óvulo fertilizado. A grande revolução da Dolly abriu caminho para a possibilidade de clonagem humana ao demonstrar, pela primeira vez, que era possível clonar um mamífero - isto é, produzir uma cópia geneticamente idêntica, a partir de uma célula somática diferenciada. Para entendermos porque esta experiência foi surpreendente precisamos recordar um pouco de embriologia. Todos nós já fomos uma célula única, resultante da fusão de um óvulo e de um espermatozóide. Esta primeira célula já tem no núcleo o DNA com toda a informação genética necessária para o novo ser. No núcleo das nossas células, o DNA se organiza em pares de cromossomos e apresenta-se muito condensado. Com exceção das células sexuais — o óvulo e o espermatozóide, que têm 23 cromossomos —, em todas as outras células do corpo humano há 46 cromossomos (23 pares) em seus núcleos. As células do corpo, não sexuais, são as chamadas células somáticas. A grande contribuição da clonagem da Dolly foi justamente a descoberta que uma célula somática de mamífero, já diferenciada, poderia ser reprogramada ao estágio inicial e voltar a ser totipotente. Os cientistas escoceses realizaram isso ao transferirem o núcleo de uma célula somática da glândula mamária de uma ovelha para um óvulo enucleado — quer dizer, de onde tinham retirado o núcleo. Surpreendentemente, o óvulo começou a comportar-se como um óvulo recém-fecundado por um espermatozóide. Clonagem reprodutiva
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