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AULA 2 Formação do Estado e alguns importantes conceitos

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O Processo de Formação do Estado e sua Sociogênese
Arnaldo Provasi Lanzara
(UFF)
Estado, Poder e Governo
 . Normatividade versus história: O Estado como idealização e como resultado de um processo histórico.
. A história das instituições desenvolveu-se mais tarde do que a história das doutrinas.
. Identificação do Estado com a formas pelas quais os teóricos políticos conceberam a questão da estruturação do poder político e da autoridade.
 Maquiavel – O Estado como artifício para o exercício da hegemonia política.
Hobbes – O pacto, o princípio da autorização (delegação de poder ao soberano) e a constituição do Estado absoluto.
Locke – O Estado como representação; uma monarquia parlamentar: o direito de rebelião dos súditos. 
Rousseau – O Estado, a vontade geral e a soberania; bases para se pensar a democracia.
Montesquieu – O Estado como força atuante da limitação do seu próprio poder.
Hegel – O Estado como encarnação do poder da Constituição; uma monarquia constitucional.
Uma Historiografia das Instituições 
Distanciamento das doutrinas e reconhecimento do poder político como ação contextualizada.
Maquiavel: reconstrução da história e do ordenamento das instituições políticas: O que fez a glória da república romana? Qual a razão da durabilidade das suas instituições políticas?
A possibilidade dos dissensos para a construção da política; foi o conflito, e não a sua eliminação, que fez a glória das repúblicas.
Estudo da história e das leis; o papel dos legisladores e das leis que estruturam os diferentes tipos de Estado.
Averiguar o conjunto das normas que constituem o direito público das sociedades. Estudos jurídicos sobre o Estado foram lentamente cedendo espaço ao estudos que se debruçaram sobre as relações de poder Estado/sociedade.
Ênfase em uma abordagem comparada das instituições políticas.
Descrever a passagem do Estado feudal à monarquia absoluta, e desta ao Estado constitucional liberal e ao Estado democrático contemporâneo com seu maquinário burocrático.
Uso descritivo e não prescritivo das categorias do político
Filosofia e Ciência Política
Filosofia política e investigações sobre a origem do Estado:
A “república ideal”; Utopia [1516], Thomas More;
O fundamento do Estado e da obrigação da obediência irrestrita pelo súdito; Leviatã [1651], Thomas Hobbes
O essência da atividade política e seu conteúdo ético representado pela hegemonia exercida pelo soberano no Estado; O Príncipe [1513], Maquiavel
Ciência Política e bases de sua investigação do fenômeno estatal:
1) Trata dos resultados mensuráveis da ação política;
2) Menos preocupada com os juízos valorativos referentes aos resultados dessa ação;
3) Estabelecimento de nexos causais; observar regularidades e descrevê-las para capturar não a essência mas a ocorrência de alguns fenômenos políticos.
Direito e Sociologia
Positivização do Direito Público e entendimento doutrinário do Estado pelas disciplinas jurídicas.
Concepção do Estado como Estado de direito; como órgão de produção jurídica.
A própria noção jurídica de Estado levou a uma compreensão do fenômeno estatal que exigia categorias sociológicas de interpretação. Afinal, as leis requerem uma base social de consentimento.
Weber: estudo relacional da formação das entidades jurídicas e estatais. Estado: um poder em relação.
Corolário do enfoque weberiano: grupos sociais que se tornam grupos políticos que, por sua vez, se tornam Estados.; uma sociologia do Estado.
Noção de Estado em Weber: concentração e centralização do aparato administrativo para o exercício do monopólio legítimo da força. Caráter logístico do Estado. 
IDEIA CENTRAL TRIBUTÁRIA DA SOCIOLOGIA WEBERIANA DO ESTADO: O Estado mobiliza os interesses presentes na sociedade e é por esses interesses mobilizado. 
Caráter despótico e infraestrutural do poder do Estado. Michael Mann (1993), As Fontes do Poder Social.
Perda de prestígio dos estudos formalistas (jurídicos) do Estado.
Vigor dos estudos de sociologia política.
O Estado como forma complexa de organização social (da qual o direito é apenas um dos elementos constitutivos) estruturado pelas mais diversas relações de poder: poder político; poder econômico; poder social; poder ideológico; poder militar. 
Teorias Sociológicas do Estado: Funcionalismo e Marxismo
 Diferenças no que se refere à origem, à funcão e à finalidade do Estado.
Marxismo: a análise das instituições opera no plano das relações entre estrutura (econômica) e superestrutura (ideológica e política). Esta última sustenta a formação do Estado.
Determinação estrutural do Estado: um “comitê exclusivo da burguesia”.
Em última instância, o Estado é determinado pelo poder estrutural do capital.
Ênfase nos aspectos conflitivos que estruturam a passagem de uma ordem econômica para outra sob a égide de determinadas superestruturas.
Funcionalismo: derivado da teoria de Talcott Parsons (1902-1979); ênfase nos aspectos integrativos do Estado para a modernização e coesão da sociedade.
As instituições estatais conservam o equilíbrio da sociedade mediante o consenso: conservação social
Adesão da sociedade aos valores que mantêm o consenso: o Estado é um instrumento de socialização dos valores para a comunidade e de manutenção da ordem: Quais valores?
Teorias pluralistas do Estado: herdeiras da abordagem funcionalista.
Grande questão de fundo
Analisar o fenômeno estatal sob a ótica de quem governa ou de quem é governado. Dicotomias características: governantes-governados; soberanos-súditos; Estados-cidadãos.
Contraste entre os pensadores políticos que se colocam ex parte principis, isto é, da parte dos governantes para justificar o seu direito de comandar e o dever dos súditos de obedecer, e os que se colocam ex parte populi, ou seja, da parte dos governados para defender o seu direito de não serem oprimidos e o dever dos governantes de emanarem leis justas (BOBBIO, 1987:144)
 - ex parte principis: o problema principal do Estado é o da unidade do poder; soberania como emanada única e exclusivamente do poder do governante.
- ex parte populi: o problema principal é o da liberdade dos singulares; o problema de assegurar formas contra-soberanas de poder.
O Nome e a Coisa
Origem da palavra Estado: deve-se ao prestígio alcançado pela obra O Príncipe de Maquiavel. “Todos os estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados”. Natureza e durabilidade do empreendimento; características observadas ao longo do tempo.
Passagem do significado corrente do termo status de “situação” para “Estado”, tal como o conhecemos hoje: poder fisicamente presente ( território e comando).
O termo “Estado” vai gradualmente substituindo, embora através de um longo percurso histórico, os termos tradicionais com que fora designada até então a máxima organização de um grupo de indivíduos sobre um território em virtude de um poder de comando.
Antigas denominações: civitas, expressão latina que traduzia o termo polis (politeia = constituição do corpo político), e res publica, com a qual os escritores romanos designavam o conjunto das instituições políticas de Roma, notadamente da civitas. 
O problema da origem do Estado: trata-se de uma nova instituição ou de um produto de um processo cumulativo?
Uma nova instituição oriunda de um processo cumulativo: processo de concentração do poder de comando sobre um determinado território bastante vasto , que acontece através da monopolização da ordem interna e externa, tais como a produção do direito através da lei e do aparato coativo necessário à aplicação do direito contra os renitentes, bem como através do reordenamento da imposição e do recolhimento fiscal, necessário para o efetivo exercício dos poderes estatais ampliados. Tese weberiana clássica. 
Weber: viu no processo de formação do Estado moderno um fenômeno de expropriação por parte do poder público dos meios de serviço como as armas,fenômeno que caminha lado a lado com o processo de expropriação dos meios de produção possuídos pelos artesãos por parte dos detentores do capital.
Relações Estado-Sociedade
Compreender o fenômeno político em sua concomitância ao fenômeno social.
Grande salto qualitativo das teorias do Estado no século XX: a emergência do Estado como um “processo sociogenético” (Norbert Elias).
Algumas teorias não prescritivas do Estado que explicam a origem do Estado moderno observando os inter-relacionamentos Estado/sociedade e os padrões de conflitividade que deles resultam: processos de configuração histórica do Estado.
Charles Tilly: Capital, Coerção e Estados Europeus.
Norbert Elias: O Processo Civilizador 
Reinhard Bendix: Construção Nacional e Cidadania.
Perry Anderson: Linhagens do Estado Absolutista
Gianfranco Poggi: A Evolução do Estado Moderno
Michael Mann: As Fontes do Poder Social
O Estado em sua sociogênese: formação hitórica dos Estados
POGGI, Gianfranco. A Evolução do Estado Moderno. Uma Introdução Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
Antes, algumas importantes advertências
Riscos de se analisar o Estado partindo-se de duas premissas: 
o Estado e a política como meros instrumentos de alocação de valores econômicos: esterilidade de ação política e estatal; abordagem típica dos enfoques pluralistas do Estado. A pluralidade dos interesses existentes na sociedade é tudo, o Estado não é nada – é apenas um órgão funcional ( um subsistema) de alocação de recursos. Cabe a política como um subsistema da sociedade alocar as preferências dos eleitores, como a economia de mercado aloca a preferência dos consumidores (David Easton).
O Estado e a política substantivados pela relação amigo-inimigo: o soberano só decide na exceção. O que conta é a eficácia e não a legalidade das decisões; teorias decisionistas do Estado. O Estado é um sujeito onipotente e a política está para ele como o soldado está para o campo de batalha (Karl Schmidt) 
Complexidade dos eventos históricos que contribuíram para a formação do Estado moderno
Sociogênese: conceito criado por Norbert Elias
Poggi. sequência histórica de tipos de sistemas de governo: o feudalismo, o Ständestaat e o absolutismo. A complexidade referente à formação de cada sistema de governo decorre de um contexto de determinantes econômicos, culturais, políticos, sociais e tecnológicos.
Ständestaat: sistema intermediário entre o feudalismo e o absolutismo.
Final do século XII e início do século XIV: advento e consolidação do Ständestaat. Declínio do Ständestaat: ascensão do absolutismo (séculos XVI e XVII). 
Europa ocidental: palco da sequência histórica delineada pelo autor.
O Sistema Feudal de Governo
Contexto histórico: deterioração, desmantelamento e insegurança gerais decorrentes dos processo de fragmentação dos grande impérios territoriais, como o romano, dos deslocamentos maciços de populações, e do afastamento das rotas de comunicação e comércio do Mediterrâneo. 
O papel das dinastias: reconstituir uma estrutura abrangente e translocal de governo.
Reaver o legado romano de ordem e unidade e conferir proteção aos grupos pertencentes aos reinos subordinados a essas dinastias; necessidade, em face das invasões bárbaras, de orientar a atividade governativa para as tarefas militares. Relações de lealdade dos subordinados a um chefe militar específico.
Natureza da Relação Feudal
As relações feudais eram marcadas por uma série de práticas sociais, geralmente assimétricas e informais; relações entre um superior e um inferior que capacitava o primeiro a exercer certo número de prerrogativas de governo.
Relações de suserania e vassalagem: grande chefes territoriais delegavam funções de governo (extração de tributos, proteção militar) a chefes territoriais locais que, em contrapartida, comprometiam-se em conferir proteção aos habitantes dos seus domínios.
Direitos do vassalo: chefiar, controlar, explorar e frequentemente oprimir os seus dependentes.
Tendências do Sistema
Sistema feudal; um sistema de assenhoramento de terras; dar posse, intitular e conferir uma autoridade territorial.
Poggi: as redes de relações interpessoais estruturadas pelo sistema feudal se tornaram o principal meio de veiculação e difusão da autoridade governante. Mas, note-se: de uma autoridade que seria caracterizada por uma certa fluidez e descontinuidade.
O “Estado Feudal” é aquele que se debilita a si mesmo, tornando demasiadamente complicada a tarefa de governar áreas cada vez mais vastas e que escapavam ao controle dos chefes territoriais.
A principal tendência durante grande parte do período feudal foi a fragmentação de cada grande sistema de governo em numerosos sistemas menores e cada vez mais autônomos que diferiam fortemente no modo como executavam a tarefa de governar.
Guerra: fenômeno que contribuiu para agravar as incertezas referentes à existência de qualquer autoridade mais duradoura.
Incertezas sobre o uso da terra (posse): as terras feudais eram um emaranhado de jurisdições plurais e sobrepostas, geradas por confusas relações de suserania e vassalagem.
Componente puramente patrimonial da posse da terra: a conquista militar e o domínio.
Mais tarde, a propriedade fundiária passou a ser vista como a portadora inerente das prerrogativas semipolíticas e anteriormente públicas conferidas ao seu detentor em virtude, simplesmente, do fato de as possuir.
Movimento de autarquização da posse pelo vassalo: crescimento da consciência que a posse da terra lhe conferia certas prerrogativas, tanto para pleitear seus “direitos” junto ao senhor como para empreender conflitos armados visando uma reparação por qualquer dano que lhe fosse imputado. Crescente autarquização e consequente dispersão do poder territorial. 
Essa tendência de dispersão do poder apoiava-se numa coerção automaticamente ativada e exercida por uma pequena classe de guerreiros e rentistas que atuavam em defesa dos seus próprios interesses.
Situação que tornava o uso da violência incontrolável. 
Conformação de bandos armados (milícias) que se especializaram na tática da represália militar para a extração de recursos: tal represália era direcionada tanto externamente – entre os diferentes territórios – como internamente, partindo de um chefe territorial em direção aos seus subordinados: camponeses, servos de gleba, etc. 
Os governantes de partes do território do suserano, os duques e chefes locais, constituíam em todas as ocasiões um perigo para o poder central. 
Príncipes e reis vitoriosos, com a força dos exércitos que comandavam e da proteção que garantiam contra as inimigos externos, esforçavam-se, com um sucesso inicial, para enfrentar esse perigo na área que controlavam.
Os senhores territoriais ou príncipes locais possuíam, na verdade, a terra que o rei absoluto outrora controlaria.
 Exceto quando ameaçados por inimigos externos, não mais necessitavam do rei. Colocavam-se fora de seu poder. Quando dele precisavam como Líder militar, o movimento era invertido e o jogo recomeçava, supondo que o suserano fosse vitorioso na guerra. Neste caso, graças ao poder e ameaça que emanavam de sua espada, ele recuperava o controle real sobre todo o território e podia redistribuí-lo novamente. Esse foi um dos processos que se repetiram no desenvolvimento da sociedade ocidental em começos da Idade Média e, as vezes, em forma algo modificada, em períodos posteriores.
O legado político do sistema feudal
O crescimento do feudalismo levou, na maior parte da Europa ocidental, a uma drástica erosão do patrimônio fundiário dos governantes e aos fracionamento da propriedade territorial.
O centro da gravidade política mudou para centros de governo cada vez mais limitados e mais localmente enraizados, os quais cresceram independentemente uns dos outros.
A relação feudal tornou-se um terreno fértil para a geração de todo o tipo de antagonismo, ligando-se ao particularismo exclusivista das linhagens, aos orgulhosdinásticos e acima de tudo aos critérios definidores de status.
Não se deve confundir o feudalismo com o “início” da etapa de desenvolvimento do Estado moderno.
Constitui uma primeira tentativa para impor uma estrutura sólida e exequível de governo em terras que tinham sofrido grandes devastações.
O feudalismo enraizou na terra uma classe guerreira que, anteriormente, apresentava características nômades. 
Além disso, o feudalismo outorgou a essa classe poderes que extravasavam o mero exercício das prerrogativas militares, conferindo-lhes outras funções, tais como: o monopólio da arrecadação fiscal dentro dos territórios; o envolvimento com as tradições locais; o julgamento relativo aos conflitos locais.
Resistência e Direito
Antes da redescoberta do direito romano pelos legisladores do Estado absolutista, o feudalismo já havia estabelecido a noção de que a discussão ( por mais irracional e violentamente que seja conduzida) sobre direitos e justiça ( ainda que entendida de um modo mais ou menos particularista) constituía o método modelar para fixar as fronteiras do governo e enfrentar e corrigir o desgoverno; saliente-se o fato de o sistema feudal ter, tal como o Estado moderno, justificado o recurso à força para coagir os reticentes.
Ao estabelecer o “direito” de alguns indivíduos a resistirem a um governante prevaricador, o feudalismo criou uma concepção jurídica, eminentemente local, de resistência contra o poder dos grandes chefes territoriais. O poder das cidades-Estados medievais e renascentistas surge da natureza desse conflito. 
O Ständestaat
Ständestaat: designa “comunidade política de estados”; os estados aqui representam as ordens e as classes representadas nas antigas assembleias ou cortes.
O Ständestaat surge na Europa em meados do século XIII. 
Contexto de ascensão das atividades comerciais e do desenvolvimento urbano. 
Emerge mais nitidamente quando floresce o sistema das cidades comerciais, representando a derrocada do sistema feudal.
O governo das cidades
Cidades no ocidente medieval: surgiram como povoamentos dedicados a atividades produtivas e comerciais especificamente urbanas e como entidades politicamente autônomas.
Autonomia esta conquistada em luta travada contra os grande chefes territoriais; a cidade medieval emerge como nova figura política.
A cidade configurou um processo de criação ou de reativação política de uma espécie de “ação solidária” que partiu de indivíduos desprovidos de ajuda e de poder. 
A ascensão das cidades e a afirmação de direitos: as cidades constituíram direitos que eram corporativos em sua natureza, isto é, que só estavam ligados a indivíduos em virtude da filiação destes a uma coletividade constituída, ou corporação, capaz de funcionar como entidade unitária.
Uma ação que é irrompida a partir das petições de uma coletividade identificável: o elemento citadino.
 Papel das guildas e corporações de ofício para o despertar de uma nova consciência que, aparentemente, revelava interesses econômicos mas que, na realidade, inscrevia os sujeitos numa comunidade portadora de certas prerrogativas identitárias.
Apesar de funcionarem localmente, essas corporações frequentemente assumiam prerrogativas de governo. 
Concessão de um status diferenciado para os elementos citadinos em relação aos habitantes do mundo rural imerso nas relações senhoriais – de mando e obediência irrestrita ao senhor.
As cidades adquiriram poder e autonomia política como agregados formados e mantidos continuamente em ação pela fusão voluntária de vontades – e conjugação de recursos- de iguais individualmente desprovidos de poder. Questão dos “negativamente privilegiados” (Max Weber).
Consciência comum de certos interesses que suplantam qualquer poder individual de ação e requerem portanto, a conjugação voluntária de recursos materiais e morais. Ideia de “repertórios coletivos de ação e protesto organizado” (Charles Tilly).
Conflitos: toda e qualquer representação coletiva referente ao governo das cidades tinha de ser respaldada pela força militar.
Para assegurar e defender as prerrogativas que desfrutavam ,as cidades dispunham de dois importantes recursos militares: as muralhas citadinas e outras fortificações, e as milícias urbanas. 
As atividades comerciais desenvolvidas no âmbito das cidades sustentavam ,de algum modo, os empreendimentos militares que garantiam sua própria defesa. Isso, em contrapartida, tornava as cidades reféns do poder extrativo de recursos exercido por alguns chefes militares.
O cidadão típico não estava continuamente envolvido nas atividades políticas, nem dependia delas para firmar sua posição na sociedade.
O que reunia os cidadãos e os prendia a uma divisão de trabalho mais complexa e dinâmica eram os interesses comerciais e produtivos; e foi principalmente para construir um contexto normativo e um meio jurídico que possibilitassem e tornassem lucrativa a conduta dos negócios e a prática dos ofícios que as cidades procuraram adquirir autonomia política e autossuficiência militar.
Os elementos citadinos imersos nas atividades comerciais e produtivas viram no comando e na coerção os instrumentos de poder necessários para garantir a realização dos seus empreendimentos.
As cidades passaram a cobrar maior autonomia e a reivindicar imunidades, requerendo ainda um tratamento jurídico diferenciado. Ex: inviolabilidade do domicílio citadino; status jurídico de homens livres para todos os cidadãos; direitos corporativos referidos aos ofícios.
É importante salientar que essas reivindicações por maior autonomia inseriam-se dentro de um contexto no qual era o poder militar que decidia, em última instância, os destinos políticos da cidade. Por isso, seria conveniente para a cidade que ela não desafiasse totalmente esse poder.
As cidades individualmente poderosas coligaram-se, não tanto para prescindirem da estrutura já existente de governo feudal mas, sobretudo, para adaptarem suas estruturas políticas aos interesses dos cidadãos.
De um modo geral, os interesses das cidades eram favorecidos quanto mais amplo e mais uniforme fosse o contexto de governo em que operavam - pelo menos , na medida em que estivesse inserido nesse contexto regular e fiscalizar o tráfego comercial, fornecer uma moeda sólida e de confiança, fazer respeitar o cumprimento de transações no mercado, etc.
A inclinação das cidades em favor do governante territorial, com tendências mais centralizadoras e mais representativas.
Aos poucos, as cidades foram minando o poder das feudalidades ( a supremacia dos chefes territoriais locais) e incrementando o sistemas gerais de governo e as cortes; as Stände.
Stand, Stände e Ständestaat
Ascensão do Ständestaat. Fatores: ingresso das cidades no cenário político e mudança no equilíbrio de poder entre o governante territorial e os feudatários a favor do primeiro.
Poggi: O Ständestaat foi um sistema original , distinto e historicamente único de governo. 
Stand: uma unidade de estratificação. Designa um grupo de pessoas que gozam dos mesmos direitos e prerrogativas, do mesmo status.
Esse status, diga-se, deve ser publicamente reconhecido para adquirir validade normativa e material.
Stände: são as “cortes” ou órgãos constituídos e preparados para o fim específico de enfrentar o governante ou de colaborar com ele.
Pode-se dizer que as Stände são formas embrionárias de governo representativo.
No Ständestaat , indivíduos e grupos poderosos reuniam-se pessoalmente ou através de delegados, em assembleias de constituição variada, e aí se encontravam com o governante ou seus agentes.
Eram instituições que vocalizavam os protestos e os anseios dos diferentes grupos sob o domínio do governante territorial: instituições de barganha, especialmente de natureza econômica e corporativa. 
O Ständestaat estava organizado no nível local, mais próximo portanto dos interesses daqueles que participavam de suas assembleias: comerciantes, pequenos artesãos, mestres e aprendizesdas corporações. 
Como o próprio nome sugere, as Stände representavam os diferentes estados: as cortes compostas por artesãos, mercadores, incluindo ainda membros do clero e do corpo político e militar ligado aos governantes territoriais. 
Papel dos juristas e magistrados na composição dessas cortes; cabia a esses grupos ditar normas e regulamentos referentes à provisão de uma variedade de serviços.
Pouco a pouco, as Stände foram exercendo importantes funções legislativas, usurpando de certo modo algumas prerrogativas que seriam exclusivas dos governos territoriais, como a supervisão sobre os gastos, por exemplo.
Para neutralizar as restrições resultantes sobre sua liberdade de ação, o governante, cioso de perder suas prerrogativas no que dizia respeito aos atos de tributação, passou a cercear as atividades das Stände; por consequência, isso acabou por aumentar o nível de conflitividade entre o governante territorial e os habitantes das cidades.
O dualismo como princípio estrutural
O Ständestaat diferia essencialmente do sistema feudal por ser mais institucionalizado em suas operações, por ter uma referência territorial explícita e por ser dualista.
Esse dualismo decorria do fato de o Ständestaat colocar o governante em confronto com as classes representadas nas cortes, associando os dois elementos no governo como centros distintos de poder.
Criou, por assim dizer, a primeira forma de conflito institucionalizado no percurso da tensa história entre governantes e governados, instituindo uma forma de representação contra-soberana, antes mesmo da instituição da ideia de soberania do monarca.
O Ständestaat surge como a experiência mais dilatada de comunidade política até então existente, mas uma comunidade política clivada por centros de poder político separados em suas prerrogativas.
 Cada centro exercia poderes próprios, diferindo nesse aspecto dos órgãos representativos e executivos do moderno Estado constitucional liberal.
Insistência das Stände em se instituírem como poderes independentes. 
O Ständestaat como um sistema de mando bipolar: as cortes e o governante territorial.
Dualismo e representação: um fator de unidade
Representação no Ständestaat: tal como o sistema feudal antes dele e o sistema absolutista depois dele, também era dualista no que se refere à definição dos critérios de inclusão e exclusão dos diferentes segmentos da população nas cortes e assembleias.
Quem eram os representantes? Quem estava excluído?
Excluía a grande maioria da população de qualquer significado político.
Na medida em que reivindicavam e exerciam um direito exclusivo à conduta dos negócios de governo conjuntamente, tanto o governante territorial como os estados constituíam o mesmo polo desse dualismo mais amplo.
Todo o sistema assentava-se em estritos critérios de inclusão/exclusão. 
Havia um relação contígua entre relações de exploração econômica, acúmulo de oportunidades e estratificação social conferidora de status e privilégios. Os que participavam da Stände eram uma minoria privilegiada.
Ex: os meliores terrae (espécie de aristocracia ); viam-se como legítimos representantes dos territórios e consideravam de seu interesse protestar e intervir em nome do povo. Entretanto, quando reunidos nas Stände, representavam única e exclusivamente a si mesmos.
O dualismo, nesse aspecto, significou que a plebe – ainda fixada em sua grande maioria à gleba, numa variedade de condições subalternas , e fechada em relações demasiadas extorsivas de dependência dos seus senhores – confiava na atividade política desses “melhores” para salvaguardarem os seus interesses.
Os interesses da plebe deveriam coincidir com os de uma ou outra das classes privilegiadas representadas nas Stände: caráter tutelar dessa forma de representação.
Quem de fato compunha o sistema do Ständestaat?
Os elementos feudais e citadinos; todo processo político gravitava em torno desses dois polos. 
Tal polarização, no entanto, não impedia de surgirem desavenças entre tais elementos e o governante territorial. Surgimento de um terceiro elemento mais altivo e poderoso.
Uma assimetria de poder entre as partes que compunham as Stände que, frequentemente, favorecia o governante.
A superioridade do governante não era de natureza feudal , mas de uma natureza distintamente pública, territorial e régia; suas decisões possuíam maior alcance e, devido sua posição, tinha maior capacidade de mobilizar recursos dentro de um território mais vasto.
Dependendo das conveniências, os membros das Stände poderiam se opor ou apoiar o governante territorial assim situado.
A resistência das Stände era legítima especialmente quando defendiam seus direitos corporativos contra usurpações e abusos dos governantes territoriais. Por outro lado, colocavam-se ao lado dos governantes territoriais quando estes, muito especialmente, apoiavam os empreendimentos econômicos citadinos. 
Contudo, quando as receitas provenientes dos domínios senhoriais do governante se tornaram inadequadas para fazer face aos seus compromissos e apoiar seus empreendimentos – sobretudo os de natureza militar - , ele voltou-se para os elementos feudais e as cidades, e conclamou-os a que se constituíssem em assembleias de estados, para que ele pudesse ganhar acesso, com o consentimento deles , a recursos econômicos que o governante não possuía. 
O preço que o governante tinha de pagar para angariar tal apoio era o reconhecimento das atividades representativas e deliberativas das Stände.
Aos poucos, o governante territorial passou cada vez mais a controlar os recursos provenientes da extração, suprimindo as prerrogativas de governo das Stände. Direcionamento dos recursos fiscais para a manutenção de um exército permanente.
Diante de tal necessidade, o governante considerou-se cada vez mais apto a abdicar do apoio das Stände, ignorando assim as reivindicações dos estados em favor de uma ampliação de sua participação nos negócios públicos. 
Formação de um quadro administrativo
Formação de um corpo palaciano especializado no exercício da guerra e da arrecadação. 
Três categorias compunham esse “quadro administrativo” em formação: clérigos, juristas e nobres cortesãos. Todos serviam ao governante como seus delegados e nomeados pessoais.
Mediante o auxílio desse “quadro”, o governante estava apto a desempenhar a peculiar missão do estado moderno nascente: a plena realização da soberania, tanto externa como interna.
O Legado Político do Ständestaat
A ideia de um estatuto para salvaguardar os direitos dos habitantes das cidades contra usurpações tanto dos chefes militares locais quanto do governante territorial.
Os direitos – inclusive os direitos a governar – tornaram-se menos arbitrários, menos abertamente coercitivos e ameaçadores para a segurança da ordem, mais letrados e legalistas.
Max Weber (Economia e Sociedade): processo de transformação dos direitos pessoais em direitos da pessoa.
Formação de uma cultura de protesto organizado; protesto verbalizado pelo elemento citadino.
As controvérsias sobre o domínio do direito não giravam mais em torno das questões feudais, e sim das respectivas prerrogativas públicas do governante e dos Stände. 
Ascensão da linguagem erudita do direito romano e do direito canônico, em lugar do direito consuetudinário bárbaro, com sua linguagem vernacular e imprecisa, e da tradição popular de direitos e obrigações morais . 
Lento processo de “civilização” do processo político (Norbert Elias), ou de pacificação dos territórios. 
Formação do Estado e padrões de interação entre o governante territorial, o elemento feudal (potentados rurais e chefes militares) e o elemento citadino.
Padrões de barganha, conflito, interação e acomodação na sociogênese do Estado moderno.
Os alinhamentos entre as partes variavam de acordo com as conveniências e antagonismos do momento; alinhamentos entrecruzados entre os três componentes que integravam o sistema.
Entrecruzamentose diferentes “vias” de formação dos Estados: França, Prussia, Inglaterra.

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