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jusbrasil.com.br 16 de Março de 2018 Fraude Contra Credores e Ação Pauliana FRAUDE CONTRA CREDORES - AÇÃO PAULIANA Elaborado por: Flávia Luísa Ablas 1. Introdução O devedor, nas civilizações mais antigas, respondia com o próprio corpo pelas obrigações assumidas, sendo que, o não cumprimento dessas obrigações, colocava-o em uma situação análoga à dos escravos, ocorrendo, portanto, uma execução corporal. Essa situação em que ficava o devedor permitia que o credor detivesse, em suas mãos, a liberdade e, até, a própria vida ao devedor impontual. Desde a antiguidade oriental, com o surgimento das primeiras civilizações humanas, no antigo Egito, temos a figura do escravo originário da escravidão por https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 1 de 22 dívidas, o qual perdia sua liberdade em mãos do credor, que o utilizava como quisesse. A própria Lei da doze tábuas, na tábua terceira já previa uma execução pessoal, estatuindo, no seu inciso 9, o seguinte: "se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre". Esse tipo de procedimento adotado para que o credor conseguisse receber seu crédito, onde, se quisesse, o detentor ativo da dívida, poderia matar (executar) o devedor, deu a origem que acabou por denominar o processo de execução atual, onde o credor executa (judicialmente) seu direito. Com o surgimento, em Roma, da Lex Poetelia Papiria, a execução transferiu-se do corpo do devedor para o seu patrimônio, daí então o devedor não mais poderia ser escravizado ou sofrer qualquer tipo de penalidade que atingisse sua integridade física, ficando o credor, apenas, com o direito de executar seu crédito sobre o patrimônio do devedor. O direito, atualmente, não permite mais a execução física do devedor; somente nos casos excepcionais da pensão alimentícia e do depositário infiel, previstos, inclusive, em nossa atual Constituição Federal. Em Roma antes mesmo do surgimento da Lex Poetelia Papiria, já existiam pactos que não eram assegurados por ação em juízo, mas que já inovavam as formas de transferências de obrigações, as quais eram impossíveis de serem realizadas ante a coexistência da execução pessoal do devedor. A Ação Pauliana foi criada em Roma, pela atividade do Pretor Paulo "A princípio tinha caráter penal e era dirigida contra o terceiro que se houvesse prestado às manobras https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 2 de 22 fraudulentas do devedor; depois veio a ser contra o donatário que tivesse tirado proveito do delito cometido pelo devedor. No início o réu era condenado a uma pena pecuniária, cuja execução se não cumpria se o bem indevidamente desviado fosse restituído ao patrimônio do devedor e mais tarde, não obstante sua natureza pessoal, a Ação Pauliana apresentava-se como uma actio in rem, tendo por objeto a nulidade do ato fraudulento e a recuperação da coisa para o patrimônio do devedor". No direito canônico, além de condenarem a má fé do devedor insolvente, os canonistas consagraram o princípio de par condictio creditorum, sendo notável a tendência no sentido de proteger os credores contra os meios fraudulentos de que se servisse o devedor. 2. Ação Pauliana Podem-se anular os negócios jurídicos fraudulentos (CC, art. 171, II) por meio de ação revocatória ou pauliana (CC, art. 161), assim denominada como referência a Paulo, pretor romano que a introduziu nos textos legais. A ação revocatória visa tornar ineficaz o ato praticado em fraude contra credores. E uma ação pessoal, dirigida contra os que participam do negócio jurídico fraudulento, e ainda terceiros adquirentes de má-fé (CC, art. 161). Seu objetivo é conservar o patrimônio do devedor insolvente, mantendo-o como garantia dos demais credores. Não é, na realidade, caso de anulabilidade. Não obstante, textualmente lhe confere esse caráter o art. 171, II, do CC, ao declarar anulável o negócio jurídico quando praticado com fraude. https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 3 de 22 A ação revocatória só pode ser proposta por quem já era credor ao tempo dos atos fraudulentos, e credor quirografário (CC, art. 158). O credor com garantia real não tem interesse, pois seu crédito está assegurado, salvo se insuficiente a garantia. Devem ser réus nessa ação o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou o negócio jurídico fraudulento e terceiros adquirentes de má-fé, dc-vendo-se citar todas as pessoas intervenientes no ato, integrantes de um litisconsórcio necessário. A má-fé, o elemento subjetivo (consilium fraudis) da ação, consiste no conhecimento que o adquirente tem do estado de insolvência do devedor. É presumida no caso dos negócios onerosos, quando a insolvência for notória ou quando houver motivo para ser conhecida pelo adquirente (CC, art. 159). É notória quando pública, como no caso de já haver contra o devedor protesto de títulos, ajuizamento de ações de execução, protestos judiciais etc. Presume-se também que seja conhecida no caso de certas circunstâncias, como, por exemplo, a clandestinidade do ato, a continuação dos bens alienados na posse de devedor, quando deveriam estar com terceiro, a falta de causa do negócio, o parentesco entre devedor e terceiro adquirente, o preço vil, a alienação de todos os bens etc. Tratando-se de transmissão gratuita de bens, ou de remissão de dívida (CC, art. 158), dispensa-se a má-fé, bastando o elemento objetivo, o eventus damni, exigindo-se apenas na https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 4 de 22 prova de insolvência. Pode, entretanto, o adquirente evitar a propositura da ação pauliana, ou extingui-la, se, ainda não pago o preço e este for aproximadamente o corrente no mercado, depositá-lo em juízo requerendo a citação por edital de todos os interessados. Se inferior esse valor ao preço do mercado, o que faz supor a malícia do adquirente, podem os credores reclamar a devolução da coisa vendida ou o respectivo preço real do tempo da alienação. O credor quirografário que eventualmente receba de devedor insolvente o pagamento de dívida ainda não vencida, fica obrigado a repor o recebido (CC, art. 162) em favor do acervo sobre que tenha de se efetuar o concurso de credores (CC, arts. 955 a 965). As garantias reais que o devedor insolvente tiver dado a qualquer credor reputam-se fraudatórias (CC, art. 163), tendo- se em vista a vantagem do credor beneficiado, e a consequente quebra do princípio da igualdade dos credores. Valem tais garantias, porém, se constituídas antes da insolvência do devedor. Presumem-se, todavia, praticados de boa-fé, e por isso válidos, os negócios ordinários, indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, agrícola ou industrial do devedor (CC, art. 164), inclusive a constituição de garantias reais. Anulados os atos fraudulentos a vantagem resultante reverte em proveito do acervo que será objeto de concurso de credores. E no caso dos atos revogados terem por único https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 5 de 22 objetivo atribuir direitos preferenciais, mediante a constituição de hipoteca, anticrese ou penhor, sua nulidade importará somente na anulação da preferência ajustada (CC, art. 165 e par. Único), restabelecendo-se a igualdade entre os credores. Em matéria comercial encontramos o mesmo instituto disciplinado pela lei de falencias, de modo mais rigoroso, visando aos atosde disposição ou comprometimento patrimonial praticados pelo falido durante o período suspeito da falência. A fraude contra credores, defeito do negócio jurídico, não se confunde com a fraude de execução, que é incidente do processo judicial. 2.1 Comparações do Código Civil de 1916 e 2002 Compare-se, a luz dos ensinamentos de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO[1], com as hipóteses consagradas pelo Código de 1916: atos de transmissão gratuita de bens (art. 106); remissão de dividas (art. 106); contratos onerosos (art. 107) — desde que a insolvência do devedor seja notória ou presumida; antecipação de pagamentos (art. 110); outorga de direitos preferenciais a um dos credores (art. 111). O credor quirografário preexistente (que já o era antes do ato fraudulento que tornou o devedor insolvente) tem legitimidade ativa para ajuizar a ação revocatória (arts. 106 do CC-16 e 158 do CC-02) a qual, por ter natureza pessoal, independe de outorga uxória ou autorização marital. https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 6 de 22 O credor com garantia, em principio, por ja deter um bem ou um patrimônio vinculado a satisfação da divida, careceria de interesse processual. Todavia, caso se tome insuficiente a mencionada garantia, poderá manejar a referida actio, consoante se depreende da analise do § l.º'do art. 158 do CC- 02, sem similar no Código de 1916. O devedor insolvente, por sua vez, devera figurar no polo passivo da ação, juntamente com a pessoa com quem ele celebrou o ato e o terceiro que haja atuado de má-fé (art. 109 do CC-16 e art : 161 do CC-02), incidindo tai regra apenas nas ações propostas com fundamento nos arts. 158 e 159 do Novo Código Civil (negócios fraudulentos de transmissão gratuidade bens, remissão de dividas e contratos onerosos fraudulentos, desde que a insolvência ao devedor seja notória ou haja motivo para ser presumida). CARVALHO SANTOS[2] no sentido de que a legitimidade passiva ao terceiro, espécie de subadquirente diz que existe quando haja adquirido o bemde má-fé e a titulo oneroso, ou, esteja o não de má-fé, quando a aquisição se der a titulo gratuito. Seguindo diretriz do Código de 1916 (art. 112), o Novo Código, em seu art. 164, firmou regra no sentido de considerar de boa-fé os negócios ordinários indispensáveis a manutenção de estabelecimento mercantil, rural industrial, ou a subsistência do devedor e de sua família. https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 7 de 22 A esse respeito, observa, com propriedade, MARIA HELENA DINIZ: “funcionamento do seu estabelecimento mercantil, agrícola ou industrial, evitando a paralisação de suas atividades e consequentemente a piora de seu estado de insolvência e o aumento do prejuízo aos seus credores, o negocio por ele contraído será valido, ante a presunção em favor da boa-fé". [3] Anulado o negócio fraudulento, a vantagem resultante revertera em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. Se o negocio fraudulento tinha o único objetivo de atribuir direito real de garantia, a anulação atingirá apenas a preferência ajustada (art. 165 do CC-02 e art. 113, parágrafo único, do CC-16). Observe que a lei ao referir-se a consequência do reconhecimento do vicio, consigna a seguinte expressão: “Anulados os negócios fraudulentos...” Mas será que a ação pauliana resultaria na prolação de urna sentença anulatória propriamente dita? A doutrina tradicional sustenta tratar-se de sentença anulatória de ato jurídico, desconstitutiva do ato impugnado. Esse é o pensamento difundido desde CLOVIS BEVILAQUA: https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 8 de 22 “esse remédio e a ação pauliana, revocatória ou rescisória, pela qual o credor obtém a anulação do ato que diminui a soma dos bens de seu devedor, para neles fazer execução, quando outros não existam em quantidade suficiente para a satisfação do debito.”[4] Pablo Stelze e Rodolfo Pamplona acreditam que a decisão final na ação pauliana e, simplesmente, declaratória da ineficácia do ato praticado em fraude contra credores. Vale dizer, -a ação visa adeclarar ineficaz o ato apenas em face dos credores prejudicados, e não propriamenteanula-lo ou desconstituí-lo. Os princípios gerais da teoria das nulidades nãodevem se aplicar aqui. Nesse sentido, e a lição do Prof. YUSSEF SAID CAHALI, citando NELSON HANADA: “desde que, no ato praticado em fraude de credores, a simples declaração de ineficácia, isto é a declaração de que o negocio jurídico não prejudica aos credores anteriores ao ato, por ineficaz em relação a eles, porque a esse ponto não entrou no mundo jurídico, e bastante para satisfazer o interesse dos credores, porquanto isso e suficiente para que os bens possam ser abrangidos pela execução como se ainda se encontrassem no patrimônio do executado...”. E em outro ponto de sua obra conduz o mesmo autor: “parece-nos, porem, que o efeito da sentença pauliana resulta do objetivo a que colima a ação: declaração de ineficácia jurídica do negocio fraudulento”. https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 9 de 22 Indiscutível a razoabilidade desse pensamento, inclusive em se considerando que se o devedor conseguir numerário suficiente para saldar as suas dividas, o ato de alienação subsistira, não mais se podendo defender a sua anulabilidade. A despeito desses lúcidos argumentos, o Novo Código Civil preferiu seguir a teoria tradicional, considerando de natureza anulatória o provimento jurisdicional final na ação pauliana (art. 165 do CC-02 e art. 113 do CC-16), como regra genérica. Nesse sentido, pontifica o ilustre Min. MOREIRA ALVES: “O último dos defeitos de cuja disciplina trata o Projeto e a fraude contra credores, como sucede no Código Civil atual. Igualmente, manteve o projeto a anulabilidade como consequência da fraude contra credores, embora reproduza, no art. 160 a regra do art. 110R do Código, na qual Pontes de Miranda identifica hipótese de ineficácia relativa”. Vale lembrar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça, a despeito das controvérsias existentes, editou a Súmula 195; no sentido de não admitir a anulação por fraude contra credores em sede de embargos de terceiro. Salienta-se, com isso, a importância que se atribui a natureza anulatória da ação pauliana. Se reconhecesse a tese da ineficácia, ficaria mais fácil admitir o deslinde da questão em embargos de terceiro, desde que fossem citados todos os interessados. 2.2 Fundamentos da Ação Pauliana https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 10 de 22 Os fundamentos da referida ação, que são as causas de pedido, de acordo com atual Código Civil, são as seguintes: a) negócios de transmissão gratuita de bens; b) remissão de dividas; c) contratos onerosos do devedor insolvente; d) antecipação de pagamento feita a um dos credores quirografários, em detrimento dos demais; e) outorga de garantia de divida dada a um dos credores, em detrimento dos demais. Atos de transmissão gratuita e de remissão de dívidas— A lei permite que se anulem os atos de transmissão gratuita de bens, quando os pratique o devedor insolvente, ou que por eles fique reduzido à insolvência (CC, art. 158). Na hipótese não cogita a lei de saber se houve entre doador e donatário o ajuste fraudulento. Presume irrefragavelmente a existência do propósito de fraude. Em rigor, poder-se-ia justificar o dispositivo por outras considerações. Com efeito, se o doador é insolvente, isto é, se deve mais do que efetivamente possui, e faz doação de parte do seu reduzido patrimônio,na realidade está abrindo mão daquilo que indiretamente pertence a seus credores. https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 11 de 22 A lei considera irrelevante estar o donatário ciente ou não da insolvência do doador. Despreza a circunstância de serem as partes cúmplices na fraude. O ato é anulável porque o devedor, na verdade, está doando coisa que indiretamente pertence a seus credores. Aliás, na hipótese de uma doação efetuada pelo devedor insolvente, encontram-se em choque dois interesses diversos. De um lado, o interesse dos credores porventura burlados, que procuram evitar um prejuízo, qui certant de damno vitando; de outro, o interesse do donatário, que procura assegurar um lucro, qui certat de lucro captando. Cada vez que essa situação se propõe e o legislador tem de escolher entre um desses dois tipos de interesse, ele prefere acolher a pretensão de quem busca evitar um prejuízo, porque tal solução se lhe afigura mais justa. A mesma solução é aplicável à remissão de dívida, porque tal ato representa uma liberalidade. As dívidas ativas do devedor constituem parte de seu patrimônio; se ele as perdoa, tal patrimônio, que é garantia dos credores, se reduz proporcionalmente. Portanto, seus credores têm legítimo interesse em pleitear a declaração de ineficácia do perdão, para que os créditos remetidos se reincorporem no ativo do devedor. A ação pauliana com fundamento em liberalidade só exige prova da insolvência do alienante-devedor. Todavia tal prova é indispensável, porque se o devedor for solvável, seu ato, ao https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 12 de 22 invés de defeituoso, será perfeitamente legal, não se configurando, por conseguinte, o interesse do credor para propor a revocatória. Atos de transmissão onerosa— Se os atos de alienação de bens levados a efeito pelo devedor insolvente o foram a título oneroso, muda-se o panorama, porque agora entram em conflito dois interesses igualmente respeitáveis: o dos credores do alienante e o do adquirente de boa-fé. Com efeito. Se de um lado o ordenamento jurídico quer garantir aos credores o recebimento de seus créditos, de outro, quer assegurar a firmeza das relações negociais, não permitindo que pessoas que a título oneroso adquirirem bens do insolvente, sem conhecer ou poder descobrir tal circunstância, possam ser burladas na sua boa-fé e ludibriadas na justa expectativa de que o negócio, por elas aceito, revestia- se de toda a legalidade e segurança. Entre esses dois interesses é o do adquirente de boa-fé o que vai ser preferido pelo legislador. Se o adquirente ignorava a insolvência do vendedor, nem podia, com diligência ordinária, descobri-la, vale o negócio efetuado. Verdade que em tal hipótese os credores sofrem prejuízo, o que representa uma injustiça e um inconveniente, que são menores do que os que resultam da atribuição da perda ao adquirente de boa-fé. Aliás, note-se que, dada a boa-fé do adquirente, falta, no caso, o consilium fraudis, pois o propósito fraudulento só existe no espírito do devedor alienante. Entretanto, se o adquirente https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 13 de 22 estava de má-fé e ingressou no negócio sabendo da insolvência do alienante, cessa a consideração que merecia da lei, e esta o presume, de maneira irrefragável, cúmplice no negócio fraudulento, que, por conseguinte, pode ser revogado. A má-fé se caracteriza pela mera ciência, por parte do adquirente, do estado de insolvência do devedor. Sabendo dessa circunstância e não ignorando que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas, o adquirente revela seu propósito de pactuar com a fraude e assume o risco pelo prejuízo eventual, decorrente da anulação do negócio jurídico. A lei presume o adquirente sabedor da insolvência do alienante quando esta for notória ou quando houver motivo para ser conhecida do primeiro (CC, art. 159). A notoriedade da insolvência se revela por atos externos, tais como o protesto de títulos, o ajuizamento de ações executivas, os protestos judiciais formulados pelos credores etc. Por vezes, entretanto, embora não seja notória a insolvência do devedor, tem o outro contratante razões para conhecê-la. Jorge Americano refere-se a algumas presunções que decorrem das circunstâncias que envolvem o negócio. Assim, os contratos se presumem fraudulentos: a) pela clandestinidade do ato; b) pela continuação dos bens alienados na posse do devedor quando, segundo a natureza do ato, deviam passar para o terceiro; c) pela falta de causa; d) pelo parentesco ou afinidade entre o devedor e o terceiro; e) pelo preço vil;/) pela alienação de todos os bens. https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 14 de 22 A fraude ainda não ultimada— O Código Civil contempla a hipótese da fraude ainda não ultimada em seu art. 160, que diz: Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados. Aqui mister se faz ressaltar a importância de um requisito, isto é, o fato de o preço ser justo, pois, como observa Beviláqua, se o preço da aquisição não for o corrente, e sim outro inferior, há motivo para supor que o adquirente seja culpado de malícia, tendo os credores, consequentemente, razão para reclamar contra o prejuízo que experimentam. Se o preço for o corrente e se o comprador que ainda não o pagou deposita-o em juízo, cessa o interesse dos credores, que, por conseguinte, perdem a legitimação ativa para propor a ação pauliana. O pagamento antecipado de dívidas — O ordenamento jurídico pretende estabelecer no concurso creditório a maior igualdade possível entre os credores quirografários. O patrimônio do devedor é garantia comum de todos, portanto, todos devem ser aquinhoados proporcionalmente. O devedor que no vencimento paga dívida já vencida procede licitamente, de maneira que seu ato é válido. Entretanto, se salda débitos vincendos, comporta-se de maneira anormal, o que por si só revela seu propósito fraudulento. Aliás, o pagamento antecipado de dívida frustra aquela igualdade, acima aludida, entre os quirografários, igualdade essa que o legislador quer preservar. Daí a lei conferir, aos https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 15 de 22 demais credores, ação para tornar sem efeito tal pagamento, determinando que o beneficiado deve repor, em proveito do acervo, aquilo que recebeu (CC, art. 162). Outorga fraudulenta de garantias— Esse mesmo anseio de igualdade inspirou o legislador ao editar a regra do art. 163 da lei civil, que prescreve: Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor. Nas dívidas garantidas por penhor, hipoteca ou anticrese, a coisa dada em garantia fica sujeita, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação. De maneira que, estabelecido um direito real de garantia, tal como a hipoteca ou o penhor, surge para o beneficiário um direito de preferência em face dos co-credores; preferência essa que consiste na prerrogativa de destinar todo valor da coisa ao exclusivo pagamento de seu crédito. Consequentemente, aberto o concurso, os bens assim onerados se destinam ao pagamento dos credores preferentes, e somente as sobras, se houver, irão compor o acervo concursal. A concessão de garantia feita pelo devedor insolvente a um dos seus credores representa, portanto, ameaça ao direito dos outros, porque a coisa dada em garantiade certo modo sai parcialmente do seu patrimônio, para assegurar a liquidação do crédito hipotecário ou pignoratício. Os demais credores certamente receberão menos, para que o beneficiário da garantia receba mais. E tal desigualdade que a lei quer evitar, https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 16 de 22 e por essa razão, presumindo fraudulento o procedimento do devedor, concede ação anulatória aos prejudicados, para que tornem sem efeito a garantia concedida. Note-se que, no caso presente, o que perde eficácia é tão somente a preferência concedida a um dos credores, e não o crédito do qual é ele titular. De quirografário que era, tal credor passou a ser preferencial com a concessão da garantia; anulada esta, por se presumir fraudulenta, volta seu beneficiário à primitiva condição de quirografário (CC, art. 165, parágrafo único). Neste, como nos demais casos acima apontados, a lei presume o intuito fraudulento, pois são atos anormais, discordantes do comportamento ordinário e que, por conseguinte, não se podem explicar a não ser pelo propósito de ludibriar os credores do insolvente. Tanto isso é verdade que, se tais atos forem de caráter ordinário e indispensáveis à manutenção do estabelecimento agrícola, mercantil ou industrial do devedor, a lei não impede que este último atue amplamente na órbita do direito, alienando e onerando bens. Assim, embora insolvente, se o devedor concede um penhor agrícola onerando sua safra, tal penhor não pode ser anulado, porque constitui um procedimento ordinário, indispensável à manutenção da exploração rural. Legitimação ativa e passiva para a ação pauliana— Capitulando a fraude contra credores como defeito do ato jurídico, o legislador o declara anulável, se portador de tal https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 17 de 22 vício (CC, art. 171, II). Trata-se da ação revocatória, também chamada pauliana, de origem inegavelmente romana310. No direito romano, o processo de execução sofre nítida evolução quando, por meio de longas etapas, o devedor deixa de responder fisicamente por seu débito, passando seu patrimônio, e apenas ele, a garantir suas dívidas. Atingida tal etapa surge, contemporaneamente, como é óbvio, a possibilidade de o devedor, mediante fraude, tornar-se insolvente, pela deliberada alienação ou oneração de seus bens, feita em detrimento de seus credores. Viu-se então o pretor na necessidade de estabelecer um remédio que tomasse ineficaz referido comportamento, de resto incensurável perante o jus civile. Foi o que fez concedendo aos prejudicados a ação pauliana. Como se vê de sua origem, a ação revocatória se inspira no princípio geral de repúdio à fraude e no propósito de evitar que o devedor burle, usando de malícia, a fé do contrato, frustrando sua execução, ao procurar, deliberadamente, a insolvência. Só têm legitimação ativa nesta demanda os credores quirografários que já o eram ao tempo em que os atos malsinados se celebraram. Os credores posteriores a tais atos já encontraram o patrimônio do devedor desfalcado, não podendo, por conseguinte, reclamar contra uma situação deles conhecida, ou que só desconheciam dada sua própria negligência. A fraude, se fraude houve, não os prejudicou, não tendo, portanto, interesse para alegá-la. https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 18 de 22 Os credores com garantia real não podem tampouco intentar a ação pauliana, reservada, como diz o art. 158 do Código Civil, apenas aos quirografários. Isso porque aqueles credores encontram, nos bens que garantem especificamente seus créditos, acervos com que se pagarem. Se tais bens forem alienados, o direito de sequela, conferido ao titular do crédito, possibilita a penhora dos bens dados em garantia, nas mãos de quem quer que os detenha. De modo que também aos credores com garantia real falta interesse para propor ação revocatória. O art. 161 do Código Civil cuida da legitimação passiva na ação pauliana, dizendo que podem ser réus na demanda: a) o devedor insolvente; b) a pessoa que com ele celebrou a estipulação fraudulenta; c) os terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé. 3. Conclusão Os negócios jurídicos fraudulentos, aqueles previstos no artigo 171, II, do Código Civil, podem ser anulados por meio da ação pauliana ou revocatória. Em primeiro lugar, pontua-se as espécies de negócios jurídicos fraudulentos: são aqueles realizados mediante erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores. A ação revocatória tem o escopo de tornar ineficaz o ato praticado em fraude contra credores, foco deste trabalho. Além do mais, trata-se de uma ação pessoa, dirigindo aos que https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 19 de 22 participam do negócio fraudulento e terceiros adquirentes de má-fé. Tem como maior objetivo conservar o patrimônio do devedor insolvente, mantendo-o como garantia dos demais credores. As causas de pedir da ação pauliana descritas no atual Código Civil são: a) negócios de transmissão gratuita de bens; b) remissão de dividas; c) contratos onerosos do devedor insolvente; d) antecipação de pagamento feita a um dos credores quirografários, em detrimento dos demais; e) outorga de garantia de divida dada a um dos credores, em detrimento dos demais. Assim como já foi dito, a ação pauliana existe na historia da humanidade há muito tempo, e desde então nunca perdeu sua eficácia, ao contrário, somente se aprimorou para beneficio dos credores. Esse dispositivo revoga a disposição de bens do devedor, possibilitando ao credor bens para penhora suprindo a divida. Ou seja, sua principal função tem sido evitar que o credor seja lesado mediante ação fraudulenta oriunda do devedor. 4. Referências Bibliográficas AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Editora Renovar. 5ª edição, 2003 BRASIL, Código civil, 1916. Código civil. Disponível em: Acesso em 18 de out. De 2013. https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 20 de 22 BRASIL, Código civil, 2002. Código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.ht m> Acesso em 18 de out. De 2013. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1 Teoria Geral do Direito Civil – 24ª edição, 2007. GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral, vol, 1. Editora Saraiva. 13ª edição, 2011. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro Parte Geral – 10ª edição, 2012. NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado 7ª edição Editora Revista dos Tribunais 2009. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. 1 – 16ª edição, 2012. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – Parte Geral, vol. 1. Editora Saraiva. 34ª edição, São Paulo, 2007. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil I Parte Geral - 7ª edição, 2007. https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 21 de 22 [1] GAGLIANO, 2001 apud Washington de Barros Monteiro, 2000, p. 227. [2] GAGLIANO, 2001 apud Carvalho Santos, 1955, p. 440. [3] GAGLIANO, 2001 apud Maria Helena Diniz, 2001, p.131. [4] GAGLIANO, 2001 apud Clovis Bevilaqua, 2012, p.425. Disponível em: http://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra- credores-e-acao-pauliana https://flaviaablas.jusbrasil.com.br/artigos/250044044/fraude-contra-credores-e-acao-pauliana 16/03/2018 17C08 Página 22 de 22
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