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56 ADAPTAÇÃO IL U ST RA Ç Õ ES C A R LO S D adaptacao.p65 28/11/00, 14:5256 57 ?O OU NÃO eis A QUESTÃO! uando tomamos sol, nossa pele, aos poucos, fica mais escura. Isso porque o sol estimula as célu- las de nossa pele a aumentarem a produção de melanina, um pigmento que funciona como um filtro contra o excesso de energia solar. Chamamos esse processo de adaptação fisiológica, que nada mais é que um “ajuste” do indivíduo às condições do ambiente. Mas, preste bem atenção, esse ajuste só dura por um “tempinho”; ele não permanece com a gente e nem passa para os nossos descendentes. Vamos à praia, até “ganhamos uma cor”, mas não permanecemos com ela para o resto de nossa vida. É uma pena, mas é isso que acontece! Em evolução, a palavra adaptação tem um significa- do bastante diferente do que esse que usamos no exem- plo da praia. Quando dizemos que um animal está adap- tado, não queremos dizer que ele se modificou em fun- ção do ambiente. Ele não tem essa capacidade! O máxi- mo que ele poderá fazer é sobreviver ou não a uma mudança ambiental. E, se ele sobreviverá ou não, vai depender das características que ele já possuía antes. Se as características que ele possuir forem “vantajosas” no “novo” ambiente, beleza!, ele será “selecionado” – passará no “teste da seleção natural” – e, aí sim, pode- remos dizer que ele está adaptado àquele ambiente. Estar adaptado, em evolução, é, portanto, possuir alguma característica que aumente as suas chances de sobrevi- vência e de reprodução em determinado ambiente. E mais: é poder transmitir essa característica para os seus filhos. Assim, para uma característica ser adaptativa, ela tem que ser também hereditária, ou seja, passar de geração a geração. Q adaptacao.p65 28/11/00, 14:5357 58 Como ocorre a adaptação de uma população Você já deve ter visto um “bicho pau” ou “bicho folha”, não viu? Pois, então, esses insetos imitam fo- lhas ou gravetos tão bem que, muitas vezes, é difícil identificá-los no ambiente. Confundindo-se com o ambiente, esses insetos podem escapar mais facilmen- te de predadores, aumentando suas chances de sobre- vivência e de reprodução, deixando descendentes que podem possuir, eles também, essa característica (figu- ra1). Imagine que estamos estudando uma população desses insetos. A cada cria, nascem centenas de filho- tes e, como eles são muitos, sempre existirão “varia- ções” entre os irmãos. Mesmo que você olhe os “bi- chos paus” e os ache todos iguais, se fizer uma análise cuidadosa encontrará muitas diferenças entre eles. Di- zemos que há variabilidade naquela população. Entre eles há, por exemplo, alguns mais parecidos com gravetos (ou folhas, dependendo da espécie) que ou- tros. Como os “bicho paus” vivem subindo em troncos de árvores e perambulando no meio das folhas secas, correm sempre o risco de serem comidos por pássaros. Na população que estamos estudando, quais você acha que terão mais chances de escapar desses predadores – os mais ou os menos parecidos com as plantas? É isso mesmo! Aqueles que nasceram mais parecidos com gravetos passarão despercebidos, poderão chegar à vida adulta e se reproduzir, passando aos descendentes suas características. Ao contrário, os que se parecem menos com o ambiente em que vivem, ficam mais visíveis para os predadores, sendo capturados mais facilmente, e, portanto, tendo menos tempo para deixar descenden- tes com suas características. As características que conferem semelhanças com gravetos são importantes para o “bicho-pau”, pois gra- ças a elas, ele se “camufla” no ambiente e sobrevive ao processo de seleção natural, aumentando assim as suas chances de deixar mais descendentes. Considerando a população de insetos como um todo, ao longo de várias gerações, aquelas características que se mostraram mais vantajosas vão permanecendo, se “fixando” na popula- ção, a tal ponto que, depois de um bom tempo, pratica- mente todos “os sobreviventes” as possuirão. Dizemos, nesse caso, que a população está adaptada ao ambiente em que vive. Adaptações evolutivas em orquídeas Outro exemplo legal para estudarmos as adapta- ções são as orquídeas. Essas plantas são tão fascinan- tes que Darwin escreveu um longo tratado sobre elas, discutindo as diversas adaptações que pôde observar. Você também pode parar e observar orquídeas. Vai valer a pena! Nas flores das orquídeas, uma das pétalas é sempre diferente das outras. Ela é maior e mais perfumada, e A LADO: bicho-folha ABAIXO : bicho-pau adaptacao.p65 28/11/00, 14:5358 59 tem a função de atrair inse- tos. É nessa pétala, cha- mada labelo, que estão os órgãos reprodutores (masculinos e femininos) dessas plantas. O pólen não está em grãos, como em outras flo- res. Ele forma aglo- merados, chamados polínias, que ficam acima do estigma, a abertura do órgão reprodutor femini- no das flores. Em algumas espécies de orquídeas, o labelo da flor “imita” a fêmea de certos insetos (como vespas, abe- lhas ou moscas). Quando os machos vêem esse tipo de labelo, confundem-no com uma fêmea de sua espécie e querem acasalar com ela (quer dizer, com a flor!). A flor é tão parecida com a fê- mea que até exala aromas semelhantes aos que es- ses insetos costumam exalar. Qual o resultado de tudo isso? Ora, en- quanto o macho tenta acasalar com a flor, as polínias se fixam em seu corpo, e podem ser trans- portadas até outra flor. Na próxima visita que o inseto fizer a outra flor, essas polínias poderão atingir o estigma, acon- tecendo a polinização. Viu só? As orquídeas que usam essa estratégia para transportar o seu pólen, fecundarão mais orquíde- as e deixarão mais des- cendentes. As plantas mais parecidas com fême- as dos insetos, receberão mais visitas e distribuirão mais o seu pólen. É uma adaptação e tanto! (figura 2). Em outras espécies, o labelo das orquídeas tem o formato de uma concha, que acumula uma secreção nutritiva para os insetos. Atraídas pelo aroma da secre- ção, as abelhas ficam presas na cavidade formada pelo labelo, e só conseguem escapar por uma determinada abertura. Só que para alcançar essa “saída de emer- gência”, o inseto é obrigado a fazer um caminho que passa primeiro pelo estigma da flor, onde dei- xará a polínia que, por acaso, tenha trazido gru- dada ao seu corpo. Em seguida, passará pela polínia da flor onde se encontra, que poderá ficar presa ao seu dorso e ser carregada para a próxima flor a ser visitada. Imagine se uma orquídea dessas nascer com a “saída de emergência” fechada! O que você acha que aconteceria? Adaptações evolutivas em serpentes Também em animais vertebrados encontramos exemplos interessantes de adaptações. Veja, por exem- plo, as serpentes: elas são capazes de abocanharem presas muito maiores do que suas cabeças, por exemplo. Isso acontece porque, ao contrário de outros vertebrados apresentam os ossos da mandíbula e crânio fir- memente unidos, os das serpentes movimentam-se livremen- te, coordenados por músculos. Para aju- dar a segurar e engolir as vítimas, elas ainda possuem dentes recurvados para o interior da boca (figura 3). As serpentes possuem ainda outras adaptações interessantes, como as fossetas loreais, duas depressões locali- zadas entre as narinas e os olhos, uma de cada lado da cabeça. As fossetas são sensíveis à radiação infra-vermelha e, graças a elas, as serpentes são capazes de perceber e localizar pequeníssimas variações de temperatura que se encon- trem a sua frente. Essa é uma adaptação muito interes- sante para serpentes que se alimentam de aves e mamí- feros, que são animais de sangue quente. Possuir as fossetas loreais, permite às serpentes localizarem facil- mente essas presas, mesmo em ambientes sem luz. orquídea com labelo parecido a com fêmea de abelha adaptacao.p65 28/11/00, 14:5359 60serpente, engolindo uma presa Em evolução não existe intenção Embora possamos pensar que as adaptações sur- gem para atender às necessidades de um ser vivo, não é assim que acontece. Não há na natureza objetivos pré- determinados. Por exemplo, no caso das orquídeas po- demos pensar que a planta produz a pétala que imita a fêmea de um inseto para atrair os machos e assim faci- litar a polinização. Ou, no caso das serpentes, pode- mos pensar que as fossetas foram desenvolvidas com a finalidade de detectar presas. Está errado! Na realidade, as adap- tações são obras do acaso: elas surgi- ram em algum momento da his- tória evolutiva desses animais e permitiram que seus portadores passassem pelo “funil” da seleção natural, deixando mais descendentes que aqueles que não as possuíam. Com o tempo (lon- go, da evolução), a característica se tornou predomi- nante na espécie. Assim surgem as adaptações! Agora, quando as vemos em seu resultado final, aparentemen- te “perfeitas”, podemos nos enganar, achando que elas foram intencionais. Ao contrário, elas são apenas re- sultado de um processo que tem início com o acaso e se completa com a ação da seleção natural. Nem tudo na natureza é adaptação Temos certa tendência em procurar utilidades para todas as estruturas vivas que obser- vamos. Mas, é preciso cuida- do, porque nem todas as ca- racterísticas de um ser vivo são vantajosas e adaptativas. Quer ver um exemplo interes- sante? Alguns vegetais produzem substâncias que re- pelem ou, até mesmo, matam insetos herbívoros. Quem observa essa característica pode pensar que ela seja re- sultado da seleção natural, já que protege o vegetal con- tra os predadores. Estudos mais detalhados, porém, mostram que es- sas substâncias podem ter outras funções: elas podem, por exemplo, ser necessárias à manutenção do organis- mo ou podem ser, simplesmente, substâncias descartá- veis, produzidas como “lixo” durante o funcionamento vegetal. A produção dessas substâncias não está dire- tamente ligada às chances de sobrevivência do vegetal no ambiente. Mesmo que os insetos não existissem, essas substâncias seriam produzidas. O fato delas repelirem ou matarem os insetos é secundário, quase que uma “coincidência”, algo não espe- rado. Outras vezes, certas características que po- dem parecer adaptativas, na verdade, não são. Pen- se, por exemplo, em uma espécie de borboletas. Em uma floresta, a população dessa espécie apre- senta indivíduos grandes, enquanto em outra os exemplares são bem menores. Poderíamos pen- sar que a seleção natural foi a responsável por essa diferença de tamanhos, mas na realidade o que está acontecendo é que em uma das florestas o alimento é mais abundante e por isso as borboletas são maiores. Não se trata de seleção, ou seja, não se trata de uma característica que aumenta as chances de sobrevivência e reprodução do inseto e passa de gera- ção a geração. Podemos observar esse fato em nossa própria espé- cie. Em regiões mais ricas economicamente, as pessoas tendem a ser mais altas e robustas do que pessoas de regiões mais pobres. As diferenças físicas entre as pes- adaptacao.p65 28/11/00, 14:5360 61 a pele, os cabelos e os olhos muito claros, sem nenhu- ma pigmentação (em outras localidades essa média cor- responde a um albino para cada 10.000 pessoas). Como os albinos não têm a proteção natural do pigmento, eles apresentam muitos problemas de pele, ainda mais morando em uma ilha próxima à região mais ensolarada da Terra – o Equador. Se a falta de melanina não é adaptativa, pois não traz nenhuma vantagem aos por- tadores, como se explica que possa estar tão presente nessa população? Estudos mostraram que a explicação pode ser a deriva genética: podemos imaginar, por exem- plo, que a ilha foi colonizada por alguns poucos casais, e que entre eles havia 3 ou 4 pessoas albinas. Na verda- de, a característica já aparecia em alta freqüência na população inicial (os poucos casais colonizadores) e apenas se manteve com o crescimento da população. Rosana Tidon-Sklorz Instituto de Biologia, Unb soas são resultado da diferença de condições de vida en- tre as regiões. Essas características não estão registradas no material genético, tanto que filhos de pessoas baixas e fisicamente pouco desenvolvidas, quando bem alimen- tados e bem cuidados, costumam ser mais altos e apre- sentar maior desenvolvimento físico que os pais. Assim como essa, muitas outras características que observamos em nossa espécie não são adaptativas, pois são resultado da ação do ambiente sobre os indivíduos. Não são adaptativas, por exemplo, a maioria das defici- ências de aprendizagem (que costumam ser causadas por má-alimentação constante e por influência do am- biente doméstico); o desenvolvimento físico; a capaci- dade de expressão; o comportamento violento, entre muitas outras. A ação do acaso sobre populações Também precisamos ser muito atenciosos para de- cidir se uma característica é adaptativa ou não. Pense na seguinte situação: imagine que aconteça um in- cêndio em uma floresta onde vivam sagüis. O in- cêndio provoca a morte de quase todos os indiví- duos. Apenas um casal de saguis consegue es- capar por pura sorte: exatamente no momento do incêndio, eles estavam bebendo água em um lago e não foram atingidos pelas chamas. Acon- tece que, por um defeito genético, esses dois sagüis são parcialmente surdos. Como foram os únicos sobreviventes do incêndio, eles se tor- nam os fundadores de uma nova população de sagüis no local, e passarão aos descendentes a característica que possuem – a surdez parcial. Será que essa característica é adaptativa? Não! A surdez parcial não tem valor adaptativo algum, porque, mesmo que toda a população a apresen- te, ela não traz vantagens aos indivíduos. Ela foi mantida por um fenômeno evolutivo muito dife- rente da seleção natural, a que chamamos de deri- va genética. Um exemplo real de deriva genética, em po- pulações humanas, existe no Brasil. Há uma ilha no litoral do Maranhão onde a porcentagem de pessoas que não produzem o pigmento melanina é muito alta: em cada 70 pessoas, uma é albina, tendo adaptacao.p65 28/11/00, 14:5361
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