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Assedio Moral TCC 2009 finalizado2

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ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA 
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO 
 
 
 
 
 
 
 
ROGÉRIO GUIMARÃES FROTA CORDEIRO 
 
 
 
 
 
A DIFÍCIL COMPROVAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO 
INSTITUTO DO ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO 
PÚBLICO - ÁREA DA SAÚDE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO – SP 
2009 
 
 
ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA 
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO 
 
 
 
 
 
 
 
ROGÉRIO GUIMARÃES FROTA CORDEIRO 
 
 
 
 
 
A DIFÍCIL COMPROVAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO 
INSTITUTO DO ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO 
PÚBLICO - ÁREA DA SAÚDE 
 
 
 
Monografia apresentada à Escola Superior de 
Advocacia – OAB/SP, para a obtenção do título 
de Especialista em Direito do Público. 
 
Orientador: Profª.Drª. Lívia Maria Armentano 
Koenigstein Zago 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO – SP 
2009 
 
 
 ROGÉRIO GUIMARÃES FROTA CORDEIRO 
 
 
 
A DIFÍCIL COMPROVAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO INSTITUTO DO ASSÉDIO 
MORAL NO SERVIÇO PÚBLICO - ÁREA DA SAÚDE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TERMO DE APROVAÇÃO 
 
Esta monografia apresentada no final do 
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu 
Direito Público, na Escola Superior de 
Advocacia da Seccional da OAB São 
Paulo, foi considerada suficiente como 
requisito parcial para obtenção do 
Certificado de Conclusão. O examinado 
foi aprovado com a nota __________ 
 
 
 
 
 
 
B A N C A E X A M I N A D O R A 
N O M E A S S I N A T U R A 
1. 
 
2. 
 
3. 
 
 
 
 
 
 
São Paulo, _____ de __________________ de ______. 
 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
À jovem psicóloga Valéria Silva do CRT/AIDS que nos faz sentir jovem e 
vislumbrar um futuro grandioso em tudo que fazemos. 
 
À Escola Superior da Advocacia, pela sabedoria em escolher alguns 
professores, os quais nos orgulhamos de ter tido. 
 
Ao Deputado Antonio Mentor pela sensibilidade e atenção ao tema do 
assédio moral no serviço público paulista, e a permanente luta para que o servidor 
público conheça e pugne por sua dignidade. 
 
À orientadora Profª.Drª. Lívia Maria Armentano Koenigstein Zago pela sua 
competente, precisa e rigorosa orientação 
 
Ao meu irmão Ruben Guimarães Frota Cordeiro pela amizade e 
compreensão. 
 
A minha mãe pelo eterno incentivo aos que aprendem e ensinam. 
 
À Sara Brenda T. G. F. Cordeiro cuja capacidade supera em muito a 
minha e está esculpindo um futuro brilhante. 
 
Aos diretores e chefes assediadores cuja história os julgará, não antes da 
conclusão do processo administrativo, criminal e judicial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
À Dra. Ely Cristina Alves de Lima sempre solícita a esclarecer nossas 
dúvidas durante todo o Curso de Especialização em Direito Público da ESA. 
 
À Profª. Sônia Pizarro pela leitura crítica deste trabalho. 
 
À Dra. Maria Cristina Bruder pelas orientações internas sobre tema. 
 
Ao Prof. Clóvis Luiz Alonso Júnior pela parceria no trabalho. 
 
À Profª. Maria do Carmo Carrasco pela leitura criteriosa e revisão do 
trabalho de acordo com as Normas da ABNT. 
 
À tradutora Helena Sofia Delgado pela contribuição. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Por que fenômeno um homem pode se 
transformar em patrão de outro homem e por 
que espécie de magia incompreensível foi 
possível se transformar em patrão de 
inúmeros outros homens? [...] Ignoro como 
andaram as coisas na ordem dos tempos, 
mas na ordem natural devíamos pensar que, 
nascendo os homens todos em estado de 
igualdade, a violência e a astúcia criaram os 
primeiros patrões; as leis, os mais recentes”. 
 
Voltaire, Dicionário Filosófico. 
 
 
 
RESUMO 
 
 
O trabalho consiste em versar sobre o assédio moral no serviço público, com ênfase 
na área da saúde. Para tanto, inicialmente se procurou levantar alguns aspectos do 
tema: o aspecto sociológico, o histórico, o psicológico e o de Direito. Em 
continuidade, desenvolveu-se a relação entre o assédio moral e o serviço público na 
área da saúde. Com base em textos teóricos, procurou-se explicitar certos traços da 
realização do ato do assédio moral, construindo-se um modo de percepção e 
conseqüente configuração do problema, para mais bem o combater. 
 
 
Palavras-chave: Assédio moral; serviço público; área da saúde. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
This monographic study aims at analyzing the bulling in public service with emphasis 
on health. Therefore, initially it looks for some of its aspects as the sociological, the 
historical, the psychological and the rule of law. Then, it illustrates the relationship 
between bullying and public service in health. Based on theoretical texts, we have 
tried to explain certain features of the bulling act, by pointing the issue in order to find 
out the best way to solve it. 
 
 
Keywords: Harassment; public service health. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE QUADROS 
 
 
Quadro 1 - Tipos de assediadores .......................................................................... 26 
Quadro 2 - Sinais e sintomas oriundos do Assédio Moral ...................................... 27 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10 
1 ASSÉDIO MORAL .................................................................................... 12 
1.1 Introdução ao problema ......................................................................... 13 
1.2 Raízes culturais do Assédio Moral no Brasil .......................................... 14 
1.3 Que se pode entender sobre Assédio Moral? ........................................ 17 
1.4 Tipos de Assédio Moral .......................................................................... 31 
2 O SERVIÇO PÚBLICO ............................................................................. 35 
2.1 Breve história do serviço público no Brasil ............................................ 35 
2.2 Os conflitos do serviço público no Brasil ............................................... 36 
2.3 A especificidade das relações de trabalho no campo estatal ................ 38 
3 ASPECTOS LEGAIS, JUDICIAIS E PRINCIPIOLÓGICOS SOBRE O 
ASSÉDIO MORAL ....................................................................................... 
 
42 
3.1 Aspectos legais que caracterizem Assédio Moral ................................. 42 
3.2 Decisões judiciais sobre o Assédio Moral .............................................. 45 
3.3 Impessoalidade e imparcialidade no serviço público ............................. 49 
4 ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO PÚBLICO .......................................... 53 
4.1 Assédio Moral no serviço público .......................................................... 53 
4.1.1 Assédio Moral na área da saúde pública ........................................... 57 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 62 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 66 
ANEXO ........................................................................................................ 71 
 
 
 10 
 
INTRODUÇÃO 
 
“As relações de poder são, possivelmente, as estratégias 
Mais bem escondidas no corpo social” 
Michel FoucaultNão existem dados fidedignos sobre assédio moral exercido sobre o 
servidor público, em particular o servidor da Secretaria de Saúde do Estado de São 
Paulo. Trata-se de área em que o trabalho é particularmente tenso, em função do 
seu objeto e das relações interpessoais próprias ao serviço público. Assim, a 
intenção deste trabalho é trazer a problemática a lume para que sejam realizados 
outros trabalhos de cunho sociológico, psicológico, administrativo e jurídico sobre a 
matéria. Faz-se necessário avaliar se há diferenças nas variáveis sexo, raça/etnia, 
status social, orientação sexual, estado civil, idade, grau de escolaridade, profissão, 
função, entre outros fatores, a fim de agir de maneira pontual e sensibilizar para o 
fenômeno do assédio moral os conselhos de saúde, os sindicatos, os conselhos de 
fiscalização profissional, as câmaras municipais, as assembléias legislativas, o 
Ministério Público estadual, o federal e o do trabalho. O tema é amplo e pouco 
estudado no serviço público do ponto de vista teórico. Existem julgados que 
envolvem servidores públicos. Trata-se, no entanto, de julgados que não 
reconhecem o assédio moral ou entendem que determinado procedimento não seja 
assédio moral, muito em função da difícil caracterização e comprovação do 
fenômeno segundo os critérios utilizados na doutrina. 
 
Em um Estado e em um país nos quais existem pessoas sujeitas a 
condição de trabalho análoga à da escravidão, trabalho infantil, ou mesmo 
desemprego e uma informalidade crescente nas relações de trabalho, dissertar 
sobre assédio moral parece irrelevante. 
 
Nosso entendimento, no entanto, é que pari passu deva a sociedade 
combater sem trégua as diversas ilegalidades, lutar incansavelmente contra o 
trabalho escravo e outras posturas coloniais ligadas ao trabalho e, ao mesmo tempo, 
contra o assédio moral. No serviço público e especialmente na área da saúde, é 
cediça a prática do assédio moral, mas ainda nos parece distante a possibilidade de 
 11 
 
trazer o tema à baila para discussão e enfrentamento, em função da baixa 
sensibilidade para o tema, do baixo nível de percepção do funcionalismo público em 
geral e, muitas vezes, das desfavoráveis características das relações de trabalho, 
precipuamente certo amadorismo das gerenciais, chefias e diretorias. 
 
Nascimento (2004) traz alarmantes dados estatísticos sobre o assédio 
moral relacionados à União Européia, discriminadamente a França, e à Grã 
Bretanha. Menciona a pesquisadora que “[...] em pesquisa realizada no Brasil com 
um universo de 4.718 profissionais ouvidos em todo o território, 68% deles 
afirmaram sofrer algum tipo de humilhação várias vezes por semana, sendo que a 
maioria dos entrevistados (66%) disseram ter sido intimidados por seus respectivos 
superiores”. 
 
Ainda que não disponhamos de consistentes dados estatísticos estaduais 
e nacionais, a atenção que demos ao tema é justificada pela incipiente proteção 
dirigida ao trabalhador contra o assédio moral, problema abrangente, tanto que 
estende suas raízes às esferas social, econômica, cultural e organizacional. 
 
O método de pesquisa adotado foi consulta à bibliografia técnica – teses, 
dissertações, livros, legislação – e à bibliografia de divulgação do assunto – jornais, 
revistas e sites. 
 
Foi necessário demarcar os limites do estudo, tendo em vista a ampla 
bibliografia sobre o tema assédio moral, muito embora seja pouca na área da saúde. 
A característica deste Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização na Escola 
Superior de Advocacia também limita em tempo e em extensão a abordagem do 
tema, complexo e profundo. 
 
 
 
 
 12 
 
1 O ASSÉDIO MORAL 
 
 
1.1 Introdução ao problema 
 
 
O assédio moral ou agressão psicológica é um fato social que ocorre no 
meio social, familiar, estudantil e, mais intensamente, no ambiente de trabalho, 
abrangendo tanto o setor privado quanto a Administração Pública, e, embora na 
atualidade tenha atraído estudos no campo da Psicologia, Sociologia, Medicina do 
Trabalho e do Direito, tem origem na organização do trabalho, considerada a relação 
domínio-submissão entre o capital e força do trabalho. (BATALHA, 2009) 
 
Schmidt (2001) menciona que o assédio moral foi, de maneira inédita, 
objeto de pesquisa, em 1996, na Suécia, do psicólogo do trabalho Heyns Leymann, 
que, por meio de levantamento junto a vários grupos de profissionais, chegou ao 
processo que qualificou de psicoterror, cunhando o termo mobbing (derivado de 
mob, que significa “horda”, “bando” ou “plebe”), em função da similaridade entre tal 
conduta e um ataque rústico, grosseiro. 
 
Em seu trabalho Schmidt (2001), menciona que o assédio moral tem 
várias denominações: na França é harcèlement moral, mobbing na Itália, na 
Alemanha e nos países escandinavos, bullying na Austrália e na Grã Bretanha; 
emotional abuse ou mistreatment nos Estados Unidos. 
 
Dois anos após, Marie-France Hirigoyen, psiquiatra e psicanalista de 
grande experiência como psicoterapeuta familiar, popularizou o termo por meio do 
livro Lê Harcèlement moral: la violence perverse au quotidien, um best-seller que 
ocasionou a abertura de inúmeros debates sobre o tema, tanto na organização do 
trabalho como na estrutura familiar. 
 
A sociedade atual vive em um sistema em que a “racionalidade 
instrumental” se sobrepõe à “racionalidade comunicativa” (para usarmos a 
expressão de Habermas em Teoría de la Acción comunicativa: crítica de la razón 
 13 
 
funcionalista), o que gera distorção comunicacional; a violência torna-se resposta a 
sistema desumano e não pode ser considerada mero mecanismo individual. Em 
outras palavras, nesse processo a violência passa a ser perversão da perversão, ou 
seja, armadilha motivada pela crueldade do sistema. 
 
O assédio moral geralmente nasce com pouca intensidade, como algo 
inofensivo, pois as pessoas tendem a relevar os ataques, considerando-os 
brincadeira; depois, propaga-se com força, e a vítima passa a ser alvo de maior 
número de humilhações e de brincadeiras de mau-gosto. 
 
Isso talvez ocorra justamente porque as vítimas temem denunciar 
formalmente, com medo do “revide” que poderia ser a demissão ou o rebaixamento 
de cargo, por exemplo; além disso, denúncias tornariam público o processo de 
humilhação, o que deixaria as vítimas ainda mais constrangidas e envergonhadas. 
Assim, o medo (de caráter mais objetivo) e a vergonha (mais subjetiva, porém de 
conseqüências devastadoras) unem-se, acobertando a covardia dos ataques. 
 
Embora seus agressores tentem desqualificá-las, normalmente as vítimas 
não são pessoas doentes ou frágeis. São pessoas portadoras de forte senso crítico 
personalidade transparente e sincera, que se posicionam, algumas vezes, 
questionando privilégios, e não têm grande talento para o fingimento e para a 
dramaturgia. Tornam-se alvos das agressões justamente por não se deixar dominar, 
por não se curvar à autoridade de um supervisor sem nenhum questionamento a 
respeito do acerto das determinações. 
 
Em nosso meio, na área da saúde no setor público, é muito freqüente o 
assédio moral, muito embora faltem dados tanto de pesquisas quanto de julgados 
que mensurem o problema. 
 
 
 
 
 
 
 14 
 
1.2. Raízes culturais do Assédio Moral no Brasil 
 
 
O assédio moral não é um tema novo, menciona Durães (2007), porém 
recentemente passou a despertar grande interesse entre os autores, talvez pelo 
próprio dinamismo imprimido pelas mudanças sociais. 
 
A violência moral no trabalho não é novidade. Existe há muito tempo em 
todo o mundo. O que é novo é a gravidade, a generalizaçãoe a trivialização do 
problema. Há vinte anos, a maioria das pessoas poderia acreditar que trabalharia 
durante os anos necessários à sua aposentadoria sem um incidente sério de 
assédio moral. Hoje, ao contrário, quase todos os trabalhadores parecem correr 
riscos de ser seriamente assediados em suas carreiras, talvez mais de uma vez. 
 
Além dos aspectos econômicos, outros fatores influenciam a 
consubstanciação do assédio moral no trabalho. O direito sempre foi, 
intrinsecamente, ligado à cultura, tendo, com essa, uma retroalimentação constante. 
No caso do assédio moral, tais ligações são nítidas. Dessa forma, as raízes culturais 
brasileiras, também, influenciaram no desenvolvimento do modo como o assédio é 
praticado no Brasil; conforme Aguiar (apud Thome, 2008), o assédio moral é 
 
[...] o resultado do abuso de poder, da permissividade de agressões no local 
de trabalho e também da impunidade para atitudes dessa natureza, além de 
refletir o autoritarismo e a forte hierarquização das organizações atuais, bem 
como a influência da cultura nacional na sua forma de gerir as pessoas”, 
acrescentando-se “os traços típicos e característicos da cultura brasileira 
não estão distantes do cotidiano organizacional: o estilo paternalista e 
autoritário de administrar foi gerado no engenho, na casa-grande e na 
senzala, fortalecido pelo coronelismo e solidificado pela gerência 
empresarial. 
 
Segundo Thome (2008) o estudo de Raízes do Brasil de Sérgio Buarque 
de Holanda, é extremamente relevante, porque o identifica as origens, 
características e motivos da falta de coesão social nos movimentos brasileiros e da 
repulsa a todas as modalidades de racionalização e, por conseguinte, de 
despersonalização. Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque, no capítulo “Fronteiras da 
Europa”, toma como base de sua afirmação o fato de ter sido transportada para o 
Brasil a cultura européia, especificamente a ibérica. A cultura ibérica, zona de 
 15 
 
transição que se adiantou à Europa no final do século XV, não teve grandes 
problemas em assimilar a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, porque, 
em verdade, “a burguesia mercantil não precisou adotar um modo de agir e pensar 
absolutamente novo, ou instituir uma nova escala de valores, sobre os quais se 
firmasse permanentemente seu predomínio. Procurou, antes de associar-se às 
antigas classes dirigentes, assimilar muitos de seus princípios [...]”. 
 
Dessa forma, apegada à tradição, a cultura ibérica não aderiu por 
completo às idéias do livre-arbítrio, da importância do trabalho, pois “uma digna 
ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mais nobilitante, a um bom 
português, ou a um espanhol, do que a luta insana pelo pão de cada dia. O que 
ambos admiram como ideal é uma vida de grande senhor exclusiva de qualquer 
esforço, de qualquer preocupação”. Princípios como hierarquia e obediência nunca 
tiveram presença constante na cultura ibérica, já que “entre espanhóis e 
portugueses, a moral do trabalho sempre representou fruto exótico”. 
 
Sérgio Buarque, citado por Thome (2008) conclui que: “podemos dizer 
que de lá [tradição ibérica] nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi 
matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma” 
 
As idéias de Raízes do Brasil servem, também, como legitimação às 
fortes críticas que Sérgio Buarque fazia aos tradicionais europeístas, que pretendiam 
formar um Brasil melhor, retornando às origens portuguesas. Ora, como teria o Brasil 
maior coesão social, quando da retomada das tradições ibéricas, se foram essas 
tradições o que originou as características sociais brasileiras? 
 
Fortemente influenciado pelos movimentos modernistas brasileiros e pelo 
“Manifesto Futurista”, de Marinetti, Sérgio Buarque afirma, após a publicação de 
Raízes do Brasil, que “a fase atual da sociedade exige uma hierarquização de 
postos na máquina produtiva que eclipsa as relações pessoais, incute nas relações 
antes orientadas pelo difuso emocionalismo brasileiro o padrão da produtividade, da 
impessoalidade das relações entre empregados e patrões [...]” e que “essa 
modificação vem pôr abaixo também a visão fidalga que os brasileiros tinham do 
trabalho manual” 
 16 
 
Conforme continua Thome (2008), 
 
[...] pode-se apontar, em suma, como características típicas da cultura 
brasileira a concentração de poder, o personalismo, a postura de 
espectador, o evitamento de conflitos, a lealdade às pessoas, o formalismo, 
a flexibilidade e a impunidade. 
Se, por um lado, a exacerbação da impessoalidade do trabalho, nos dias 
atuais, causou distorções terríveis nas relações de trabalho, „tornando 
inevitável um sentimento de irresponsabilidade, da parte dos que dirigem, 
pela vida dos trabalhadores manuais e, ainda que tenha havido um 
movimento de moralização da sociedade, não se pode negar que, 
mormente nos casos de pequenas empresas e das relações domésticas, 
essa relação senhorial ainda pode ser visivelmente notada, tanto no que 
concerne à falta de coesão da sociedade brasileira quanto no que se refere 
à motivação histórico-cultural, como relatado por André Luiz Sousa Aguiar, 
quando afirma que, tal como os senhores escravocratas, as armas utilizadas 
por muitos empregadores assediadores são o afeto e a violência‟” 
 
 
Como afirma Aguiar 1, 
 
[...] como legado da exploração da mão-de-obra escrava, da extorsão 
praticada contra imigrantes assalariados e da prática abusiva aplicada à 
classe operária no início da industrialização, as relações de trabalho em 
nosso país são impregnadas pela falsa idéia de que o subalterno é obrigado 
a se submeter a uma forte depreciação enquanto ser humano, aceitando 
como condição normal de trabalho todo tipo de maus-tratos. 
 
 
Segundo Heloani (2004), que situa o próprio discurso em momento 
anterior da história brasileira, 
 
No Brasil colônia, índios e negros foram sistematicamente assediados, ou 
melhor, humilhados por colonizadores que, de certa forma, julgavam-se 
superiores e aproveitavam-se dessa suposta superioridade militar, cultural e 
econômica para impingir-lhes sua visão de mundo, sua religião, seus 
costumes. 
Não raro esse procedimento, constrangedor sob vários aspectos, vinha 
acompanhado de um outro que hoje denominamos assédio sexual
2
, ou seja, 
constranger-se uma pessoa do sexo oposto ou do mesmo sexo a manter 
qualquer tipo de prática sexual sem que essa verdadeiramente o deseje. 
De fato, as idéias de Gilberto Freire, em sua obra clássica Casa-grande & 
Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, 
as relações entre brancos e “raças de cor” foram, no Brasil, condicionadas 
bilateralmente – de um lado pela monocultura latifundiária (o cultivo de 
cana-de-açúcar) no que diz respeito ao sistema de produção econômica; e 
de outro, pelo sistema sócio-familiar de cunho patriarcal, que se 
caracterizava pela escassez de mulheres brancas na colônia. Essa 
 
1
 Idem. 
2
 A título de comparação entre possíveis tipos de assédio, veja-se o Anexo III sobre quadro 
comparativo entre Assédio em geral e assédio moral. 
 17 
 
monocultura açucareira acabou impossibilitando a existência de uma 
policultura e de uma pecuária que pudessem se instalar ao redor dos 
engenhos, para suprir-lhes, inclusive, as carências alimentares. A criação de 
gado deslocou-se para o sertão, e a casa-grande adquiriu características 
alimentares. A criação de gado deslocou-se para o sertão, e a casa-grande 
adquiriu características essencialmente feudais – senhores de engenho, em 
sua maior parte patriarcas e devassos, que dominavam, do alto de suas 
moradias, escravos, lavradores e agregados, com mão-de-ferro” (p. 2).Em um movimento dialético, pode-se fazer avançar o discurso para os 
dias atuais, re-situando-o no estado da problemática, e evocando as palavras de 
Batalha (2009): 
 
Constitui marco na história recente da República o assédio moral coletivo 
capitaneado por Fernando Collor, o pseudo-caçador de marajás, que levou 
milhares de servidores à disponibilidade contando com apenas 30% da 
remuneração, sem atribuição, sendo pagos para não trabalharem, já que 
não podiam ser demitidos em razão de direito adquirido. Ocorreu o fato em 
1989. Não houve critério algum a ação [do presidente], nem objetivo, nem 
subjetivo, sendo apenas declarado nos bastidores que o „critério‟ era banir 
os indesejáveis (p. 2) 
 
 
1.3. Que se pode entender por Assédio Moral? 
 
 
Existem vários conceitos sobre assédio moral. Leitura obrigatória sobre a 
matéria é o texto Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano, de Marie-France 
Hirigoyen (2002), quando trata das relações de trabalho públicas e privadas, 
conceitua o assédio moral como: 
 
Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por 
comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à 
personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma 
pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. 
 
O ponto de partida do assédio moral, segundo leciona Hirigoyen (2002), é 
o abuso de poder do superior hierárquico que esmaga seus subordinados com o 
poder, “meio de um pequeno chefe valorizar-se”, evoluindo para as “manobras 
perversas”, até a fase de destruição moral (psicoterror), que pode, inclusive, ter a 
conivência da empresa ou de dirigentes do serviço público, que se omitem. 
 18 
 
A existência de comportamentos assediantes em um indivíduo revela 
mais sobre o seu ambiente do que sobre ele mesmo ou sobre aquele que é seu 
objeto.3 
 
O assédio não provoca exclusivamente um face a face; inscreve-se em 
um espaço social e político que lhe possibilita os meios de desenvolvimento ou, ao 
contrário, impede-lhe o desenvolvimento. O assédio faz parte, portanto, dos gestos e 
comportamentos que formam a sociedade, que constroem as esferas de 
socialização ou de dessocialização. 
 
Mais amplamente do que as relações interpessoais, todo assédio é forma 
indireta de questionamento de poder, de perda de confiança na estabilidade das 
instituições, de perturbações e desordens no interior de uma relação social. 
 
Não existe assédio individual de um sobre o outro sem a cumplicidade 
dos outros, testemunhas silenciosas ou coniventes com o fenômeno e atores 
implícitos ou explícitos da dominação ou de seu agravamento; no plano político, não 
existe conquista ou defesa dos direitos e liberdades sem a expressão de exigências 
e ações de resistência em relação às instituições de poder. Por um lado, o assédio é 
destruidor do laço social; por outro, é promotor da solidariedade civil. Noutras 
palavras, se, por um lado, o assédio é socialmente desorganizador e, quiçá, 
desestruturador, por outro lado é, ou deveria ser, promotor de certa ordem de 
reorganização social e restabelecimento dos vínculos sociais, mediante a 
solidariedade.4 
 
No campo delimitado das relações interindividuais, no entanto, o 
fenômeno do assédio é constante, abrindo-se, na ordem racional, para a observação 
crítica: a política do assédio é essencialmente conduzida pelos "dominantes 
fragilizados", por aqueles que estão a um passo de perder a legitimidade de seu 
poder, por aqueles cuja força de imposição está prestes a se desfazer, portanto, em 
poucas palavras, por aqueles que, usando imprudentemente da força para se impor 
 
3
 SEIXAS, J. et al. (org.). Assédio Moral: desafios políticos, considerações sociais, incertezas 
jurídicas. Uberlândia: EDUFU, 2006, p. 28. 
4
 Ibid, p. 29. 
 19 
 
aos outros, em face de contestações e oposições, assumem atitude inflexível; em 
resumo, por aqueles que temem perder o poder de que dispõem, por mais limitado, 
mais simbólico ou imaginário que seja ele. 
 
O assédio tem geralmente por objeto o indivíduo que constitui a fonte 
potencial do questionamento do poder que o assediador detém, e também aquele, 
em virtude de sua vulnerabilidade ou de eventual antipatia, por meio de quem o 
assediador confere sentido a suas próprias capacidades, a suas próprias aptidões, e 
dá visibilidade à sua dominação. 5 
 
Esse ataque é uma defesa que usa de todos os meios contra aquele 
"agitador", rebelde, indisciplinado, insolente, espírito livre, podendo ir do insulto à 
difamação, passando pelos apartes difamadores e a difusão de rumores caluniosos. 
 
Diz Seixas (2006): 
 
Vale-se o assediador, igualmente, de atos de difamação sistemáticas [sic], 
de falsas confidências destiladas de má fé, mentiras institucionais, 
acusações reiteradas ao encontro daqueles que usam sua liberdade de 
expressão e de ação ou que se recusam a obedecer às codificações 
comportamentais oriundas de pressões sociais conformistas. São estas 
mesmas técnicas as empregadas contra jornalistas, cineastas, homens e 
mulheres, políticos, militantes de associações de defesa dos direitos dos 
povos ou de proteção dos direitos do homem – de todos os direitos do 
homem e não apenas de alguns ou de alguns poucos em um único sentido 
– professores, artistas, trabalhadores ou empregados, cidadãos.
6
 
 
 
Segundo Heloani (2004): 
 
Observa-se que em épocas passadas, no Brasil, o assédio moral se dava 
basicamente com o peão, o serviçal sem maiores qualificações. Hoje, 
abrange todas as classes, infelizmente „democratizou-se‟ no mau sentido; 
juízes, desembargadores, professores universitários, médicos e funcionários 
de funções diversas, muitas vezes bastante qualificados, também são 
atingidos por esse fenômeno. 
 
O intuito do assédio é, para o assediador, obstruir a independência do 
outro, o assediado, negar-lhe a autonomia e provocar o deslocamento de seu meio 
 
5
 Ibid., p. 30. 
6
 Acrescem-se a esse rol advogados, farmacêuticos, médicos, enfermeiros, entre outros. 
 20 
 
social; em última instância, a intenção é provocar a destruição de toda forma de 
solidariedade social. 
 
Em breve incursão no Direito Comparado, verifica-se que na legislação 
trabalhista francesa se menciona que “é da alçada do chefe da empresa tomar todas 
as providências necessárias tendo em vista prevenir [estas] manobras”. Segundo tal 
legislação, "Nenhum assalariado deve sofrer manobras repetidas de assédio moral 
que têm por objetivo ou efeito uma degradação das condições de trabalho passível 
de atingir seus direitos ou sua dignidade, alterar sua saúde física ou mental ou 
comprometer seu futuro profissional.”.7 
 
Há, particularmente nos locais de trabalho, múltiplos códigos de 
comportamento – atitudes, gestos, olhares e expressões do rosto, hostilidade difusa 
composta por reticências, sarcasmo, ironia, reservas, certo ostracismo – que podem 
ser traduzidos em normas que atuarão sobre as condutas.8 
 
Esses códigos tendem a especificar comportamentos, sentimentos que 
provocam, ou apenas suscitam, ofensas, humilhações e ultrajes, configurando-se 
situações específicas em diferentes formações históricas e sociais, diferentes locais 
de atuação, que sofreram mudanças no decorrer do tempo, tendo-se em vista as 
transformações da sociedade e da conjuntura política e administrativa. 
 
No Brasil há dificuldade de comprovar o assédio moral quando ele tem 
aparência sutil, quando há uma hostilidade difusa. No entanto a justiça e a legislação 
brasileira são aliadas do assediado se bem aplicadas em determinadoscasos. 
 
Por sua vez, a lei francesa entende por hostilidade difusa "manobras 
repetidas de assédio moral que têm por objetivo e efeito uma degradação das 
condições de trabalho passíveis de ferir os seus [da pessoa] direitos e a sua 
dignidade, alterar sua saúde física ou mental ou comprometer seu futuro”, segundo 
Ravisy (2002 apud HAROCHE, in SEIXAS, 2006, p. 37). 
 
 
7
 SEIXAS, 2006, p.33. 
8
 Id., p.36. 
 21 
 
Se, por um lado, se pode entender que o relativo descompasso e a 
diferença de aplicação entre a atual legislação brasileira e, por exemplo, a francesa 
sejam desvantajosos para o Brasil – no sentido de considerar positivo o alto grau de 
normatização de uma sociedade –, é, por outro lado, forçoso admitir o excessivo 
cerceamento a que são submetidos os indivíduos pertencente às sociedades 
altamente regulamentadas. Paralelamente, porém, ao estabelecimento e 
desenvolvimento de um aparato regulamentador, há a questão individual, privada, 
que deve ser levada em consideração relativamente ao tratamento da questão do 
assédio. 
 
A vergonha de ser fraco, a vergonha de ser vulnerável, de ser insultado 
impede o assediado de tomar medidas para mitigar ou mesmo acabar com o 
problema. Diz Haroche (in SEIXAS, 2006): 
 
No início dos anos 1930, convencido do caráter fundador da lei nas 
sociedades humanas, Freud exprimiu um profundo pessimismo quando, em 
sua reflexão sobre o mal-estar na civilização, afirmou que, se a lei „buscava 
impedir os excessos mais grosseiros da violência bruta dando a si mesma o 
direito de usar de violência contra os criminosos‟
9. 
 
 
Freud, (1981 apud HAROCHE, in SEIXAS, 2006), ela não possuía, no 
entanto, condições de „levar em conta as manifestações mais prudentes e mais 
sensíveis da agressão humana‟ 10. 
 
Em interessante trabalho de Marie-Grenier Pezè (2004), aparecem alguns 
conceitos que poderiam ser aplicados ao trabalho no setor público, quando a autora 
menciona: 
 
[...] A subordinação própria à definição jurídica de contrato de trabalho prende o 
assalariado numa toxicidade contextual experimental. Com efeito, o aparelho 
psíquico só pode se afrontar a [sic] uma situação excessiva fonte de excitação 
graças a duas grandes vias de expressão: o pensamento, que permite trabalhar o 
„excesso‟ intrapsíquico, o movimento, que descarrega o corpo do excesso de 
tensão. Numa situação de assédio, a repetição das humilhações aos novatos, os 
vexames e as injuções paradoxais têm valor de destruição psíquica e suspendem 
todo trabalho do pensamento. A impossibilidade de demitir-se sob pena de perder 
seus direitos sociais barra a descarga sensório-motora. O impasse criado nestas 
 
9
 FREUD, 1981 apud HAROCHE, in SEIXAS, 2006, p.41. 
10
 Id.,p.41. 
 22 
 
duas grandes vias de escoamento das excitações traumáticas convoca fatalmente 
a ruína depressiva e a via somática mais ou menos a longo termo. 
 
 
Haroche (in SEIXAS, 2006) afirma que: 
 
As qualidades e comportamentos exigidos dos indivíduos na esfera do 
trabalho nas sociedades contemporâneas fornecem as razões pelas quais o 
assédio irrompeu hoje com tal intensidade: a flexibilidade, o caráter 
contingente e efêmero que conduz à precarização, à vulnerabilidade, ao 
isolamento do indivíduo em formas extremas de individualismo que implicam 
em [sic] uma grande violência psíquica. 
 
 
O assédio moral, segundo Haroche (in SEIXAS, 2006), é sorrateiro e 
progressivo; a auto-estima da personagem afetada se esvazia pouco a pouco, 
conduzindo de maneira quase inapelável à sua destruição na instituição. 
 
Nesse contexto, as licenças de trabalho por motivos de saúde são 
bastante comuns, salientando-se amplamente as que se devem a motivos 
psiquiátricos. Entre esses, as depressões e os quadros psicossomáticos certamente 
são dominantes. É evidente que as licenças psiquiátricas reforçam ainda mais a 
experiência de destruição social da personagem afetada, confirmando a posteriori a 
desconfiança dos superiores e dos colegas sobre a credibilidade e a competência 
funcional desta, realimentando no imaginário as idéias da trama diabólica e da 
"conspiração", silenciamento da solidariedade11. 
 
Há que se considerar também o medo, que se dissemina como verdadeira 
peste nas instituições, no que tange à possibilidade de perda de emprego. No setor 
público existem perdas de privilégios, ostracismo, ou dificuldade de ascensão na 
carreira. A segurança das pessoas nos postos de trabalho não tem mais 
salvaguardas jurídicas consistentes, já que podem ser cortadas de seus empregos a 
qualquer momento, por razões de produtividade e de equilíbrio orçamentário das 
empresas. Com isso, o Estado, como figura de mediação, posição que ocupava no 
espaço social da modernidade e por meio da qual oferecia formas de proteção para 
 
11
 No serviço público paulista as pessoas preferem dizer que estão com problemas de outra ordem, 
como ortopédicos e outros que não toquem a questão laboral, embora o setor de RH, que é poroso, 
muitas vezes deixe vazar a informação sobre a real patologia do assediado. 
 23 
 
os cidadãos, começa a ser ostensivamente desconstruído. É a perda de poder de 
mediação o que permite que os superiores de uma empresa se autorizem a fazer o 
que querem e bem entendem com os subalternos, num evidente abuso de poder. É 
também por causa disso que os demais subalternos se aliam ao chefe e não ao 
colega assediado, já que, não podendo mais acreditar e confiar na mediação do 
Estado para limitar efetivamente tal abuso de poder, preferem associar-se ao 
superior para manter o seu lugar institucional e não ser assim excluídos 
definitivamente também do espaço social. 
 
O contexto suscita uma pressão contínua, o sentimento de nunca estar 
fazendo o suficiente, a angústia de não estar à altura daquilo que a empresa exige. 
 
O sistema empresarial suscita um modelo de personalidade narcisista, 
agressiva, segura de si, pragmática, insensível, centrada mais sobre a ação do que 
sobre a reflexão, pronta a oferecer corpo e alma para o trabalho, pronta a tudo para 
vencer. 
 
O gozo do poder, todavia, tem o seu reverso: a angústia da perda do 
objeto, angústia arcaica que revela o medo de perder o amor do ser amado. Daí, a 
tensão permanente para estar à altura das exigências. 
 
Segundo Gaulejac (in SEIXAS, 2006, p.79), 
 
[...] Uma organização não é neurótica, nem paranóica, nem perversa. No 
entanto, seu mecanismo de funcionamento pode suscitar nos empregados 
comportamentos neuróticos, paranóicos ou perversos. Ela pode, 
particularmente, operacionalizar modos de administração que favoreçam o 
assédio, isto é, as relações de violência, de exclusão, de crise de vigilância. 
[§] A noção de assédio moral tende a focalizar o problema sobre o 
comportamento das pessoas, em vez de focar os processos que os geram. 
[...] Na maioria dos casos, o assédio não é obra de uma pessoa particular, 
mas de uma situação de conjunto. (grifo nosso) 
 
 
Magalhães (in SEIXAS, 2006) defende que: 
 
A percepção de que o assédio possa ser uma estratégia de poder de mão 
dupla, leva-me a propor aqui uma reflexão sobre um tipo de assédio que se 
caracteriza como uma determinada relação de sedução entre desiguais, por 
 24 
 
certo, uma ação de humilhação do outro, mas que pode vir a ser, dada a 
situação de isolamento em que o alvo do assédio se encontra inclusive, 
consentida, por propiciar vantagens recíprocas. (p.83) 
 
Nota-se que no assédio moral, por sua vez, não raro o assediado se 
beneficia do processo de assédio: nãolhe sendo delegada nenhuma atividade, 
deixando-o na “geladeira”, nem lhe sendo solicitado nada, ele volta o interesse para 
outras atividades, distanciando-se da instituição e perdendo o vínculo, sublimando o 
sofrimento; esse distanciamento do problema e da instituição lhe propicia ser 
transferido ou posto à disposição de autoridade superior. (grifo nosso) 
 
Embora problematizado pela própria autora, o seguinte silogismo é 
apresentado por Nelly Ferreira (in SEIXAS, 2006): 
 
Se o assédio é manifestação de todo poder de dominação, e o Estado é, em 
si mesmo, um poder de dominação, então o Estado dispõe 
conseqüentemente de métodos de assédio. Estes fariam parte da sua 
natureza, da sua identidade de potência dominadora; constituíram assim um 
critério do poder de dominação. (p.108) 
 
Nesse sentido é que instrumentos de assédio moral no serviço público 
são mais institucionalizados, pois a malha de proteção do funcionário é mais tênue – 
uma vez o executivo é na teoria controlado pelo legislativo, embora tal controle seja 
pífio, permitindo que haja uma política discricionária e permissiva, que viabilize o 
assédio moral –, e os mecanismos de assédio são produtos da estrutura, dos 
processos e da hierarquia no serviço público. 
 
Não se pode olvidar que é prerrogativa do administrador público manter 
um andamento no trabalho, e para isso deve exercer determinada pressão, pois 
qualquer pressão, mesmo persistente, ainda que mais ou menos incessante, não 
constitui automaticamente ato de assédio. Assediar é realizar uma ação que guarde 
a conotação de ilegalidade, de infração; deve existir verdadeiro abuso de 
autoridade. 
 
João (2006) menciona que as normas coletivas de diversas categorias 
profissionais apresentam cláusulas que visam à prevenção ou à denúncia de 
práticas de assédio moral. Os sindicatos exercem importante atuação no avanço da 
 25 
 
proteção do trabalhador, em especial por atender as especificidades das categorias 
profissionais e econômicas. 
 
Em seminário realizado em 2006, a Sra. Osksana Maria Dziura Boldo, 
membro do Ministério Público do Trabalho, defendendo a atuação do sindicato e a 
interação entre o trabalhador e o sindicato na consecução da mitigação do assédio 
moral no serviço público, disse que: 
 
[...] existe [...] uma lei no âmbito municipal [...] que [...] que prevê [...] escala 
punitiva, mas ainda não tem se mostrado muito eficaz porque as pessoas 
têm ainda receio, as pessoas preferem se fechar, se guardar, mais do que 
numa empresa privada, no âmbito público, do funcionalismo público é muito 
mais forte a situação de assédio moral, muito mais contundente e muito 
mais difícil de esse revelar, do trabalhador revelar e do trabalhador receber 
a justa reparação pelo dano que ele sofre, mas recebe desde que ele 
consiga a prova, o problema é ele conseguir a prova, por isso da união, da 
representação ao sindicato, consolidação do sindicato, do apoio que o 
trabalhador deve dar ao sindicato para fortalecimento dele para que ele 
possa dar o retorno ao trabalhador [...]. (Seminário Antonio Mentor, 2006) 
 
 
Schmidt (2001) menciona que o assédio moral pode ser também visto 
pelo ângulo do abuso de direito do empregador de exercer seu poder diretivo ou 
disciplinar, porque é no exercício normal das prerrogativas patronais que o assédio 
se manifesta mais freqüentemente. Exemplo de tal manifestação de assédio é 
transferir o funcionário de local de trabalho com o intuito de desestabilizar o 
empregado. Trata-se de caso de abuso de direito sutil e, portanto, mais difícil de 
demonstrar. A obrigação de executar o contrato de trabalho de boa-fé pode, 
contudo, vir em auxílio do trabalhador, já que se impõe a ambas as partes ligadas 
por uma relação de trabalho. Esse autor menciona também que o assediador seria 
uma pessoa incapaz de viver sem um alvo, já se falando em serial bully. Existem 
vários tipos de assediadores, apresentados de forma bem-humorada no quadro 1. 
 
 
Quadro 1 - Tipos de assediadores. 
Profeta Sua missão é enxugar a máquina demitindo 
indiscriminadamente os trabalhadores (as). Humilha com 
cautela, reservadamente. As testemunhas, quando existem, 
são seus superiores, mostrando sua habilidade em 
„esmagar‟ elegantemente 
Pit- Bull É o chefe agressivo, violento e perverso em palavras e atos. 
 26 
 
Demite friamente e humilha por prazer 
Troglodita É o chefe brusco, grotesco. Implanta as normas sem pensar 
e todos devem obedecer sem reclamar. Sempre está com a 
razão. Seu tipo é> “eu mando e você obedece” 
Tigrão Esconde sua incapacidade com atitudes grosseiras e 
necessita de público que assista a seu ato para sentir-se 
respeitado e temido por todos 
Mala –babão Aquele chefe que bajula o patrão e não larga os 
subordinados. Persegue e controla cada um com “mão de 
ferro”. É uma espécie de capataz moderno 
Grande irmão Aproxima-se dos trabalhadores (as) e mostra-se sensível 
aos problemas particulares de cada um, independentemente 
se intra ou extramuros. Na primeira “oportunidade”, utiliza 
estes mesmos problemas contra o trabalhador, para rebaixá-
lo, afastá-lo do grupo, demiti-lo ou exigir produtividade 
Garganta É o chefe que não conhece bem o seu trabalho, mas vive 
contanto vantagens e não admite que seu subordinado saiba 
mais do que ele. Submete-o a situações vexatórias, como, 
por exemplo, colocá-lo para realizar tarefas acima do seu 
conhecimento ou inferiores à sua função 
Tasea (“Tá se achando”) Confuso e inseguro. Esconde seu conhecimento com 
ordens contraditórias: começa projetos novos, para no dia 
seguinte modificá-los. Exige relatórios diários que não 
serão utilizados. Não sabe o que fazer com as demandas 
dos seus superiores. Se algum projeto é elogiado pelos 
superiores, colhe os louros. Em caso contrário, 
responsabiliza a “incompetência” dos seus subordinados. 
 
Fonte: SCHMIDT, M.H.F.M, 2001. 
 
No campo legislativo, já existem previsões administrativas do assédio 
moral nas relações de trabalho que envolvem o serviço público. Veja-se, no Anexo II 
- Previsões administrativas do assédio moral nas relações de trabalho envolvendo o 
serviço público. 
 
Nascimento (2009) compilou leis de vários municípios e realizou um 
cotejo sobre os conteúdos nelas presentes; verificou que se trata do mesmo 
conceito, indiscriminadamente tratado. Aqui se defende, entretanto, que a prática 
adequada seria dar atenção à peculiaridade de cada município no que se refere ao 
assédio moral, procedendo-se a uma exaustiva discussão sobre o problema 
particular de cada município antes da promulgação da lei. Acrescente-se que, além 
da necessidade de especificidade, deve-se construir um modus operandi também 
adequado a cada caso, mantendo-se o devido sigilo: está-se propondo, aqui, que há 
 27 
 
uma carência tanto na adequação de teor das leis, quanto na implementação das 
mesmas, levando-se em consideração a peculiaridade do objeto da lei. 
 
Na esteira da necessidade da especificidade, cabe observar que existe 
um tipo de assédio moral incidente sobre um grupo de assediados, ou seja, o 
assédio moral pode ser coletivo, conforme menciona Batalha (2009); em se tratando 
de servidores públicos organizados em carreira, se os colegas o assediam 
moralmente, cabe argüir assédio moral coletivo. 
 
Barreto (2000), em estudo com 2072 trabalhadores de 97 empresas dos 
setores químico, farmacêutico, de plásticos e similares, de portes variados, dentro da 
região da grande São Paulo, verificou a exposição de trabalhadores a situações 
vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função, de 
forma repetitiva, caracterizando uma atitude desumana, violentae antiética nas 
relações de trabalho, assédio este realizado por um ou mais chefes contra seu 
subordinado. Trata-se de estudo sobre um universo específico; pode, no entanto, 
servir de balizamento para uma aplicação à problemática do assédio moral ao 
servidor público, uma vez realizados estudos destinados a verificar a aplicabilidade 
deste quadro 2 quanto aos sinais e sintomas eventualmente presentes no servidor 
público vítima de assédio moral. 
 
Quadro 2 - Sinais e sintomas oriundos do Assédio Moral. 
Sintomas Mulheres Homens 
Crises de choro 100 - 
Dores generalizadas 80 80 
Palpitações, tremores 80 40 
Sentimento de inutilidade 72 40 
Insônia ou sonolência 
excessiva 
69,6 63,6 
Depressão 60 70 
Diminuição da libido 60 15 
Sede de vingança 50 100 
Aumento da pressão arterial 40 51,6 
Dor de cabeça 40 33,2 
Distúrbios digestivos 40 15 
Tonturas 22,3 3,2 
Idéia de suicídio 16,2 100 
Falta de apetite 13,6 2,1 
Falta de ar 10 30 
 28 
 
Passa a beber 5 63 
Tentativa de suicídio - 18,3 
 
Fonte: BATALHA, L.R., 2009. 
 
Segundo Heloani (2004), a maioria das pesquisas aponta que as 
mulheres são, estatisticamente, as maiores vítimas do assédio moral. Também são 
elas as que mais procuram ajuda médica ou psicológica e, não raro, no seu próprio 
grupo de trabalho, verbalizando suas queixas, pedindo ajuda. 
 
Em relação aos trabalhadores, Schmidt (2001) menciona que, em 
pesquisas realizadas na França, com 153 médicos da região de Poitou-Charentes, 
95% responderam que já tiveram conhecimento, ao menos uma vez, de um caso de 
assédio moral. Os médicos avaliam que essas situações são pouco freqüentes em 
63,5% dos casos e freqüentes em 21% dos casos. As situações consideradas 
graves ou muito graves representam 75% das respostas. De outro lado, em 82 dos 
casos assinalados, os médicos diagnosticaram incapacidade (em metade dos casos, 
temporária, e em outra metade, definitiva) e 65% dos médicos pensam que a 
situações aparentes de assédio moral estão em progressão nos últimos anos. 
 
Santos (2008) veicula a seguinte contribuição estatística: “Pesquisas 
foram realizadas pelas Universidades de Estocolmo, na Suécia, e Alcalá, na 
Espanha indicando que 27% (Estocolmo) e 16,39% (Alcalá) dos entrevistados 
admitiam a redução da eficácia em razão do assédio psicológico.”. Trata-se de 
dados preocupantes, ainda que se considere que: 
 
 O trabalho, hoje, absorve a maior e melhor parte do tempo dos indivíduos, 
sendo, portanto, um espaço/tempo para a exposição da subjetividade, 
considerando que o trabalho realizado pelo homem diz respeito a ele 
mesmo, por expressar suas escolhas, opiniões, características, dentre 
outras revelações de si explicitadas cotidianamente. [§] [...] [§] Além do 
contexto da organização do trabalho em si, o sofrimento psíquico, no 
trabalho, pode ser ainda decorrente da incompatibilidade entre a história 
individual do sujeito e uma organização de trabalho objetiva, racional e 
intolerante. O quadro seria a famosa cena do filme de Chaplin, „Tempos 
Modernos‟: o homem tragado pela engrenagem; percebe-se claramente na 
metáfora um sistema de nervos, cérebro, sentimento e alma, devorados por 
um sistema mecânico, racional e desumano, que leva o homem a uma 
sensação de impotência. [...] [§] [...] [§] O assédio moral é um conceito muito 
subjetivo. O nível de desrespeito exercido e sofrido é variável de acordo 
com a percepção individual. É imprescindível considerar a cultura, a história 
 29 
 
de vida e vários outros aspectos específicos de cada indivíduo. Porém, a 
constatação de comportamentos abusivos que se mostram muito freqüentes 
é de suma importância para que se possa entender melhor esse fenômeno. 
 
[§] [...] [§] Observa-se que indivíduos que de alguma forma se destacam 
dentro da organização tornam-se possíveis alvos de assédio moral. Isso 
pode ocorrer até mesmo com funcionários honestos que reclamam da 
impunidade, quando percebem que regras não estão sendo cumpridas, ou 
com sujeitos que tentam cumprir as suas funções da maneira mais 
competente possível. 
 
[...] 
 
[...] Comecei a escutar muita reclamação dos pais e mães porque a 
instituição não funcionava. Então eu pensei em fazer alguma coisa e 
primeiro eu fui falar com a minha chefe, para saber qual era a posição dela. 
[...] Eu já senti nela um tom de ameaça quando ela me disse que era assim 
mesmo, que ali era um serviço público e que se você quiser continuar ali, 
funciona dessa forma. [sic] (MARTINS, 2009) 
 
Barreto, citada por Batalha (2009), menciona que: 
 
[...] o perfil pessoal da vítima é delineado por uma inteligência, geralmente, 
um pouco acima da média, uma personalidade altruísta, ingênua, 
insatisfeita, honesta e consideradora dos valores morais, apegada ao 
trabalho e à instituição pública, o tipo de pessoa que não tolera injustiça 
com ninguém. 
 
Apesar das discussões em grandes fóruns sobre o tema, no nível micro, 
local, vê-se muito pouca discussão sobre o tema e pouca ação no sentido de mitigar 
o problema. Acrescenta-se o fato de os sindicatos estarem pouco preparados e 
pouco disponíveis para o enfrentamento da matéria, pois sabem que terão de sair da 
sonolência na qual grande parte deles está, como se se tratasse de repartição 
pública, para enfrentar a tensão das discussões com as direções, principalmente no 
serviço público, onde algumas lideranças estão acomodadas em seus nichos, sem 
querer sair de suas zonas de conforto. 
 
Um dos fóruns dos quais acima se falou foi a 3ª Conferência Nacional de 
Saúde do Trabalhador, realizada em 2006, que deliberou sobre os itens abaixo, 
tocantes ao assédio moral: 
 
Item 54. Desenvolver ações no sentido de agilizar a tramitação do Projeto 
de Lei nº 2.369/03, que trata o assédio moral nas relações de trabalho como 
ilícito trabalhista e conceitua essa violência, com o objetivo de obter sua 
aprovação. 
Item 78. Incluir os impactos psicofísicos na saúde, resultantes do assédio 
moral, como fator de risco ocupacional, caracterizado como crime, ficando 
 30 
 
as empresas públicas e privadas obrigadas a emitir a Comunicação de 
Acidente do trabalho – CAT. 
Item 151. Definir que sejam investigadas, pelos setores da Saúde e do 
Trabalho e Emprego, as empresas nas quais sejam registrados casos de 
assédio moral no trabalho, no sentido da prevenção do sofrimento mental 
dos trabalhadores e trabalhadoras. 
Item 155. Incluir no Observatório de Saúde do Trabalhador informações 
específicas (notificação, estatísticas, pesquisas e divulgação de casos) 
sobre assédio moral e sexual nas relações de trabalho em todos os níveis 
de atenção à saúde, especialmente os atendimentos realizados pelos 
Centros de Atenção Psicossocial – CAP‟s. Divulgar as empresas campeãs 
nesse "ranking" perverso. Promover ações educativas e esclarecedoras em 
âmbito nacional no intuito de construir a conscientização da sociedade 
sobre essa violência e a desnaturalização dessa prática na organização do 
trabalho. (Relatório Final da 3ª Conferência Nacional de Saúde do 
Trabalhador - 24/3/2006). 
 
 
O que se verifica é que existe certa ingovernabilidade no serviço público. 
Há concessões entre a direção e funcionários, acordos tácitos de estabilidade 
efêmera; por conforto ou por medo de perder privilégios ou a tranqüilidade no 
trabalho, mantêm-se a estrutura em funcionamento. As pessoas têm medo de sair 
da sua zona de conforto; então não fazem o que vai de encontro à direção e suas 
ordens, mesmo que isso lhes pareça incorreto ou muitas vezes alheio à legislação, 
permitindo que haja pequenos desvios da legalidade, que só poderão ser aferidos 
com base na legislação ou por meio de apurações, sindicância ou processo 
administrativo. Quandodeterminado funcionário não demonstra medo, existe 
processo de cooptação para que ele não aja contra a ordem preestabelecida; se não 
for cooptado, no entanto, ou não aceitar as regras, o procedimento normalmente é 
deixá-lo de lado, na “geladeira”, sem função e, se estiver em algum cargo, esvaziar 
as atribuições do cargo, cada vez mais. Para determinado tipo de funcionário, isso é 
pretexto para a inação; não obstante, trata-se do tipo de funcionário aqui já descrito 
como aquele que tem o perfil de participação e se sente muito mal em estar em tal 
situação. 
 
O assediado muitas vezes demora a perceber que está sendo assediado, 
pois o assédio é processo quieto, imperceptível. A literatura menciona que ele, após 
algum tempo, tem um “insight” do problema que está passando. 
 
A alegoria da caverna platônica nos fornece elementos para analisar um 
processo de assédio, quando menciona: 
 31 
 
 
Portanto, se alguém o [o homem preso na caverna] forçasse a olhar a 
própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto 
dos objectos para os quais podia olhar, e julgaria ainda que estes eram na 
verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam?
12
 (A alegoria da 
caverna 2006) 
 
 
Muitas vezes o assédio é coletivo, mas apenas um ou alguns, em função 
de sua sensibilidade ou idiossincrasia, conseguem percebê-lo. Muito embora alguns 
consigam percebê-lo, existe uma falta de mecanismos capazes de reverter o 
processo de assédio: o senso ético é muito tênue, há falta de regulamento interno na 
instituição, há dificuldade em obter provas e testemunhas, falta orientação 
adequada, existe uma fragilidade emocional na qual se encontram os funcionários 
da determinada repartição, e, entre outros fatores, falta sensibilidade ou há 
acobertamento pela alta direção dos procedimentos que ocorrem na intimidade da 
instituição. 
 
A perversidade muitas vezes chega a tal ponto, que o assediador, quando 
observa que o assediado começa a apresentar os primeiros sinais e sintomas 
decorrentes do processo de assédio e que isso pode causar comprometimento, 
transfere-o ou põe-no à disposição, o que configura a dimensão do problema. 
 
 
1.4. Tipos de Assédio Moral 
 
 
Koubi (in SEIXAS, 2006) menciona que o assédio pode ser de ordem 
policial, judiciária, administrativa, fiscal, em associação com estratégias de 
hostilidade ou brutalidade, de rigor ou severidade abusiva por parte de instituições 
ou pessoas determinadas, muitas vezes interessadas em obter proveito próprio em 
função de alguma fragilidade, ainda que pressuposta, de outrem. 
 
Da mesma forma, sem cair na descrição de uma burocracia kafkaniana, é 
possível a certos usuários se dar [sic] conta de um assédio administrativo, 
principalmente quando os funcionários públicos solicitam através de pedidos 
 
12
 A Alegoria da Caverna - Platão.. Brasília: LGE, 2006. 
 32 
 
ou de toda uma série de operações – seja por má fé [sic], obediência 
obrigatória às ordens de superiores hierárquicos ou simplesmente em razão 
do desconhecimento dos textos aplicáveis – peças inúteis documentos 
inexistentes, provas impossíveis de serem localizadas, títulos inverossímeis. 
Qualquer que seja o caso, estudar a situação do assediado exige conhecer 
a posição do assediador: trata-se de fazer a distinção entre a pretensão de 
um e a situação do outro segundo os contextos e as circunstâncias nos 
quais se realiza, teórica ou concretamente, o assédio. (p.23) (grifo nosso) 
 
 
Quanto à pretensão do assediador, Ansart (in SEIXAS, 2006) apresenta 
uma tipologia teleológica do assédio: 
 
Um assédio ascendente [vertical
13
 praticado por subalterno e dirigido, 
portanto, a superior hierárquico] visa finalidades [sic] concretas: organizar a 
resistência à autoridade, obter uma melhoria das condições de vida. Um 
assédio descendente [vertical praticado por superior hierárquico e dirigido, 
portanto, a subalterno] visa o [sic] reforço da autoridade, a melhoria da 
produtividade, o reforço da „cultura de empresa‟, etc. Mas, estes são 
objetivos gerais e permanentes. A noção de assédio comporta finalidades 
mais imediatas: em um assédio ascendente, obter resultados imperativos, 
reforçar ameaças, denunciar as injustiças mais patentes. Em um assédio 
descendente, se quer [sic] não apenas reforçar as obediências, mas, de 
maneira eventualmente brutal e urgente, impor comportamentos 
conformistas, ameaçar de sanção as resistências, alimentar um clima de 
medo ou de resignação. 
 
 
O assédio moral é mais etéreo e difícil de caracterizar do que, por 
exemplo, o assédio sexual. 
 
Decca (in SEIXAS, 2006) defende que: 
 
 No Brasil é comum se dizer que as leis pegam ou não pegam. E um país 
como o nosso, em que se faz lei para tudo, a lei que criminaliza o assédio 
[sexual] ainda não pegou. O projeto-lei do assédio surgiu em 1995, por 
iniciativa da ex-prefeita da cidade de São Paulo, a sexóloga Marta Suplicy, e 
apenas em maio de 2001 esta lei foi introduzida em nosso código penal. 
 
13
 “Vilja Marques Asse (in Pereira, 2009) assim define: “[...] O fenômeno vertical se caracteriza por relações 
autoritárias, desumanas e aéticas, em que predominam os desmandos, a manipulação do medo, a 
competitividade, os programas de qualidade total associados à produtividade. Com a reestruturação e 
reorganização do trabalho, novas características foram incorporadas ã [sic] função: qualificação, 
polifuncionalidade, visão sistêmica do processo produtivo, rotação de tarefas, autonomia e flexibilização. Hoje em 
dia, se exige dos trabalhadores maior escolaridade, competência, produtividade, eficiência, competitividade, 
criatividade, qualificação, responsabilidade pela manutenção do seu próprio emprego, tudo visando produzir 
mais com baixo custo. O fenômeno horizontal está relacionado à pressão para produzir com qualidade e baixo 
custo. O medo de perder o emprego e não voltar ao mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da 
tirania. O enraizamento e disseminação do medo, no ambiente de trabalho, reforça atos individualistas, tolerância 
aos desmandos e práticas autoritárias. Os adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimentos, ao 
passo em que os sadios, que carregam a incerteza de um dia vir a apresentar dificuldades produtivas, assimilam 
o discurso das chefias e discriminam os 'improdutivos', humilhando-os, provocando comportamentos agressivos 
e de indiferença ao sofrimento do outro".” 
 
 33 
 
Ainda mal conhecida lei nº 10.224 afirma em seu Artigo 216-A: „Constranger 
alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, 
prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou 
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função: Pena - 
detenção, de 1(um) a 2(dois) anos.‟.(p.142) 
 
 
Na esteira da discussão da lei acima, referente ao assédio sexual, Pereira 
(2009), em Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, assim se expressa: 
 
Pese embora com algumas dúvidas conceptuais, optou-se por qualificar o 
assédio sexual como integrando o mais amplo assédio moral [...] [Em nota 
de rodapé:] a dificuldade conceptual deste tipo de assédio [o sexual] reside 
desde logo no seu início. Numa socaiede [sic] ainda profundamente 
machista, ainda que travestida de uma aparente igualdade dos sexos, não 
falta quem interprete um inequívoco „não‟ como um convite à insistência ou 
até como uma concordância envergonhada. A respeito do tema da recusa 
ao assédio significando uma anuência, não se resiste a citar uma passagem 
heróica de Camões, descrevendo a volta dos Portugueses à terra mãe, 
quando desembarcando numa ilha, onde as ninfas já flechadaspor Eros por 
desígnios dos deuses se entremostram aos lusitanos. No Canto Nono, Os 
Lusíadas, conta-se que um dos heróis, Veloso, vislumbrando aquelas ninfas 
disse: 
 
‘Sigamos estas deusas e vejamos 
Se fantasias são ou se verdadeiras. 
Isso dito, velozes mais que Gamos, 
Se lançam a correr pelas ribeiras. 
Fugindo as ninfas vão por entre os ramos, 
Mas mais industriosas que ligeiras, 
Pouco a pouco, sorrindo e gritos dando, 
Se deixam ir dos galgos alcançando.’ 
 
Pois bem, já camões vislumbrava a fuga posta como meio de incentivar a 
perseguição. A pergunta que, contudo, subsiste, é que [sic] alguma coisa 
mudou desde então. 
 
Entre os tipos de assédio, verificam-se várias manifestações no modo de 
realização. “O assédio moral manifesta-se, assim, de forma subtil, através de uma 
sequência de comportamentos, melhor ou pior encadeados [...]” (PEREIRA, 2009) 
 
Segundo as palavras Bresciani (in SEIXAS, 2006): 
 
A relação íntima ou próxima entre quem assedia e sua vítima, pressupondo 
sempre a presença física na situação de assédio, indica de modo enfático a 
força expressiva da palavra oral: tonalidade da voz, as expressões faciais, o 
voltar-se as costas à vítima, quando esta procura argumentar a seu favor, 
em suma, as manifestações de desprezo ou de ironia agressiva atingindo 
diretamente a pessoa assediada. 
 
 34 
 
 
Em tom conclusivo Pereira (2009) diz: 
 
[...] pode dizer-se que, na maior parte dos casos, o progresso não foi 
acompanhado de uma crescente humanização dos ambientes e das 
relações de trabalho, mas, ao invés, contribuiu para que os mesmos se 
automatizassem até o limite do insuportável, pese embora tendo como pano 
de fundo pretensas preocupações sociais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 35 
 
2 O SERVIÇO PÚBLICO 
 
 
2.1. Breve história do serviço público no Brasil 
 
 
No Brasil colônia, segundo Faoro (2001), 
 
O cargo público em sentido amplo, a comissão do rei, transforma o titular 
em portador de autoridade. Confere-lhe a marca de nobreza, por um 
fenômeno de interpretação inversa de valores. Como o emprego público 
era, ainda no século XVI, atributo do nobre de sangue ou do cortesão criado 
nas dobras do manto real, o exercício do cargo infunde o acatamento 
aristocrático aos súditos. Para a investidura em muitas funções públicas era 
condição essencial que o candidato fosse „homem fidalgo, de limpo sangue‟ 
(Ordenações Filipinas, L. I, tít. I), ou de „boa linhagem‟ (idem, tít. II). Nas 
Câmaras se exigia igual qualificação para a escolha dos vereadores entre 
os „homens bons‟ - embora, na realidade, esses caracteres fossem muitas 
vezes ignorados. Os „homens bons‟ compreendiam, num alargamento 
contínuo, além, dos nobres de linhagem, os senhores de terras e engenhos, 
a burocracia civil e militar, com a contínua agregação de burgueses 
comerciantes. Os Livros da Nobreza, guardados pelas Câmaras, sofriam 
registros novos e inscrições progressivas, sem, contudo, eliminar a 
categoria aristocrática. Não tardaria muito e a venda dos empregos elevaria 
aos cimos da nobreza a burguesia enriquecida, para indignação e pasmo 
das velhas linhagens. O severo Critilo, representante da nobreza letrada, ou 
nobre porque letrada, retrata bem os valores dominantes, na repulsa às 
ascensões plebéias aos postos de governo. 
 
Conheço, finalmente, a outros muitos 
Que foram almocreves e tendeiros
14
, 
Que foram alfaiates e fizeram, 
Puxando a dente o couro, bem sapatos. 
Agora, doce amigo, não te rias 
De veres que estes são aqueles grandes 
Que, em presença do chefe, encostar podem 
Os queixos nos bastões da fina cana. 
Os postos, Doroteu, aqui se vendem, 
E, como as outras drogas que se compram, 
Devem daqueles ser, que mais os pagam. 
 
 ...................................................................... 
 
 E também, Doroteu, contra a polícia 
Franquearem-se as portas, a que subam 
Aos distintos empregos, as pessoas 
Que vêm de humildes troncos. Os tendeiros, 
Mal se vêem capitães, são já fidalgos; 
Seus néscios descendentes já não querem 
Conservar as tavernas, que lhes deram 
Os primeiros sapatos e os primeiros 
 
14
 Almocreve: Homem que se ocupa em conduzir besta de carga; tendeiro: homem que vende em 
tenda.Dicionário Buarque de Holanda, 1981. 
 36 
 
Capotes com capuz de grosso pano. 
Que império, Doroteu, que império pode 
Um povo sustentar, que só se forma 
De nobres sem ofícios?
15
 
 
A burguesia, nesse sistema, não subjuga e aniquila a nobreza, senão que a 
esta se incorpora, aderindo à sua consciência social. A íntima tensão, tecida 
de zombarias e desdéns, se afrouxa com o curso das gerações, no 
afidalgamento postiço da ascensão social. A via que atrai todas as classes e 
as mergulha no estamento é o cargo público, instrumento de amálgama e 
controle das conquistas por parte do soberano. 
 
[...] 
 
[...] Os privilégios inerentes ao cargo público no sistema patrimonial 
estamental, sem o racionalismo da estrutura burocrática, impedem o 
controle de revisão e de substituição de autoridade, em graus. Daí os 
conflitos, as disputas de atribuições, as resistências de funcionários que se 
dirigem diretamente ao Conselho Ultramarino, com proteções poderosas de 
pessoas da corte, encostados no setor ministerial do governo. 
 
 
Hodiernamente, o serviço público no Brasil tem realizado, por meio de 
alguns atores, um esforço para empreender mudanças no seu modo de operar, 
porém ainda incipientes, consideradas não só as raízes coloniais marcadas pelo tipo 
de prática interpessoal verificado na citação acima, mas também a persistência de 
tal prática. 
 
 
2.2. Os conflitos do serviço público no Brasil 
 
 
De acordo com Medici e Silva (in NOGUEIRA, 2007), 
 
 
 
Nas origens da administração do Estado (era absolutista) os funcionários 
públicos nada mais eram do que funcionários do Rei, ou seja, apaniguados 
do poder que recebiam um salário e administravam o Estado segundo seus 
próprios lemas e determinações. A vontade do povo não tinha influência na 
organização do Estado. O advento das democracias participativas e a 
eleição dos líderes do executivo e do parlamento trouxeram várias 
mudanças no escopo e na representatividade da administração pública. No 
entanto o corpo de funcionários governamentais continuava com raras 
exceções a separar o planejamento e a ação da determinação da vontade 
social. A fase taylorista sancionou tal comportamento, e o fordismo, a 
despeito de proporcionar espaço para as mudanças, não transformou 
substancialmente tal prática, que tornou-se [sic] arraigada no âmbito das 
 
15
 Critilo. Op. cit. [Cartas chilenas], p.210 e 250. 
 37 
 
administrações públicas dos países centrais. Uma primeira mudança de 
comportamento, produzida pela introdução da administração flexível, 
ocasionou uma transformação na visão de mundo da administração pública: 
a sociedade não é composta de súditos ou concorrentes, mas sim de 
clientes e cidadãos. 
 
 
Diz Nogueira (2007) que os conflitos são inerentes às relações entre 
trabalho e capital na sociedade. Questiona, então, quais são as fontes do conflito no 
interior do Estado, a que assim responde: “As fontes do conflito no estado capitalista 
encontram-se duplamente determinadas pelas relações diretas entre funcionários e 
níveis de governo do Estado e pelas contradições do regime capitalista de 
produção.”. 
 
Poulantzas (in NOGUEIRA, 2007) afirma que: 
 
[...] a crise política se traduz no próprio interior do corpo do pessoalestatal 
de várias maneiras: a) como crise institucional do Estado, quer dizer 
precisamente como reorganização do conjunto dos aparelhos de Estado; b) 
como acentuação, com traços próprios, da luta e das contradições de classe 
tal como, elas se exprimem, [sic] de modo específico, no seio do pessoal de 
Estado; c) como ascensão das reivindicações e das lutas próprias ao 
pessoal do Estado. 
 
 
Nogueira (2007) também afirma que: 
 
 
[...] ocorrem divisões e contradições internas acirradas no seio do pessoal 
do Estado, colocando em questão a sua própria unidade específica, no que 
se refere à estrutura organizacional própria dos aparelhos de Estado, 
seguindo a trama de sua autonomia relativa. Diferente do conflito entre 
capital e trabalho, no aparelho de estado esses conflitos se revestem da 
forma de brigas entre membros de diversos aparelhos e ramos do Estado, 
fissuras e reorganizações destes, fricções entre facções e corporações 
dentro do Estado. Ocorrem também divergências de natureza política e 
ideológica que dividem o pessoal do Estado entre posições mais à esquerda 
e à direita, muitas vezes, estranhas ao papel ideológico e aparente de 
neutralidade e de árbitro, acima das classes, que o Estado exerce na 
sociedade. 
 
[...] 
 
[...] o que ocorreu com o Estado em geral entre os fins dos 70 e inícios dos 
anos 2000, foi uma profunda transformação no sentido da crise mesma do 
Estado ganhando cada vez mais espaço o programa do Estado mínimo ou 
enxuto informado pela hegemonia neoliberal em contraponto ao Estado do 
bem estar social. [...]”. 
 38 
 
2.3. A especificidade das relações de trabalho no campo estatal 
 
 
Hyman (in NOGUEIRA, 2007) menciona que: 
 
Para o caso do setor público, ou para a esfera interna do Estado capitalista, 
o termo relações industriais
16
, evidentemente, não seria adequado. Por isso 
é mais adequado adotar a noção de relações de trabalho no setor público, 
cuja especificidade, [sic] não nega sua condição de pertencer a uma 
totalidade de relações sociais de produção, predominantemente capitalistas, 
que informam as fontes dos conflitos do trabalho no setor público e no 
Estado. (grifo nosso) 
 
No entanto, as especificidades do setor público devem ser apontadas. Em 
primeiro lugar, são relações de trabalho entre não proprietários de meios de 
produção entre si (funcionários e governo ou governantes e dirigentes), ao 
invés de relações sociais diretamente capitalistas. Isto significa, no 
parâmetro de Marx, que não há no relacionamento coletivo dentro do 
Estado, nas atividades de administração, controle e de prestação de 
serviços públicos, produção direta de valor para acumulação de capital. 
Trata-se então de trabalho assalariado improdutivo [...]. 
 
Isto, porém, não significa que não haja exploração direta do trabalho pelo 
Estado. A exploração ocorre na esfera da reprodução do capital, ou seja, 
nos processos de serviços e administração voltados à esfera da reprodução 
social e política do conjunto da sociedade de classes. A taxa de exploração 
do trabalho no Estado envolve a quantidade de salário em relação à jornada 
de trabalho e às condições necessárias de vida em sociedade, mas, [sic] 
não é realizada para produzir, e sim reproduzir o capital. 
 
A questão dos salários informa sobre o padrão de vida dos assalariados. 
Assim, as políticas de contenção dos gastos públicos para enfrentar as 
crises dos Estados capitalistas submetem os funcionários públicos a 
permanentes arrochos salariais e deteriorações das suas condições de 
trabalho. Qualquer proposta atual sobre um sistema de relações de trabalho 
para o setor público, [sic] depende do encaminhamento dessas questões 
da defasagem salarial, das perdas salariais históricas e da melhoria das 
condições gerais de trabalho. 
 
 
No caso do Estado de São Paulo, os funcionários do setor público se 
dividem em diferentes regimes de trabalho: o dos servidores estatutários, o dos 
temporários e o dos assalariados. Tais regimes subdividem-se em diferentes 
profissões e diferentes categorias, às quais se associam diferentes status. Esses 
diferentes status e as relações de poder a eles relacionadas dão margem a conflitos 
 
16
 “Relações Industriais é outra área relacionada a Pessoal, que cuida das relações trabalhistas 
externas da empresa com os sindicatos, com o Governo e com outros órgãos públicos. Em muitas 
empresas há um setor específico com esta denominação, além do de Pessoal ou de Recursos 
Humanos, para os relacionamentos explicitados.” (OLIVEIRA, 1998) 
 
 39 
 
que propiciam a prática do assédio moral. Categorias com contratos temporários e 
terceirizados estão mais susceptíveis ao assédio moral, em função da fragilidade do 
contrato, da diferença salarial e das condições de trabalho. Acrescenta Nogueira 
(2007): 
 
 
Nesse âmbito situam-se as relações de conflito entre indivíduo e 
organização burocrática [...]. [§] No campo público, as relações coletivas se 
dão diretamente na superestrutura política e jurídica e dependem dos 
estatutos específicos das diversas categorias, ou seja, do estatuto jurídico 
oriundo do direito administrativo e constitucional, que regula as 
circunstâncias e os interesses em jogo. A relação existente entre o servidor 
público e a unidade administrativa é de natureza diversa da existente na 
iniciativa privada. O administrador público está sujeito ao „princípio da 
legalidade‟. Assim, a organização sindical dos servidores públicos tem maior 
dificuldade em alterar as condições de trabalho de forma abrangente, 
porque estas dependem das instâncias políticas e administrativas. 
 
 
Até a Constituição de 1988 e a Convenção 151 da Organização 
Internacional do Trabalho, o servidor público não poderia ter sindicato que o 
representasse. A Convenção 151 da OIT está tramitando no Congresso Nacional 
desde 2008; incrementa a organização sindical e fomenta processo de negociação 
dos trabalhadores do serviço público; dessa forma, a partir de sua incorporação ao 
ordenamento jurídico, passará a vigorar como lei ordinária e facilitará as relações do 
servidor público com o Estado, tendo como intermediários os sindicatos. Veja-se o 
Anexo VI - Convenção 151 – OIT. 
 
Nogueira (2007) prossegue dizendo que: 
 
“[...] a essência do trabalho no serviço público é o processamento intelectual 
e administrativo e uma operação não produtiva. O processo de trabalho lida 
diretamente com a informação, o atendimento, a prestação de serviços além 
das atividades de planejamento, a administração e o controle. [...] [§] [...] 
Ainda nos processos de trabalho do setor público há conflito potencial nas 
relações entre áreas de controle administrativo e áreas de prestação dos 
serviços, estas últimas ligadas diretamente à prestação dos serviços à 
população e que, também do seu lado, podem resistir a qualquer forma de 
controle sobre seu trabalho e resultado. [§] Há na verdade maior 
complexidade das fontes contraditórias do confronto e no conflito coletivo do 
Estado. Com efeito, é preciso captar e inserir a questão das relações de 
trabalho no setor público em uma rede de relações mais complexa entre 
funcionário público assalariado e Estado e os seus diferentes poderes, 
mercado capitalista e sociedade civil. 
[§] No setor público, a área de Recursos Humanos [também chamada 
Departamento Pessoal ou Coordenadoria de Recursos Humanos], coordena 
restringe-se à tradicional função de administração de pessoal, concentrando 
 40 
 
seus esforços basicamente nos processos de seleção, treinamento e 
remuneração não desenvolvendo qualquer ação no campo das relações 
coletivas ou como instâncias mediadoras dos conflitos dentro das diversas 
instituições ou órgãos. [...] no Estado, a velocidade das mudanças

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