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ISSN 1413-3555 Rev. bras. fisioter. Vol. 9, No. 1 (2005), 33-39 ©Revista Brasileira de Fisioterapia ESTUDO DAS PROPRIEDADES REOLÓGICAS DO MUCO BRÔNQUICO DE PACIENTES SUBMETIDOS A TÉCNICAS DE FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA Martins, A. L. P., Jamami, M. e Costa, D. Programa de Pós-graduação em Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil Correspondência para: Ana Lúcia Pio Martins, Rua Maestro Nicanor Vieira, 279, Centro, CEP 37140-000, Areado, MG, e-mail: anapio@iris.ufscar.br ou ana.pio@bol.com.br Recebido: 26/1/2004 – Aceito: 26/10/2004 RESUMO Objetivo: Analisar amostras de muco brônquico de pacientes com hipersecreção brônquica submetidos à higiene brônquica (HB), sendo avaliadas as propriedades reológicas, o volume expectorado e o índice de purulência (IP) do muco. Método: O protocolo de HB constou de inalação, drenagem postural, tapotagem, aumento do fluxo expiratório e uso do aparelho Flutter®. Foi coletado muco expectorado de 9 pacientes antes e após cada sessão de HB. O muco coletado foi conservado a –20oC. As medidas reológicas foram realizadas no reômetro Dynamic Stress Rheometer AR1000N, com a ferramenta placa paralela, deformação constante de 0,01 Pa, na faixa de freqüência de 1 a 20 Hz, a 37oC. Foram obtidos valores de G’ (módulo elástico), G” (módulo viscoso), η’ (viscosidade dinâmica) e η* (viscosidade complexa), sendo utilizados para a análise estatística não-paramétrica (p ≤ 0,05) os valores observados nas freqüências de 1, 2, 16 e 20 Hz. Resultados: Os parâmetros reológicos G’ e η* caíram significativamente no 2o e no 3o dia de tratamento em relação ao pré-tratamento em todas as freqüências. O volume de muco obtido no pré-tratamento foi significativamente menor se comparado aos outros. O IP reduziu significativamente no 3o dia e mostrou relação de dependência com parâmetros reológicos do muco coletado no 1o e no 2o dia, sendo a mais alta a 20 Hz, com G’’ (r = 0,91). Conclusão: Considerando os resultados obtidos, sugerimos que houve melhora no perfil reológico do muco coletado após intervenção fisioterapêutica. Palavras-chave: muco, hipersecreção, Fisioterapia Respiratória, viscoelasticidade, reologia. ABSTRACT Study of the rheological properties of bronchial mucus among patients undergoing chest physiotherapy techniques Objective: To analyze bronchial mucus samples from patients with hypersecretion who underwent chest physical therapy (CPT), by means of evaluations of rheological properties, expectorated mucus volume and the mucus purulence index (PI). Methods: The CPT protocol consisted of inhalation, postural drainage, chest percussion, forced exhalation techniques and use of the Flutter VRP1® device. Mucus samples were collected from 9 patients, before and after each CPT session. The collected mucus was conserved at –20°C. The rheological properties of mucus were evaluated using the AR1000N Dynamic Stress Rheometer, equipped with a parallel plate. Constant strain of 0.01 Pa was applied to the sample, within a frequency range of 1 to 20 Hz, at 37°C. Values were obtained for G’ (storage modulus), G” (loss modulus), η’ (dynamic viscosity) and η* (complex viscosity). Values observed at the frequencies of 1, 2, 16 and 20 Hz were used in the non-parametric statistical analysis (p ≤ 0.05). Results: Compared with the values before treatment, the rheological parameters G’ and η* decreased significantly on the 2nd and 3rd days of treatment for all frequencies. Mucus volume obtained before treatment was significantly smaller than the other values. PI decreased significantly on the 3rd day and showed a dependence relationship with mucus rheological parameters collected on the 1st and 2nd days. The highest was at 20 Hz, for G’’ (r = 0.91). Conclusions: Considering the results obtained, we suggest that there was an improvement in the mucus rheological profile collected after CPT. Key words: mucus, hypersecretion, chest physical therapy, viscoelasticity, rheology. INTRODUÇÃO A Fisioterapia Respiratória (FR) tem importante papel no tratamento de pneumopatias. Terapias de higiene brônquica (HB) em casos de hipersecreção já são utilizadas há muitas décadas, com algumas técnicas denominadas convencionais e outras novas.1 Todas objetivam prevenir ou reduzir as conseqüências mecânicas da obstrução, como hiperinsuflação, 34 Martins, A. L. P., Jamami, M. e Costa, D. Rev. bras. fisioter. má distribuição da ventilação pulmonar, entre outras,2 aumentando a clearance mucociliar da via aérea.3,4 Essas técnicas vêm sendo alvo de estudos e revisões,5,6,7,8 porém, permanecem muitas dúvidas sobre suas relações com as propriedades reológicas do muco brônquico. A via aérea é recoberta por uma fina camada de muco, uma mistura complexa de produtos de grande variedade quali e quantitativa9 que forma um filtro sobre toda a superfície epitelial. Essa barreira mecânica e biológica protege a mucosa epitelial de desidratação, lesões químicas e físicas de microorganismos e agentes nocivos.10,11,12 O muco é um fluido bifásico composto por uma fase aquosa sol (inferior) e uma fase gel (superior). A camada sol banha os cílios que se projetam da superfície epitelial e pene- tram na camada gel. Dessa forma, o muco pode ser propelido pelo batimento ciliar.13,14 No entanto, em estados patológicos, muitos fatores podem afetar esse transporte, como, por exemplo, a maior produção de muco e possíveis alterações de suas pro- priedades físicas ou reológicas. Outra possível alteração é quanto ao aspecto macroscópico, que pode variar de mucóide a purulento, sendo que a maior purulência pode estar rela- cionada à sua conformação estrutural e, conseqüentemente, com seu comportamento reológico. As propriedades reológicas do muco são atribuídas, principalmente, à sua estrutura po- limérica de glicoproteínas15 e às ligações cruzadas entre elas.10 Uma forma de investigar tais características é pela reologia, ciência que estuda a deformação e o deslocamento, analisando as respostas do material ante a aplicação de uma força externa.16 O muco é considerado um fluido não-newtoniano, uma vez que seu comportamento varia de acordo com a tensão a que está exposto.17,18 Tal afirmativa torna-se evidente nos casos em que o muco está sob influência de altos fluxos expiratórios, os quais geram altas forças de cisalhamento e diminuem sua resistência ao fluxo ou à viscosidade.19 O muco também apresenta característica de um material semi-sólido viscoelás- tico, pois quando uma força é aplicada, ele se comporta, simultaneamente, como líquido e como sólido.20 Como líquido, o muco se escoa, dispendendo energia (viscosidade). Como sólido, ele se deforma, acumulando energia (elasticidade).10,14 A tixotropia, outra propriedade reológica do muco, é a capacidade de um material, que foi submetido à agitação constante e sofreu tendência à fluidificação progressiva, retornar às suas características iniciais após um período de repouso.17 O muco apresenta tixotropia parcial, uma vez que, após o repouso, o retorno às suas características não é total.9,17,18 A avaliação das propriedades reológicas do muco é importante para compreender sua função normal e determinar os fatores responsáveis por sua anormalidade nas doenças.11 Os equipamentos mais utilizados para a análise reológica do muco são viscosímetros capilares,21,22 reômetros rota- cionais18,23,24 e microrreômetro magnético de esfera.15,25,26,27 Um dos cuidados mais relevantes em medições reoló- gicas do muco é fazer testes em diferentes freqüências de aplicação da força deformante por meio de testes oscilatórios dinâmicos.28 Dessa forma, é possível observar o compor- tamento biológico do muco diante de diferentes solicitações funcionais, tanto de baixa (batimento ciliar normal) como de alta freqüência (tosse), e avaliar de qual forma o muco é mais facilmente transportado, proporcionando importantes correlações fisiopatológicas.29A FR atua em doenças pulmonares hipersecretivas, baseada na suposição de que é capaz de promover a clearance do muco da via aérea em função do aumento no mecanismo de transporte. Uma hipótese levantada como causa desse aumento seria a alteração na propriedade viscoelástica do muco propiciada pelas técnicas de HB.30 O comportamento reológico complexo do muco brôn- quico ainda é um campo pouco explorado e com muitos questionamentos. Dessa forma, justifica-se a necessidade de estudos que visem a fundamentar cientificamente e a ampliar a compreensão das alterações mecânicas apresentadas pelo muco em decorrência de diversas patologias, bem como seu comportamento mecânico, especialmente mediante manobras de HB. Assim, este estudo objetivou: 1. avaliar o comportamento reológico do muco brônquico de pacientes com hipersecreção brônquica submetidos a sessões consecutivas de HB; 2. analisar as alterações quanto ao volume e ao aspecto macroscópico do muco, por meio do índice de purulência (IP) proposto por Deneuville et al.,23 no decorrer dos dias de tratamento. MATERIAIS E MÉTODOS Casuística Foram avaliados 33 pacientes que apresentavam queixa de hipersecreção brônquica, independentemente da pneu- mopatia de base. Todos os pacientes deram seu consentimento por meio de um termo de autorização aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, conforme estabelece a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Dos pacientes avaliados, 24 (72,7%) foram excluídos do estudo: 12 (36,36%) por apresentarem dificuldade em expectorar ou secreção insuficiente; 3 (9,09%) por exacerbação do quadro, requerendo outros tipos de procedimento; 3 (9,09%) tiveram dificuldade em comparecer às sessões; e as amostras de 6 pacientes (18,18%) ficaram estocadas por um período superior a 90 dias. Assim, 9 pacientes participaram efetivamente do estudo, sendo 4 homens e 5 mulheres com idade variando de 55 a 74 anos, todos com hipersecreção brônquica causada por bronquiectasia ou DPOC, que se submeteram a 3 sessões consecutivas de HB, expectorando no mínimo 1 ml de muco após cada sessão. Protocolo Coleta do muco brônquico Os pacientes foram submetidos a uma avaliação e a três dias consecutivos de terapia de HB. No dia da avaliação (pré-tratamento) foi coletado muco sem que o paciente fosse Vol. 9 No. 1, 2005 Propriedades Reológicas do Muco Brônquico 35 submetido a qualquer tipo de intervenção. A FR constou do seguinte protocolo: a) 7 minutos de inalação com soro fisio- lógico; b) drenagem postural associada à tapotagem (DP + TAP): 3 minutos de tapotagem em cada região torácica correspondente às áreas pulmonares acometidas; c) Flutter®: 3 séries de 10 repetições na posição sentada; d) aumento do fluxo expiratório (AFE) ativo; e e) 7 minutos de inalação com soro fisiológico. Dessa forma, foram coletadas 4 amostras de cada paciente: uma antes do tratamento e uma após cada dia de intervenção, totalizando 36 amostras. O volume de muco coletado foi medido e seu aspecto macroscópico foi visualmente analisado por meio do IP.23 Armazenamento do muco brônquico O muco obtido na expectoração foi separado da saliva e a porção menos aquosa foi dividida em alíquotas de 1,5 ml e colocadas em ependorfs revestidos internamente com óleo mineral a fim de minimizar os efeitos da desidratação causada pelo resfriamento e pelo período de armazena- mento.22,31,32 Neste estudo foi utilizado cerca de 0,15 ml de óleo mineral. As amostras foram armazenadas a –20oC por, no máximo, 3 meses, para análise posterior. Análise do muco brônquico Para a análise da reologia do muco utilizou-se o reômetro Dynamic Stress Rheometer AR1000N, com a ferramenta placa paralela de aço inox, com 40 mm de diâmetro. O intervalo entre as placas (gap) foi de 0,1 mm, para o qual foi necessário um volume de 0,5 ml de amostra. A temperatura obtida por meio da placa de Peltier foi fixada em 37oC. Para evitar o ressecamento da amostra durante a mensuração, foi utilizado um sistema de cobertura denominado solvent trap, o qual permite a manutenção da umidade local. A deformação para o teste foi padronizada em 0,01 Pa, realizando varredura de freqüência de 1 a 20 Hz. As amostras retiradas dos ependorfs receberam cerca de 0,25 ml de éter etílico PA e foram colocadas em uma capela por aproximadamente 5 min, até que o éter evaporasse, para minimizar possíveis erros de mensuração decorrentes do óleo ou de éter. Análise Estatística Os dados são apresentados em média e desvio-padrão. Para a análise estatística foram realizados testes de variância não-paramétricos de Friedman e Wilcoxon e, para analisar correlações, o Coeficiente de Spearman. O nível de significância adotado foi de 5%. RESULTADOS Os dados demográficos, antropométricos, espirométricos e informações sobre tabagismo dos 9 pacientes que compuseram a amostra estão apresentados na Tabela 1. Observa-se que formaram um grupo com estreita faixa etária e número similar de homens e mulheres. Todos os pacientes apresentavam alteração espirométrica, sendo 7 deles com os valores de volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF 1 ) abaixo de 60% do previsto. Com exceção de um paciente que nunca fumou, todos os outros eram ex-fumantes. Os dados referentes ao volume e ao IP do muco expec- torado nas etapas pré-tratamento e nos dias de FR estão ilus- trados na Figura 1. Por meio da análise estatística, observou-se que o volume expectorado no pré-tratamento foi significa- tivamente menor que o dos outros dias. Para cada um dos dias de HB, o volume não foi diferente entre si. Em relação ao IP, houve redução significativa no 3o dia de tratamento quando comparado aos demais. Valor Variação n 9 Idade (anos) 69 ± 6,0 55-74 Sexo (M/F) 4/5 Peso (kg) 67,1 ± 12,7 44,7-82,5 Altura (cm) 158,0 ± 7,8 147-171 Tempo de fumo (anos) 44,6 ± 22,7 0-64 Quantidade (cig./dia) 12,3 ± 9,2 0-20 CVF (% do previsto) 74,2 ± 19,3 45-106 VEF1 (% do previsto) 52,0 ± 15,5 23-76 Tiffeneau (% do previsto) 70,3 ± 17,9 51-102 PFE (% do previsto) 55,9 ± 25,4 17-91 CVF = capacidade vital forçada; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo; Tiffeneau = relação entre VEF1 e CVF; PFE = pico de fluxo expiratório. Tabela 1. Dados demográficos, antropométricos, espirométricos e hábito de tabagismo dos pacientes submetidos à Fisioterapia Respiratória, em média, desvio-padrão e variação. 36 Martins, A. L. P., Jamami, M. e Costa, D. Rev. bras. fisioter. Na Figura 2 está representado o comportamento reológico das amostras de muco brônquico segundo a varredura de freqüência. Os parâmetros ilustrados são: G’ (módulo elástico), G’’ (módulo viscoso), η’ (viscosidade dinâmica) e η* (viscosidade complexa). É possível observar um espectro amplo do comportamento do muco, no qual as curvas ilustram seu comportamento tipicamente viscoelástico, com G’ e G’’ se elevando com o aumento da freqüência enquanto η’ e η* diminuem. Em todas as freqüências específicas se observaram alte- rações significativas dos parâmetros reológicos do muco coletado no 2o e 3o dia em relação ao pré-tratamento. Na freqüência de 1 Hz foi observada diferença significativa no 3o dia em relação ao pré-tratamento e no 1o dia para G’ e para η*. Os parâmetros reológicos de G’ e η* caíram significa- tivamente em todas as freqüências analisadas. Diminuição significativa foi observada em G’’ nas freqüências de 1, 2 e 16 Hz e em η’ nas freqüências de 1 e 2 Hz (Tabela 2). Figura 2. Comportamento das propriedades reológicas (em log) do muco brônquico coletado antes do tratamento (pré) e após cada sessão de FR (1o, 2o e 3o dia). Todos os gráficos são plotados pela varredura de freqüência, sendo que os parâmetros observados são: A = η’ (viscosidade dinâmica), B = η* (viscoelasticidade complexa), C = G’ (módulo elástico) e D = G’’ (módulo viscoso). Figura 1. Volume (A) e índice de purulência(B) do muco brônquico expectorado antes do tratamento (pré) e após cada sessão (1o, 2o e 3o dia). *Significativamente diferente segundo o teste de Wilcoxon, p ≤ 0,05. 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Pré 1 diao 2 diao 3 diao Média+DP Média–DP Média 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Pré 1 diao 2 diao 3 diao Média+DP Média–DP Média V o lu m e (m l) Ín d ic e d e p u ru lê n ci a * * A B 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 0,01 0,1 1 10 A � ’ (P a. s) Freqüência (Hz) Pré 1 diao 2 diao 3 diao 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 0,01 0,1 1 10 B Freqüência (Hz) 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 1 10 100 C G ' ( Pa ) Freqüência (Hz) 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 1 10 100 D Freqüência (Hz) � ’ (P a. s) G ' ( Pa ) Pré 1 diao 2 diao 3 diao Pré 1 diao 2 diao 3 diao Pré 1 diao 2 diao 3 diao Vol. 9 No. 1, 2005 Propriedades Reológicas do Muco Brônquico 37 Não houve correlação do IP do muco coletado antes da intervenção fisioterapêutica com os dados referentes a tempo de tabagismo, quantidade de cigarros fumados por dia, idade e valores espirométricos de fluxo (VEF 1 e PFE). Houve, contudo, correlação positiva significativa entre o IP e alguns parâmetros reológicos do muco coletado apenas no 1o e no 2o dia de tratamento, sendo a correlação mais alta (r = 0,91) a do IP com o G’’, a 20 Hz no 1o dia. DISCUSSÃO A análise das propriedades reológicas do muco coletado mostrou grande variabilidade nos valores individuais, prova- velmente pelos diversos diagnósticos apresentados. Entretanto, como o intuito foi estudar as possíveis implicações do tratamento de HB sobre o comportamento reológico do muco, não houve preocupação em definir patologia específica. A fim de minimizar efeitos que pudessem influenciar as medidas reológicas, escolheu-se uma amostra visualmente mais homogênea e sem saliva do muco expectorado. Essa separação visual é viável, uma vez que o muco é estruturalmente diferente da saliva. Neste estudo, os parâmetros tanto relacionados à visco- sidade (G’’, η’, η*) quanto à elasticidade (G’) mostraram dependência com a freqüência,15 uma vez que G’ e G’’ se elevam à medida que a freqüência aumenta, enquanto η’ e η* diminuem. Puchelle et al.33 já questionavam a relação entre transporte e reologia do muco e reforçaram a teoria de que a capacidade de transporte do muco respiratório seria, em parte, dependente de suas propriedades reológicas. Chen & Dulfano34 relatam que a faixa de viscosidade em torno de 15 Pa.s e do módulo elástico em torno de 1 Pa seriam as ideais para um transporte mucociliar eficiente. Em nosso estudo foram encontrados, em freqüências baixas, valores médios de h’ em torno de 1 Pa.s, enquanto G’ variou mais, ficando acima de 15 Pa na maioria dos casos. A partir do 2o dia de tratamento, os valores de G’ caíram, mas não atingiram o considerado ideal para a transportabilidade ciliar. Assim, é possível inferir que indivíduos com muco com esse comportamento reológico sejam mais beneficiados por técnicas e aparelhos que possam diminuir, principalmente, sua elasticidade. Apesar de a transportabilidade não ter sido focada neste estudo, valores altos de G’ foram observados em todas as freqüências, principalmente a 20 Hz, a mesma freqüência em que Giordano et al.25 observaram maior correlação negativa entre G’ e a taxa de clearance. Correlações similares foram observadas entre viscoelasticidade e índice de clearance a 16 Hz.35 Assim, quanto maior o G’, mais lentamente o muco é transportado. Freq. Parâmetro Pré 1o dia 2o dia 3o dia G’ (Pa) 17,00 ± 10,97 11,56 ± 9,53 5,67 ± 3,66* 5,95 ± 2,77* † G’’ (Pa) 5,70 ± 3,09 6,01 ± 8,81 2,08 ± 1,35* 2,36 ± 1,09* η’ (Pa.s) 0,91 ± 0,49 0,96 ± 1,40 0,33 ± 0,22* 0,38 ± 0,17* 1 Hz η *(Pa.s) 2,86 ± 1,80 2,12 ± 2,00 0,96 ± 0,62* 1,02 ± 0,47* † G’ (Pa) 33,39 ± 19,26 20,06 ± 18,60 10,24 ± 6,10* 10,15 ± 5,28* G’’ (Pa) 10,55 ± 6,78 9,81 ± 15,93 3,38 ± 2,08* 3,66 ± 2,19* η’ (Pa.s) 0,84 ± 0,54 0,78 ± 1,27 0,27 ± 0,17* 0,29 ± 0,18* 2 Hz η* (Pa.s) 2,80 ± 1,62 1,82 ± 1,91 0,86 ± 0,51* 0,87 ± 0,45* G’ (Pa) 85,33 ± 65,24 48,50 ± 42,10 26,75 ± 18,58* 23,29 ± 15,49* G’’ (Pa) 29,29 ± 22,89 22,77 ± 34,46 9,57 ± 4,88* 10,13 ± 10,54* η’ (Pa.s) 0,29 ± 0,23 0,23 ± 0,35 0,10 ± 0,05 0,11 ± 0,10 16 Hz η* (Pa.s) 0,91 ± 0,69 0,55 ± 0,53 0,27 ± 0,19* 0,26 ± 0,18* G’ (Pa) 92,43 ± 72,80 52,58 ± 45,01 29,63 ± 20,21* 25,63 ± 16,11* G’’ (Pa) 31,56 ± 26,22 24,47 ± 35,89 9,10 ± 7,12 12,68 ± 10,15 η’ (Pa.s) 0,26 ± 0,20 0,20 ± 0,29 0,07 ± 0,06 0,10 ± 0,13 20 Hz η* (Pa.s) 0,79 ± 0,62 0,47 ± 0,45 0,25 ± 0,17* 0,24 ± 0,16* *Pré-tratamento (teste de Wilcoxon, p ≤ 0,05). † 1o dia (teste de Wilcoxon, p ≤ 0,05). Tabela 2. Parâmetros reológicos do muco brônquico coletado no pré e nos dias de tratamento nas freqüências de 1, 2, 16 e 20 Hz (valores apresentados em média e desvio-padrão). 38 Martins, A. L. P., Jamami, M. e Costa, D. Rev. bras. fisioter. As análises reológicas foram realizadas no muco coletado pré-tratamento e nos 3 dias consecutivos de FR e o que se observou foi uma melhora do perfil reológico evidenciada pela queda significativa da viscoelasticidade, demonstrada principalmente por G’ e η* no 2o e no 3o dia em relação ao pré-tratamento. Uma melhora do perfil reológico do muco coletado após intervenção fisioterapêutica também foi observada por App et al.,30 cujos pacientes com fibrose cística foram tratados com drenagem autógena ou com Flutter®. A terapia com Flutter® resultou em redução da viscoelasticidade do muco, tanto em alta quanto em baixa freqüência de análise quando comparada com o tratamento apenas com drenagem autógena. Ao contrário, Ramos et al.22 observaram um perfil reológico pior no muco de pacientes bronquiectásicos após aplicação isolada de manobras de drenagem postural, tapotagem e técnica de expiração forçada, em relação ao muco expectorado pela tosse ativa. Outro fator importante apontado por diversos autores é o aspecto macroscópico apresentado pelo muco. Analisamos esse aspecto pelo IP,23 e o muco coletado, após 3 dias de intervenção, obteve valor significativamente menor comparado aos demais. Apesar dessa redução ter sido significativa apenas no 3o dia, enquanto o padrão reológico do muco melhorou no 2o e no 3o dia, os resultados demons- tram que uma tendência de queda no IP pode ter influência na melhora reológica do muco no decorrer das sessões. Ao contrário do que esperávamos, não foi observada dependência do IP do muco coletado antes de qualquer inter- venção fisioterapêutica com o tempo de fumo, quantidade de cigarros fumados por dia, idade e valores espirométricos de VEF 1 e PFE. No entanto, houve correlação positiva significativa entre IP e parâmetros reológicos, sugerindo que a purulência influencia na piora do perfil reológico. Similarmente, Deneuville et al.23 encontraram correlação significante, porém fraca, do IP com a viscosidade (r = 0,53) e com G’ (r = 0,52). Um aspecto relevante observado em nossos resultados foi o volume de muco, que se mostrou significativamente menor antes de qualquer intervenção, quando comparado aos demais dias, como observado também em outros estudos.22,36 O maior volume de muco expectorado após intervenção sugere melhora nas condições de transporte, possivelmente por alterações reológicas causadas pelas manobras aplicadas.30 Hipersecreção e expectoração são sintomas comuns em pacientes com pneumopatias e, apesar de controvérsias, alguns estudos assumem que a estase do muco na via aérea pode contribuir para sua obstrução, predispor o desenvol- vimento de infecções pulmonares ou formar barreira contra substâncias inaladas, como medicamentos.19 As técnicas e aparelhos utilizados para HB e a possi- bilidade decausarem alteração na reologia do muco ainda são pouco estudados. Alguns estudos têm utilizado a reologia para verificar a eficácia de substâncias mucolíticas,37 a relação entre reologia do muco e transportabilidade26 ou entre reologia e concentração de água no muco.24 Assim, as perspectivas levantadas neste estudo instigam a busca por maior conhecimento na reologia do muco e na eficiência das intervenções fisioterapêuticas em pacientes hipersecretivos. Concluindo, a resposta do muco ante uma variação de freqüência foi compatível com a esperada de um fluido viscoelástico não-newtoniano, como preconizado na lite- ratura.16,17,18 Isso indica que o equipamento e o teste utilizados correspondem aos necessários para verificar seu comportamento reológico. O IP apresentou correlação positiva com alguns parâmetros reológicos, indicando que, quanto mais purulento for o muco, pior seu perfil reológico. E, finalmente, o benefício proporcionado pela intervenção fisioterapêutica empregada ficou evidenciado pela redução significativa dos valores dos parâmetros reológicos, pela maior expectoração de muco e pela diminuição de sua purulência no decorrer das sessões, sugerindo melhora do perfil reológico do muco após o trata- mento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Pryor JA, et al. Physiotherapy for airway clearance in adults. Eur Respir J 1999; 14(6): 1418-1424. 2. Oberwaldner B. Physiotherapy for airway clearance in paediatrics. Eur Respir J 2000; 15(1): 196-204. 3. Hardy AK. A review of airway clearance: new techniques, indications and recommendations. Respiratory Care 1994; 39(5): 440-452. 4. Rossman CM, Waldes R, Sampson D. Effect of chest physiotherapy on the removal of mucus in patients with cystic fibrosis. Am Rev Respir Dis 1982; 126: 131-135. 5. Blazey S, Jenkis S, Smith R. Rate and force of application of manual chest percussion by physiotherapists. 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