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Distúrbios de linguagem nas afasias Quanto aos aspectos específicos da linguagem, podemos observar nos quadros afásicos alterações do tipo: • perda total da linguagem: logo após um AVE, é bastante comum observarmos que o paciente não apresenta sinais de linguagem verbal e, às vezes, baixo nível de comunicação com o ambiente; essa perda pode ser recuperada espontaneamente ou, então, evoluir para uma afasia; • redução da fala intencional com manutenção da fala automática: o paciente tem dificuldade em iniciar uma palavra, uma frase ou até mesmo um diálogo, mas no processo de sua comunicação ocor- rem espontaneamente expressões consideradas automáticas como "tudo bem", "ai meu Deus", "minha Nossa Senhora", "até logo" e outras; • ecolalia; • dificuldade de iniciar a fonação com dificuldade (ou não) paralela de iniciar um diálogo (nessas condições é frequente o uso de ataque vocal brusco como estratégia compensatória); • jargonofasia: o paciente pode apresentar uma fala fluente, porém incompreensível para o ouvinte; • disprosódia: ocorre quando há alterações no padrão prosódico da língua; muitas vezes tais alterações comprometem o significado da mensagem; • presença de substituições fonêmicas e outros processos de alteração fonológica e articulatória; • anomia: dificuldade em recuperar um nome do léxico disponível; muitos pacientes explicam que sabem o que querem falar, mas não lembram da "palavra"; • parafasia: é um recurso de linguagem, uma estratégia usada pêlos falantes naturalmente, mas no caso dos pacientes afásicos, ela pode se constituir em um recurso de comunicação privilegiado e substituir a nomeação do objeto ou da ação. As parafasias podem ser do tipo: "=> sintagmática (processo de contiguidade): prato <=> para comer ^> paradigmática (processo de similaridade): prato => copo, talher, toalha • uso de estereotipias, ou seja, uso de uma fala estereotipada sem conteúdo comunicativo adequado ao contexto; é importante observar com cuidado se essa fala não está associada a um tópico de um diálogo anterior; • linguagem perseverativa: essa forma de expressar a linguagem é caracterizada pela fala (ou escrita) na qual fica evidenciada a repetição de um segmento anterior por várias vezes; esse segmento pode ser um fonema ou um grafema, uma sílaba, palavra ou frase. Por exemplo, durante um teste de nomeação, na presença da figura de um bolo e de uma vela, observou-se a repetição dos segmentos llobol e do fonema /e/: => bolo® [lobos], [lobo], [loboÉyu], [bolÉvu], [lobonu] "=> vela® [vÉIa], [lavaÉla] • redução sintática: o paciente utiliza formas reduzidas sintaticamente podendo ou não ocorrer violação de regra gramatical que comprometa a compreensibilidade; • dificuldade de compreender significado, interpretar e perceber reversibilidade e ambiguidades; nesses casos há melhor compreensão de palavras isoladas do que de frases; • distúrbios pragmáticos e discursivos mais evidenciados em situações dialógicas e em certas tarefas que envolvam narração. Convém relembrar que são fatores agravantes da produção e compreensão da linguagem: estado emocional, fadiga, dificuldades de memória, qualidade e quantidade da medicação, qualidade dos desvios de aten- ção, presença ou não de estados de agitação e de depressão e estado de saúde geral. Avaliação Após a anamnese (anexo 1) e/ou uma entrevista detalhada, o fonoaudiólogo deve iniciar os procedimentos para a avaliação, objetivando o diagnóstico diferencial e o delineamento do planejamento terapêutico. A avaliação do paciente afásico deve procurar quais os aspectos preservados e os não preservados da linguagem e fala e, para tal, são usados testes e protocolos de avaliação como o teste de afasia de Schuell, teste de Boston para afasia, teste de afasia Rio de Janeiro, o protocolo de avaliação motora oral, o protocolo de comunicação funcional de M.T. Sarno e o protocolo de avaliação motora da fala (anexo 2) entre outros. A escolha do instrumento e das provas de avaliação pode variar segundo o caso e preferência do fonoaudiólogo, porém de forma mais geral toda bateria sempre utiliza teste de repetição, nomeação, leitura, relato de estória ou texto descritivo de figura e análise do corpus de conversa espontânea. Conforme as respostas às tarefas, outras provas mais específicas podem e devem ser apli- cadas (p. ex., provas fonológicas, teste de processamento auditivo central, provas relacionadas à sintaxe como complementação de sentenças, parágrafo e texto, provas de memória verbal e outras). As observações profissionais e os dados sobre a comunicação coletados junto à família são importantes para que o terapeuta tenha uma visão global do paciente, adequando os procedimentos fonoaudiológicos ao caso clínico. Os temas de interesse da vida do paciente, sua rotina, seus hábitos, suas preferências de lazer, as informações sobre o tipo de trabalho e sobre a qualidade de comunicação (com amigos, familiares, vizinhos e outros) são fontes de conhecimento importantíssimas para o terapeuta e para a terapia. À medida que os interesses, áreas de motivação e estratégias (co- municativas e linguísticas) ficam evidenciados de forma clara, o delineamento e as estratégias terapêuticas podem ser direcionados de modo a englobar esses aspectos do universo do paciente. Sempre que possível é recomendável que o fonoaudiólogo procure anexar uma avaliação de motricidade oral, avaliação de voz e avaliação audiológica. Diante de um caso que é acompanhado por outros profissionais da saúde, é necessário também analisar os relatórios desses profissionais para complementação de dados. O quadro 4 relaciona sugestões para estudo, solicitando que o complete com informações gerais sobre os principais tipos de afasia. Aspectos Especiais nas Afasias Afasia em pacientes bilíngues Merecem atenção especial os casos de afasia que ocorrem em pessoas que falam mais de uma língua. Segundo a regra de Ribot, as memórias mais antigas são menos afetadas do que as memórias adquiridas mais recente- mente, por isso a língua-mãe apresenta recuperação mais rápida do que as outras línguas aprendidas depois. Entretanto, essa regra mostra-se inválida na observação clínica, na qual a recuperação nem sempre se faz com a primeira língua aprendida (Ramamurthi e Chari, 1993). A lei de Pitres considera que a recuperação mais rápida ocorrerá com a língua mais bem conhecida e mais praticada por ocasião da instalação da lesão. Mas, mais uma vez, em muitas circunstâncias, essa afirmação não representa a realidade do dia-a-dia no lidar com afásicos (Ramamurthi e Chari, 1993). Os pacientes que falam fluentemente mais de uma língua recuperam uma delas mais rápido e melhor, não sendo obrigatório ser a primeira língua aprendida ou a mais utilizada (Berthier et ai., 1990). Na realidade, o que se observa, é que a recuperação de uma língua (não importando se é a primeira ou a mais usada) é acompanhada da melhoria também das outras línguas conhecidas, no mesmo grau de velocidade e intensidade (Silverberg e Gordon, 1979). Outro conceito que parece representar a realidade é a de que o aprendizado de uma segunda língua utiliza recursos existentes no hemisfério não dominante, uma vez que lesões do hemisfério direito em destros determinam distúrbios de linguagem em cerca de l % e, entre os bilíngues ou poliglotas, essa taxa é dez vezes maior (cerca de 10%). Portanto, um paciente bilíngue não deve ser considerado como duas pessoas monolíngües (Grosjean, 1989). Afasia em canhotos O conceito de dominância hemisférica foi introduzido para justificar casos de pacientes que se tornaram afásicos após lesão do hemisfériodireito (Benson e Geschwind, 1988). Julgava-se que esses casos seriam constituídos, única e exclusivamente, de pacientes canhotos. Entretanto, l % dos pacientes destros desenvolve quadro de afasia após lesão do hemisfério direito, sendo tais pacientes denominados portadores de afasia cruzada (Alexander e Annett, 1996). Já entre os pacientes canhotos, a dominância hemisférica (e, portanto, com possibilidade de desenvolver afasia após lesão) é variável: parte deles tem a dominância no hemisfério esquerdo, ou- tros no direito e outros, com o centro da linguagem ocorrendo em ambos os hemisférios! (Mecacci, 1987). Essa bilateralidade da função da linguagem entre os canhotos é perceptível pela maior frequência de afasia independente do hemisfério lesado e pela melhor taxa de recuperação. Assim, é correto se afirmar que existe grande participação do hemisfério cerebral direito no processamento da linguagem nos canhotos, assim como de outras funções cognitivas como o processamento visuoespacial (Tzourio et ai., 1984). Barod et ai. (1985) encontraram em 323 pacientes afásicos, 43 (13%) canhotos, porcentagem muito superior à observada na população geral que é de 2%. Isso comprova que o canhoto, ao ter lesão cerebral, indepen- dentemente do lado, tem maior possibilidade de desenvolver afasia. Nessa mesma pesquisa, encontraram lesão do hemisfério cerebral direito em l % dos pacientes destros (afasia cruzada) e em 24% dos canhotos, compro- vando que parte dos canhotos tem o hemisfério cerebral direito como dominante. Apesar de existir o conceito de que, pela bilateralidade das funções de linguagem nos canhotos (Murdoch, 1997), a recuperação da afasia ocorre mais rapidamente, Basso et ai. (1990) não observaram, após cinco meses de terapia fonoaudiológica, diferença significativa na velocidade de recuperação entre destros e canhotos. Afasia em crianças A atribuição de localização da linguagem no hemisfério cerebral esquerdo ou no dominante fica ainda mais desconcertante nas crianças que, mesmo com lesões extensas sobre o hemisfério esquerdo, pouco ou nenhum prejuízo apresentam na linguagem. Isso é mais evidente quanto menor for a idade (Cypel, 1996). O estudo da linguagem nas crianças, não só no aspecto de dominância hemisférica, é diferente dos adultos. Os testes de verificação das funções nervosas superiores estão bem estabelecidos para um sistema nervoso plenamente desenvolvido e não para aquele que está em desenvolvimento. A par disso, é imprescindível o conhecimento prévio do desenvolvimento cerebral fetal (estruturação normal do sistema nervoso) e do desenvolvi- mento de habilidades intelectuais (expansão da rede dendrítica de associação), antes de iniciar o diagnóstico de uma lesão sobre as áreas específicas da linguagem. Na verdade, o cérebro de crianças pequenas tem seus hemisférios eqüipotentes, ou seja, com competência similar para o desenvolvimento da linguagem, substituindo-se mutuamente quando sofrem alguma lesão. A essa capacidade chamamos de eqüipotencialidade hemisférica cerebral. Entretanto, estudos anatómicos mostram que, a partir do segundo trimestre de gravidez, pode-se demonstrar assimetrias entre os dois hemisférios, constatando-se, nos destros, o córtex temporal superior com maior volume do lado esquerdo. Também é possível notar-se mais neurônios e mais dendritos na região perissilviana esquerda nos recém-nascidos destros. Assim, apesar da aparente igualdade entre os dois hemisférios, desde a idade fetal é possível se observar diferenças histológicas (Alexander e Annett, 1996). A eqüipotencialidade hemisférica das crianças muito pequenas não deve ser vista como inquestionável, pois estudos com audição dicótica mostram que, aos 4 meses de idade, já há especificidade do hemisfério esquerdo para estímulos verbais e do hemisfério direito para não- verbais. Outra verificação é que, após hemisferectomia esquerda realizada preco-cemente, observa-se recuperação da linguagem pelo hemisfério direito, mas com persistentes alterações semânticas e de sintaxe (Hecaen, 1976). Podemos, então, afirmar que existe uma grande plasticidade cerebral, com consequente recuperação funcional da linguagem, quando a lesão sobre o hemisfério esquerdo ocorre precocemente na criança. Assim, quanto mais precoce for a ocorrência de uma lesão, maior será a possibilidade de recuperação total da linguagem, em decorrência da plasticidade do cérebro, pois áreas cerebrais contralaterais passam a desempenhar a função (Woods eTeuber, 1978). Os limites de idade da criança para determinar o prognóstico de recuperação da linguagem dependem da precocidade da ocorrência da lesão, enquanto ainda não está estabelecida completamente a dominância cerebral: • Na afasia surgida até os 3 anos de idade, o prognóstico é ótimo, com melhora rápida e completa. • Dos 3 aos l O anos, a evolução para melhora é lenta e com algumas sequelas. • Se a lesão ocorre entre os 11 e 14 anos, a recuperação é pouco provável e semelhante ao observado em adultos (Lenneberg, 1967). A observação de que em crianças, quando existe lesão do hemisfério cerebral esquerdo, a recuperação da linguagem se faz numa velocidade maior do que se levaria para "reaprender" com o hemisfério cerebral di- reito, sugere que, na realidade, a criança aprende com os dois hemisférios! Até a idade de l O anos, o lado esquerdo vai progressivamente inibindo os mecanismos de linguagem do lado direito. Assim, quando existe lesão do hemisfério cerebral esquerdo, existe liberação desses mecanismos e a recuperação é mais rápida do que levaria para "reaprender". Portanto, quando a recuperação da afasia em criança for lenta ou inexistente, muito prova- velmente a lesão é bilateral (Hecaen, 1976) (Lees, 1997). Crianças muito pequenas podem desenvolver quadro de afasia após lesão do hemisfério cerebral direito, pois a dominância hemisférica só se estabelece mais tarde, com a maturação nervosa através de mielinização e aumento da rede dendrítica. Os distúrbios de linguagem nas crianças podem ser divididos em distúrbios de desenvolvimento e distúrbios adquiridos. Entre os primeiros se destaca o atraso na aquisição da fala, de origem desconhecida, perceptível desde o surgimento da linguagem e que pode acometer crianças normais nos demais aspectos ou portadoras de lesões cerebrais evidentes, como paralisia cerebral, autismo, entre outras. Os distúrbios de linguagem adquiridos resultam de dano cerebral após ter sido iniciada sua aquisição. Chamamos esse acometimento de afasia adquirida na infância (ou acquired childoodaphasia — AÇA). A etiologia inclui traumatismo craniano, tumor cerebral, doença encefalovascular, facomatose, meningoencefalite e epilepsia (síndrome de Landau-Kleffner). As características clínicas dessa afasia diferem muito das observadas nos adultos, essencialmente em dois aspectos: perda da fluência e recuperação mais rápida. Entretanto, estudos mais recentes deixam claro que as características inicialmente citadas como típicas da afasia adquirida na infância são encontradas em boa parte das crianças lesadas agudamente e em região anterior do cérebro. Mas, caso consiga vencer a resistência natural das crianças diante de estranhos, principalmente naquelas em que o acometimento é progressivo e a localização lesionai é posterior, podemos encontrar afasias fluentes, com presença de parafasias, logorréia, jargão, neologismos, comprometimento da habilidade de repetir e perda da ca- pacidade de leitura e escrita (Paquier e Van Dongen, 1996). As principais características clínicas da afasia adquirida na infância são: • Distúrbio de leitura e escrita • Perda da fluência (mutismo inicial) • Redução da iniciativa da fala • Sintaxe simplificada (telegráfica)• Compreensão prejudicada • Prejuízo na nomeação • Disartria O mutismo é a característica predominante no início do quadro da maioria das crianças com afasia, principalmente entre as menores de 10 anos de idade, podendo perdurar de poucos dias a meses. E comum a ocorrência da redução da capacidade de expressão oral ser também acompanhada da redução da escrita e da linguagem gestual (Hecaen, 1983). O mutismo inicial é encontrado em 85% das crianças afásicas, após processo agudo como trauma craniano e, em apenas 20% quando a etiologia dependeu de processo progressivo como tumor. Além disso, nas lesões posteriores, a incidência de mutismo inicial foi muito menor (observada em apenas 10%) do que quando a lesão foi mais anterior (constatada em 63%). Assim, o mutismo inicial depende do tipo de lesão e localização (Hecaen, 1983). Na fase seguinte, o que mais se observa nas crianças afásicas é a falta de disposição para falar. É necessário muito incentivo para que a criança produza algumas palavras. Acredita-se que isso ocorra como característica emocional encontrada em qualquer criança normal pouco tempo após ser injuriada. As crianças com lesão unilateral do hemisfério esquerdo têm pior produção de sintaxes se comparadas com crianças com lesões hemisféricas à direita. Enquanto os erros de sintaxe no lesionado à esquerda são graves e incluem comprometimento tanto de estrutura de sentenças simples como complexas, as crianças com lesão direita têm erros menos severos e somente na produção de sintaxes simples (Aram et ai., 1986). O comprometimento da compreensão nas crianças afásicas é raro e ocorre, exclusivamente, nos estágios iniciais do quadro, desaparecendo de forma rápida. O prejuízo na nomeação, caracterizado por diminuição verbal ou empobrecimento léxico, ocorre em estágios mais tardios da afasia e tende a persistir como sequela permanente. A disartria pode ser encontrada em cerca de 50% dos casos (Hecaen, 1976), mas depende em muito da localização da lesão em região anterior do hemisfério cerebral esquerdo. Linguagem nas Demências Ana Paula Machado Goyano Mac-Kay Demência O conhecimento sobre os tipos de processamento em linguagem, fala e comunicação por ambos os hemisférios traz ao fonoaudiólogo a possibilidade de flexibilizar melhor o seu trabalho junto à pessoa com lesão no hemisfério direito ou com lesões difusas, porque abrange vários níveis da comunicação humana. No caso das demências, tal conhecimento é fundamental como veremos a seguir. De uma forma prática, a demência refere-se às perdas das habilidades intelectuais de tal modo que interfiram nas áreas funcionais da vida como: social, ocupacional, trabalho, comunicação, outras. Por definição, demência é uma síndrome, ou seja, uma constelação de sinais e sin- tomas que se referem à condição de deterioração crónica e, em geral progressiva do funcionamento do intelecto, da personalidade e da comunicação. O critério de diagnóstico de demência amplamente adota- doéoDSM-III(Anexo3). Etiologia e classificação genéricas A etiologia da demência é bastante variada e dentre as causas mais frequentes destacamos: anoxia, infecção, traumatismo craniano, sífilis, doença de Alzheimer, Parkinson e doenças vasculares. Dentre essas causas, a maior incidência recai sobre a doença de Alzheimer, responsável por aproximadamente 50% dos casos, seguida pelas doenças vasculares. Não podemos confundir demência com envelhecimento natural, pois a primeira se refere a uma condição de degeneração, embora haja alta incidência de demência na fase da senescência. Classificação genérica A demência pode ser classificada em: • demência progressiva: relacionada à doença de Alzheimer, à doença de Creutzfeldt-Jakob, à doença de Parkinson e à doença de Huntington, entre outras; • demência com tratamento: relacionada à privação sensorial, ao hematoma subdural, aos tumores cerebrais, à hidrocefalia de pressão normal, à encefalite (p. ex., por sífilis), às doenças da tireóide, a alguns problemas orgânicos, à deficiência de vitamina B12, ou outras deficiências vitamínicas, a determinado tipo de medicação, à depressão do tipo pseudodemência e outras; • demência secundária: relacionada a quadros de pós-menin-goencefalite, abuso crónico de álcool, traumas e pós-anoxia; • outras demências: relacionadas às doenças vasculares, aos processos escleróticos, à AIDS e outras. Alguns dos quadros demenciais mais frequentes e a relação de suas características são: — Doença de Alzheimer (DA) Alois Alzheimer, neurologista alemão, foi o primeiro a descrever a relação entre os processos de neuro-fibrilação e demência, em 1906. A DA tem início relativa- mente lento se compararmos com o início da doença de Pick. Os sintomas clínicos mais evidentes são: gradual perda de memória, desorganização do discurso, desorientação espacial e mudanças de personalidade. No quadro 5 da DA, estão descritas as características clínicas. Quadro 5. Características clínicas observadas em pacientes com doença de Alzheimer (Cummings e Benson, 1983). Primeira fase Segunda fase Terceira fase Memória Déficits na memória recente e remota Sensível déficit de memória e aprendizagem Funções intelectuais globalmente deterioradas Personalidade Irritabilidade, hostilidade, apatia, frustra- ção quadro de suspeita Indiferença, hostilidade, julgamento social pobre, baixa afetividade Desorganizada Comunicação Desordens no conteúdo da linguagem, disfonia, déficit no raciocínio linguístico Conteúdo desordenado, disnomia e alguns déficits estruturais que prejudicam a coesão Globalmente deteriorada, ecolalia, perseveração e mutismo Habilidades Visuoespaciais Construção incorretas, desorientação topográficas Desorientação espacial, cons- trução pobres, dificuldades perceptivas Deterioração generalizada Solução de Problemas — Necessita de auxílio na resolução dos mais simples problemas Total dependência Sistema Motor Geralmente normal com alguns sinais extrapiramidai s Agitação Rigidez na região dos quadris e postura em flexão — Doença de Huntington (DH). É uma doença genética (autossômica dominante) que se caracteriza por demência e movimentos coréicos. Os primeiros sinais podem ser motores, cognitivos ou da personalidade, mas somente nas fases mais adiantadas é que os sinais abrangem essas três áreas. Os problemas motores iniciam-se nas extremidades superiores, logo atingindo o pescoço e os braços. Há sensível dificuldade para a articulação da fala, disartria progressiva e disfagia (esta última nas fases moderada e adiantada). Há alterações na fonação pelas dificuldades de coordenação dos movimentos respiratórios e destes com os órgãos fono- articulatórios. Os principais aspectos clínicos estão representados no quadro 6, subdivididos entre manifestações iniciais, neurológicas, mentais e gerais. Quadro 6. Características clínicas da doença de Huntington, subdivididas entre as diferentes manifestações iniciais, neurológicas, mentais e gerais. Descoordenação e movimentos súbitos involuntários. Incapacidade de realizar movimentos faciais complexos como assoprar ou assobiar (apraxia bucofacial). São irritados, impulsivos, instáveis ou agressivos. Inicialmente movimentos coréicos; em seguida atetose, distonias e tremor de intenção. Presença de disartria com diminuição na velocidade da fala ou hesitação. Pode existir completa desorganizaçãoda fala e mutismo. Disfagia em estados avançados, levando à aspiração e morte. Podem surgir antes, durante ou depois das manifestações motoras: alterações cognitivas (demência) e alterações psiquiátricas (psicose, distúrbios de personalidade, depressão, labilidade emocional e personalidade anti- social. Manifes tações Iniciais Manifes tações Neuroló gicas Manifes tações Mentais Perda importante de peso, caquexia, baixa voltagem no eletroencefalograma, neuroimagem com diminuição volumétrica das estruturas dos gânglios da base, hereditariedade autossômica dominante. Não há tratamento. • Doença de Parkinson (DP). Consiste em um agrupamento de sinais de etiologia e sintomatologia bastante variadas. Alguns casos apresentam sinais motores, enquanto outros apresentam severos déficits cognitivos, incluindo a linguagem. Rigidez crescente no tônus muscular em repouso, bradicinesia e dificuldades de interromper movimentos iniciados são fa-tores presentes na DP. Tais fatores, por sua vez, prejudicam as relações comunicativas. A voz apresenta-se mais monótona e de baixo volume; encontramos também a presença de disartria e disfagia (nas fases moderadas para severas). As manifestações clínicas mais comuns estão relacionadas no quadro 7. • Demência vascular (DV). Consequente de infartos repetidos, tem sido reconhecida como tendo alto índice no quadro geral das demências (17% a 18%). Os seus principais sinais são: início abrupto, presença de labilidade emocional, flutuação de sintomas, afasia e apraxia acompanhadas de outros sinais de demência. As demais características específicas relacionam-se com as áreas cerebrais mais afetadas. Quadro 7 Aspectos clínicos da doença de Parkinson subdivididos em manis-fetações iniciais, neurológicas, mentais e gerais. Manifest ações Gerais Inicia-se insidiosamente com tremor de repouso nos membros superiores e de forma assimétrica. Ausência de expressão facial, redução do volume da fala e lentidão. Tremor de repouso, acinesia (deficiente atividade motora nas mudanças de padrões motores, fadiga), rigidez (sinal da roda denteada), anomalias posturais (cabeça e tronco inclinados para a frente), paradas motoras (congelamento). Sintomas cognitivos precoces, demência, memória comprometida, bradifemia (velocidade reduzida dos processos cognitivos), depressão, disfunção autonômica. Hipotensão ortostática, arritmias cardíacas, edema de membros inferiores, sialorréia, seborréia, constipação, incontinência ou urgência urinária e sudorese. Manifes tações Iniciais Manifes tações Neuroló gicas Manifes tações Mentais Manifes tações Gerais As demências têm em comum, no tangente aos aspectos comunicativos, o distúrbio na comunicação intencional, seja ela linguística ou não-lingüística. A comunicação de ideias é a base da comunicação intencional e é justamente no âmbito das ideias que ocorre o processo degenerativo. Os pacientes têm problemas nos sistemas mnêmicos, conceituais e inferenciais, nos quais as ideias e eventos são recebidos, formados e estocados. Logo, há dificuldade na memória semântica (não lexical) e na memória episódica. E na memória semântica que convergem e se inter-relacionam informações de várias modalidades, formando o conhecimento conceituai. Como exemplo, podemos citar a possibilidade da formação do conceito de: "tempestade". As informações contêm uma gama de conhecimentos adquiridos que podem se resumir na palavra "tempestade". No entrelaçamento dessas informações e conhecimentos é que reside a formação de conceitos, que ficam locados na memória semântica. Logo, se houver problemas relacionados a essa memória, mesmo que preservada a palavra, o conceito se dispersa, comprometendo a comunicação. Isso é o que ocorre nas demências. A dificuldade em definir, nomear objetos e itens de uma categoria, em associar palavras e em produzir e compreender pantomima são evidências de deterioração da memória semântica. O fato de o paciente muitas vezes ter uma performance adequada na leitura em voz alta e na fala deve levar o clínico a verificar com maior cuidado a manutenção, ou não, do conteúdo semântico. Nas demências ocorre uma dissociação das análises fonológica e sintá-tica da análise semântica. Nesse sentido, o paciente pode repetir, falar espontaneamente e corrigir erros sintáticos e fonológicos sem processar o significado do que fala. Outra dificuldade de comunicação está em referência com a decrescente sensibilidade ao contexto comunicativo e com a perda de habilidade em lidar com particularidades do discurso, como: formar expectativas, fazer inferências e distinguir informação preexistente de informação nova. São também comuns as dificuldades na tradução de ideias em símbolos linguísticos (sinais afásicos). Não dependendo da causa, os pacientes com demência têm problemas com pensamento abstrato, raciocínio e compreensão de relações lógicas (inclusive as relacionadas ao texto, o que interfere na sua coerência e coesão). Embora não tenhamos à disposição muitos estudos interetiológicos, o perfil comunicativo desses pacientes tem algumas características comuns como: déficits no raciocínio verbal; dificuldades em lidar com ambiguidade linguística; dificuldades em descrições verbais; dificuldades na repro- dução de estórias; dificuldade gradual na nomeação com significado; conteúdo da linguagem afetado antes da forma; conhecimentos semântico e pragmático afetados antes do fonológico e do sintático; processos de linguagem envolvidos na definição afetados antes dos processos da nomeação; repetição de frases de baixa probabilidade afetada antes das de alta probabilidade; problemas com os aspectos pragmáticos da linguagem, incluindo dificuldades na manutenção do tópico; manutenção da linguagem automática; discurso com tendência ao tipo repetitivo; tendência a narrar fatos de experiência pessoal em tarefas de conto ou reconto; problemas de interaçao (p. ex., troca de turno) em situação dialógica; decréscimo gradual do vocabulário e outros. 4. Avaliação A avaliação do estado mental compreende provas de atenção, orientação, linguagem e funções relacionadas a ela (incluindo aspectos pragmáticos e discursivos), fala, habilidades visuoespaciais, memória, habilidades de abstração e funções executivas. O miniexame mental é uma avaliação confiável, breve, que pode ser usada como uma triagem inicial. A avaliação de linguagem em pacientes com demência segue os parâmetros das avaliações em pacientes com doenças neurogênicas (p. ex., avaliação de linguagem nas afasias e nos distúrbios motores da fala). A análise das provas e os resultados de outras avaliações do estado mental é que vai indicar as diferenças entre os quadros. O fonoaudiólogo deve estar apto a selecionar e organizar as provas, testes e protocolos de modo a construir um sentido em termos de diagnóstico. Dentre os testes padronizados, temos: o miniexame mental, o teste de afasia Rio de Janeiro, o exame de afasia de Boston e a avaliação motora da fala de Dr. M. Crary, entre outros. Convém ter em mente que alguns aspectos precisam ser observados pelo terapeuta no sentido de tornar sua análise mais objetiva, e dentre eles sugerimos: memória verbal e não-verbal, construção visuoespacial, orientação espaço- temporal, raciocínio linguístico, repetição, leitura/escrita, nomeação, compreensão auditiva, praxias orais, fluência e qualidade da linguagem espontânea. Os problemas mais específicos de linguagem geralmente encontrados nesses casos são: anomia, parafasia semântica, perseveração, referências indefinidas, adequação sintática e fonológica, dificuldade em lidar com textosambíguos, inadequação semântica, dificuldades em inferir informações do contexto discursivo, dificuldade na expressão de ideias lógicas e tendência à introdução de descrições e relatos de experiência pessoal em situações de narrativa. Nitrini e Almeida (1998) propõem as seguintes provas para a avaliação de linguagem: teste de associação verbal controlada (falar tantas palavras quantas forem possíveis em um minuto, começando com a letra F ou S, falar tantas palavras quantas forem possíveis em um período de um minuto que pertençam a uma determinada categoria semântica, teste de nomeação do Boston Aphasia Test, teste de descrição (por escrito preferencialmente) da figura do Roubo dos Biscoitos (Boston Aphasia Test}, teste do repórter (descrever as ações do examinador, manipulando blocos de madeira) e o teste do bloquinho (manipulação sob comando de blocos de madeira de diferentes formas, cores e tamanhos). Em relação à atenção oferecida a um paciente com demência, é fundamental salientar que a família e/ou os cuidadores devem ser orientados sistematicamente. O ideal seria que essa orientação fosse realizada em conjunto, pela equipe multidisciplinar formada por enfermeiros especializados, geriatras, neurologistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupa-cionais, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais e fonoaudiólogos. O trabalho contínuo tem demonstrado ser altamente produtivo nesses casos, porque auxilia na manutenção da qualidade da comunicação do paciente com o seu ambiente. Baykes e Kasniak (1987) propõem algumas ideias para os cuidados e relações no dia-a-dia com esses pacientes que podem ser resumidas como apresentamos a seguir: • evitar questões abertas do tipo "Onde vamos?", dando preferência a questões do tipo "Vamos ao supermercado?"; • evitar falas longas e pronominalizadas (no caso, o pronome faz referência a alguém ou algo anteriormente citado no discurso); • não se preocupar e falar "a mesma coisa" de várias maneiras ou mesmo várias vezes, procurando assegurar a compreensão do significado da mensagem; • evitar o uso de construções indiretas como " O problema por ele levantado não foi bem compreendido por você"; • procurar usar sentenças mais simples e curtas; • procurar conversar sobre temas usando argumentos claros; • ser direto; • ser literal; • reconstruir a frase sempre que suspeitar que não ocorreu a interpretação adequada ao momento; • apoiar-se no contexto e complementar a fala com gestos e expressões. A terapia fonoaudiológica deve ser flexível, voltada para a comunicação rotineira e sempre atenta ao contexto de produção (considerando-se as características socioculturais e educativas, a idade do paciente, o perfil dos familiares e as necessidades primárias das atividades da vida diária). Os objetivos terapêuticos apóiam-se na manutenção da qualidade da comunicação do paciente ou, em casos mais avançados, do mínimo necessário para uma comunicação rotineira. Hedge (2001) sugere um quadro para o diagnóstico fonoaudiológico diferencial entre demência e afasia que será descrito a seguir (Quadro 8). Assim, afasia e demência podem ocorrer juntas: um paciente afásico pode desenvolver uma doença neurológica que resulte em demência (p. ex., doença de Alzheimer); um paciente com demência pode sofrer um AVE que resulte em uma afasia e, ainda, há casos em que pacientes com afasia fluente podem ser confundidos com pacientes com demência e pacientes com demência que apresentam sintomas afásicos. Devemos considerar que dentre os exames clínicos mais frequentes no diagnóstico as demências encontramos: o exame físico e clínico geral, o exame neurológico geral, a avaliação do estado mental, o miniexame mental, a tomografia computadorizada, a tomografia por emissão de Pósitrons (PETScanning) e a avaliação da linguagem oral e escrita acrescidas das provas de comunicação (nos centros onde o fonoaudiólogo faz parte da equipe). Novos aportes para esse tema são oferecidos constantemente na literatura científica e o fonoaudiólogo deve estar sempre atento em sua atualização. Por outro lado, as contribuições na área da comunicação têm ilimitadas possibilidades para a pesquisa! Quadro 8. Sinais e sintomas que facilitam o diagnóstico diferencial entre demência e afasia (Hedge, 2001). Demência Afasia Início gradual do problema (geralmente) Início rápido do problema Lesão cerebral bilateral Lesão no hemisfério esquerdo Pode apresentar variações de humor, retraimento, agitação Apresenta humor apropriado, embora ocorram fases de depressão e demonstração de frus- tração Cognição moderada ou severamente comprometida, mas as habilidades de lingua- gem mantêm-se até estágios mais tardios Habilidades de linguagem comprometidas, mas a cognição preservada Problemas de memória em graus variados Memória preservada Comportamento desorganizado e socialmente inapropriado Comportamento organizado e socialmente apropriado Confusão mental e desorientação de tempo e espaço Aspectos mentais e orientação espaço-tempo- ral preservados Desorientação do "eu" nos estágios mais tardios Não há desorientação do "eu" Deterioração progressiva da performance semântica para a sintática e fonológica Performances sintático- semântica e fonológica comprometidas ao mesmo tempo Fluência até o início do estágio severo Fluência e não-fluência Respostas pouco correias para tarefas de reconhecimento espacial e verbal Respostas relativamente corretas para tarefas de reconhecimento espacial e verbal Problemas nas habilidades de reconto de estória Melhor habilidade de reconto de estória Problemas na descrição de objetos comuns Melhor habilidade na descrição de objetos co- muns Compreensão do texto em situação de leitura silenciosa prejudicada Melhor compreensão do texto em situação de leitura silenciosa Expressão por pantomima prejudicada Melhor expressão por pantomima Pior habilidade nas tarefas de desenho Melhor habilidade nas tarefas de desenho
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