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LETRAS�|��149� LITERATURA BRASILEIRA IV LETRAS�|�150� LETRAS�|��151� LITERATURA BRASILEIRA IV ELISALVA DE FÁTIMA MADRUGA DANTAS � � � Caros�alunos,� � Nessa�nova�etapa�de�estudos,�vamos�mergulhar,�através�da�leitura�de�textos�literários�e�críticos,�nas� águas� agitadas� de� um� dos� momentos� mais� ricos� e� importantes� da� nossa� literatura:� a� primeira� fase� do� Modernismo�Brasileiro,�momento�conhecido�como�fase�heroica�desse�movimento,�por�conta�da�bravura�e� da�ousadia�de�suas�propostas�no�que�concerne�à�ruptura�implementada�por�seus�mentores�à�maneira�como� a� arte� vinha� sendo� realizada� no� Brasil,� tendo� como� meta� principal,� segundo� Oswald� de� Andrade,� no� Manifesto�da�Poesia�PauͲBrasil,��“acertar�o�relógio�império�da�literatura�nacional”1.�� Antes,� porém,� de� adentrarmos� nas� veredas� modernistas� brasileiras,� faremos� um� breve� passeio� pelos�principais�movimentos�da�Vanguarda�Europeia,�ocorridos�no�início�do�século,�devido�à�ressonância�de� suas�propostas�em�nosso�movimento�Modernista,�marcadas�também��por�um�profundo�desejo�de�inovação,� pela�necessidade�sentida�de�adequar�a�expressão�artística�às�mudanças�ensejadas�pelo�desenvolvimento�da� tecnologia,�da�indústria�e�pelas�inquietações�políticas�que�eclodem�na�Europa�do�início�do�século�XX.� Para� que� entendamos� também� como� se� deu,� dentro� da� literatura� brasileira,� a� transição� da� concepção� artística� que� vigorava� no� início� do� nosso� século,� embasada� nos� princípios� ideoͲestéticos� do� realismo,� do� naturalismo,� do� parnasianismo� e� do� simbolismo,� os� quais,� por� sua� vez,� se� nutriam,� ideologicamente,�do�cientificismo�da�época,�sobretudo�do�determinismo�e�do�positivismo�e,�esteticamente,� de�um�excessivo�rigor�formal�que�se�traduzia�na�preocupação�parnasiana�da�arte�pela�arte,�do�retoricismo�e� do� rebuscamento�da� linguagem,�abordaremos,�ainda�que�de�passagem,�alguns� textos� literários�e�críticos� configuradores�do�que�é�reconhecido,�dentro�de�nossa�história�literária,�como�momento�PréͲModernista.� Assim� sendo,� para� melhor� consecução� do� que� pretendemos� trabalhar� junto� com� vocês,� estruturamos�nosso�curso�em�três�unidades.�São�elas:� � I Unidade: Vanguarda Europeia Nessa,� como� já� frisamos� acima,� iremos� conhecer� as� propostas� dos� principais� movimentos� da� Vanguarda�Europeia�que�tiveram�repercussão�entre�os�idealizadores�do�Modernismo�Brasileiro�e�que�dizem� 1�ANDRADE,�Oswald�de.�Manifesto�da�poesia�pauͲbrasil.�In:�Do�PauͲBrasil�à�antropofagia�e�às�Utopias..Rio�de�Janeiro:�Civilização� Brasileira,�2.�ed.�1978,�p.9� LETRAS�|�152� respeito� ao� Futurismo,� Expressionismo,� Cubismo,� Cubofuturismo,� Dadaísmo,� Espiritonovismo� e� Surrealismo.�� � II Unidade: Pré-Modernismo Brasileiro Nesse� momento,� pelo� qual� passaremos,� como� já� assinalamos,� de� forma� muito� rápida,� veremos� algumas� manifestações� literárias� e� críticas� indiciadoras� das� fissuras� que� começam� a� abalar� os� alicerces� ideológicos�e�estéticos�que�fundamentavam�a�construção�artística.� � III Unidade: A Semana de Arte Moderna e seus desdobramentos � Aqui,�entraremos�no�cerne�propriamente�dito�de�nosso�curso,�ou�seja,�em�seu�objetivo�principal,� que�consiste�no�estudo�dos�anos�20�do�Modernismo�Brasileiro.�Começaremos�então�enfocando�o�evento� que� �marca�o� início�desse�momento,�ocorrido�entre�os�dias�13�e�18�de�dezembro�de�1922.�Em� seguida,� passaremos,�através�da�leitura�dos�manifestos�dos�diversos�grupos�surgidos�após�a�Semana�e�dos�principais� textos� literários� e� críticos� produzidos� pelos�modernistas,� ao� estudo� da� poética� explícita� e� implícita� que� assinala�uma�nova�visão�de�mundo�e�uma�nova�visão�de�arte.�� Para� que� o� aproveitamento� seja� o� melhor� possível,� desnecessário� se� faz� dizer� que� precisamos� caminhar�juntos�na�mesma�direção,�em�contínuo�diálogo.�Assim�agindo,�certamente,�iremos�ampliar�nosso� conhecimento�acerca�da�Literatura�Brasileira.� Bom�proveito�para�todos�nós!� LETRAS�|��153� UNIDADE I VANGUARDA EUROPEIA � � � Considerações Preliminares � Abalada� em� suas� estruturas� socioeconômicas� e� políticas,� em� decorrência� dos� conflitos� desencadeados�pela�1ª�Guerra�Mundial,�que�vai�de�1914�a�1918,�a�Europa�dos�anos�20�é�também�marcada� por�uma�série�de�mudanças�implementadas�pelo�desenvolvimento�da�indústria�e�da�tecnologia.�O�início�do� século� XX� é� tido� como� apogeu� da� época� industrial� e� técnica.� VerificaͲse,� nesse� período,� o� crescimento� acelerado�da�indústria�automobilística,�que,�de�três�mil�carros�produzidos�no�ano�de�1900,�passa�em�1913�a� mais�de�cem�mil;�o� surgimento�de�grandes� transatlânticos;�o�aeroplano,�a� realização�dos�primeiros�voos� extensos,�um�sobre�o�canal�da�Mancha�e�outro�sobre�os�Alpes,�realizados,�respectivamente,�em�1909,�por� Louis� Blériot� e,� em� 1910,� por� George� Chávez;� a� construção� de� grandes� estradas� de� ferro,� como� a� Transsiberiana,�que� ligava�a�Rússia�Ocidental�à�costa�do�Pacífico,� finalizada�em�1905,�a�Transafricana�e�a� Transandina,� a� qual,� ligando� Buenos� Aires� a� Valparaíso,� era� apontada� como� “uma� grande� proeza� da� engenharia,�pois�os�trilhos�se�erguem�a�três�mil�metros�,�nos�Andes,�na�fronteira�argentina”2;�as�primeiras� experiências� de� transmissão� radiofônica,� de� transmissão� de� imagens� e� da� radiotelegrafia,� entre� outras� invenções,�que,�encurtando�distâncias,�agilizando�os�meios�de�comunicações,� imprimiram�ao�novo�século� um�novo�ritmo�mais�veloz,�mais�dinâmico.�� Diante�desse�cenário�de� tanta�agitação,�os�artistas�e� intelectuais�europeus�da�época�começam�a� sentir�a�necessidade�de�romper�com�os�padrões�estéticos�em�vigor,�por�consideráͲlos�não�mais�adequados� para�expressar�esse�novo� tempo.�A�necessidade�de� inovar,�de� imprimir� também�às�artes�um� ritmo�mais� dinâmico� levaͲos�a�uma�ruptura�muitas�vezes�bastante�radical�com�os�valores�estéticos�e� ideológicos�que� norteavam�a�arte�até�então.�Surge,�assim,�em�vários�pontos�da�Europa,�uma�série�de�movimentos�a�cujo� conjunto� se�dá�o� título�de�Vanguarda�Europeia,�do�qual� fizeram�parte�o�Futurismo,�o�Expressionismo,�o� Cubismo,� o� CuboͲFuturismo,� o�Dadaísmo,� o� Espiritonovismo� e� o� Surrealismo,� e� sobre� os� quais� faremos� 2�In:�PERLOFF,�Marjorie.�O�movimento�futurista.�São�Paulo:�Editora�da�Universidade�de�São�Paulo,�1993,�p.�11.� LETRAS�|�154� algumas�considerações�em�função�de�sua�ressonância�nos�projetos� ideológico�e�estético�que�norteavam�a� poética�explícita�(manifestos�e�textos�teóricos)�e�implícita�(textos�literários)�dos�nossos�modernistas.�� � � �Origem e significado do termo vanguarda � Segundo�os�dicionários�etimológicos,�o� termo�vanguarda�provém�do� francês�–�avantͲgarde�–�e�é� empregado�para�designar�a�tropa�de�frente�de�uma�unidade�militar.�Em�francês,�os�termos�avant�e�garde,� entre�outros�significados,� indicam�também,�respectivamente,�“o�que�vem�antes�ou�primeiro”�e�“guarda”,� no�sentido�de�corpo�militar.�Possui,�portanto,�esse�termo�um�sema�de�origem�bélica,�na�medida�em�que,� dentro�de�um�contexto�militar,�remete�para�um�conflito,�para�quem�inicia�uma�ação,�uma�ofensiva.�Por�isso� mesmo,�por�extensão,�vanguarda�passou�a�designar,�na�arte,�aqueles�movimentos�que�tinham�como�meta� combater�as�velhas�formas�e�iniciar�uma�nova�concepção�artística.� Como�tendências�inovadoras�da�arte,�os�movimentos�de�Vanguarda�são�impulsionados�pelo�desejo� de�ruptura,�de�mudança,�de�choque,�de�abertura.�Daí�a�negação�dos�modelos�anteriores�e�dos�valores�que� os�sustentam.�� Em�termos�bem�genéricos,�vanguarda�remete�a�“todo�e�qualquer�inovador�pregresso�–�de�Dante�a� Cervantes,�de�Leonardo�a�Beethoven,�de�Cruz�e�Sousa�a�Oswald�de�Andrade”.3�� No�entanto,�“se� todas�as�épocas�conheceram�suas�“vanguardas”,�só�uma�conheceu�a� ´Vanguarda� Histórica`�,�com�maiúscula,�título�forjado�para�designar�os�áureos�anos�de�1905�a�1935”.4��E�é�essa�a�que�nos�interessa.� Imbuídos,�pois,�desse�espírito�de�inovação,�os�artistas�dessa�época�rompem�com�a�tradicional�ideia� de�harmonia,�de�beleza�e�de�verossimilhança.�Para�combater�o�bloco�solidificado�das�concepções�artísticas� vigentes,�advindas�da�herança�cultural� recebida,�partem�eles,�muitas�vezes,�para�a�agressividade,�para�o� radicalismo.�“Acusação�precisa”,�“insulto�bem�definido”�estavam�na�base�de�seus�discursos�e�propostas.�� ContrapondoͲse� à� ideia� de� perenidade� que� norteava� a� concepção� clássica� da� arte,� eles,� em� consonância�com�seu�desejo�de�abertura,�se�voltam�para�o�experimentalismo,�para�o�autogoverno,�para�a� autorreflexão.�Não�é�por�outra�razão�que,�ao�falar�sobre�o�modernismo�brasileiro,�ou�melhor,�sobre�a�nossa� Vanguarda,� Mário� de�Andrade� destaca� como� um� dos� grandes� ganhos� o� direito� permanente� à� pesquisa� estética.� � � 3�PATRIOTA,�Margarida�de�Aguiar.�Vanguarda,�do�conceito�ao�texto.�Belo�Horizonte:�Itatiaia;�Brasília:�INL,�Fundação�Nacional�PróͲ Memória,�1985,�p.�18.� 4�_____�Op.�Cit.�p.�18/19� LETRAS�|��155� Futurismo � Em� 20� de� fevereiro� de� 1909,� Filippo� Tomasso� Marinetti� publica,� no� jornal� francês� Fígaro,� o� manifesto� do� primeiro� movimento� vanguardista� europeu,� o� movimento� Futurista,� através� do� qual,� de� maneira� bastante� violenta� e� precisa,� critica� a� forma� de� expressão� vigente,� presa� à� tradição� clássica.� Segundo�ele,�� A� terra� se�estreita�pela� velocidade,�por�novos�meios�de� comunicação,� transporte�e� informação�e� exige�uma�arte� verbal� completamente�nova,�que�pode� expressar�a� completa� renovação�da� sensibilidade� humana�trazida�pelas�grandes�descobertas�da�ciência.� É�esse�entusiasmo�pela�velocidade,�pelo�dinamismo�advindo�dos�novos� inventos,�que�mobiliza�o� projeto�ideológico�e�estético�do�futurismo.�� Para� imprimir�à�arte�esse�mesmo�ritmo�veloz�e�dinâmico,�Marinetti,�em�seu�Manifesto�Técnico�da� Literatura�Futurista,�apresenta�como�propostas�estéticas:�abolição�do�adjetivo�e�do�advérbio,�considerados� por�ele�amortecedores�do�discurso;�no�lugar�do�adjetivo,�propõe�o�uso�do�substantivo�para�imprimir�maior� vigor�à�analogia�criada,�e�cita,�como�exemplos,�multidãoͲressaca,�homemͲtorpedeiro,�etc;�preferência�pelo� verbo�no�infinitivo,�uma�vez�que�o�mais�importante�era�o�foco�na�ação;��quebra�da�sintaxe�tradicional�presa� aos�moldes�clássicos,�inadequados�a�“essa�nova�linguagem�de�telefones,�fonógrafos,�aeroplanos,�cinema”;�� substituição�da�pontuação� convencional�por� sinais�da�matemática� e�da�música,� evitando� as�pausas�que� atrapalham�a�vivacidade�do�discurso;� �palavras�em� liberdade�e� imaginação� sem� fios,�ou� seja,� criação�de� imagens,� de� analogias� expressas� em� palavras� livres,� soltas,� totalmente� libertas� de� qualquer� convenção� sintática�ou�lógica.� O�entusiasmo�pela�tecnologia,�pela�máquina�refleteͲse�no�manifesto�pela�prioridade�dada�à�matéria� na� poesia� em� detrimento� do� eu.� Para�Marinetti,� faziaͲse� necessário� “substituir� a� psicologia� do� homem,� agora�exaurida,�pela�obsessão�lírica�da�matéria.”�5� Esse� entusiasmo� exacerbado� leva,� por� outro� lado,� a� uma� rejeição� exagerada� do� passado,�� evidenciada�pela�proposta� radical�de�destruição�das�bibliotecas,�museus� e� academias,� considerados�por� Marinetti�“cemitérios�de�esforços�perdidos”.� � Expressionismo Contemporâneo�do� Futurismo,�o� Expressionismo,�movimento�de�origem� alemã,� em� consonância� com� o� vanguardismo� da� época,� também� se� encontra� norteado� pelo� mesmo� espírito� de� ruptura� e� de� 5�MARINETTI,�F.�T.��Manifesto�Técnico�da�Literatura.�In:�TELES,�Gilberto�Mendonça.�Vanguarda�Europeia�e�Modernismo�Brasileiro.� Apresentação�e�crítica�dos�principais�manifestos�vanguardistas.�12.�ed.�Petrópolis,�RJ:�Vozes,�1994,�p.97�� LETRAS�|�156� abertura�para� implementação�de�novas�formas�de�expressão,�vazadas�na�quebra�da�sintaxe�convencional,� na� eliminação�das�palavras� supérfluas,� tendo� em� vista�o� enxugamento� e� a�precisão�da� linguagem,�para� melhor�atingir�a�essência�do�que�se�quer�expressar.�Essa�preocupação�com�a�essência�advém,�sobretudo,� do�viés�espiritualista�que�norteia�o�Expressionismo.�� Diferentemente� do� Futurismo,� cuja� motivação� tem� por� base� a� admiração� pela� máquina,� pela� tecnologia,�o�Expressionismo�não�vê�com�o�mesmo�olhar�otimista�o�surgimento�desses�avanços�técnicos,� sobretudo� no� que� tange� à� supremacia� dada� à� máquina� em� detrimento� do� homem.� Daí� a� necessidade� sentida�de�apreender�o�movimento�interior�das�coisas�e�dos�seres.�Aos�expressionistas,�não�interessa�o�fato� em�si,�mas�a�forma�como�o�artista�o�percebe,�como�ele�o�vê,�pois,�para�eles,�a�realidade�estaria�dentro�de� nós,�e�cabeͲnos�expressar�o�que�percebemos,�vemos�e�sentimos.�Através�de�suas�produções�artísticas,�nos� damos�conta�da�inquietude,�da�angústia�humana�frente�ao�vazio�com�o�qual�se�defronta,�ante�a�coisificação� a� que� é� reduzido� o� homem� dentro� daquele� universo� tecnológico,� conforme� bem� o� demonstram� estes� versos�do�poema�No� terraço�do�café� Josty,�do�alemão�Paul�Boldt,�que�assim�diz,� segundo� tradução� feita� pelo�português��João�Barrento:� � Praça de Potsdam: eternos gritos Dos glaciares das lavinas febris Pelas ruas fora: carros em carris Os automóveis e os homens-detritos. � ObserveͲse�que,�em�meio�à�agitação�nervosa,�frenética�e,�ao�mesmo�tempo,� indiferente�da�praça,� assinalada�pelos�lexemas�gritos,�glaciares�e�febris,�quem�primeiro�assoma�ao�espaço�poético�são�os�carros,� os�automóveis,�enfim,�as�máquinas,�como�a�demarcar�a�prioridade�destas�sobre�os�homens,�que,�além�de� virem�nomeados�por�últimos,�aparecem�referidos�como�homensͲdetritos,�ou�seja,�como�restos,�coisas�sem� valor.� Ao�contrário,�pois,�dos�futuristas,�os�expressionistas�querem,�antes�de�tudo,�destacar�os�aspectos� negativos�da�modernidade�sobre�os�homens.�Para�isso,�recorrem�à�estética�do�feio,�do�choque,�através�da� deformação� das� imagens� e� da� utilização� de� palavras� abjetas.� A� tensão,� o� conflito� e� a� subjetividade� presentes� em� suas� realizações� levam� os� críticos� a� ver� neles� aproximação� com� a� estética� barroca� e� a� romântica.�Não�esqueçamos�que�o�feio�resultante�das�deformações�efetivadas�na�representação�também� faz�parte�da�estética�do�grotesco,�explorada�pelos�barrocos�quando�“tudo�o�que�era�certo�se�contorce”.�Por� outro� lado,� semelhantemente� ao� romantismo,� o� expressionismo,� como� já� vimos,� além� de� ter� a�mesma� origem�alemã,�tem�como�veículo�de�suas�ideias�a�revista�Der�Sturm�(A�Tempestade),�o�que�lembra�o�espírito� préͲromântico�da�Sturm�und�Drang�(ou�seja,�Tempestade�e�Ímpeto).�� � LETRAS�|��157� Cubismo O�termo�cubismo�surgiu�a�partir�do�quadro�“Casas�en� l´Estaque”,�de�Georges�Braque,�exposto�no� Salão�de�Outono�de�1908,�qualificado�pelo�pintor�Matisse,�que�fazia�parte�do�júri,�como�“caprichos�cúbicos”� pela� semelhança� de� suas� formas� com� elementos� geométricos� desmembrados� em� facetas� que� se� superpõem�e�intervêm�umas�nas�outras.�Braque�e�Pablo�Picasso�são�considerados�os�criadores�do�Cubismo� na� pintura.� Na� literatura,� Apollinaire� é� um� dos� responsáveis� por� sua� introdução,� cujo� texto� de� 1913,� intitulado�Meditações� estéticas.�A� pintura� cubista,� segundo�Gilberto� Teles,� “pode� ser� tomado� como� um� desses�manifestos”6.�� Como� já� foi� mencionado,� a� estética� cubista� privilegia� o� geometrismo,� mas� dele� também� fazem� parte�a�descontinuidade,�a�decomposição�e�recomposição,�a�simultaneidade.�Nas�palavras�do�crítico�de�arte� Jean�Cassou,�trazidas�por�Guillermo�de�Torre,�“o�cubismo�é�um�estilo�de�ruptura�intelectual,�e�as�sua�obras� assumem�o�aspecto�de�uma�combinação�de�formas�descontínuas.�É�por� isso�que�se�aproximam�da�poesia� moderna,�que� foge�ao�discurso,�à� regularidade�métrica,�à�pontuação�e�que�se�manifesta�sob�a� forma�de� fragmentos�ou�instantâneos”�7.�É,� também�de�1913,�o� texto�A�antitradição� futurista,�de�Apollinaire,�cujo� título�por�si�só� já�deixa� entrever�a�relação�do�cubismo�com�as�ideias�futuristas�de�ruptura�total�com�o�passado.�Para�além�disso,�o� texto� se� encontra� em� profunda� consonância� com� as� propostas� cubistas,� sobretudo� no� que� tange� à� sua� estruturação� pelo� fragmentarismo,� pela� simultaneidade� das� ideias� apresentadas,� quebrando� assim� com� qualquer�sequência�lógica.�Logo�no�início�do�manifesto,�temͲse�uma�frase�constituída,�em�sua�maior�parte,� por�palavras� sem� sentido,�cujas�primeiras� letras� terminam� formando�a�palavra�“passadismo”,�através�da� qual�nos�é�apresentada�a�rejeição�ao�passado.�Eis�a�frase:� � ABAIXO OPominir Aliminé SSkprsusu otalo ADIScramir MOnigme. � Depois� disso,� o� texto� segue� estruturado� de� forma� justaposta,� com� palavras� grifadas� das� mais� diversas� maneiras,� em� termos� de� tipos� ou� tamanhos� gráficos,� dispostas� na� horizontal� e� na� vertical,� homologando� através� da� forma� de� expressão� o� que� apresenta� em� termos� de� destruição� e� construção.� RegistreͲse� que,� no� bloco� no� qual� se� encontram� alocadas� as� propostas� de� destruição� das� formas� consideradas�passadistas�de�expressão,�entre�os�vários�pontos�elencados,�temos�a�supressão�da�harmonia� 6�TELES,�G.�O�Cubismo.�In:�Op.�Cit.,�p.�109� 7�TORRES,�Guillermo.�Cubismo.�In:�_____�História�das�Literaturas�de�Vanguarda,�Lisboa:�Presença;�Santos,SP:�Martins�Fontes,�1972,� p.�100� TORRE,�G.�Op.�Cit.,�p.100� LETRAS�|�158� tipográfica,�das�sintaxes�já�condenadas�pelo�uso�em�todas�as�línguas�e�da�pontuação.�Aspectos�que�já�não� fazem�mesmo�parte�do�manifesto.�� Por� sua�vez,�no�bloco�em�que� se�encontram�as�propostas�de� construção�de�uma�nova� forma�de� expressão� artística,� encontramos� no� item� 1,� referente� a� Técnicas� ou� ritmos� renovados� sem� cessar,� encabeçando�a�lista,�a�proposta�de�Literatura�pura�palavras�em�liberdade�Invenção�de�palavras,�seguida�das� ideias,� entre� outras,� de� Plástica� pura� (5� sentidos),� Simultaneidade� em� oposição� ao� Particularismo� e� à� divisão,� os� quais� são� perceptíveis� na� organização� textual� do� manifesto;� já� no� item� 2,� relacionado� com� intuição,� velocidade� e� ubiquidade,� podemos� destacar� também� como� elementos� corroboradores� dessa� relação,�entre�o�que�se�diz�e�o�que�se� faz,�proposições�como�Analogias�e� trocadilhos� trampolins� líricos�e� única� ciência� das� línguas� calicó� Calicut� Calcutá� cachacia� Sofia� o� Sofos� suficiente� oficiar� oficial� ó� fios� Aficionado� DonaͲSol� Donatello� Doador� dei� erradamente� topedeiro,� por� meio� da� qual� a� propositura� apresentada�é�ao�mesmo�tempo�realizada�e,�ainda,�a�paródia�musical,�resultante�de�uma�analogia�sonora,� da�frase�melódica�constituída�de�MER........DE......que�significa�Mar.....�de....�com�o�termo�MERDE,�que�em� francês�é�Merda,�portanto,�excrementos.�E,� �na�sequência,�é� isso�que�é�oferecido�a�todos�os�guardiães�da� tradição,�a�exemplo�de�pegadogos,�professores,�museus,�etc.,�em�contraposição�à�rosa�que�é�ofertada�aos� responsáveis� pela� renovação� artística,� começando� por� Marinetti,� Picasso� e� o� próprio� Apollinaire,� entre� tantos�outros.�Exaltação�com�a�qual�se�encerra�o�texto.�� � Cubo-Futurismo O�CuboͲFuturismo�tem�sua�origem�na�Rússia,�mais�precisamente,�em�Moscou,�a�partir�de�1913.�Esse� movimento�vanguardista,�como�se�depreende�do�próprio�título,�tem�como�subsídios�estéticos�e�ideológicos� muito�do�que�foi�proposto�pelo�Futurismo�de�Marinetti�e�pelo�Cubismo�de�Picasso�e�Braque,�sobretudo,�no� que� tange�ao�empenho�em� imprimir�à�arte�uma�maior�dinamização,�o�que,�em� termos�de�concretização� artística,� leva� também� à� adoção� das� técnicas� futuristas� e� cubistas� de� libertação� total� da� palavra,� fragmentação,�decomposição,�recomposição,�simultaneidade.� Como� o� cubismo,� o� cuboͲfuturismo� começou� com� a� pintura.� Entre� os� pintores� cuboͲfuturistas,� Kazimir�Malevich�é�apontado�como�responsável�pelo�desenvolvimento�desse�estilo�entre�os�russos,�tendo� sido�o�primeiro�a�empregar�o�termo�Cubo�para�falar�de�suas�pinturas.� Diferente,�porém,�dos�futuristas,�os�artistas�russos� investiam�mais�na�práxis�do�que�na�teoria�e�não� compartilhavam� da� apologia� futurista� da� máquina� e� da� guerra.� AutoͲintitulandoͲse� de� “comunistasͲ futurista,� se� encontravam� ideologicamente� vinculados� aos�movimentos� revolucionários� que� culminaram� LETRAS�|��159� com�a�Revolução�de�Outubro,�de�1917,�ocorrida�na�Rússia.�Para�eles,�a�palavra�era�vista� também� como� instrumento�de�transformação�social.� Em� seu� único� manifesto� coletivo,� assinado� pelos� poetas� David� Burliuk,� Krutchônikh,� Vladimir� Maiakovski� e� Khlebnikov,� de� 1912,� os� cuboͲfuturistas� se� colocavam� como� arautos� do� novo� tempo� e� se� insurgiam�contra�o�passado,�criticando�duramente,�sobretudo,�os�poetas�simbolistas,�cujas�obras�vazadas� em�uma�“perfumada�sensibilidade”�não�traduziam�a�virilidade�do�seu�tempo.�� “A todos esses Kuprin, Block, Sologúb, Remizov, Avertchenko, Cherny, Kusmin, Bunin, et., etc.,* só está faltando uma casa uma casa à beira de um rio. Tal recompensa o destino reserva também para os alfaiates. Do alto dos arranha-céus discernimos sua nulidade!”8 Realizado�de�forma�muito�sintética,�o�poema�Balalaica�,�abaixo�transcrito,�de�autoria�de�Maiakovski,� traduz� bem� o� viés� estético� do� cuboͲfuturismo� no� que� diz� respeito� à� assimilação� dos� procedimentos� futuristas�e�cubistas�e�o�vínculo�da�poesia�com�os�anseios�revolucionários�da�época.� Vejamos�o�poema:� BALALAICA Vladimir Maiakóvski Balalaica [como um balido abala a balada do baile de gala] [com um balido abala] abala [ com balido] [ a gala do baile] louca a bala laica (1913) � *�São�todos�nomes�de�poetas�simbolistas�russos�acusados�pelos�cuboͲfuturistas�de�misticismo,�abstração�e�artificialismo�da� linguagem..� 8�BURLIUK,�D.�et�alii.�Bofetada�no�gosto�público.�In:�TELLES,�G.�Op.�Cit.�p.121� LETRAS�|�160� Para� início� de� conversa� sobre� este� poema,� registreͲse� que� o� termo� Balalaica� designa� � um� instrumento� musical� de� cordas,� parecido� com� um� bandolim� ou� com� um� cavaquinho,� usado� na� música� popular�russa.� Para�além�de�intitular�o�poema,�o�termo�Balalaica�pode�também�ser�visto�como�matriz�geradora�do� mesmo.�Através�de�um�processo�de�decomposição,�comum�aos�cubistas,�o�termo�se�desmembra�em�vários� outros,�jogando,�sobretudo,�com�as�palavras�bala�e�laica�e�com�os�fonemas�nelas�presentes,�com�os�quais� cria� o� poeta� outros� termos,� valendoͲse� � para� isso� das� analogias� e� trocadilhos� trampolins,� proposto� por� Apollinaire�em�A�antitradição�futurista,�como�se�pode�perceber�em�bala,�baile,�gala,��abala,�balido,�balada,� laica,�louca.� �Em�termos�de�conteúdo,�o�poema�nos�fala�de�um�baile�de�gala,�ou�seja,�um�baile�da�nobreza,�uma� vez�que�gala,�segundo�Aurélio,�remete�para� trajes�solenes,�ornamentação�ou�enfeites�ricos�e�preciosos,�o� qual�foi�abalado�por�uma�bala�laica,�ou�seja,�uma�bala�que�veio�de�fora,�uma�bala�estranha�àquele�meio.�Em� termos� sonoros,� os� últimos� vocábulos� do� poema� bala/laica� recompõem� o� termo� balalaica.� E,� se� consideramos�que�este,�enquanto�instrumento,�se�liga�ao�povo,�podemos�inferir�que�veio�do�povo,�o�qual� não� teria� vez� em� um� baile� de� gala,� a� bala� que� detona� esse� baile.� É� o� povo,� portanto,� que,� de� forma� irreverente,�barulhenta�(como�um�balido/�com�um�balido,�termo�que�tanto�pode�ser� lido�como�barulho�e� como�projetil),�abala�a�nobreza.�Isto�tudo,�porém,�nos�é�passado�através�dos�recursos�futuristas�e�cubistas� adotados�pelo�poeta:�fragmentarismo,�decomposição,�recomposição,�liberdade�de�expressão,�criatividade,� concisão�e�simultaneidade.� Como�observação�final�em�torno�desse�movimento,�vale�a�pena�registrar�que,�apesar�de�sua�curta�duração,�o�CuboͲFuturismo�foi�de�grande�valia�para�a�arte�russa.� � Dadaísmo Considerado� o� mais� radical� de� todos� os� movimentos� que� constituíram� a� Vanguarda� Europeia,� o� Dadaísmo� nasce� em� Zurique,� na� Suíça,� tendo� como� mentores� cinco� artistas� que� lá� se� encontravam� refugiados�por� conta�da� guerra,� contra� a�qual� se� insurgiam,�pela� sensação�de�que� todo�um� sistema�de� civilização�se�desmontava�bruscamente,�e�que�nada,�nem�Filosofia,�nem�Religião,�nem�Ciência,�nada�pôde� impedir�a�catástrofe�da�guerra.�São�eles:�os�alemães�HUGO�BALL�e�RICHARD�HUELSEMBECK;�o�alsaciano� HANS�HARP�E�OS�ROMENOS,�Marcel� Jango�e�Tristan�Tzara.�Posteriormente,�a�eles�se� juntaram�o� francês� FRANCIS�PICCABIA�e�o�chileno�VICENTE�HUIDOBRO.� LETRAS�|��161� Em�decorrência�do�espírito�de�revolta,�de� frustração�que�norteava�o�grupo,�as�propostas�dadaístas� são�marcadas�pelo�ceticismo,�pelo�nihilismo.�Para�eles,�DADA,�palavra�com�a�qual�batizaram�o�movimento,� escolhida�por�acaso�em�um�dicionário,�não�significava�NADA.�O�objetivo�era,�segundo�Tristan�Tzara,�“criar� uma�palavra�expressiva�que,�mediante�sua�magia,�fechasse�todas�as�portas�à�compreensão�e�não�fosse�um� –�ismo�a�mais”9�Daí�a�valorização�do�nonͲsense,�do�absurdo,�da�contradição,�do�anarquismo,�da�destruição� que�se�depreende�das� ideias�apresentadas�em�seus�manifestos,�sobretudo,�no�Manifesto�Dada�1918.�Eis� algumas�delas:� x Eu redijo um manifesto e não quero nada, eu digo portanto certas coisas e sou por princípio contra os manifestos, como sou também contra os princípios... x Assim nasceu DADÁ de um desejo de independência, de desconfiança na comunidade./.../ Nós não reconhecemos nenhuma teoria. x Nós rasgamos, vento furioso, o linho das nuvens e das preces, e preparamos o grande espetáculo do desastre, do incêndio, da decomposição. x Eu destruo as gavetas do cérebro e as da organização social: desmoralizar por todo lado e lançar a mão do céu ao inferno, os olhos do inferno ao céu, restabelecer a roda fecunda de um circo universal nos poderes reais e na fantasia de cada indivíduo. Em�termos�ideoͲestéticos,�assinaleͲse�ainda�que�o�Dadaísmo�em�sua�crítica�exacerbada�não�poupa� nem�os�próprios�movimentos�vanguardistas�precedentes,�embora�seja�pela�crítica�visto�como�“um�vértice� de�confluências�vanguardistas”10;�a� ludicidade,�o�humor�estão�na�base�das�suas�realizações�assim�como�a� técnica� do� ready� made,� estratégia� que,� em� termos� gerais,� consiste� em� criar� em� cima� de� material� já� existente,� sendo,� portanto,� de� grande� valia,� a� arte� dadaísta,� empenhada� na� desconstrução,� na� dessacralização�da�arte,�em�consonância,�pois,�com�sua�proposta�de�antiarte,�antiliteratura.�Nesse�sentido,� são�exemplares�as�criações�do�dadaísta�Marcel�Duchamp,�realizadas�com�objetos�como�bacia�sanitária,�roda� de�bicicleta,�os�quais�são�por�ele,�irreverentemente,�transmudados�em�objetos�artísticos.�� Entretanto,�por�mais�paradoxal�que�pareça�toda�essa�negação�dadaísta,�ela�termina�se�revertendo� em�positivo�para�a�arte.�Razão�pela�qual,�para�o�escritor�e�filósofo�André�Gide,� �“Dada�é�o�dilúvio�após�o� qual�tudo�recomeça”11� Parafraseando�Fernando�Pessoa,�acreditamos�poder�dizer�que�DADÁ�foi�o�nada�que�é�tudo.� 9�Apud�TELLES,�G.�Op.�Cit.�p.�124/125� 10�TORRES,�G.�Op.�Cit..�p.�254.� 11�TORRES,�G.�Dadaísmo.�In:�_____�Op.�Cit.�p.�237.� LETRAS�|�162� Espiritonovismo � Conforme�sugere�o�próprio�nome,�bem�diferente�da�postura�iconoclasta,�destruidora�do�Dadaísmo,� esse�movimento,�de�origem� francesa,� surge�em�1918,�portanto,�no� final�da� I�Guerra�Mundial,�motivado� realmente� por� um� espírito� novo� de� reconstrução.� � Assim� sendo,� procedem� a� uma� verdadeira� revirada� ideológica� na� medida� em� que� retomam� a� ordem,� o� bom� senso,� o� sentido� do� dever,� a� clareza,� a� sistematização��e�o�equilíbrio.�� Ao�contrário�de�seus�predecessores,�reconhece,�de�modo�bastante�conciliatório,�a� importância�da� tradição� clássica;� ao� mesmo� tempo,� exalta� as� mudanças� implementadas� nas� artes� pelos� movimentos� anteriores,� referentes� às� rupturas� estéticas,� à� liberdade� de� expressão,� à� valorização� dos� artifícios� tipográficos�responsáveis�pelo�nascimento�de�um� lirismo�visual�e�à�concisão�poética.�Vejamos,�em�termos� ilustrativos,�um�trecho�da�conferência�O�Espírito�Novo�e�os�Poetas,�de�Apollinaire:� � As pesquisas relacionadas com a forma tomaram desde então uma grande importância. Importância legítima. Como poderia esta pesquisa não interessar ao poeta, ela que podia determinar novas descobertas no pensamento e no lirismo? A assonância, a aliteração, tanto quanto a rima, são convenções que têm, isoladamente, os seus méritos. Os artifícios tipográficos levados muito longe, com uma grande audácia, tiveram a vantagem de fazer nascer um lirismo visual que era quase desconhecido antes de nossa época. Estes artifícios podem ir muito longe ainda e consumar a síntese das artes, da música, da pintura, da literatura. Tudo isso não é mais que uma pesquisa para chegar a novas expressões perfeitamente legítimas. Quem ousaria dizer que os exercícios de retórica, as variações sobre o tema de: Eu morro de sede ao pé da fonte não tiveram uma influência determinante sobre o gênio de Villon? Quem ousaria dizer que as pesquisas de forma dos retóricos e da escola marótica não serviram para apurar o gosto francês até sua perfeita florescência no século XVII? � �Ressaltam�ainda�os�espiritonovistas�a� importância�para�a�arte�do�riso,�que�“fornece�ao�poeta�um� lirismo� novo”;� do� ridículo,� por� ser� inerente� à� própria� vida;� da� surpresa,� “grande�mecanismo� do�mundo� moderno”,�que�advém�da�invenção,�da�imprevisibilidade,�do�estranhamento�provocado.�Segundo�eles,�“só� devemos� chamar� de� poeta� àquele� que� inventa,� àquele� que� cria.� E,� ainda,� a� importância� da� alegria,� LETRAS�|��163� considerada�um�valor�característico�da�poesia�e�do�cotidiano,�das�coisas�prosaicas�como�matéria�de�poesia,� pois�“um�lenço�que�cai�pode�ser�para�o�poeta�a�alavanca�com�a�qual�ele�levantará�todo�um�universo”.�� Além�desses�aspectos,�o�Espiritonovismo�vê�como�imprescindível�o�viés�nacionalista�nas�produções� artísticas.�Para�eles,� � A arte só deixará de ser nacional no dia em que o universo inteiro, vivendo sob um mesmo clima, em casas edificadas sobre o mesmo modelo, falar a mesma língua, com o mesmo sotaque, ou seja, nunca. � Nessa�perspectiva,�exaltam�por�demais�a�França,� conforme� se�pode�ver�em�afirmações� como� estas�abaixo�transcritas:� � O espírito novo que dominará o mundo inteiro não se evidenciou na poesia de nenhum país como na França. Segundo o que podemos saber, não há quase poetas hoje que não sejam de língua francesa. Todas as outras línguas parecem fazer silêncio para que o universo possa escutar melhor a voz dos novos poetas franceses. Os franceses levam a poesia a todos os povos.12 � Embora�a�Vanguarda�Brasileira�dialogue�com�quase�todos�esses�movimentos�europeus,�é�com�o� Espiritonovismo�que�seus�integrantes�mais�se�identificam,�sobretudo,�no�que�concerne�à�valorização�da� tradição,�do�passado.�Mas�isso�veremos�depois.� � � Surrealismo � Insatisfeito�com�o�viés�anárquico�dos�dadaístas,�André�Breton,�que,�até�então,�se�vinculava�ao� movimento,� terminou� rompendo� com�o�Dadaísmo� e� criando�o� � Surrealismo,� cujo�manifesto�data�de� 1924.�Daí�por�que�vamos�encontrar�na�história�do�movimento�afirmações�de�que�ele�“nasceu�de�uma� costela�de�Dada”�ou�de�que�“nasceu�das�cinzas�de�Dada”13.� Um�dos�pontos�principais�do�rompimento�diz�respeito�ao�ceticismo,�ao�niilismo�que�norteavam� as�propostas�dadaístas.�Breton�concordava�com�o�pensamento�de�Rimbaud�de,�através�da�arte,�mudar�a� vida.�E,�como�Marx,�ele�também�queria�contribuir�para�a�transformação�do�mundo.�Ao�niilismo�dadaísta,�12�Todas�essas�passagens�citadas�foram�extraídas�de�APOLLINAIRE,�G.�O�Espírito�Novo�e�os�Poetas.�In:�TELES,�G.�Op.�Cit.�p.�155/166.� 13�A�primeira�das�afirmações,�segundo�Guillermo�de�Torre�é�atribuída�a�RibemontͲDessaignes,�um�dadaísta�que�depois�se�torna� também�surrealista��e�a�segunda�a�Tristan�Tzara�que�era�o�líder�do�Dadaísmo.�Cf.�TORRE,�G.�In:�Op.�Cit.�vol.�3,�p.�9� LETRAS�|�164� opunham�os�surrealistas�o�conhecimento�total�do�homem,�para�o�que�tanto�a�poesia�como�a�pintura�não� passavam�de�meios�de� investigação�que� lhes�permitiam� como� “cientistas”�explorar�o� inconsciente,�o� sonho,� o� maravilhoso.� Para� facilitar� seu� trabalho,� Breton,� tomando� por� base� as� teorias� freudianas,� chegou� inclusive�a�criar�um� laboratório�destinado�a� investigações�oníricas�–�o�Bureau�des�Recherches� Surrealistes�(Birô�de�pesquisas�surrealistas)�.�� Diferentemente�da�visão�escatológica,�apocalíptica�dos�dadaístas,�os�surrealistas,�acreditando�na� vida,�na�possibilidade�de�mudança,�exaltavam�o�AMOR�e�o�EROTISMO.� A�dissidência,�entretanto,�não� lhes� impediu�manterem�alguns� traços�dadaístas,�a�exemplo�do� amor�ao�protesto,�da�valorização�do�improviso�e�da�espontaneidade�da�linguagem.�� Protesto�quanto�à�repressão�a�que�era�submetido�o�homem,�minando�a�sua�verdadeira�essência,� impedindo�sua�ascensão�como�sujeito�de�si�mesmo,�da�sua�história.�Daí�a�valorização�da� infância,�fase� também�privilegiada�pela�psicanálise�de� Freud,�por� remeter�para�um�período�de� liberdade,� em�que,� segundo�os�surrealistas,�se�encontra�ausente�“todo�rigor�conhecido”;�� A�valorização�do� improviso�e�da�espontaneidade�da� linguagem�era�defendida�pelos�surrealistas� por�acreditarem�ser,�através�do� improviso�e�da�espontaneidade,�que�o� inconsciente�afloraria.�Por�essa� razão,�Breton�define�surrealismo�como�“automatismo�psíquico�pelo�qual�alguém�se�propõe�a�exprimir� seja� verbalmente,� seja� por� escrito,� seja� de� qualquer� outra� maneira,� o� funcionamento� real� do� pensamento.� Ditado� do� pensamento,� na� ausência� de� todo� controle� exercido� pela� razão,� fora� de� qualquer�preocupação�estética�ou�moral.”14� À� semelhança� dos� futuristas,� para� quem� as� imagens� mais� poderosas� são� aquelas� que� ligam� realidades�distantes,�aparentemente�diversas�e�hostis,�os�surrealistas� também�definem�como� imagem� forte�aquela�que�apresenta�o�maior�grau�de�arbitrariedade,�ou�seja,�aquela�que� leva�mais�tempo�para� ser�compreendida.� Outro�ponto�do� ideário�surrealista�que�o�aproxima�dos� futuristas�diz�respeito�à�valorização�da� imaginação,�pela�liberdade�que�ela�propicia.�Para�Breton,�a�imaginação�dá�conta�do�que�pode�ser.�E�isso� é� o� suficiente� para� suspender� um� pouco� a� terrível� interdição� a� que� está� sujeito� o� homem.� Por� extrapolarem�o�nível�do�real,�são�também�valorizados�o�maravilhoso�e�a�loucura:�o�primeiro,�por�incidir� no��sobrenatural,�e�o�segundo�pelo�comprazimento�no�delírio.�Enfim,�pelo�que�apresentam�de�ilógico,�de� quebra�com�o�racional,�com�o�interdito.�� Como�o�cubismo,�o�surrealismo�se�apresenta�de�forma�vigorosa�na�pintura,�tendo�como�figuras� expressivas�Salvador�Dali�e�Miró,�entre�outros.�� 14�Apud�TELES,�G.�Op.�Cit.,�p.�191� Na� um�método fenômenos� Junt levando� até surrealismo adotaram�e nenhuma� id cultural.�� Emb Dali�por�seu foram� se� re próprias�de advém�de�u � 15�RegistreͲse� impressionism 16�NÉRET,�Gille 17�Cf.�BERNÁR linha�do�aut o� espontâne delirantes.16 tamente� co é� ela� o� surr o�no�cinema eles�o�mesm deia,�nenhum bora�também u�abstracion eduzindo�a� f e�um�desenh uma�profund que�a�pintura�d mo,�do�cubismo, es.�Salvador�Da DEZ,�Carmen.�H tomatismo�p eo� de� conhe 6�� m� Luis� Buñ realismo.� De :�O�cão�anda o�princípio�d ma� imagem� m�vinculado� nismo.�Seus� formas�míni ho� infantil,�o� a�introspecç de�Salvador�Dal ,�do�fauvismo.�� li�1904Ͳ1989.�G Historia�Del�Arte SUGES Leia�os Procur psíquico,�Salv ecimento� irra uel,� cineast essa� atividad aluz(1928)�e da�escritura� que�pudess ao�surrealis personagens mas�e�a� sign que� lhe�con ção�e�de�sua� i�não�se�prende German:�Bened e.�Primeras�Van TÃO�DE�LEIT s�manifestos e�na�interne vador�Dali15� acional,� base a,� Salvador� de� conjunta, e�A� idade�de automática� sem�dar� luga smo,�a�pintu s:�seres�hum nos�permea nfere�uma�ap capacidade�v e�apenas�ao�sur ikt�Taschen,�19 nguardias.�Barc TURA: s�dos�movim et. adota�o�“mé eado� na� ass Dali� envere ,� resultaram e�Ouro(1930) e,�em�comu ar�a�uma�ex ra�de�Joan�M manos,�anima dos�de�uma parência�sen visionária�de rrealismo.�Sua�o 94,�p.�66� celona,�Espanha mentos�men L étodo�parano sociação� inte edou� pela� a m� dois� filmes ).�Para�conse um,�concorda xplicação� rac Miró�se�disti ais,�element a�vitalidade�e nsível�e� ingê e�indagar�o�s obra�apresenta a:�Palneta,�1994 ncionados�n LETRAS�|��16 oicoͲcrítico”, erpretativoͲc arte� cinemat s� que� são� íc ecução�das�p aram�em�nã cional,�psicol ingue�da�de� tos�da�paisag e�uma� impu nua�que,�en ubjetivo.17�� a�quadros�feitos 4,�p.�114.� nessa�Unida 65� ,�ou�seja,� crítica� de� tográfica,� cones� do� películas,� o�aceitar� lógica�ou� Salvador� gem,�etc.� ulsividade� tretanto,� s�à�luz�do� ade.� LETRAS�|�166� UNIDADE II PRÉ-MODERNISMO BRASILEIRO Para� além� do� sentido� cronológico� indicador� do� que� ocorre� antes� do�Modernismo� propriamente� dito,� o� vocábulo� préͲmodernismo,� criado� pelo� crítico� Tristão� de� Ataíde,� em� termos� ideoͲestéticos,� foi� utilizado�para�designar�aquelas�obras�que�no�início�do�século�XX�apresentavam�sinais�de�ruptura�com�o�que� norteava�o� fazer� literário�brasileiro�da�época.�AntecipavamͲse,�então,�como�afirma�Alfredo�Bosi,18�alguns� aspectos� formais� e� temáticos� que� serão� propostos� e� implementados� pelos� modernistas.� São� obras,� portanto,�que,�embora�ainda�vinculadas�às�correntes�estéticas�do�final�do�século�–�Realismo,�Naturalismo,� Parnasianismo�e�Simbolismo�Ͳ,�sobre�as�quais�pairavam�o�cientificismo�e�o�rigor�formal,�problematizam�de� maneira�mais� contundente� a� realidade�brasileira,�questionandoͲa� sob�o�ponto�de� vista� social,�político� e� cultural.�Ao�procederem�assim,�conforme�bem�o�assinala�Alfredo�Bosi,�em�O�PréͲModernismo,�os�escritores� estão�rompendo�com�a�cultura�oficial,�alienada�e�verbalista.�� �Contrariando�os�padrões�estéticos�vigentes,�percebeͲse�que�algumas�dessas�obras,�a�exemplo�das� de�Lima�Barreto,�abandonam�o�viés�retoricista�predominante�na�época�em� favor�de�uma� linguagem�mais� simples,�mais�próxima�do� falar�cotidiano,�por�se�achar�que�assim�se� torna� inteligível�a� todos.�Aliás,�Lima� Barreto�vai� ser�um�dos�escritores�mais�críticos�do�que�ele� chama�de�grecoͲmania�da�época,�conforme�o� reitera� a� afirmação� que� se� segue,� extraída� do� texto� Amplius!:� “Implico� solenemente� com� a� Grécia,� ou� melhor,� implico�solenemente�com�os�nossos�cloróticos�gregos�da�Barra�da�Corda�e�pançudos�helenos�da� praia�do�Flamengo.”19�Em�sua�obra,�vamos�encontrar�severas�críticas�ao�preconceito�racial,�ao�eruditismo� da� época,� aos� pseudosͲintelectuais� da� época,� ao� academicismo� vigente,� entre� outros� pontos� que� mais� adiante�também�serão�combatidos�pelos�modernistas.�Vale�a�pena�conferir�alguns�de�seus�textos�e�obras,� como�os�romances�Recordações�do�escrivão� Isaías�Caminha,�Triste�Fim�de�Policarpo�Quaresma,�Clara�dos� Anjos�ou�mesmo�os�contos,�sobretudo�os�reunidos�em�Bruzundangas�ou�Histórias�e�Sonhos,�e,�ainda,�seus� textos�críticos�que�se�encontram�em�Impressões�de�Leitura.��� Outro� autor� considerado�préͲmodernista�por� alguns� críticos,�entre�eles,�Alfredo�Bosi,�na�obra� já� referida,�bem�como�em�História�Concisa�da�Literatura�Brasileira,�é�Augusto�dos�Anjos,�em�decorrência�de�uma�série�de�procedimentos�por�ele�adotados�que�vão�de�encontro�aos�predominantes�na�época.�CitemͲse� entre�eles�a�adoção�de�uma�sonoridade�áspera� (A�criptógama�cápsula�se�esbroa/�ao�contacto�de�bronca� 18�Cf.�BOSI,�Alfredo.�O�préͲModernismo.�5.�ed.�São�Paulo:�Cultrix,�s/d.� 19�BARRETO,�Lima.�Amplius!�In:�Histórias�e�Sonhos.�Contos.�São�Paulo:�Brasiliense,��1956.�� LETRAS�|��167� destra�e� forte)20;�do� rompimento�com�a�estética�do�belo,�através�da�utilização�de�palavras�abjetas�como� pus,� vermes,� larvas,� podridão� e� tantas� outras;� mistura� de� formas� coloquiais� e� eruditas,� introdução� de� elementos�apoéticos,�de�frases�nominais�parecendo�mais�flashs�coordenados,�contrariando,�desse�modo,�o� rigor� formal�que� imperava�no� fazer� literário�daquele�momento,�como�podemos�ver�nos�versos�de�vários� poemas,�a�exemplo�do�poema�O�Morcego21:��� � Meia noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho. “Vou mandar levantar outra parede...” - Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho - E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, - Circularmente sobre a minha rede! Pego de um pau. Esforços faço. Chego A tocá-lo. Minh’alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?! A Consciência Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto! � Vale� acrescentar� ainda� a� aproximação� da� poética� de� Augusto� dos� Anjos� com� a� estética� expressionista�pelo�que�traz�de�uma�visão�apocalíptica,�negativa,�angustiante�da�vida.� Outros� nomes� vistos� pelos� críticos,� entre� eles,�Alfredo� Bosi,� na� obra� já�mencionada,� como� préͲ modernistas� são� Monteiro� Lobato� (Urupês),� Graça� Aranha� (Canaã),� Euclides� da� Cunha� (Os� Sertões)� por� desenvolverem� temas� ligados� à� realidade� brasileira� cotidiana,� questionando� o� descaso� do� governo,� o� anacronismo�da� sociedade�brasileira,� e,� ainda,�os� regionalistas�Valdomiro� Silveira� e� Simões� Lopes�Neto,� cujas� obras,� respectivamente,� Os� caboclos� e� Lendas� Gaúchas,� focalizam� os� costumes� interioranos,� sem� descaracterizáͲlos,� contribuindo,� assim,� para� o� conhecimento� do� Brasil� como� um� todo,� conforme� mais� adiante� será�uma�preocupação� fundamental�da�Antropofagia�e�que�Mário�de�Andrade� com�maestria� irá� consolidar�em�Macunaíma.�O�herói�sem�caráter.�� Os� sinais�de� ruptura�aos�quais�nos� referimos�quando� iniciamos�essas�considerações� sobre�o�préͲ modernismo� não� se� restringem� apenas� a� obras� literárias.� Em� outros� campos� das� artes,� eles� também� 20�Versos�do�poema�Budismo�Moderno.�Cf.�ANJOS,�Augusto.�EU,�31ª�ed.�Rio�de�Janeiro:�Livraria�São�José,�1971,�p.�84.� 21�In:�ANJOS,�Augusto,�Op.�Cit.�,�p.�59� começam�a adesão�à�m Um pintura,�que expressão�a �A�a elogiosas.�E clássica� na� paranoia�e�c de� teorias�e cultura�exce De� teor�é�altam originalidad Emb “perturbar� seus�–�e�o�q como� efeito brasileira.� S coletiva,�a�p primeira�co Um seguida.�� � 22�LOBATO,�Mo 1917/29�docum 23�BRITO,�Mári Civilização�Bra 24�Apud.�BRITO Agora com você LETRAS�|�16 a�se�manifest odernidade. �dos�fatos�m ebrando�tota artística,�filia atitude� inova Entre�as�prim pintura,� cla com�a�mistif efêmeras,� so essiva.”22����� outro� lado,� mente�elogio de.� bora�a�crítica a�evolução�d que�é�princip o� positivo� a Segundo� �M primeira�nec nsciência�de �dos�frutos�d onteiro.�A�prop mentação.�São io�da�Silva.�Hist asileira,�1978,�p O,�Mário�da�Silv Proc Leia� a�é� m� ê 68� tar,�reveland �� marcantes�de almente�o�fig da�às�novas� adora�de�M meiras,�regist assifica� a� ar ficação”,�e�cu ob�a� sugestã temͲse�o� te oso,�exatame a�de�Lobato� da�artista,�ab pal�–�consigo gregar� os� in ário�de�And essidade�de� e�revolta�e�de dessa�arregim pósito�da��expos �Paulo�–�Institu tória�do�modern p.�59.� va.�Op.�Cit.,�p.�7 cure�ler�um�co mais�poemas do�as�contra esse�período gurativismo� formas�vang alfatti�provo treͲse�a�de�M rte� moderna ujos�defenso ão�estrábica exto�de�Oswa ente,�pelo�qu tenha�provo balarͲlhe�a�c o�mesma”,�c ntelectuais� d drade,� foi� gr arregimenta e�coletividad mentação�fo sição�Malfatti.�A uto�de�Estudos�B nismo�brasileiro 71.�� onto�ou�uma� s�de�Augusto adições�do�m o�foi�a�expos que�norteav guardistas.� ocou� reaçõe Monteiro�Lo a� como� “an ores�veem�“a �de�escolas� ald�de�Andr ue�a�pintura ocado�grande onfiança�em como�registra da� época� mo raças� a�Anita ação...�“�Foi�e e�em�luta�pe i�a�realização APUD.�BATISTA Brasileiros,�197 o.�Antecedentes das�obras�de o�dos�Anjos. momento�ma ição�realizad va�a�arte�pict s�bem�antag obato,�que,�a ormal”� ou� “ normalment rebeldes,� su ade,� intitula �de�Anita�ap e�impacto�em m�si�própria,� a�Mário�da�S ovidos� pelo� a�Malfatti�q ela�,�foram�o ela�moderniz o�da�Semana A,�Marta�Rosset 72,�p.�45/48.� s�da�Semana�de e�Lima�Barret arcado�pelo� da�por�Anita� tórica,�mostr gônicas:� crít ao�se�coloca “teratológica te�a�natureza urgidas� cá�e do�a�exposiç presenta�de�m m�Anita,�trau pôͲla�em�cho Silva�Brito23�, espírito� com ue� se�deu� “ os�seus�quad zação�das�art a�de�Arte�Mo ti�et�alii.�Brasil:� e�Arte�Moderna o. apego�à�trad Malfatti,�em ra�uma�nova icas� ferrenh r�em�defesa a”,� que� “na a,�e�interpret e� lá� como� fu ção�Anita�M modernidad umatizandoͲa oque�mais�a ,�podeͲse�diz mum� de� ren “� a� primeira� ros,�que�nos tes�brasileira oderna,�que�v 1º�Tempo�Mod a.�5.�ed.�Rio�de�J dição�e�pela m�1917,�cuja a�maneira�de as�e� críticas �da�tradição sceu� com� a tamͲna�à�luz urúnculos�da Malfatti,�cujo e,�ousadia�e a�de�modo�a inda�com�os zer�que�teve novar� a� arte consciência s�deram�uma as.”24� veremos�em dernista�–� Janeiro:� a� a� e� s� o� a� z� a� o� e� a� s� e� e� a� a� m� LETRAS�|��169� UNIDADE III A SEMANA DE ARTE MODERNA E SEUS DESDOBRAMENTOS � � A Semana de Arte Moderna Fruto,�como�dissemos,�desse�grupo�de� intelectuais�que�sentem�a�necessidade�de� imprimir�à�arte� brasileira�uma�feição�mais�autêntica�e�mais�moderna,�a�Semana�de�Arte�Moderna�acontece�entre�os�dias�13� e�18�de�fevereiro�de�1922,�no�Teatro�Municipal�de�São�Paulo,�espaço�da�elite�paulistana.�Sua�programação� inclui� conferências,� palestras,� recitais� poéticos� e� musicais,� danças,� exposições� de� pintura,� escultura� e� arquitetura.�As�exposições�permaneceram�durante�toda�a�semana�aberta�ao�público.�� As�conferências,�palestras�e�os�recitais�poéticos�e�musicais�aconteceram�durante�os�três�primeiros� dias�–�13,�14�e�15�de�fevereiro� Ͳ�como�parte�do�chamado�Festival�da�Semana�de�Arte�Moderna.�CitemͲse� entre�as�apresentações�as��conferências�e�palestra�proferidas�sobre�A�Emoção�Estética�na�Arte�Moderna,�de� Graça�Aranha;�A�pintura�e�a�escultura�moderna�no�Brasil,�de�Ronald�de�Carvalho;�Arte�Moderna,�de�Graça� Aranha.�� Entre�os�vários�poetas�e�músicos�participantes�do�festival,�se�encontravam�Mário�de�Andrade,�que� recitou�Ode�ao�Burguês;�Ronald�de�Carvalho,�que�declamou�o�poema�Os� Sapos,�de�Manuel�Bandeira;�e� Guilherme�de�Almeida,�que� recitou�Nós,�poema�de�sua�autoria;�o�maestro�e�compositor�Villa�Lobos,�que� teve�sua�obra�musical�interpretada�por�vários�músicos,�sendo�inclusive�homenageado�na�terceira�noite�do� festival,�que�foi�toda�dedicada�a�apresentações�de�músicas�de�sua�lavra;�e,�ainda,�entre�outros�músicos,��a� pianista�Guiomar�Novais,�que�executou�várias�músicas�modernas.�Merece�também�registro�a�apresentação� na�primeira�noite�do�espetáculo�Otteto,�constituído�de�três�danças�africanas,�do�maestro�VillaͲLobos;�e,�na� segunda�noite,� da� dançarina� Yvonne� Daumerie,� que� interpretou� trecho� de� Debussy,� compositor� responsável�pela�introdução�de�novas�e�estranhas�sonoridades,�portanto,�também�movido�pelo�espírito�de� ruptura�que�presidia�os�realizadores�da�Semana�de�Arte�Moderna.�� Das�exposições�de�pintura,�escultura�e�arquitetura,�participaram�os�mais�representativos�artistas�da� época,� empenhados� na� renovação� da� arte,� como� Victorio� Brecheret,� na� escultura,� Anita� Malfatti,� Di� Cavalcanti�e�Vicente�do�Rego�Monteiro,�na�pintura�e�Antonio�Moya,�na�arquitetura.�� Para� termos� uma� ideia� mais� concreta� do� espírito� inovador,� questionador,� iconoclasta� dos� idealizadores�da�Semana,�vejamos�alguns�comentários�feitos�por�deles:� LETRAS�|�170� x Para o pintor Di Cavalcanti, a Semana iria ser “de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana”25 x Rubens Borba de Morais, sobre a semana, assim se pronuncia: “Nós, como o caboclo, ‘tacamos fogo na mataria’, porque não se planta sem derrubar. As chamas sobem altíssimas, fogem assoviando, serpentes fascinadoras. Só ficam os jequitibás, jacarandás, guajuçaras, cabreúvas, timburis. E à sombra das árvores enorme a plantação cresce. Felizes os que vierem depois de nós para colher o que plantamos.”26 x Segundo Oswald de Andrade, “qualquer apreciação das letras brasileiras deve ser hoje precedida do exame de revolta manifesta de 1922. Essa famosa Semana foi uma parada de conjunto, feita para protestar contra a decadência da literatura e da arte no Brasil em fevereiro daquele ano, no Teatro Municipal de São Paulo, com a presença de importante delegação do Rio de Janeiro.”27 x Comentando sobre os participantes da Semana, Mário de Andrade assim diz: “São moços de tendências múltiplas, às vezes contrárias, moços apenas iguais pela liberdade com que usam das possibilidades técnicas da música. Reuniram-se apenas porque união é força, e nestes tempos de sindicalismo, o ente solitário dispersa-se e empobrece. Assim somos os rapazes da Semana de Arte Moderna.”28 � Na�verdade,�naquele�momento,�o�que�importava�era�o�objetivo�comum�de�renovar�a�arte�brasileira� libertandoͲa�do�passadismo�que�ainda�a�aprisionava.�� � � A poética de Bandeira: o São João do Modernismo brasileiro. OS SAPOS Enfunando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: - “Meu pai foi à guerra!” - “Não foi!” – “foi!” – “Não foi!”. 25�Apud.�AMARAL,�Aracy.�Artes�Plásticas�na�Semana�de�22.�Subsídios�para�uma�história�da�renovação�das�artes�no�Brasil.�São�Paulo�:� Perspectiva,�1979,�p.�123.� 26�Idem,�p.�99.� 27�ANDRADE,�Oswald.�O�divisor�das�águas�modernistas.�In._____�Estética�e�Política.�São�Paulo:�Globo,�1992,�p.�53� 28�Apud.�AMARAL,�Aracy.�Op.�Cit.,�p.�137.� LETRAS�|��171� O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: - “Meu cancioneiro É bem martelado. Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos. O meu verso é bom Frumento sem joio. Faço rimas com Consoantes de apoio. Vai por cinquenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A formas a forma. Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas...” Urra o sapo-boi: - “Meu pai foi rei” – “foi!” - “Não foi!” – “foi!” – “Não foi!”. Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: - “A grande arte é como Lavor de joalheiro. LETRAS�|�172� Ou bem de estatuário. Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo.” Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas: -“Sei!” – “Não sabe!” –“Sabe!” Longe dessa grita, Lá onde mais densa, A noite infinita Verte a sombra imensa; Lá, fugido ao mundo Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é Que soluças tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio.29 � Ausente� fisicamente� da� Semana� de�Arte�Moderna,�Manuel�Bandeira,� considerado� por�Mário� de� Andrade�o�“São� João�do�Modernismo”,�nela�se� fez�presente,�por�meio�da�declamação�do�seu�poema�Os� Sapos,� feita�por�Ronald�de�Carvalho,�através�do�qual�Bandeira� critica,�de� forma� irônica,�o� retoricismo,�o� tecnicismo,�a�supremacia�da�forma,�aspectos�tão�decantados�pelos�poetas�parnasianos�em�detrimento�da� poesia.� �Aliás,� é� o� próprio� Bandeira� que,� em� comentário� sobre� esse� poema,� afirma� que,� embora� tenha� parodiado�Olavo�Bilac�nos�versos�em�que�compara�o�trabalho�artístico�com�o�do�ourives�(versos�3�e�4�da�9ª� estrofes),�o�poema�Os�Sapos�é�uma� sátira�dirigida�mais� “contra� certos� ridículos�do�postͲparnasianismo”,� principalmente,�o�Hermes�Fontes�e�o�Goulart�de�Andrade.�O�primeiro,�por�chamar�atenção�no�prefácio�das� 29�Poema�extraído�de�BANDEIRA,��Manuel.�Estrela�da�vida�inteira.�Poesias�reunidas.�19.�ed.�Rio�de�Janeiro�:�José�Olympio,�1991,�p.� 46.� LETRAS�|��173� Apoteoses�para�o�fato�de�não�haver�em�seus�versos�rimas�de�palavras�cognatas.�O�segundo,�por�colocar,�sob� o�título�dos�poemas,�a�declaração�entre�aspas:�“Obrigado�à�consoante�de�apoio.”30�� Contra�esse�retoricismo,�essa�vaidade�arrogante�dos�parnasianos,�recorre�Bandeira,�a�exemplo�do� “sapoͲcururu”,�distanciado�de�toda�aquela�disputa,�à�simplicidade,�à�humildade�poética,�procurando�extrair� dos� elementos�mais� simples� do� dia� a� dia,� seja� em� termos� de� linguagem,� seja� em� termos� de� conteúdo,� material�para�sua�poesia.�Daí�a�insistente�defesa�da� linguagem�do�povo,�da�sua�forma�de�ser,�(�A�vida�não� me�chegava�pelos�jornais�nem�pelos�livros/�Vinha�da�boca�do�povo�na�língua�errada�do�povo/�Língua�certa� do� povo/� Porque� ele� é� que� fala� gostoso� o� português� do� Brasil� ...In:� Evocação� do� Recife);� a� rejeição� do� retoricismo,�do�engessamento�poético�(Quero�antes�o�lirismo�dos�loucos/�O�lirismo�dos�bêbados/�O�lirismo� difícil� e� pungente� dos� bêbados/� O� lirismo� dos� clowns� de� Shakespeare.� In:� Poética.);� a� crítica� ao� aristocratismo�poético,�por�acreditar�que�“a�poesia�está�em� tudo�–� tanto�nos�amores�como�nos�chinelos,� tanto� nas� coisas� lógicas� como� nas� disparatadas.”� Fazem�parte�dos� seus� textos� cantigas�de� roda,� trovas� populares,�enfim,�tudo�que�se�relaciona�com�a�cultura�viva�do�povo.�� Embora�seu� ingresso�na� literatura� tenha�se�dado�via�parnasianismo,�mesmo�sem�dele�desligarͲse� inteiramente,�percebeu�não�ser�esse,�pelas� limitações�que� impunha�à�criação�artística,�o�melhor�caminho� para� chegar� à� poesia� propriamente� dita,� a� qual� necessitava,� antes� de� tudo,� de� liberdade� de� expressão.� Motivo�pelo�qual�adere�às�defesas�do�verso�livre,�da�rima�livre,�do�ritmo�livre,�da�palavra�livre.� Para�ele,�“no�verso� livre�autêntico,�o�metro�deve�estar�de� tal�modo�esquecido�que�o�alexandrino� mais�ortodoxo�funcione�dentro�dele�sem�virtude�de�verso�medido.”31� Contrariando�a�visão�tecnicista�do�parnasianismo,�valoriza�a�rima�pobre,�por�considerar�que�“�a�boa� rima�é�a�que� traz�ao�ouvido�uma�sensação�de�surpresa,�mas�surpresa�nascida�não�da�raridade,�senão�de� uma�espécie�de�resolução�musical...”32�Aliás,�musicalidade�é�outro�aspecto�poético�bastante�valorizado�por� Bandeira� e� que� assoma� à� sua� poesia� através� das� aliterações,� das� assonâncias� e� do� que� ele� chama� de� “ressonâncias�anteriores�e�posteriores”�provocadas�pelos�fonemas.��� Como�vemos,�a�concepção�poética�de�Bandeira� se�encontra�em�perfeita�consonância�com�o�que� pensam� os� outros� dois� grandes� nomes� do� modernismo:� Mário� e� Oswald� de� Andrade,� cujas� poéticas� comentaremos�a�seguir.� Antes,�porém,�vale�a�pena�registrar�o�comentário�de�José�Guilherme�Merquior�acerca�dessa�tríade� modernista.�Diz�ele:� �Nossa�poesia�modernista�teve�um�batedor,�um�mentor�e�uma�fonte.�O�batedor�se�chamava�Oswald�de�Andrade.�O�mentor,�Mário�de�Andrade.�Bandeira�foi�a�fonte.�“Todos�bebemos�no�teu�canto”,�dele�disse� Murilo� Mendes,� outro� modernista� com� quem� privei.� É� que� Bandeira,� mais� moderno� que� modernista,� 30�Cf.�BANDEIRA,�Manuel.�Itinerário�de�Pasárgada.�3.�ed.�Rio�de�Janeiro:�Editora�do�Autor,�1966,�p.�59.� 31�Idem.�Ibidem,�p.�39� 32�Idem.�Ibidem,�p.�34.� chegara�ma literária:�a�e verso�simbo � � � � A poética � 33�MERQUIOR, Manuel�Bande 357.� 34�Poema�de�M crítica�de�Dilei Agora com você LETRAS�|�17 ais� espontan expressivida olista. 33� a de Mário ,�José�Guilherm eira.�1986Ͳ1988 Mário�de�Andra ia�Zanotto�Man Leia a�é� m� ê 74� neamente�pe de�simples�e o de Andra OS CORTEJ Monotonia Serpentina Todos os se Horríveis a Vaidades e Nada de a Oh! Os tum Paulicéia – e os jorros de pus e d Giram hom Serpentina Estes home todos igua quando viv parecem-m me.�Manuel�Ban 8.�Niterói:��Socie de,�extraído�do nfio.�Belo�Horizo a�sobre�a�Sem ela� via�do� si e�direta,�desp ade JOS as das minha as de entes fr sempres das m as cidades! e mais vaida asas! Nada d multuários da – a grande bo s dentre a líng de mais pus d mens fracos, as de entes fr ens de São Pa ais e desiguai ivem dentro d me uns macac ndeira:�a�fonte�d edade�Sousa�da o�livro�Paulicéia onte�:�Itatiaia;�S mana�de�Arte imples�despo pida�da�pom as retinas... rementes a se minhas visõe ades... de poesia! Na as ausências! boca de mil de ngua trissulca de distinção... baixos, mag rementes a se Paulo, is, dos meus olho acos, uns mac de�todos.�In:�CA a�Silveira;�Rio�d a�Desvairada.�In São�Paulo:��Edit e�Moderna. ojamento�ao mpa�verbal�pa e desenrolar. es! “Bom gior ada de alegri ! dentes; a . gros... e desenrolar. hos tão ricos, cacos.34 ARVALHO�E�SILV e�Janeiro:�Mon n:�ANDRADE,�M tora�da�Univers o� resultado� arnasiana�e� ... rno, caro”. ria! ... VA,�Maximiano. teiro�Aranha:�P ário�de.�In:�___ idade�de�São�Pa querido�pela da�rica�orqu .�(Org.)�Homena Presença�Ediçõe ___�Poesias�Com aulo,�1987,�p.�8 a� renovação uestração�do � agem�a� es,�1989,�p.� mpletas.�Edição 84.�� o� o� o� LETRAS�|��175� Participante�ativo�da�Semana�de�Arte�Moderna,�Mário�de�Andrade�foi,�ao�lado�de�Manuel�Bandeira� e� Oswald� de� Andrade,� um� dos� maiores� nomes� do� modernismo� brasileiro.� Além� de� músico,� poeta,� romancista,�contista,�crítico,�foi�também�um�grande�estudioso�do�nosso�folclore,�das�nossas�manifestações� populares.�� No�mesmo�ano�da�Semana,�1922,�Mário,�lança,�bem�à�maneira�livre�e�irreverente,�defendida�pelos� modernistas,� o� livro� de� poemas� intitulado� Paulicéia� Desvairada,� precedido� de� um� prefácio,� intitulado� Prefácio� Interessantíssimo,� onde� expõe� suas� idéias� sobre� poesia,� revelando,� assim,� já� nessa� obra,� uma� coerência�entre�concepção�e��práxis�poética.�� Logo� no� início� do� prefácio,� fica� evidenciado,� através� do� discurso� irônico� da� dedicatória� abaixo� transcrita,�a�postura�antiacadêmica�que�presidirá�não�apenas�o�prefácio,�mas�toda�a�obra,�no�concernente�à� rejeição�a�padrões,�a�escolas�literárias.� � A MÁRIO DE ANDRADE Mestre querido, Nas muitas horas breves que me fizestes ganhar a vosso lado dizíeis da vossa confiança pela arte livre e sincera... Não de mim, mas de vossa experiência recebi a coragem da minha Verdade e o orgulho do meu Ideal. Permiti-me que ora vos oferte este livro que de vós me veio. Prouvera Deus! Nunca vos perturbe a dúvida feroz de Adriano Sixte... Mas não sei, mestre, se me perdoareis a distância Mediada entre estes poemas e vossas altíssimas Lições... Recebei no vosso perdão o esforço do escolhido por vós para único discípulo; daquele que neste momento de martírio muito a medo inda vos chama o seu Guia, o seu Mestre, o seu Senhor. Mário de Andrade 14 de dezembro de 1921 S. PAULO ObserveͲse�que�a�dedicatória�é�dele�para�ele�mesmo,� ressaltando�assim�uma�atitude�não�vazada� nas� ideias�alheias,� conforme�ainda� reiteram�os�possessivos�empregados�em�primeira�pessoa.�RegistreͲse� também�que�tudo�gira�em�torno�de�uma�“arte�livre�e�sincera.”� LETRAS�|�176� Outros�pontos�do�Prefácio�que�merecem�destaque�dizem� respeito� à� valorização�do�HUMOR,�da� BLAGUE,�da�BRINCADEIRA,�aos�quais�os�modernistas�tanto�recorrem,�por�acreditarem�na�força�destruidora� do�riso.�Para�Mário�de�Andrade,�a�BRINCADEIRA,�conforme�observa�em�A�Escrava�que�não�é� Isaura,�obra� publicada� em� 1925,� por� meio� da� qual� apresenta� de� forma� mais� aprofundada� e� ampliada� suas� ideias� estéticas,�entre�outros�benefícios,�traz�o�de�irritar�até�a�explosão�os�passadistas.”35�PronunciandoͲse�sobre�a� sátira,� que� é� uma� outra� forma� de� riso,� Oswald� de� Andrade� afirma� que� “� a� sátira� é� sempre� a� defesa� individual�ou�social�contra�a�opressão,�o�enfatuamento�e�as�usurpações�de�qualquer�espécie.”36�� Como�vemos,�o�riso�é,�pois,�uma�arma�eficaz�para�pôr�fim�a�ditadura�da�normatização,�dos�padrões� impostos,�do�convencionalismo.� Lembrando�os�surrealistas�que�preconizam�jogar�no�papel�tudo�o�que�vem�do�inconsciente,�Mário,� ao�falar�sobre�a�criação�poética,�valoriza�a�“impulsão�lírica”,�dizendo�“escrevo�sem�pensar�tudo�o�que�meu� inconsciente�me�grita.”37�Porém,�distanciandoͲse�dos�surrealistas,�fala�da�necessidade�de,�posteriormente,� pensar,� corrigir,� uma� vez� que� para� ele� a� arte� consiste� em� “mondar�mais� tarde� o� poema� de� repetições� fastientas,�de�sentimentalidades�românticas,�de�pormenores�inúteis�ou�inexpressivos.”38� Daí�por�que�em�a�Escrava�que�não�é�Isaura,�fazendo�ressalvas�à�fórmula�criada�pelo�poeta�francês� Paul�Dermée�para�simbolizar�a�poesia�que�consistia�em�Lirismo�+�arte�=�poesia,�Mário,�visando�a�uma�maior� precisão,�a�reelabora�para�Lirismo�puro�+�Crítica�+�Palavra�=�Poesia.�Isto�porque�para�ele,�Paul�Dermée,�ao� utilizar�o� termo�arte�no� lugar�de�crítica,�não�deixa�claro�o� trabalho�estético�que�o�poeta�deve� ter�com�a� elaboração�do�seu�texto.�Além�disso,�para�Mário,�Paul�Dermée�também�falhou�por�não�fazer�referência�à� matéria�prima�da�poesia�–�a�palavra�–��sem�a�qual�a�soma�obtida�não�teria�como�resultado�a�poesia,�mas,� sim,�as�belasͲartes.� �Outro�ponto� interessante�do�Prefácio�diz� respeito�à� contestação�que�Mário� faz�ao� futurismo�de� Marinetti,�afirmando� “Não� sou� futurista� (de�Marinetti)”� 39�E�uma�das� razões�de�assim� se� colocar�é�que,� diferentemente�dos� futuristas,�Mário� reconhece�a� importância�do�Passado.�Para�ele,� “O�passado�é� lição� para�se�meditar�e�não�para�reproduzir”40�Aliás,�em�artigo�que�escreve�no�nº�3�da�revista�Klaxon,� falando� sobre�os�pontos�que�discorda�de�Marinetti,�reitera�o�que�registra�no�Prefácio,�afirmando:�“Respeitamos�o� passado�sem�o�qual�KLAXON�não�seria�KLAXON.”41� 35�ANDRADE,�Mário�de.�A�escrava�que�não�é�Isaura.�In:�_____�Obra�Imatura.�3.�ed.�São�Paulo:�Martins;�Belo�Horizonte:�Itatiaia,� 1980,�p.�231� 36�ANDRADE,�Oswald�de.�A�sátira�na�literatura�brasileira.�In:�_____�Estética�e�política.�São�Paulo:�Globo,�1922,�p.�82.���������������������������������������������������������� 37�ANDRADE,�Mário�de.�Prefácio�Interessantíssimo.�In:�_____�Poesias�Completas.�Edição�Crítica�de�Diléia�Zanotto�Manfio.�Belo� Horizonte:�Itatiaia;�São�Paulo:�Editora�da�Universidade�de�são�Paulo,�1987,�p.�59� 38�Idem.�Ibidem.,�p.�63.� 39�Idem.�Ibidem,�p.�61.� 40�Idem.�Ibidem.,�p.�75� 41�ANDRADE,�Mário�de.�O�Homenzinho�que�não�pensou.�In:�KLAXON.�Mensário�de�Arte�Moderna.São�Paulo,��Julho�de�1922,�nº�3,� p.10.�� LETRAS�|��177� Teorizando�sobre�o�Belo�artístico,�Mário�de�Andrade�estabelece�no�Prefácio�a�distinção�entre�o�Belo� da�Natureza�e�o�Belo�da�Arte,�para� assinalar�que�este�último,�diferentemente�do�primeiro,�é�arbitrário,�convencional�e�transitório,�contrariando,�desse�modo,�a�visão�clássica�da� imutabilidade�do�belo�artístico�e� do�caráter�mimético�da�arte.�Para�ele:� Todos� os� grandes� artistas,� ora� consciente� (Rafael� das� madonas,� Rodin� do� Balzac,� Beethoven� da� Pastoral,�Machado�de�Assis�do�Brás�Cubas),�ora�inconscientemente�(a�grande�maioria)�foram�deformadores� da�natureza.�Donde�infiro�que�o�belo�artístico�será�tanto�mais�artístico,�tanto�mais�subjetivo�quanto�mais�se� afastar�do�belo�natural”.42� Nessa� linha�de�ruptura�com�o�tradicional,�merece�também�destaque�a�visão�de�Mário�de�Andrade� relacionada� ao� assunto�poético,�bem� como� ao�que� confere�modernidade� à� literatura.�Questões�por� ele� abordadas� tanto�no�Prefácio�como�em�A�Escrava�que�não�é� Isaura.�Segundo�ele,�“o�assunto�poético�é�a� conclusão�mais�antiͲpsicológica�que�existe./.../�Pode�nascer�de�uma� réstia�de�cebolas�como�de�um�amor� perdido.”43Com� isso,�na�verdade,�o�que�Mário�quer� sublinhar�é�que�o�poético�advém� �da� forma�como�o� assunto� é� trabalhado.� Essa� � ênfase� na� elaboração� estética� norteia� também� a� sua� concepção� de� modernidade,�conforme�podeͲse�ver�na�afirmação�abaixo:�� � Escrever�arte�moderna�não�significa�jamais�para�mim�representar�a�vida�atual�no�que�tem� de�exterior:�automóveis,�cinema,�asfalto�.�Si�(sic)�estas�palavras�requentamͲme�o�livro�não� porque�pense�com�elas�escrever�moderno,�mas�porque�sendo�meu�livro�moderno,�elas�têm� nele�sua�razão�de�ser.44� � O�alicerce�básico�dessa�modernidade�artística� reside�na�LIBERDADE�DE�EXPRESSÃO.�Na� recusa�às� normas�premeditadas�pelos� limites�a�que�expõe�a�criação,�submetendo�o�poeta�a�um�verdadeiro� leito�de� Procusto,45�pois�se�a�sua�ideia�não�cabia�dentro�da�metrificação�estabelecida,�ela�iria�sofrer�ou�um�processo� de�alongamento�ou�uma�mutilação�para�se�inserir�na�norma.�Vejamos�como�ilustração�o�trecho�do�Prefácio� em�que�Mário�se�expressa�sobre�isso:�“�Não�acho�mais�graça�nenhuma�nisso�da�gente�submeter�comoções� a�um�leito�de�Procusto�para�que�obtenham�em�ritmo�convencional,�número�convencional�de�sílabas.”46� Portanto,�VERSO�LIVRE,�RIMA�LIVRE,�RITMO�LIVRE,�VITÓRIA�DO�DICIONÁRIO�é�o�que�Mário�defende,� em� termos� técnicos,�para� a� elaboração�da�nova�poesia.�Vale,� entretanto,� frisar�que� isso�não� significa� o� abandono� total� das� métricas� existentes.� O� fundamental� consiste� em� que� elas� não� mais� se� colocam� premeditadamente,�mas�pode�ser�utilizada,�caso�o�que�se�quer�dizer� fica�melhor�dentro�de�determinada� métrica�ou�determinada�rima.�Essa�é�a�grande�diferença!�Como�diz�Mário,�“O�verso�continua�a�existir.�Mas� 42�Idem.Ibidem.�p.65� 43�ANDRADE,�Mário.�A�escrava�que�não�é�Isaura,�p.�208� 44�_____�Prefácio�Interessantíssimo,�p.�74.� 45�Leito�de�Procusto�era�uma�cama�de�tortura,�na�qual�as�pessoas�eram�colocadas.�Se�eram�menores�que�a�cama�eram�submetidos�a� um�doloroso�estiramento;�se�eram�maiores,�tinham�seus�membros�amputados.� 46�ANDRADE,�Mário.�Op.�Cit.,�p.�66.� correspond sendo�a�rim sublinha�é�q Já�a Ou�seja,�as� composta�d livro� Paulic referência�a seus� conhe melódico.�H mas�harmo a�uma� simu estrutura�gr ideias.�Eis�u � � ObserveͲse� verso� harm sugerido� po “substituiçã da�poesia�m Outros�pon da�língua�br � � 47�ANDRADE,�M 48�Idem.�Ibidem Agora com você LETRAS�|�17 e� aos� dinam ma,�como�se que�a�rima�liv a�vitória�do�d palavras�nã de�sujeito,�ve ceia� Desvaira a�esse�verso� ecimentos�m Harmônico�é nias.”�Embo ultaneidade� ramatical�qu m�exemplo�d que�a�comp mônico,� o� qu or� aquele� c ão�da�ordem moderna.�� tos�defendid rasileira,�por Mário.�A�Escrav m.,�p�229� Leia sua a�é� m� ê 78� mismos� inte �sabe,�uma� vre�é�“�variad dicionário�re ão�surgem�m erbo�e�predi ada:� “Arrou no�Prefácio� musicais� (Már �aquele�cons ra�preservem de� idéias.�O ue�remete�pa desse�tipo�de “Mnezaret Comparece Do Aéropa preensão�des ual� demanda conjunto� de �intelectual� dos�por�Mári r�ele�conside va�que�não�é�Isa a�o�Prefácio�I a�autoria. eriores,� brot identidade�s da,�imprevist eside�na�poss mais�no� texto cado,�como� bos...� Lutas. para�ilustra rio� era� profe stituído�de�p m�o�seu�sent O�verso�meló ara�um�pens e�verso,�dad te, a divina, a ce ante a aust ago supremo sse�verso�é�fa ará� um� exer � palavras.� O pela�ordem�s io�em�termo rada�“das�m aura,�p.�228� nteressantíss ados� sem� p sonora,�ela� t ta,�irregular, sibilidade�da o�poético�pr se�pode�ver ...� � Seta...� C r�a�teoria�po essor� de�mú palavras�solta tido�particula ódico,�por� su amento�inte o�pelo�própr a pálida Phy tera e rígida o...” acilitada�pela rcício� menta Ocorre,� pois subconscien os�ideoͲestét ais�ricas�e�so simo�de�Mári preestabelec também�sem ,�muitas�veze ada�à�palavra esas�a�uma� r�no�verso�ab Cantigas...� P or�ele�criada� úsica),� ele� c as,�sobrepos ar,�ao�se�sob ua�vez,� seria eligível,�não�d rio�Mário�no� ynea assembléia a�logicidade� l� por� parte� s,� no� verso� te”�e,�ainda, icos�dizem�r onoras”.� io�de�Andrad cimento� de� mpre�existiu� es�ocorrendo a�de�se�libert construção� baixo,�do�poe Povoar!”� Ass de�verso�ha lassifica� os� v stas,�“forman breporem�um a�aquele� con dando�marg Prefácio:�� da�construç do� leitor� pa harmônico, ,�rapidez�e�sí espeito�à�va e�e�outros�po métrica� qua e�existirá.�O o�no�interior� tar�da�“rond fraseológica ema�Tietê,�c sinaleͲse� que armônico.�Va versos� em� h ndo,�não�ma mas�às�outras nstruído�den em�à�simulta ção,�o�que�nã ara� captar� o ,� o� que� Má íntese,�traço alorização�do oemas�de� alquer.”47� E, O�que�Mário do�verso.”48 da�sintática”. � tradicional, onstante�do e� Mário� faz alendoͲse�de harmônico� e ais�melodias, s,�nos�levam ntro�de�uma aneidade�de ão�ocorre�no o� significado ário� fala� de os�marcantes o�cotidiano�e � ,� o� 8� .� ,� o� z� e� e� ,� m� a� e� o� o� e� s� e� LETRAS�|��179� A poética de Oswald de Andrade � � PRONOMINAIS Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro49 � Bem�mais�irreverente�e�polêmico�do�que�Mário�de�Andrade,�mas�tão�importante�quanto�este,�para� implementação� das� novas� propostas� poéticas,�Oswald� de�Andrade� é� o� responsável� pelos�Manifesto� da� Poesia�PauͲBrasil,�lançado�em�março�de�1924,�e�Manifesto�Antropófago,�lançado�em�maio�de�1928.�� Através�deles,�lança�Oswald�de�Andrade�o�seu�protesto�contra�o�elitismo,�o�pseudoͲintelectualismo,� o�academicismo�que�nos�mantinham�ainda�bastante�aprisionados,�estética�e�ideologicamente,�às�heranças� sócio/político/culturais�colonizadoras.�� Como�bem�o�assinala�Haroldo�de�Campos,� � O�Brasil� intelectual�das�primeiras�décadas�deste� século,� em� torno�à� Semana�de�22,� era� ainda� um� Brasil� trabalhado� pelos� “mitos� do� bem� dizer”� (Mário� da� Silva� Brito,� no� qual� imperava� o� “patriotismo� ornamental”� (Antonio� Candido),� da� retórica� tribunícia,� contraparte� de� um� regime� oligárquicoͲpatriarcal,� que� persiste� República� adentro.� Rui� Barbosa,�“a�águia�de�Haia”;�Coelho�neto,�“o�último�heleno”;�Olavo�Bilac,�“o�príncipe�dos� poetas”eram�os� deuses� incontestes� de� um�Olimpo� oficial,� no� qual�o� Pégaso�parnasiano� arrastava� seu� pesado� caparazão� metrificante� e� a� riqueza� vocabular� (entendida� num� sentido� meramente� cumulativo)� era� uma� espécie� de� termômetro� da� consciência� ilustrada.” 50� � Tendo�como�objetivo�primeiro�de�suas�propostas�a�consolidação�da� identidade�brasileira,�a�nossa� independência� cultural,� as� propostas� dos� manifestos� oswaldianos� voltamͲse� para� as�nossas� raízes,� buscando�delas�extrair�a�seiva�básica�da�nossa�brasilidade.� 49�Poema�de�Oswald�de�Andrade,�extraído�do�livro�PauͲBrasil,�p.�120� 50�CAMPOS,�Haroldo.�Uma�poética�da�radicalidade.�In:�ANDRADE,�Oswald.�PauͲBrasil.�3.�ed.�São�Paulo:�Globo�;�Secretaria�de�Estado� da�Cultura,�1990,�p.�8.� LETRAS�|�180� Ao� nomear� seu� primeiro� manifesto� de� Manifesto� da� Poesia� PauͲBrasil,� Oswald� de� Andrade� vai� buscar,�naquela�que�foi�a�primeira�matériaͲprima�brasileira�de�exportação,�uma�metáfora�para�sintetizar�a� ideia�central�de�seu�texto,�que�é�a�de�criação�de�uma�poesia�verdadeiramente�brasileira,�uma�poesia�que� não�seja�mais�de�importação,�mas,�sim,�de�exportação.�Uma�poesia�liberta�de�vez�dos�“cipós�maliciosos�da� sabedoria”,�das�“lianas�da�saudade�universitária”,�conforme�exorta�no�referido�manifesto.�Ou�seja,� liberta� de�vez�do�academicismo�que�a�aprisiona.�� Em�contraposição�a�esse�academicismo,�Oswald�de�Andrade�inicia�seu�texto�se�colocando�contra�o� assunto�poético,�defendendo�que�� � “A�poesia�existe�nos�fatos.�Os�casebres�de�açafrão�e�de�ocre�nos�verdes�da�Favela,�sob�o� azul�cabralino,�são�fatos�estéticos.� O�Carnaval�no�Rio�é�o�acontecimento�religioso�da�raça.�PauͲBrasil.�Wagner�submerge�ante� os� cordões� de� Botafogo.� Bárbaro� e� nosso.� A� formação� étnica� rica.� Riqueza� vegetal.� O� minério.�A�cozinha.�O�vatapá,�o�ouro�e�a�dança.�”.51� � �ObserveͲse� que,� ao� se� contrapor� à� visão� poética� elitista,� Oswald,� ao� mesmo� tempo,� ressalta� a� valorização�da�realidade�brasileira,�sublinhando�a�nossa�riqueza�cultural,�mineral,�vegetal.�� A�crítica�aos�“mitos�do�bem�dizer”,�à�“retórica�tribunícia”,�ao�“helenismo�literário”,�ao�“tecnicismo� parnasiano”,� ao� “mimetismo� naturalista”,� ao� “eruditismo� da� linguagem”� emerge� de� forma� irônica� e� contundente�do�Manifesto�PauͲBrasil,�em�passagens�como�estas:� �x Toda�a�história�bandeirante�e�a�história�comercial�do�Brasil.�O� lado�doutor,�o� lado�citações,�o� lado�autores� conhecidos.�Comovente.�Rui�Barbosa:�uma�cartola�na�Senegâmbia.�Tudo� revertendo�em� riqueza.�A� riqueza� dos�bailes�e�das�frases�feitas.�Negras�de�jockey.�Odaliscas�no�Catumbi.�Falar�difícil.”52� �x Houve� um� fenômeno� de� democratização� estética� nas� cinco� partes� sábias� do� mundo.� InstituíraͲse� o� naturalismo.� Copiar.� Quadro� de� carneiro� que� não� fosse� lã� mesmo,� não� prestava.� A� interpretação� no� dicionário�oral�das�escolas�de�Belas�Artes�querida�dizer�reproduzir�igualzinho...� ................................................................................................................................� Só�não�se�inventou�uma�máquina�de�fazer�versos�Ͳ�já�havia�o�poeta�parnasiano.53� � Em� contraposição�a�essa� concepção� ideológica�e�estética,�Oswald�de�Andrade�vai�defender�uma� poesia� vazada� na� linguagem� do� povo,� na� “língua� sem� arcaísmo,� sem� erudição.� Natural� e� neológica.� A� contribuição� milionária� de� todos� os� erros.� Como� falamos.� Como� somos.”� Uma� língua,� portanto,� sem� artificialismo,�que�expressasse�nossa�maneira�de�ser;�defende,�ainda,�para�a�poesia�pauͲbrasil,�em�reação�à� cópia,�ao�retoricismo,�ao�mecanicismo�das�estéticas�em�vigor,�a�síntese,�a�invenção,�a�surpresa,�o�equilíbrio� 51�ANDRADE,�Oswald.�Manifesto�da�Poesia�PauͲBrasil.�In:�_____�Do�PauͲBrasil�à�Antropofagia�e�às�Utopias.�2.�ed.�Rio�de�Janeiro:� Civilização�Brasileira,�1978,�p.�5� 52�Idem.�Ibidem.� 53�Idem.�Ibidem.�p,�7� LETRAS�|��181� geômetro,�o�acabamento� técnico,�uma�nova�perspectiva�e�uma�nova�escala.�Ou� seja,�que�a�nova�poesia� brasileira,� em� consonância� com� a� modernidade,� assuma� também� uma� feição� concisa,� criativa� e� provocadora.�� VoltarͲse�para�as�raízes,�como�se�sabe,�é�voltarͲse�para�o�passado.�É�olhar�para�um�tempo�anterior� ao�que�se�vive,�para�melhor�compreender�o�presente�e�construir�o�futuro.�Como�Mário�de�Andrade,�Oswald� também� reconhece�e�valoriza�a� contribuição�do�passado.�Sua�proposta�de�“acertar�o� relógio� império�da� literatura� nacional”,� ou� seja,� de� adequar� a� arte� ao� novo� ritmo� da� vida,� modificado� pelos� avanços� tecnológicos,�passa�,não�pela�rejeição�do�passado,�como�o�queria�Marinetti,�mas�pela�fusão�do�passado�e� do�presente,�do�primitivo�e�do�civilizado,�da� tradição�e�da�modernidade,�conforme�o�ratifica�a�passagem� abaixo,�extraída�do�referido�Manifesto:� � Temos� a� base� dupla� e� presente� –� a� floresta� e� a� escola.� A� raça� crédula� e� dualista� e� a� geometria,�a�álgebra�e�a�química� logo�depois�da�mamadeira�e�do�chá�de�ervaͲdoce.�Um� misto�de�“dorme�nenê�que�o�bicho�vem�pegá”�e�de�equações�.� Uma� visão� que� bata� nos� cilindros� dos� moinhos,� nas� turbinas� elétricas,� nas� usinas� produtoras,�nas�questões�cambiais,�sem�perder�de�vista�o�Museu�Nacional.�PauͲBrasil.”54� � Uma� visão,� porém,� liberta� de� qualquer� fórmula,� que� permita� ver� com� os� olhos� livres� a� contemporânea�expressão�do�mundo.� É�com�esse�olhar�livre�que�Oswald�de�Andrade�se�volta�não�apenas�para�a�literatura,�mas�para�toda� manifestação�sócio/cultural/brasileira�no�Manifesto�Antropófago,�por�meio�do�qual,�de� forma�ainda�mais� ferrenha�e�satírica,�critica�nossa�dependência�cultural,�se�colocando,�como�bem�o�observa�Benedito�Nunes,� contra�“o�aparelhamento�colonial�políticoͲreligioso�repressivo�sob�que�se�formou�a�civilização�brasileira,�a� sociedade�patriarcal�com�seus�padrões�morais�de�conduta,�as�suas�esperanças�messiânicas,�a�retórica�de� sua� intelectualidade,�que� imitou�a�metrópole�e�se�curvou�ao�estrangeiro,�o� indianismo�como�sublimação� das�frustrações�do�colonizado,�que�imitou�atitudes�do�colonizador.”�55� Para� Oswald,� a� conquista� da� nossa� autonomia� cultural� implicava� a� reabilitação� do� índio� não� catequizado�e�do�seu�extraordinário�espírito�edênico.�“Tupi�or�not�tupi,�that�is�the�question”�(Ser�ou�não�ser� tupi,� eis� a� questão),� proclama� Oswald� no� mencionado� Manifesto,� conclamandoͲnos� a� retomar� a� nossa� brasilidade,�através�do�retorno�simbólico�ao�mundo�primitivo,�pois,�segundo�ele,�“antes�dos�Portugueses� descobrirem�o�Brasil,�o�Brasil�tinha�descoberto�a�felicidade.”56�� Além�disso,�era�preciso�dar� vez�e� voz� àqueles�que� foram� alijados�da�história� Ͳ� índios�e�negros� Ͳ� através�do�desrecalcamento�da� sua�cultura,�abafada�pela� cultura�colonizadora,� retornando,�para� isso,�às� fontes�primitivas.�Razão�pela�qual�uma�das�suas�propostas�fundamentais�reside�na�“transformação�do�tabu� 54�Idem.�Ibidem.,�p.�9� 55�NUNES,�Benedito.�Antropofagia�ao�alcance�de�todos.�In:�ANDRADE,�Oswald.�Op.�Cit.�p.�XXV.� 56�ANDRADE,�Oswald.�Manifesto�Antropófago.�In:�_____�Op.�Cit.,�p.�18.� LETRAS�|�182� em�totem”,�ou�seja,�na�transformação�do�que�era�proibido,�negado,�por�ser�considerado�impuro,�não�digno,� em�algo�permitido�e,�mais�do�que� isso,�valorizado,� sacralizado.�O�que,�na�verdade,�dentro�da� sociedade� brasileira,�relacionavaͲse�com�as�manifestações�culturais�indígenas�e�africanas.�Em�contrapartida,�realizaͲse� a�operação�inversa�de�dessacralização�do�que�até�então�surgia�como�sacralizado�no�nosso�meio�cultural,�a� exemplo�da�moral� cristã,�dos� costumes�europeus,�da�dominação�estrangeira,�do� índio�europeizado�e�de� figuras� emblemáticas�da� cultura�dominante.�Por� isso�que�para� seu� criador,� a�Antropofagia� é� ao�mesmo� tempo:� “culto� à�estética� instintiva�da�Terra�Nova�e� “redução� a� cacarecos�dos� ídolos� importados,�para� a� ascensão�dos�totens�raciais.”57� �Vejamos,�a�título�de� ilustração,�algumas�passagens�do�Manifesto,�confirmadoras�dessa�subversão� cultural,�visada�pela�Antropofagia.��x Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar. x Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós, a Europa não teria sequer
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