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99 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL Unidade III Compreender a atual bagagem teórica do Serviço Social é fundamental a nós, profissionais e futuros profissionais. Para isso, precisamos voltar a um dos momentos fundamentais de nossa história profissional. Esse momento foi o Movimento de Reconceituação do Serviço Social, que aconteceu na América Latina e teve grande expressão no Brasil. Por que esse entendimento é tão necessário? Porque entender a atual constituição do Serviço Social requer compreender o seu desenvolvimento histórico e social. Assim sendo, convidamos o aluno a olhar a profissão e a sua história, buscando delas extrair explicações para sua organização contemporânea e projetando perspectivas para o seu futuro. Evento do Serviço Social da Região Norte é realizado em Palmas Delegações dos Conselhos Regionais de Serviço Social (Cresses) dos sete Estados da Região Norte e representantes do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) participaram do Encontro Descentralizado, sediado em Palmas. Tal evento teve o intuito de elencar e analisar propostas da região em um momento preparatório para o 46º Encontro Nacional CFESS/Cress, que acontecerá de 7 a 10 de setembro, em Brasília. A iniciativa foi promovida pelo Conselho Regional de Serviço Social (Cress/TO) com o apoio do Cfess. A ação foi realizada no auditório do Victoria Plaza Hotel. A cerimônia de abertura contou com a participação da vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Região Norte (ABEPSS), Bruna Irineu, o representante da Executiva Nacional de Serviço Social (Enesso), Willy Cardoso, a representante do Conselho Federal de Serviço Social, Jane Nagaoka e a conselheira do Cress/TO, Cliseuda da Silva. O Encontro Descentralizado é realizado anualmente em todas as regiões do Brasil, e a cada edição é sediado por um dos Conselhos. Durante o evento, os profissionais discutiram e analisaram propostas em sete eixos de Discussão (Eixo Gestão Administrativo Financeiro; Eixo Comunicação; Eixo Fiscalização e Orientação do Exercício Profissional; Eixo Formação Profissional; Eixo da Seguridade Social; Eixo Ética e Direitos Humanos; Eixo Relações Internacionais). Os participantes avaliaram as deliberações de cada eixo, proporcionando discussão e elaboração de novas propostas para serem levadas ao Encontro Nacional. Para a presidente do CFESS, Josiane Soares, são encontros importantes para preparar a agenda que vai ser executada no conjunto durante os próximos três anos, na dinâmica de cada região. «É momento de aproximação entre os Conselhos, de conhecimento das diferenças das realidades. É muito importante fortalecer estes eventos e nós do Conselho Federal de Serviço Social estamos muito contentes com o resultado do conjunto das 100 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 propostas que foram deliberadas aqui. Este Descentralizado foi um dos Encontros que mais conseguiu incorporar a dinâmica da nova metodologia, as questões que podemos priorizar, o que devemos atualizar nas bandeiras de luta do Serviço Social”, avaliou. Na oportunidade houve a mesa-redonda sobre a “Atual conjuntura, o cenário político, econômico e social do Brasil” com a participação da conselheira presidente do Cress/TO, Eutália Barbosa, e a representante do Cfess, Daniela Castilho. Durante a temática, a conselheira presidente do Cress/TO, Eutália Barbosa, ressaltou o cenário difícil de desmonte de direitos e a necessidade da classe trabalhadora resistir e reagir diante das contrarreformas que estão sendo impostas. “Os assistentes sociais precisam se reconhecer como parte da classe trabalhadora, pois estamos numa conjuntura que afetam não somente os usuários dos nossos serviços, como também a nós profissionais de Serviço Social, provavelmente nossos postos de trabalho desaparecerão porque e nossa profissão poderá ser desnecessária na barbárie. Eu acredito na nossa capacidade de resistência e no alinhamento junto à classe trabalhadora”, declarou. Fonte: Evento (2017) 9 O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina aconteceu em 1965 e perdurou aproximadamente até 1975. Foi um movimento que deflagrou a crise do Serviço Social tradicional e que propôs uma renovação para a profissão. O fim do movimento não significou, no entanto, a perda da reflexão crítica da categoria profissional, mas expressa apenas uma condição conjuntural da realidade daquele momento. O final dos anos 1970 – período em que a Reconceituação entrou em declínio, ao menos no que diz respeito ao movimento organizado –, corresponde à ascensão de uma série de regimes ditatoriais pela América Latina. Assim, como indica Ortiz (2010), os segmentos mais expressivos do movimento acabaram tendo algumas ações reprimidas, dada a organização política repressora adotada nos Estados. Podemos citar, como exemplo, a adoção da ditadura em países como Chile, Uruguai, Argentina, Bolívia e Brasil. Observação No Chile a ditadura foi iniciada em 1973 e perdurou até 1990. O presidente representante desse governo ditatorial foi o general Augusto Pinochet, que instituiu o governo ditatorial com apoio militar. A adesão a governos ditatoriais não enfraqueceu apenas o Movimento de Reconceituação do Serviço Social Latino Americano, mas também desarticulou muitos outros movimentos de reivindicação social. Esse foi um momento de profunda crise capitalista, da Guerra Fria e da ampliação das lutas sociais (NUNES, 2017). 101 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL Lopes (2016) chama a nossa atenção para a Revolução Cubana, em 1969, na qual tivemos a destituição do regime ditatorial cubano e o alcance do poder pelo então líder revolucionário Fidel Castro. Essa revolução é importante porque motivou o posicionamento dos Estados Unidos em torno da contenção de regimes revolucionários e fez com que países como Chile, Uruguai, Argentina, Bolívia e Brasil também ratificassem a ação americana, aderindo à ditadura e contrapondo-se a Cuba. Dessa forma, o exemplo cubano demonstra que há necessidade de contenção dos movimentos populares. As lutas sociais foram, no entanto, intensificadas no interior das universidades sob influência das Ciências Sociais. Os movimentos sociais não foram totalmente suprimidos, mas passaram a sofrer repressão estatal. Nesse sentido, os assistentes sociais deslocam as reivindicações para o interior das universidades, mas mantêm o posicionamento crítico que, ao final dos anos 1980, ia ser aceito por grande parte dos profissionais. Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre a ditadura na América Latina, assista o seguinte filme: COLÔNIA. Dir. Florian Gallenberger. Alemanha: Majestic Filmproduktion, 2015. 106 minutos. Nesse contexto de pura agitação política, de mudanças sociais e de crise econômica, os assistentes sociais começam a repensar a profissão e a realidade. Uma das críticas apontadas pelos profissionais da época, segundo Ortiz (2010), foi em relação à questão do subdesenvolvimento, que afetava a maioria dos países latino-americanos. Os profissionais passam a comparar o desenvolvimento econômico latino com o dos Estados Unidos, por exemplo, e passam a criticar os padrões econômicos distintos. Inicialmente, os profissionais não tinham ainda uma leitura crítica da realidade econômica, mas, com o tempo, o aporte ao marxismo possibilitou uma leitura mais consciente sobreo desenvolvimento econômico. A autora nos chama atenção para o fato de que o aporte às Ciências Sociais nos cursos de graduação da América Latina é uma das características que influenciaram na ampliação do senso crítico dos profissionais latino-americanos. Nesse período, anos 1960, temos a diminuição do aporte religioso como referência para os cursos de graduação em Serviço Social latino-americanos. Nesse sentido, o aporte a Ciências Sociais possibilitou o contato com teorias críticas, como o marxismo. Se, por um lado, as posições não foram hegemônicas, favorecendo o ecletismo no interior das categorias profissionais, por outro o diálogo com outras fontes do saber demonstrou ainda mais o quão defasado estava o embasamento dos profissionais. Antes de chegar à América Latina, o marxismo já vinha sendo difundido em centros de formação constituídos na América do Norte e na Europa Ocidental. Para Ortiz (2010), além do aporte às Ciências Sociais nos cursos de graduação de Serviço Social da América Latina, movimentos revolucionários e também as organizações estudantis foram importantes no sentido de ampliar a adesão ao marxismo pela profissão. Inicialmente, no entanto, houve uma “relação 102 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 instrumental” (2010, p. 164) com o marxismo, termo pelo qual designamos o fato de os assistentes sociais apenas usarem a teoria marxista para entender a realidade capitalista. A relação instrumental conduziu os profissionais em uma prática etapista, assentada na supremacia da metodologia, e não resultou, de imediato, na adoção de posturas político-partidárias dos profissionais. A autora ainda cita que o marxismo foi para alguns profissionais apenas um modismo profissional no qual os assistentes sociais não tinham plena noção de como concretizar o que era conhecido como marxismo. Iamamoto (2001, p. 165), por outro lado, indica que a apropriação marxista nos primeiros anos da Reconceituação latino-americana foi extremamente pontual e frágil. A autora no diz que: Em seus desdobramentos, especialmente a partir de 1971, este movimento representou as primeiras aproximações do Serviço Social à tradição marxista, haurida em manuais de divulgação do marxismo-leninismo, na vulgata soviética, em textos maoístas, no estruturalismo francês de Althusser, além de outras influências de menor porte. Registra-se, entretanto, a ausência de uma aproximação rigorosa aos textos de Marx. Ou seja, para ela, o próprio Marx esteve ausente no movimento latino e foi lido um marxismo que derivava das concepções de Althusser, por exemplo. No entanto, não foi um movimento hegemônico na categoria profissional. Muitos assistentes sociais da época permaneceram alheios ao que acontecia na profissão e vários outros se manifestaram totalmente contrários às mudanças. No entanto, entre erros e acertos, discrepâncias e inércia, tudo o que somos hoje provém desse momento em que paramos e pensamos sobre quem éramos e sobre quem queríamos ser como profissionais. Ainda que diante de inúmeras críticas, algumas fundadas, outras não, é inegável que mais importante que as lacunas, enganos ou críticas observadas na Reconceituação são as suas contribuições para a trajetória sócio-histórica do Serviço Social. A profissão não seria a mesma sem o seu legado, que se pode indicar no conjunto de seus desdobramentos (ORTIZ, 2010, p. 169). Dentre as contribuições alcançadas pelo Movimento de Reconceituação latino-americano, Nunes (2017) também destaca que foi a partir de então que os profissionais passaram a entender que no mundo temos duas classes sociais e que essas classes sociais são, por essência, antagônicas, contrapostas. Essa leitura foi possibilitada somente pela influência marxista na formação dos assistentes sociais, e passa a negar também a suposta neutralidade que era até então reivindicada por esses profissionais. Ao negar a neutralidade, consequentemente, passa a ser defendida a adesão a uma classe social, a uma categoria, ou seja, como nossas práticas não são neutras, é preciso se posicionar em favor de um projeto societário. Esse projeto societário representa os projetos que cada classe social possui e que defende como seu. Observação O termo projeto societário busca designar valores, ou seja, os objetivos que cada classe social possui. 103 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL No sentido em pauta, para profissionais acostumados à reprodução, a aceitar a doutrina da igreja e da classe burguesa, tão presente nas primeiras escolas latino-americanas, o Movimento de Reconceituação representa um divisor de águas para a nossa categoria profissional. Muitas vezes esse movimento só é estudado nos espaços destinados à graduação. Há poucas pesquisas sobre esse período, sobre a produção e a relevância dessa reflexão profissional. O evento “O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina/Os movimentos contestatários no Serviço Social europeu e norte-americano” foi sediado em Portugal, aconteceu em outubro de 2017, ou seja, um acontecimento contemporâneo que demonstra quão importante é refletir acerca desse momento profissional. Esses eventos não são tão comuns no Brasil, infelizmente, mas são necessários. O berço do surgimento do Movimento de Reconceituação latino-americano, no entanto, foi na Escola Alejandro Del Rio, criada em 1925 no Chile. Essa escola, a primeira criada na América Latina sob indicação do Estado, posteriormente passou a ser administrada pela Igreja Católica e trazia grande influência das posturas tradicionais. Na escola chilena, que foi referência para as outras escolas latino- americanas, os profissionais eram “ensinados” a “enquadrar” os trabalhadores, compreendendo-os como responsáveis pelos problemas sociais. A influência da Igreja Católica também era latente, e alguns dos profissionais defendiam o Serviço Social como um meio para recristianizar a sociedade. As primeiras escolas, como a do Chile, por exemplo, receberam a influência também das escolas norte-americanas, que forneceram a base técnica para a atuação profissional. Os métodos de caso, grupo e, mais tarde, de desenvolvimento de comunidade colaboraram, em um primeiro momento, para reforçar o entendimento do Serviço Social como um meio para a indução de comportamentos e para o controle da classe trabalhadora. No entanto, essa “incorporação teórico e metodológica” (NUNES, 2017, p. 3) conduziu os profissionais a repensar as questões do desenvolvimento nacional. A Reconceituação latino-americana veio de diversos processos, entre os quais podemos citar: • Vinculação dos cursos de graduação às Ciências Sociais e rompimento com a doutrina social da igreja, que, até então, era referência para os centros de formação. • Ampliação dos movimentos populares, incluindo os movimentos estudantis, que legitimaram, ainda mais, a necessidade de revisão profissional. • Aporte às técnicas diferenciadas de atuação profissional. Em primeiro lugar, a revisão crítica que se processa na fronteira das Ciências Sociais. Os insumos “científicos” de que historicamente se valia o Serviço Social e que forneciam a credibilidade “teórica” do seu fundamento com a chancela das disciplinas sociais acadêmicas viam-se questionados no seu próprio terreno de legitimação original [...]. O segundo vetor que intercorria no processo era o deslocamento sociopolítico de outras instituições, cujas vinculações com o Serviço Social são notórias: as Igrejas – a católica, em especial, e algumas confissões protestantes [...]. Finalmente last but not lest, o movimento estudantil: condensamente, ele reproduz,no molde particular 104 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 da contestação global característica da sua intervenção, todas as alterações que indicamos e as insere perturbadoramente no próprio locus privilegiado da categoria profissional (NETTO, 2009, p. 144-145 apud NUNES, 2017, p. 4). Lembrete As primeiras escolas de Serviço Social na América Latina recorriam à doutrina social da igreja para a formação dos profissionais. As requisições dos profissionais, ao defender o fim do tradicionalismo, requerem o fim do embasamento católico que aos poucos foi substituído pelas referências das Ciências Sociais. Nunes (2017) nos coloca que os Assistentes Sociais passam a criticar também práticas pragmáticas, sem reflexão e pensamento. Os profissionais, docentes em sua maioria, assim como os demais vinculados ao Movimento de Reconceituação ainda requisitavam que os métodos de ação estivessem mais ligados à realidade latina. Lopes (2016) nos indica que os Assistentes Sociais reclamavam que tanto a teoria, quando a metodologia de ação vinha transplantada da realidade americana e europeia, totalmente distinta da situação brasileira. Portanto, os críticos do Serviço Social tradicional propunham o rompimento com a Igreja Católica, o aporte a bases teóricas e a construção de uma metodologia que apresentasse correspondência com a realidade latina. Saiba mais Para saber mais, leia o artigo a seguir, que é extremamente válido para a discussão da relevância do Movimento de Reconceituação no Brasil: RIBEIRO, B. A.; SILVA, A. M. Da Institucionalização do Serviço Social na América Latina à inserção da questão social na agenda pública: reflexões sobre o Movimento de Reconceituação. Seminário América Latina: cultura, história e política, Uberlândia, 2015. Disponível em: <http://seminarioamericalatina.com.br/wp-content/uploads/2015/07/Da- institucionalização-do-Serviço-Social-na-América-Latina-à-inserção-da- Questão-Social-na-agenda-pública-reflexões-sobre-o-Movimento-de- Reconceituaç.pdf.> Acesso em: 9 mar. 2018. Dentre os eventos que podemos citar e que demonstram esse Movimento podemos citar o I Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social que foi sediado em Porto Alegre, no ano de 1965. Nesse evento as críticas ao tradicionalismo ganharam destaque. Outros Seminários aconteceram a partir de então com o mesmo objetivo, e, buscando ainda não apenas criticar o tradicionalismo, mas também imprimir um novo direcionamento para a profissão. Podemos citar como exemplos os seguintes: Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social do Uruguai (1966), Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social da Argentina (1967), Seminário Regional Latino- 105 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL Americano de Serviço Social do Chile (1969), Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social da Bolívia (1970) e o Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social de 1972, outra vez em Porto Alegre (NUNES, 2017). Os eventos em questão, especialmente o I Seminário, resultaram na criação do Centro Latinoamericano de Trabajo Social ou Celats. O Centro Latinoamericano de Trabajo Social foi criado como um organismo acadêmico vinculado à Asociación Latino Americana de Escuelas de Trabajo Social ou Alaets. O Centro Latinoamericano de Trabajo Social se ocupou da difusão da teoria crítica e da articulação acadêmico- política dos profissionais e dos alunos. Ao Centro Latinoamericano de Trabajo Social coube ainda a difusão de práticas tidas como inovadoras, dentre as quais podemos citar o método de investigação-ação usado na Colômbia e proposto por Orlando Fals Borda e Maria Salazar. Também coube ao Centro Latinoamericano de Trabajo Social a divulgação de outras experiências da Colômbia dentre as quais a narrada por German Zabala e Manuel Zabala. German era matemático e sistematizou a experiência de padres católicos que atuavam em grandes regiões periféricas e Manuel era antropólogo que também narrava experiências profissionais na abordagem de campo. Saiba mais O Centro Latinoamericano de Trabajo Social ainda está em atividade atualmente. Para mais informações sobre suas atividades acesse o site: <http://www.celats.org>. O Centro Latinoamericano de Trabajo Social também foi responsável por criar a Revista Acción Crítica, importante impresso visando à difusão das experiências positivas de trabalho social e também como meio para propagar o Marxismo. Na revista são recorrentes textos que discutiam além de Marx outros teóricos como Althusser, Gramsci, Lukács e Lefebvre. Saiba mais Conheça a Revista Acción Crítica, nela há muitos artigos sobre o Serviço Social latino-americano. Acesse o site: <http://www.ts.ucr.ac.cr/revi-ac.htm> Segundo Lopes (2016, p. 240), o movimento contou com a adesão de profissionais que estavam na ativa, mas, a maior parte dos profissionais a ele vinculados estavam nas universidades, tanto discentes quanto docentes. Entre os principais colaboradores, podemos citar: 106 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 [...] Herman Kruse, do Uruguai; Natálio Kisnerman, Ezequiel Ander-Egg, Norberto Alayón, da Argentina; Leila Lima Santos, Consuelo Quiroga, Seno Cornely e Vicente de Paula Faleiros, do Brasil; Tereza Quiroz, Diego Palma, Luiz Araneda e Raul Castillo do Chile; Boris Alexis da Venezuela, Cecília Tobon e Jesus Mejia da Colômbia, Beatriz de la Veja, do México. Herman Kruse, do Uruguai; Natálio Kisnerman, Ezequiel Ander-Egg, Norberto Alayón, da Argentina; Leila Lima Santos, Consuelo Quiroga, Seno Cornely e Vicente de Paula Faleiros, do Brasil; Tereza Quiroz, Diego Palma, Luiz Araneda e Raul Castillo do Chile; Boris Alexis da Venezuela, Cecília Tobon e Jesus Mejia da Colômbia, Beatriz de la Veja, do México. O Movimento contou com a vinculação de segmentos expressivos da profissão, porém, em virtude do regime ditatorial, como indicamos no início desse texto, as expressões da Reconceituação Latino- Americana foram minimizadas em meados dos anos 70. Podemos dizer que foi um movimento que propunha o fim do tradicionalismo, que pela vinculação ao Marxismo desnudou muitas questões aos Assistentes Sociais permitindo a eles uma nova leitura de sua realidade profissional e também da realidade social, econômica do nosso país. Apesar de não ter sido hegemônico, ou seja, nem todos os profissionais o viveram da mesma forma, foi um movimento importante e que conseguiu sobreviver à repressão política e chegou em vários países, como o nosso. As dissidências em relação ao Movimento e sua heterogeneidade ou mesmo sua fragilidade inicial em construir respostas mais consolidadas para a categoria profissional não impediu que o Movimento chegasse ao Brasil e se tornasse extremamente forte em nosso país. Portanto, no tópico subsequente vamos então conhecer a configuração do Movimento no Brasil? A Reconceituação do Serviço Social no Brasil De certa forma podemos inferir que o Movimento de Reconceituação do Serviço Social Latino Americano teve o Brasil como signatário. Nesse sentido, o Movimento Latino Americano contou com a adesão dos estudiosos e profissionais brasileiros em sua formulação. Por outro lado, o processo latino influenciou substancialmente a reorganização do Serviço Social brasileiro. Bastos (2013) defende que vivenciamos dois processos similares e que têm sido confundidos como algo correspondente. A autora coloca que temos a Reconceituação e a Renovação. A Reconceituação é descrito por ela como um momentode crítica ao tradicionalismo profissional e baseado na luta por uma necessária transformação social na estrutura capitalista. Essas requisições que envolveram vários países, incluindo o Brasil, a autora denomina Reconceituação. De acordo com ela esse processo pode ser datado uma vez que foi concluído em meados dos anos 1970. Lembrete O latino de Movimento de Reconceituação atino entrou em declínio em virtude da adesão dos Estados à Ditadura. 107 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL A Reconceituação, no entanto, conferiu um impulso a processos de revisão e reorganização do Serviço Social em vários países latinos, incluindo o Brasil. No nosso país, especialmente, essa Reconceituação assumiu novos contornos torando o que Bastos (2013) nomeou como Renovação. A Renovação só foi possível pela Reconceituação Latina que despertou os profissionais brasileiros para uma renovação interna. Para que possamos compreender de forma detalhada esse processo de renovação do Serviço Social brasileiro, podemos assim descrevê-lo: [...] o conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento social contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais (NETTO, 2004, p.131 apud BASTOS, 2013, p. 373). Ou seja, foi um processo de revisão interna em que o Serviço Social Brasileiro passou a rever suas bases teóricas, suas tradições, buscando também sua legitimação profissional em uma realidade de grande mutação econômica, política e social. Os profissionais e intelectuais brasileiros buscavam rever sua fundamentação conservadora e encontrar um novo caminho para uma ação mais eficiente frente às novas demandas que lhes eram apresentadas. Mas, quais eram mesmo as bases teóricas que tanto eram criticadas? Você se lembra? Algumas delas foram abordadas nas Unidades I e II dessa disciplina, mas vamos retomá-las. As bases ideológicas e “teóricas” das primeiras escolas de Serviço Social no Brasil provieram, como vimos da Igreja Católica. Isso conferiu a atividade profissional um caráter missionário, confessional e religioso. Os profissionais buscavam recristianizar a sociedade brasileira. Engana-se quem pensa que a constituição das primeiras escolas em 1936 (São Paulo) e 1937 (Rio de Janeiro) pôs fim a influência católica. Aliás, a história da nossa profissão nos indica que os primeiros professores das escolas eram padres e freiras, ou docentes ligados à Igreja Católica os quais eram chamados para a difusão dos valores católicos por meio das escolas. Bastos (2013) coloca que as ideologias da Igreja Católica encontraram assento nos valores capitalistas presentes na sociedade brasileira antes do anos 1960. Nesse sentido, a ideologia católica também pressupunha o enquadramento dos trabalhadores. A ação dos Assistentes Sociais era voltada para adaptar o homem às normas sociais exigidas, e evitar assim comprometer a produtividade no sistema capitalista em ascensão no país. O embasamento provinha ainda da matriz positivista em que temos uma apreensão instrumental e imediata do ser social. O positivismo permite que as relações sociais sejam analisadas com base nas vivências dos seres humanos. A análise das condutas dos homens deve servir para orientá-los a mudar de posicionamento. 108 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 As críticas também eram orientadas à influência da fenomenologia. De acordo com Bastos (2013) a fenomenologia fazia com que os profissionais idealizassem uma transformação social através do estímulo de mudança de comportamento das pessoas. Cada ser humano possuía o seu valor e, por conseguinte, poderia, com determinação, colaborar para o mundo ser melhor para todos. Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre a influência da fenomenologia no Serviço Social, leia o artigo a seguir: OLIVEIRA, H. A. de SOUZA; OLIVEIRA, V. C. de. A Trajetória da Fenomenologia no Serviço Social Brasileiro: considerações preliminares para uma revisão do pensamento fenomenológico na formação profissional do Serviço Social do Brasil. Revista Educação, Guarulhos, v. 11, n. 3, 2016. Disponível em: <http://revistas.ung.br/index.php/educacao/article/ view/2557/1903>. Acesso em: 9 mar. 2018. Enfim, podemos dizer que o movimento de renovação criticava esse embasamento? Sim, podemos. Porém, o processo de renovação no Brasil não foi hegemônico e assumiu posições distintas. Nessas posições teremos profissionais que irão tanto refutar como fortalecer tendências positivistas e fenomenológicas. Mas, nada de apressar nossas considerações não é mesmo?. Vamos agora conhecer outras especificidades da mudança requerida pelo Serviço Social no Brasil. Silva, Silva e Souza Junior (2017) concordando com as colocações de Bastos (2017) nos colocam que o processo de Renovação iniciado no pós 60 pelo Serviço Social brasileiro perdurou por mais três décadas. Na verdade os autores dizem que mesmo durante o processo de ditadura no país a Renovação profissional continuou em curso e, aliás, para os autores, essa renovação ainda continua sendo desenvolvida. Nos anos 60, no entanto, quando embalados pela Reconceituação os profissionais e estudiosos brasileiros começaram o processo de análise profissional, além das críticas apresentadas acima em relação à bagagem tradicional do Serviço Social, foi também motivo de reflexão o papel que fora conferido aos Assistentes Sociais na superação do subdesenvolvimento do país. Vimos que uma das colocações do movimento de Reconceituação foi em relação ao subdesenvolvimento e no Brasil isso também aconteceu. Os profissionais aqui passaram a pensar sobre a situação econômica do país e também a respeito do seu papel em supostamente garantir a superação do subdesenvolvimento do Brasil. Nesse sentido, teremos profissionais que compreenderão que cabia ao assistente social desenvolver habilidades e técnicas para melhor preparar a população para superar a situação econômica precária e também haverá aqueles que irão contrapor-se a esse posicionamento, uma vez que acreditam que não caberia à profissão a vinculação com o sistema capitalista, mas sim a sua superação. Fato é que o grupo que buscará a superação do sistema capitalista será mais hegemônico ao final do processo de 109 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL Renovação. Inicialmente os profissionais buscarão um caráter técnico e científico pelo qual mostrariam sua eficiência eficácia na superação das desigualdades sociais. Coincidentemente esse foi o período que tivemos maior expansão do mercado de trabalho para os Assistentes Sociais. Esses profissionais passam agora a ser requisitados para atuar em vários espaços, desde os públicos aos privados. O Estado, nosso maior empregador ampliou os postos de trabalho ainda inspirado na última onda do desenvolvimentismo e o poder privado passou a ver esse profissional como um aliado para potencializar o processo produtivo nas empresas. Agora, temos uma grande demanda de profissionais cada vez mais chamados para atuar em vários espaços de trabalho, como, por exemplo, o “Estado, as empresas multinacionais e a filantropia privada” (SILVA; SILVA; SOUZA JUNIOR,2017, p. 9). Os profissionais ansiavam por novo embasamento teórico e também por novas formas de abordagem. A compartimentalização da ação em caso, grupo e comunidade também passou a ser apontada como algo negativo pelos Assistentes Sociais. Os profissionais e também os intelectuais colocavam que os métodos usados, incluindo o desenvolvimento de comunidade foram idealizados para a realidade americana e europeia e não tinham muita relação com a vivência deles na realidade brasileira. Portanto, era requerido um estatuto nacional no aspecto metodológico, no como fazer pelos Assistentes Sociais. Outro aspecto que merece a nossa atenção para esse momento é que no período em pauta tivemos no Brasil a ampliação dos Programas de Pós-Graduação. Isso também colaborou para que os profissionais empreendessem uma crítica de sua base teórica. A integração dos profissionais em atividades interdisciplinares no período também colaborou para a revisão teórica da categoria, assim como para repensar a metodologia usada pelos profissionais. Para tanto, as posições dessa renovação não foram hegemônicas e desembocaram em três tendências distintas, sendo essas a perspectiva modernizadora, a reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura. Cada uma dessas perspectivas apresentará um embasamento teórico e também uma forma metodológica proposta. Atualmente podemos dizer que somos filhos da intenção de ruptura, uma vez que as perspectivas modernizadoras e reatualização do conservadorismo já se encontram superadas ao menos no discurso de grande parte dos profissionais. Mas, cabe lembrar também que a renovação ainda está em curso não é mesmo? Sempre é necessária a revisão e a reconstrução profissional. Enfim, precisamos ainda precisar qual era o período em que a Renovação do Serviço Social teve seu início no Brasil. Lembra que acima dissemos que a Reconceituação latina começou em meados dos anos 60. Pois bem esse repensar do Serviço Social no Brasil também tem início nesse momento que é, como sabemos o momento de grande ditadura no Brasil. O Golpe de 1964 deu início no país ao processo de contenção de quaisquer meios de participação popular possível. “A repressão e violação de direitos para a manutenção da ditadura é sem dúvida o aspecto mais triste desse cenário” (SILVA; SILVA; SOUZA JUNIOR, 2017, p. 8). Os partidos políticos foram extintos, as manifestações populares foram proibidas e toda expressão artística foi censurada. Todos aqueles que se contrapunham ao Estado eram punidos, podendo ser torturados e mesmo mortos. Foi a época do slogan “Brasil: ame-o ou Deixe-o”, em uma clara menção do autoritarismo que tornou esse período um dos mais tristes da nossa história. 110 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 Saiba mais Os filmes indicados a seguir combinam situações verídicas e fictícias, mas ajudam muito a entender o contexto ditatorial no Brasil. Assista: BATISMO de sangue. Dir. Helvécio Ratton. Brasil: Downtown Filmes, 2007. 110 minutos. O QUE é isso, companheiro? Dir. Bruno Barreto. Brasil: Rio Filme, 1997. 110 minutos. Os filmes auxiliam o conhecimento do regime ditatorial no Brasil, ou melhor, ampliam a nossa perspectiva a respeito desse momento. No entanto, precisamos destacar que a repressão não era a única forma do Estado Ditatorial fazer valer os seus objetivos. O Estado buscava também a coerção. Essa coerção era alcançada através de vários meios, incluindo as políticas sociais. Vejamos que nos anos 60 tivemos a ampliação de políticas sociais compensatórias, apenas como meio de garantir a adesão da população ao Estado. Os Assistentes Sociais passam a ser chamados para atuar nesses espaços, além dos espaços privados, também buscando um consenso entre população e Estado. Silva, Silva e Souza Junior (2017) colocam que o Brasil também vivenciava a crise capitalista. As políticas sociais setoriais passam a ser usadas também como uma forma de garantir a sobrevivência da classe trabalhadora. Dessa forma, colaboram para a reprodução do capital. Em tese o Estado incorpora uma série de funções econômicas e sociais visando garantir a manutenção e a expansão capitalista no Brasil. Diante desse contexto, obviamente que os Assistentes Sociais começassem a rever sua profissão. Uma dessas correntes provenientes desse processo de revisão é a chamada perspectiva Modernizadora que teve grande expressão quase que de maneira conjunta com a denominada Reatualização do Conservadorismo. 1 A PERSPECTIVA MODERNIZADORA E A REATUALIZAÇÃO DO CONSERVADORISMO As perspectivas modernizadoras e a reatualização do conservadorismo foram as primeiras a surgir no processo de Renovação do Serviço Social Brasileiro. Vamos melhor detalhá-los sob a referência do trabalho de José Paulo Netto que em seu livro Ditadura e Serviço Social analisa a renovação do Serviço Social brasileiro e com especial atenção estuda os documentos produzidos por ambas as perspectivas. Agora, damos início ao estudo da Perspectiva Modernizadora e depois passamos a conhecer a Reatualização do Conservadorismo. 111 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL Lembrete É bom reforçar que o movimento de renovação do Serviço Social Brasileiro não assumiu em nosso país uma posição hegemônica. Netto (2009) nos indica que a vertente modernizadora foi a primeira corrente de pensamento que surgiu no Serviço Social em seu processo de renovação. Essa primeira vertente deu seus sinais iniciais no I Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social que foi sediado em Porto Alegre. Esse evento resultou na organização de outros visando o aprimoramento dessa perspectiva tais como o 1º. Seminário de Teorização do Serviço Social que aconteceu em Araxá, Minas Gerais em 1967 e o Seminário de Teresópolis esse acontecido no Rio de Janeiro em 1970. Por que esses eventos são importantes? Porque em ambos foi produzida uma síntese das discussões. O primor do trabalho de Netto (2009) está na síntese produzida desses eventos, o autor constrói um cabedal de dados que nos permite entender qual era o entendimento dessas compreensões a respeito do Serviço Social e da realidade. O autor analisa os documentos produzidos nos eventos, os quais ficaram conhecidos como “Documento de Araxá” e “Documento de Teresópolis”. Além disso, o autor nos apresenta as colaborações de Lucena Dantas, apontado como o teórico de referência dessa perspectiva. Saiba mais Para conhecer mais sobre os documentos de Araxá e Teresópolis, leia o artigo a seguir: PIRES, S. R. de A. O instrumental técnico na trajetória histórica do Serviço Social pós-movimento de reconceituação. Serviço Social em Revista, v. 9, n. 2, 2007. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c-v9n2_ sandra.htm>. Acesso em: 9 mar. 2018. Enfim, Netto (2009), com base em sua rigorosa análise do Documento de Araxá, indica que a preocupação dos Assistentes Sociais reunidos em Araxá, Minas Gerais, era com a consolidação de um novo perfil profissional. Esse profissional deveria se modernizar para atender as necessidades que lhes eram apresentadas pelo Estado e pelo grande capital imperial. Buscava-se modernizar para produzir assim “um instrumento profissional de suporte a políticas de desenvolvimento – donde, a partir deste traço sintético, a justeza de considerá-los exemplares” (NETTO, 2009, p. 165). As políticas de desenvolvimento passam a ser estimuladas pelo Estado que, em parceria com a Organização das Nações Unidas busca impulsionar o país para a superação da situação de subdesenvolvimento vivenciada. Acreditava-se que o desenvolvimento poderia ser alcançado e que opaís poderia deixar sua condição subdesenvolvida. Para isso o Assistente Social deveria possuir algumas habilidades para estimular as pessoas a consegui alcançar o desenvolvimento e que ao final do processo resultaria em colaborar com o desenvolvimento econômico do país. 112 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 No documento de Araxá vemos que o assistente social é responsabilizado por proporcionar o desenvolvimento integral do ser humano. A oposição do documento à prática tradicional reside no fato de que com a abordagem tradicional não era possível o desenvolvimento pleno do homem. Nesse sentido o documento ainda traz uma crítica contundente às abordagens de caso, grupo e comunidade, ainda hegemônicas no fazer dos profissionais. Grande parte da discussão do evento e da produção teórica vinculada pela perspectiva Modernizadora é articulada pela existência de grande crítica a questão metodológica. Afinal, de acordo com esse entendimento, a utilização adequada de técnicas pelo assistente social conduziria esse profissional à prática moderna defendida pela categoria. Isso faz Netto (2009, p.168) afirmar que “não há rompimento: há a captura do “tradicional” sobre novas bases”. No aspecto metodológico, principal preocupação dessa corrente, o planejamento desponta como a possibilidade de superação das desigualdades sociais e como uma necessidade para a categoria profissional. Apresentado no Documento de Araxá, citado também no Documento de Teresópolis e defendido por Lucena Dantas dá a ideia de que com a organização, o planejamento os profissionais poderão colaborar com a superação do subdesenvolvimento e também tornariam a profissão moderna. Dessa maneira, podemos inferir que o planejamento desponta como uma necessidade para o país e também como uma peça basal para os Assistentes Sociais. A precisão não poderia ser maior: as mudanças devem ser induzidas via planejamento integrado, a priorização é econômica e tecnológica, e suas dimensões sociais e políticas são claramente associadas à cultura e à administração. Tudo o mais, no desdobramento da determinação, é adjetivo (NETTO, 2009, p. 173). Ou seja, basta ao profissional planejamento e saber administrar. Nesse sentido, vemos na fundamentação teórica presente no documento de Araxá e nas formulações de Lucena Dantas vemos que os problemas sociais descritos como disfunções sociais podem ser resolvidos pelo assistente social, desde que ele possua habilidades técnicas. A forte tendência positivista de Parsons é latente nas produções da corrente, sobretudo nas elaborações de Lucena Dantas. Uma das colocações que legitimaram a perspectiva em questão foi a de que os métodos usados pelos assistentes sociais no Brasil eram construídos em outros países, sob influência americana. Reivindicava- se uma abordagem que estivesse relacionada à realidade brasileira. No entanto, de acordo com Netto (2009) no documento de Araxá e nas formulações de Dantas não temos uma menção ao que poderia ser compreendido como realidade brasileira. A questão da ação do Assistente Social e a grande preocupação com a Metodologia de Ação ocuparam também o Seminário de Teresópolis. Nesse Seminário os profissionais buscavam a construção de um método científico para a ação. A elaboração de um estatuto científico do Serviço Social era perseguido pelos profissionais que recorreram aos conhecimentos das Ciências Sociais, sobretudo ao neopositivismo para sustentar suas colocações do quão importante seria o desenvolvimento de uma metodologia científica de ação. 113 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL O aporte ao neopositivismo fez surgir novos termos no jargão dos profissionais. Termos que passam a designar ações e posturas profissionais. Por exemplo, as chamadas situações sociais problemas que eram os problemas apresentados em uma sociedade. Essas situações sociais problemas poderiam ser enfrentadas pelos Assistentes Sociais, e, poderiam ser sanadas se esses profissionais possuíssem o chamado Método Científico de Ação. Dessa forma: [...] o que está no centro das formulações, aqui, não são teorias, valores, fins e legitimidade (antes, esses componentes são dados como tácitos), mas sim a determinação de formas instrumentais capazes de garantir uma eficácia da ação profissional apta a ser reconhecida como tal pelos complexos institucional-organizacionais (NETTO, 2009, p. 190). Melhor dizendo, não temos em Araxá e tampouco em Teresópolis uma preocupação com a fundamentação teórica da profissão, mas sim com as técnicas que devem ser usadas de forma eficiente pelos profissionais, garantindo assim sua representação como uma profissão socialmente necessária no contexto da modernização do Estado. O questionamento teórico aparece apenas nos Seminários de Sumaré e Alto da Boa Vista, nos quais temos uma vinculação do Serviço Social à corrente fenomenológica. No entanto, esses seminários são vinculados à Reatualização do Conservadorismo. De forma que, a modernização era requerida como algo necessário para que os profissionais pudessem atender as novas necessidades geradas pelo Estado burguês. Não havia uma crítica, uma reflexão do fazer dos profissionais. Ao havia também um conhecimento da realidade capitalista, e apenas temos a busca pela construção de um novo perfil profissional. Calma, esse é o primeiro de muitos passos que conduziram nossa profissão a mudança. Na sequência, vamos estudar outra perspectiva bastante similar a Modernizadora, denominada Reatualização do Conservadorismo. A semelhança entre ambas está no fato de que nenhuma delas recorre ao marxismo como embasamento e as duas correntes apenas propõe uma adequação do perfil do Assistente Social para atender as necessidades do mercado e do Estado. Saiba mais Para conhecer mais a reatualização do conservadorismo e sua influência no Serviço Social, leia: COSTA, C. B. et al. Reflexões sobre uma das tendências à Reatualização do Conservadorismo no Serviço Social Brasileiro. 2º Seminário Nacional Estado e Políticas Sociais no Brasil, Cascavel, 2005. Disponível em: <http:// cac-php.unioeste.br/projetos/gpps/midia/seminario2/trabalhos/servico_ social/MSS33.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2018. 114 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 A Reatualização do Conservadorismo surgiu no final dos anos 70. Sumaré e Alto da Boa Vista aconteceram, respectivamente nos anos de 1978 e 1984 e o objetivo desses eventos era basicamente reforçar a importância da formulação teórica, considerada incipiente e ausente no Serviço Social até então. A construção de Netto (2009) sobre a perspectiva Reatualização do Conservadorismo proveio da análise dos documentos produzidos nos seminários e também com recorrência a textos que foram escritos por autores vinculados a essa perspectiva. De fato, todos os seus documentos significativos insistem na necessidade de um esforço sistemático no sentido de produzir (e/ou organizar) conhecimentos para fundar as práticas profissionais. A ênfase recai na interdição do empirismo e do patriarcalismo, ressaltando-se como primordial o investimento na cognição (p. 203). A requisição de um saber teórico fez com que os autores dessa corrente recuperassem elementos presentes na prática dos Assistentes Sociais no contexto de sua fundação como profissão no Brasil. Termos como autodeterminação do cliente e que buscavam designar a vontade individual do atendido e que deveria ser estimulado na relação Assistente Social e Cliente, de forte inspiração neotomista passama ser novamente valorizados por essa corrente. Netto (2009) nos coloca ainda que a Reatualização do Conservadorismo recupera ainda da prática tradicional a ênfase em abordagens individuais, mostrando a vinculação com o Serviço Social de Casos Individuais nos quais o técnico deveria fazer com que o cliente pudesse se encontrar consigo mesmo. Isso confere à profissão um caráter extremamente psicologizante, algo que vinha sendo suprimido da prática dos assistentes sociais por grande contingente da categoria profissional. A crítica ao positivismo é também latente nessa categoria que, por sua vez, recorre a Fenomenologia como o tão desejado embasamento teórico que buscavam. O dado mais saliente do que se propõe inovador nos textos representativos da tendência renovadora de que agora tratamos é, sem dúvidas, a reivindicação de um suporte metodológico até então inusal no desenvolvimento do Serviço Social em nosso país: o recurso à fenomenologia aparece neles como insumo para a reelaboração teórica e prática da profissão (NETTO, 2009, p. 208). Portanto o aporte à fenomenologia ofereceria parâmetros teóricos e também orientações sobre a intervenção dos Assistentes Sociais. As propostas dessa corrente, entretanto, reforçam o tradicionalismo que os segmentos da Reconceituação buscavam por fim. Lembrete No Movimento de Reconceituação Latino havia grupos que criticavam o embasamento da fenomenologia presente no Serviço Social. 115 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL Na apropriação da perspectiva fenomenológica, conforme Netto (2009), a corrente não teria tido a leitura das fontes reais da fenomenologia. Faltou assim o aporte a autores originais da fenomenologia. Isso fez com que os pensadores dessa corrente apresentassem em suas elaborações grande deficiência teórica e crítica. Além disso, o autor destaca que a perspectiva não deixa claro como a fenomenologia poderia ser usada no cotidiano das práticas dos Assistentes Sociais. Assim, apesar de muitas colocações, argumentações a Reatualização do Conservadorismo não definem quais seriam as “posturas, categorias e procedimentos” propostos aos Assistentes Sociais. O autor nos coloca que grande parte dos Assistentes Sociais vinculados a essa perspectiva eram cristãos e afirmavam seus valores religiosos como objetivos de uma profissão. Outros recorriam ao discurso da transformação social que deveria ser buscada por meio da ajuda psicossocial. “Nas formulações dos profissionais que ora nos ocupamos, o Serviço Social é posto como uma intervenção que se inscreve rigorosamente nas fronteiras da ajuda psicossocial” (NETTO, 2009, p. 206). Então, com certeza prezado aluno você pode estar se perguntando: mas que renovação é essa? Ao que parece, essa corrente não é a favor da renovação, mas sim de pequenas mudanças que não comprometem em grande medida o tradicionalismo profissional. É como se essa corrente andasse na direção oposta à mudança. Pois bem, se você chegou a tal conclusão você está totalmente correto. Ou nas sábias palavras de Netto (2009, p. 226-227): É em especial neste desenho que se encontra o núcleo da reatualização do conservadorismo: uma empresa cujo objetivo profundo é chancelar, (re) legitimando-se, as formas particulares de que a profissão se investia até final da década de sessenta, bem como as constelações ideológicas que a parametravam, redimensionando-as de modo tal que elas se reapresentem, sem modificações substantivas, como alternativas mais adequadas e contemporâneas quer á natureza da profissão, quer às demandas do “homem”. Ou seja, é uma nova roupagem do tradicionalismo. Para sistematizar, de forma didática nossas colocações sobre essas duas perspectivas observe a imagem abaixo: Modernizadora Conservadorismo Prevalência na reflexão sobre as técnicas Seminários de Araxá e Teresópolis Influência do Positivismo Crítica aos Métodos de Caso, Grupo e Comunidade Requer a fundamentação teórica da profissão Crítica ao positivismo e aos métodos de ação Seminários Alto da Boa Vista e Sumaré Tendência psicologizante. Fenomenologia Figura 1 – Principais aspectos das perspectivas modernizadora e do conservadorismo E, olha só, já chegamos ao último item do nosso material. Veja como a leitura fluiu bem, afinal, estamos falando do passado da nossa profissão, da nossa história. Agora, como último tópico convidamos você em aprofundar seus conhecimentos sobre a perspectiva da Intenção de Ruptura. 116 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 8.1 A intenção de ruptura e o aporte ao marxismo Damos início a essa discussão com o texto a seguir: “Sem Marx nós não entendemos o mundo em que vivemos”, afirma professor da UFRJ Recolocar o Brasil na rota de influência e dominação dos Estados Unidos e criar condições para acelerar medidas no campo econômico que possibilitem novas formas de ampliação da extração de valor. Estes são os principais objetivos da atual agenda política manejada pelo governo interino de Michel Temer (PMDB), de acordo com o professor da UFRJ Marcelo Braz. “É preciso construir unidade no plano tático entre os setores progressistas para conter o processo feroz de contrarreformas profundas que estão sendo colocadas em pauta”, garante. Marcelo Braz é pós-doutor em Economia pela Universidade de Lisboa, doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor e vice-diretor da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ. É membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e atua em parceria com movimentos populares, como o MST, sendo professor e colaborador da Escola Nacional Florestan Fernandes. Em entrevista ao Brasil de Fato, Jornalistas Livres e ao Hemisferio Izquierdo, Braz fala sobre o golpe em curso no país, a partir da análise da estrutura política do capitalismo brasileiro, condensado no Estado e em suas instituições, e de elementos históricos marcados pelo interesse das classes dominantes. “Sempre que os níveis de emancipação social avançam, a burguesia trata de fazê-los recuar”, avalia. Autor e coautor de diversas publicações, Braz se destaca em temas relacionados à economia política, questão social, capitalismo contemporâneo, socialismo e marxismo. Em relação aos métodos de análise do mundo contemporâneo, afirma: “Só Marx não dá conta da complexidade do mundo em que vivemos, mas sem Marx nós não entendemos o mundo em que vivemos”. Fonte: HOSHINO; QUINTERO; TAQUES (2016) A possibilidade de ler um texto dessa natureza em que o professor e o autor Marcelo Braz, um dos nomes de destaque do Serviço Social brasileiro discute conceitos relacionados à teoria marxista só é possível porque no processo de Renovação do Serviço Social brasileiro nossa profissão se aproximou da teoria social de Marx. Isso coube a profissionais e, sobretudo intelectuais que ousaram ir contra a tendência da Reatualização de Conservadorismo e também da Modernização Conservadora que estudamos acima. A Perspectiva Intenção de Ruptura na discussão empreendida por Netto (2009) é notadamente aquela que representaria o maior amadurecimento da categoria profissional. Isso porque, no dizer do 117 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL autor, coube a ela o total rompimento com as bases tradicionais da profissão. Além disso, é mérito da Intenção de Ruptura realizar também uma crítica ao sistema capitalista e ao Estado burguês instituído no Brasil. O fato central é que a perspectiva daintenção de ruptura, em qualquer das suas formulações, possui sempre um ineliminável caráter de oposição em face da autocracia burguesa e, este tanto a distinguiu – enquanto vertente do processo de renovação do Serviço Social no Brasil – das outras correntes profissionais quanto respondeu pela referida trajetória (NETTO, 2009, p. 248). Para melhor compreendê-la é necessário saber do seu desenvolvimento histórico. Bem, Netto (2009) nos coloca que a perspectiva em questão apresentou três estágios distintos os quais descreve como: emersão, consolidação e espraiamento. Quando conhecemos os diversos estágios da Intenção de Ruptura podemos compreender várias informações sobre essa perspectiva da renovação do Serviço Social brasileiro. Saiba mais Para saber mais sobre os principais pilares da Perspectiva de Intenção de Ruptura, leia: SANTOS, S. N. Serviço Social: apropriação da teoria social marxista e a formação profissional crítica. Anais do III Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: http://www. Cress-mg.org.br/arquivos/simposio/SERVI%C3%87O%20SOCIAL%20 APROPRIA%C3%87%C3%83O%20DA%20TEORIA%20SOCIAL%20 MARXISTA.pdf. Acesso em: 9 mar. 2018. O estágio da emersão se caracteriza por ser o momento em que surgiram as primeiras formulações da Intenção de Ruptura no país. Netto (2009) indica que a fase da emersão perduraria entre os anos de 1972 a 1975 quando muitos segmentos profissionais, sobretudo àqueles vinculados a graduação e a pós- graduação passaram a criticar o Serviço Social tradicional. Isso porque foi nesses espaços que tivemos uma grande leitura e pesquisa de teóricos das Ciências Sociais, sobretudo dos teóricos do Marxismo, desarticulando assim os argumentos positivistas, funcionalistas e fenomenológicos que sustentavam as perspectivas tradicionais influentes no Serviço Social até então. Como documento dessa tendência de pensamento crítico o autor indica o documento Método de Belo Horizonte, também denominado, Método de B.H. O Método de B.H. foi escrito por docentes e pesquisadores da Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais. Netto (2009), ao analisar o teor do documento, ressalta que as críticas estariam orientadas às seguintes direções do chamado Serviço Social tradicional: 118 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 • Posicionamento ideopolítico: o Serviço Social tradicional defendia a neutralidade do Assistente Social, algo refutado pelos idealizadores do Método B.H. • Posicionamento teórico-metodológico: o Serviço Social tradicional não possuía um embasamento que o permitisse analisar criticamente a realidade contemporânea e posicionamentos operativo- funcionais, uma vez que toda a metodologia proposta pelo Serviço Social tradicional defendia o enquadramento e o ajustamento de posturas. Por outro lado, a Intenção de Ruptura defendia maior aprofundamento teórico junto ao pensamento crítico o que conduziria os profissionais à perda da suposta neutralidade e a um entendimento diferenciado sobre a própria prática profissional e sobre a realidade. Netto (2009) indica que o Método B.H. era bastante rudimentar no que diz respeito a sua apropriação da teoria Marxista, porém, somente partindo das elaborações desses estudiosos é que o Marxismo solidificou sua relação com o Serviço Social ou vice-versa. No final de 1975 os autores do Método B.H. foram demitidos da Universidade como retaliação em virtude dos posicionamentos críticos adotados pelo grupo e de ainda vivermos no Brasil um regime ditatorial. No período da consolidação da Intenção de Ruptura tivemos a ampliação da criticidade presente na Universidade Católica de Minas Gerais para outros centros universitários tais como: São Paulo, Rio de Janeiro e Campina Grande. A consolidação se caracteriza pelo avanço da apropriação da matriz crítica nas universidades citadas acima e em outros cursos de graduação. Os cursos de pós-graduação também se ampliam a favorecem a difusão do chamado “marxismo acadêmico” (p. 266) uma vez que nesse momento as leituras marxistas acabaram ficando restritas ao espaço universitário. Esse período que teria perdurado até início dos anos 1980 tornou os estudos no âmbito universitário mais fácil, em virtude dos processos de distensão política experimentados no Brasil. Netto (2009) destaca que a fase da consolidação se caracteriza pela ampliação substancial da massa crítica do Serviço Social. Já a fase do espraiamento aconteceu a partir dos anos 80 e se constituiu como o momento em que a categoria profissional atuante e que não estava vinculada às Universidades, até então os segmentos mais expressivos no estudo da teoria marxista. Netto (2009) nos coloca que na fase do espraiamento é que a Intenção d Ruptura alcançou a sua plena cidadania, pois a partir de então conseguiu contemplar todas as categorias de Assistentes Sociais. Saiba mais O CFESS Manifesta é um informativo que disponibiliza as reflexões e posicionamentos da categoria profissional, sugerimos a leitura do artigo a seguir: CFESS. Projeto Ético-político do Serviço Social: 30 anos na luta em defesa da Humanidade. CFESS Manifesta. São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/congresso.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2018. 119 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL Um evento demonstra a possibilidade de mudança do Serviço Social e o abandono ao tradicionalismo. Foi o chamado Congresso da Virada que aconteceu em 1979 em São Paulo. O Congresso denominado III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais tornou-se conhecido como Congresso da Virada uma vez que a imensa maioria dos profissionais passou a tecer críticas a prática tradicionalista que ainda reinava no Serviço Social. Esse congresso já demonstra maior reflexão por parte dos Assistentes Sociais, porém, Netto (2009) define que somente após 1980 é que essa reflexão crítica presente nas Universidades e em alguns congressos alcançou a grande maioria dos Assistentes Sociais. O Congresso da Virada ainda é celebrado nos meios profissionais como um grande marco da mudança do Serviço Social brasileiro. Além das fases indicadas acima em relação à Intenção de Ruptura, Netto (2007) enfatiza uma obra como a mais representativa da maturidade da referida perspectiva. Trata-se do trabalho de Iamamoto intitulado: “Legitimidade e crise do Serviço Social” datado de 1982 e publicado como trabalho da USP de Piracicaba. De acordo com o autor Iamamoto (1982) teria escrito um dos melhores trabalhos da época, por ele considerado um marco em demonstrar maturidade na relação firmada entre o Serviço Social e o Marxismo. O autor analisa todos os capítulos do trabalho e indica que foi o primeiro texto no Brasil em que tivemos uma análise marxista das relações sociais, compreendendo-as sob o prisma da teoria crítica. Partindo do entendimento das categorias críticas em questão a autora consegue realizar uma análise do Serviço Social, do seu processo de revisão e crise. Netto (2009) faz algumas críticas a obra, argumentando que o capítulo 2 não estaria tão bem elaborado quando o capítulo 1, porém, em sua conclusão indica: Estas pontuações críticas, entretanto, se esbatem diante da essencialidade da contribuição de Iamamoto: ela consiste no primeiro tratamento rigoroso do Serviço Social, no interior da reflexão brasileira, que apreende a instituição profissional na perspectiva teórico-metodológica crítico-dialética haurida a partir de um trabalho sistemático sobre a fonte marxiana; e mais: as resultantes dessa apreensão, pela sua natureza mesma, infletem nos rumos do debate profissional,qualificando-oteórica e politicamente(NETTO, 2009, p. 301). No entanto, a obra de Iamamoto não encerra um ciclo. Ela é o pontapé inicial das reflexões teóricas que recorreram à Marx, e que marcaram uma posição do Serviço Social crítico. Por fim, como uma última reflexão, deixamos a notícia do prêmio recebido por essa que foi precursora da sistematização marxista nos meios profissionais e que é um dos maiores nomes do Serviço Social Brasileiro. Marilda Iamamoto recebe prêmio internacional da AIETS A professora Marilda Iamamoto, da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), receberá um importante prêmio internacional da Associação Internacional de Escolas de Serviço Social (AIETS), o “Katherine A. Kendall”. Marilda será condecorada pelo reconhecimento de sua carreira acadêmica e o seu compromisso com o Serviço Social. Além do seu envolvimento em atividades educativas para promover a igualdade e a justiça social em todas as sociedades e a pesquisa e a produção de 120 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 literatura profissional de interesse e valor para professores de Serviço Social. Iamamoto foi indicada pela Associação Latino-Americana de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Alaeits). O prêmio será entregue na Conferência Mundial de Serviço Social, que acontecerá de 4 a 7 de julho, na cidade de Dublin, na Irlanda. Mérito do Serviço Social brasileiro Graduada em Serviço Social, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e doutora em Ciências Sociais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marilda Iamamoto destacou que o “mérito deste prêmio é do Serviço Social brasileiro e latino- americano”. A coordenadora de Relações Internacionais da ABEPSS e professora da Universidade Federal de Ouro Preto, Virgínia Alves Carrara, comemorou a premiação. “Considero que a região latino-americana e do Caribe são as grandes beneficiadas com esta oportunidade de dar visibilidade à nossa formação e atuação profissional em defesa da justiça social, da democracia e dos direitos humanos em tempos difíceis para o pensamento progressista e crítico”, apontou. Katherine A. Kendall O prêmio “Katherine A. Kendall” foi criado em 1992 para homenagear a presidente honorária da AIETS, a doutora Katherine A. Kendall. Ela serviu como secretária voluntária de 1954 a 1971 e secretária geral da associação de 1971 a 1978. Kendall permaneceu como membro ativo do conselho após a sua aposentadoria e estava ativa na AIETS há mais de cinco décadas. Clique aqui e saiba mais – http://www.socwork.net/sws/article/view/109/398. Ela desempenhou um papel importante na promoção da excelência na educação para o Serviço Social e na expansão do Serviço Social em nível internacional. E forneceu uma liderança forte na formação de organizações regionais dentro da AIETS. O prêmio possui o objetivo de reconhecer as contribuições significativas para o desenvolvimento da educação para o Serviço Social em nível internacional. A escolha da/o homenageada/o é realizada por meio de uma análise do comitê do prêmio, composto por vice-presidentes de regionais e um presidente do comitê, nomeado pelo presidente da AIETS. Após as análises dos candidatas/os, o comitê faz as recomendações ao conselho de administração da entidade, que toma a decisão final. Critérios para o Prêmio Katherine A. Kendall O prêmio foi estabelecido para reconhecer contribuições internacionais ilustres para a educação no Serviço Social. O candidato deve, portanto, preencher os seguintes critérios possíveis: 121 Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 SERVIÇO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL Envolvido em atividades educativas para promover a igualdade e a justiça social em todas as sociedades; Pesquisou e produziu literatura profissional de interesse e valor para educadores de trabalho social; Desenvolveu currículos que têm uma educação profissional avançada em todo o mundo; Envolveu ou apoiou abordagens educacionais inovadoras que levaram à melhoria da qualidade dos serviços sociais, abordagens que são utilizáveis ??em diferentes países como modelos no ensino de prática de trabalho social; Promoção da educação para o Serviço Social, a nível nacional e regional, e estratégias de prática bem-sucedidas dos domínios do bem-estar social e do desenvolvimento social; Envolvido na interpretação mundial da educação profissional para o trabalho social como essencial para a preparação de pessoal de trabalho social bem qualificado; Os membros do Comitê do Prêmio Memorial da Katherine A. Kendall são os seguintes: Gidraph Wairire – Presidente do Comitê; Nilsa Burgos; Nino Zganec; FentinyNugroho; Karene – Anne Nathaniel De Caires. Fonte: CRESS-MT (2018) Na notícia pudemos ver o reconhecimento por tantos anos de produção e dedicação à profissão, os quais foram iniciados pela valorosa contribuição da autora a mudança de monta viabilizada pela Intenção de Ruptura junto ao Serviço Social. Resumo A disciplina Surgimento e Institucionalização no Brasil nos auxilia na ampliação do entendimento das raízes históricas de nossa profissão. Isso é importantíssimo para que possamos analisar o Serviço Social contemporaneamente. A atual constituição da profissão provém, em grande medida, de sua história. Os resíduos de seu desenvolvimento deflagram o chamado ethos profissional, uma identidade dos agentes que é mutável e que corresponde a períodos específicos. Por conseguinte, a identidade desse profissional atualmente é distinta da identidade dos profissionais da década de 1960, por exemplo. Nossa identidade, nosso ethos, provém de nossa história. Olhar o passado nos auxilia a compreender o presente. Com tal finalidade, nos aproximamos do Movimento de Reconceituação. As bases, situações sociais, econômicas e políticas que estimularam a efervescência desse Movimento 122 Unidade III Re vi sã o: T at ia ne S ou za - D ia gr am aç ão : K ar en - 2 0/ 12 /1 1 na América Latina foram abordadas. Além disso, vimos quais foram as principais requisições desse movimento latino-americano e quais foram os nomes mais relevantes em reivindicar um novo posicionamento ao Serviço Social. Derivando desse entendimento, passamos à análise do Movimento de Reconceituação, considerando o cenário brasileiro. Assim, estudamos quais foram os eventos econômicos, sociais e políticos que influenciaram os assistentes sociais a rever sua forma de entender a prática profissional. O entendimento dos princípios que norteiam o Movimento de Reconceituação do Serviço Social brasileiro nos permite conhecer as direções conferidas pelo Movimento no Brasil. Portanto, o Movimento de Reconceituação no país não seguiu uma linha homogênea, mas resultou em três direções opostas: modernização conservadora, reatualização do conservadorismo e intenção de ruptura. 123 REFERÊNCIAS Audiovisuais BATISMO de sangue. Dir. Helvécio Ratton. Brasil: Downtown Filmes, 2007. 110 minutos. COLÔNIA. Dir. Florian Gallenberger. Alemanha: Majestic Filmproduktion, 2015. 106 minutos. O QUE é isso, companheiro? Dir. Bruno Barreto. Brasil: Rio Filme, 1997. 110 minutos. Textuais BASTOS, A. S. F. A Renovação do Serviço Social e vigência na contemporaneidade. Revista Eletrônica da Faculdade José Augusto Vieira, ano VI, n. 8, set. 2013. 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