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Recebido em: 08.07.2008 – Aprovado em: 12.12.2008p.418 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jul/set; 17(3):418-22. Corpo e sexualidade: vivências de idosas Artigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión PROBLEMATIZANDO O CORPO E A SEXUALIDADE DE MULHERES IDOSAS: O OLHAR DE GÊNERO E GERAÇÃO STATING ELDERLY WOMEN’S BODY AND SEXUALITY: THE VIEW OF GENDER AND GENERATION PROBLEMATIZANDO EL CUERPO Y LA SEXUALIDAD DE MUJERES ANCIANAS: LA MIRADA DE GÉNERO Y GENERACIÓN Maria das Graças Melo FernandesI IEnfermeira. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica e Administração da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil. Especialista em Gerontologia Social. Doutora em Ciências da Saúde. E-mail: graacafernandes@hotmail.com. INTRODUÇÃO Em todo o mundo, o contingente de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos tem crescido rapida- mente. Considerando a diferença por sexo nesse quadro demográfico, verifica-se uma predominância de mulhe- res idosas ou uma feminização da velhice, o que demanda pesquisas sobre peculiaridades e consequências desse desequilíbrio, não só do ponto de vista estatístico, mas em sua complexidade social e subjetiva, princi- palmente as relativas às diferenças de gênero1,2. Apesar de as mulheres viverem mais tempo, elas envelhecem em piores condições sociais e de saúde1,3. As desvantagens sofridas na sua vida profissional e familiar se acumulam ao longo de sua existência e se acentuam à medida que envelhecem no entanto, tal condição não possui a devida visibilidade social. As- sim sendo, o envelhecimento feminino deve ser con- siderado entre diversos fatores, muitos deles forte- mente imbricados com as questões de gênero, tais como: a história pessoal; o contexto cultural, social, político e econômico; o desenvolvimento tecnológico e científico e outros que poderão interferir no modo de vida das mulheres. A geração mais velha de hoje experimentou, por mais tempo, relações de poder e também naturalizou mais intensamente noções sobre papéis masculino- feminino calcadas num modelo tradicional, no im- pério do patriarcado, em que havia uma nítida fron- teira entre a esfera pública (domínio masculino) e a privada (domínio feminino), ou seja, vivenciou uma assimetria relacional, principalmente no tocante à visão da sexualidade e da corporeidade4. Nesse cenário, as diferenças estabelecidas entre os sexos fundaram noções de desigualdades entre ho- mens e mulheres, colocando-as vulneráveis à força e razão masculina5. No bojo dessas desigualdades, o ser mulher foi identificado principalmente com a dinâ- RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: Trata-se de uma revisão de literatura realizada a partir de 30 textos, entre livros e artigos científicos, divulgados entre 1997 e 2008 na Base de Dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), com o objetivo de compreender como as categorias gênero e geração influenciam a vivência da sexualidade e a percepção do corpo de mulheres idosas. A análise dos textos indicou que, seguindo modelos culturais, determinantes de relações sociais de gênero e geração, as mulheres idosas vivenciam de modo negativo seu corpo envelhecido e sua sexualidade. Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave: Envelhecimento; gênero; corpo; sexualidade. ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT: : : : : This article is a literature review of thirty bibliographic sources, among books and scientific articles, published between 1997 and 2008 on the Data Base Scientific Electronic Library Online (SciELO). It aims at understanding how the categories gender and generation influence the experience of sexuality and elderly women’s feelings of their bodies. The study showed that, on the basis of cultural models, which organize social relations of gender and generation, elderly women experience their aged body and sexuality in a negative way. Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Aging; gender; body; sexuality. RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: Se trata de una revisión de literatura realizada a partir de 30 textos, entre libros y artículos científicos, publicados entre 1997 y 2008 en la Base de Datos Scientific Electronic Library Online (SciELO), con el objetivo de comprender como las categorías género y generación influencian la vivencia de la sexualidad y el sentimiento de cuerpo de mujeres ancianas. El análisis de los textos indicó que, siguiendo modelos culturales, determinantes de relaciones sociales de género y generación, las mujeres ancianas vivencian de modo negativo su cuerpo envejecido y su sexualidad. Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave: Envejecimiento; género; cuerpo; sexualidad. Artigos deArtigos deArtigos deArtigos deArtigos de R e v i s ã oR e v i s ã oR e v i s ã oR e v i s ã oR e v i s ã o moara Highlight moara Highlight Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jul/set; 17(3):418-22. • p.419 Fernandes MGMArtigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión de se ter nascido homem ou mulher9. Inclui as di- mensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais da pessoa. Nos comportamentos sexuais dos indivíduos, as práticas, os relacionamentos e os significados es- tão enraizados no conjunto das experiências que cons- tituem essas pessoas como seres sociais, dentro dos cenários culturais da sexualidade dominantes em suas respectivas sociedades. Diversos fatores contribuem para modelar essas experiências da sexualidade de maneira diferenciada de acordo com os grupos soci- ais: religiosidade, condições de vida, redes de sociabi- lidade, padrões de relação entre os sexos, usos do cor- po e posição na estrutura social, além das experiênci- as vivenciadas ao longo do curso de vida10. As repercussões do processo de envelhecimento sobre a sexualidade constituem uma realidade particu- larmente contaminada por preconceitos. A crença na progressiva e generalizada incompetência assim como na impotência sexual dos idosos faz parte intrínseca desses preconceitos. Acuados entre as múltiplas exi- gências que as alterações do envelhecimento compor- tam, os indivíduos enfrentam dificuldades para preser- var a identidade pessoal e a integridade de alguns papéis e funções, sobretudo aqueles relativos à sexualidade que a sociedade atentamente vigia e sanciona11. Na sociedade contemporânea, os valores cultu- rais orientados para a juventude tendem a depreciar os indivíduos idosos em termos de sua aptidão e atra- ção sexual, particularmente as mulheres. Nesse con- texto, vovós são anjos da guarda com um corpo diáfano liberado de todo traço de sensualidade. Esta fábula deve ser preservada a todo custo; se preciso for, sob o controle dos filhos que se tornam, por sua vez, guardiões do recalcamento (ou da supressão)10. Nos casos em que o indivíduo envelhecido interioriza esses valores culturais, manifestações de sensualidade podem ser reprimidas com vista à possi- bilidade destas deslizarem insidiosamente para o de- sapontamento e para a frustração. Este recalcamento (inconsciente) ou supressão (pré-consciente) evita que ele enfrente o conflito entre suas pulsões e a nor- ma social, conflito que ataca a sua autoestima12. Os mitos sobre a velhice assexuada são frequen- tes em nossa sociedade que, sob uma forte influencia religiosa cristã, aprendeu a associar as expressões da sexualidade a sentimentos de culpa e vergonha. No entanto, verifica-se que, apesar de alterações no pro- cesso de envelhecimento, o ciclo de resposta sexual, ou seja, a libido e a capacidade orgástica não se modi- ficam, principalmente se a mulher idosa desfrutar de bom estado de saúde, a despeito da diminuição de sua frequência, reconhecida empiricamente13. Corroborando essa assertiva, Almeida e Lou- renço14 ressaltam que, contrariamente a crenças muito mica do amor materno,sendo o amor erótico e a se- xualidade reprimidos e articulados ao sentimento de culpa, tendo mais reação que ação desejante4,6. Frente a essa realidade, a maturidade dessas mulheres, no geral, foi construída a partir de valores como a família de origem, o ideal de casamento e a constituição de suas próprias famílias, consagrada através do nascimento dos filhos. As mulheres sol- teiras e sem filhos também reafirmaram esses valo- res; entretanto, na impossibilidade de constituir suas próprias famílias, redirecionaram sua maturidade para cuidados com a família de origem7,8. Conforme verifica-se, as relações de gênero, como construções sociais de formas de dominação e subor- dinação, têm resultado, historicamente, em experiên- cias e trajetórias sociais diferenciadas para homem e para mulher, particularmente para as mulheres idosas de hoje, as quais vivenciaram a expectativa obrigatória de uma feminilidade marcada pela obediência, pelo con- formismo e pelas desigualdades, além de uma apropri- ação social do seu corpo expresso no controle familiar e na medicalização das funções reprodutivas. Ante o exposto e dada a complexidade biopsicos- social do processo de envelhecimento feminino, este estudo de revisão traz como proposta discutir como as categorias analíticas gênero e geração influenciam a vivência da sexualidade e a percepção do corpo de mulheres idosas. METODOLOGIA Para a efetividade deste estudo bibliográfico, ado- tamos, como critérios de inclusão do material a ser analisado, textos que versavam sobre o corpo e a se- xualidade de mulheres idosas na perspectiva de gê- nero e/ou geração, apreendidos por meio dos seguin- tes descritores: gênero e envelhecimento; envelhe- cimento feminino; corpo e sexualidade. Considerando isso, foram selecionados, de ma- neira assistemática, 30 textos entre: livros e artigos científicos, divulgados entre 1997 e 2008, que abor- davam as questões ora mencionadas. A busca dos ar- tigos foi efetivada na Base de Dados Scientific Electronic Libray Online (SciELO). A análise dessa literatura possibilitou a construção de duas categorias temáticas: mulheres idosas e sexualidade e corpo feminino envelheci- do, que são discutidas a seguir. RESULTADOS E DISCUSSÃO Mulheres Idosas e Sexualidade O termo sexualidade compreende uma catego- ria que transcende a biologia das estruturas corporais e dos processos fisiológicos, que materializam e objetivam o sexo a partir do determinismo biológico moara Highlight moara Highlight moara Highlight moara Highlight moara Highlight moara Highlight moara Highlight moara Highlight Recebido em: 08.07.2008 – Aprovado em: 12.12.2008p.420 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jul/set; 17(3):418-22. Corpo e sexualidade: vivências de idosas Artigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión difundidas, a sexualidade não se extingue necessari- amente com a velhice. O que não há mais é a premência da descarga do orgasmo, não mais as sensações eróticas concentradas apenas nos genitais, mas, sim, sexo de cor- po inteiro. Nesse contexto, as mulheres apresentam menores dificuldades quanto à vida sexual na velhice, já que a sexualidade delas sempre foi menos localizada. Cabe destacar que a regularidade das relações sexuais das mulheres idosas está muito ligada à opor- tunidade representada pela situação conjugal. Con- siderando que elas representam maior quântico en- tre os idosos (principalmente as viúvas), a primeira consequência deste dado objetivo para suas vidas é a limitação das oportunidades de relações sexualizadas, sendo poucas as que têm chance de reconstruir uma vida afetivo-sexual, pois a preferência masculina (tan- to dos mais jovens, como dos mais velhos) é pelas mulheres mais jovens. Os homens idosos optam, mais frequentemen- te, por parceiras mais jovens, por acreditarem ser esta uma das formas de potencializar seu poder e sua viri- lidade. Para as mulheres idosas, no entanto, as rela- ções afetivas com indivíduos mais jovens ainda pas- sam por uma avaliação negativa no âmbito social, demonstrando, assim, um trato desigual da mulher em relação ao homem por parte da sociedade. As razões apontadas para esse fato são diversas: desde o cheiro da fêmea em fase de produção hormonal intensa até o valor erótico de estimulação estética, ou mesmo o uso emblemático da beleza e juventude que os mais poderosos fazem, em nome da vaidade. O fato é que a mulher mais velha perde o status de objeto de desejo, e suas oportunidades de intimidade sexual fi- cam muito limitadas4. Motta15 relativiza o impacto negativo da viuvez para a vivência da sexualidade por parte das mulheres idosas ao referir que, especialmente em sociedades menos complexas, naquelas onde a mulher tem sido subordinada a partir das regulações primeiras da sua capacidade reprodutiva, a viuvez na velhice permite- lhe alcançar uma posição mais livre e mais pública, por vezes equivalente à dos homens, o que favorece a ma- nutenção ou o incremento das relações afetivas. Pensando nos diferentes aspectos pontuados ao longo deste escrito, ressaltamos que não há um limite temporal para a velhice entrar em cena e varrer os pra- zeres sensoriais, incluindo o sexual. Há variações indi- viduais significativas. As experiências prévias do ho- mem e da mulher são determinantes de sua sexualidade ao envelhecer. Se, ao longo da vida, sentiu vergonha de exercer a criatividade e a espontaneidade no âmbito sexual, a tendência é aumentar a inibição, temer fracas- sar (no caso masculino) ou não agradar (no feminino). Além disso, a velhice e o sentir-se velha são asso- ciados, em geral, à imagem do corpo e às suas modifica- ções externas (levantando a questão estética) e inter- nas (referente ao declínio de funções orgânicas). Desse modo, o corpo da mulher idosa tende a ser percebido como feio e frágil, favorecendo sentimentos que po- dem interferir na vivência de sua sexualidade. A sen- sação é de encontrar nelas corpos classificatoriamente naturais, simbolicamente descorporificados e pouco expressivos15. Considerando a importância das vivências sociais e culturais inscritas no corpo femi- nino, especialmente ao envelhecer, discorremos a seguir algumas reflexões sobre esse tópico. O Corpo Feminino Envelhecido O processo de envelhecimento do corpo é peculi- ar à individualidade de cada ser e acontece pela ação do tempo. Para além do que somos capazes de aprender do corpo físico, fazemos uma construção imaginária desse corpo, o que fundamenta o processo das indentificações ao longo da nossa vida. Simboliza a nossa existência porque a realiza e é sua atualidade16. O corpo contém, de forma indissociável, as di- mensões orgânica e social do homem, domínio respec- tivo da natureza e da cultura. Ele, como socialmente concebido, constitui uma via de acesso à estrutura de uma sociedade, uma vez que a ele se aplicam as crenças e sentimentos de seus membros17. Cada cultura mode- la, à sua maneira, o corpo humano, seja por meio de razões sociais ou apenas estéticas. Vale ressaltar que o corpo pode ser compreendido tanto como agente da cultura quanto como lugar práti- co de controle social. Nessa perspectiva, o corpo das mulheres nunca foi tão disciplinado e normatizado quan- to nos dias atuais. O tempo dispendido na busca de um ideal de feminilidade evanescente, homogeneizante, sempre em mutação, exige uma busca incessante, tor- nando os corpos femininos no que Foucault chama de corpos dóceis; aqueles cujas forças e energias estão habi- tuadas ao controle externo, à sujeição, à transformação e ao aperfeiçoamento18. Quando se fala das mulheres e para as mulheres, o discurso sobre a corporalidade parece tomar rumos pre- cisos: o corpo parece a âncora da mulher no mundo, sua razão de ser, para si mesmo e para o outro19. Nesse con- texto, a idéia da passagem do tempo e seus rastros,os cabelos grisalhos e as rugas visíveis no seu rosto reme- tem à representação do ser velha e à temida condição de mulher velha, pelo significado estereotipado, histórico e contemporâneo que essa condição traduz20. Por essa lógica, nascem os determinantes de for- mas de discriminação social, em que o corpo, que já não atende às especificações da juventude, tende a ser excluído. Trazendo essa realidade para a perspectiva do feminino, salientamos que os estereótipos negativos associados ao envelhecimento têm um maior impacto sobre a mulher, justamente pela avaliação depreciati- va do seu corpo como frágil e assexuado21,22. moara Highlight moara Highlight moara Highlight Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jul/set; 17(3):418-22. • p.421 Fernandes MGMArtigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión Essa concepção do corpo da mulher idosa como fraco e assexuado, quando comparado ao corpo do ho- mem idoso, é referendada por um processo histórico e cultural, presente desde a Antiguidade, que se consoli- da após o século XVIII com o discurso e as práticas médi- cas, guardando alguns vestígios na contemporaneidade, que postula um corpo ontologicamente diferente para o masculino e para o feminino, dotando este de uma infe- rioridade dada pela natureza. Esse pensamento se dis- tancia do entendimento da situação e do espaço que o corpo, seja masculino ou feminino, ocupa no ce- nário sociopolitico e afeta as representações e autorrepresentações do gênero. Laqueur23, em sua obra Inventando o Sexo, discu- te a construção de um saber médico sobre corpos fe- minino e masculino e suas implicações na constru- ção dessa oposição. Nesse pensamento dicotômico e assimétrico, que sempre hierarquiza um dos pólos, o corpo feminino é sempre tratado como o outro no par dos opostos: o inferior. Além disso, em culturas em que o tempo neces- sita ser constantemente diluído (o passado, o presen- te e o futuro são esferas que não se interpenetram) considera-se como modelo de envelhecimento bem sucedido aquele que é manifesto pelos corpos que desenvolveram a capacidade de camuflar o máximo possível todo sinal ou vestígio que esta cultura quer ver eliminado ou esquecido24. Nesse cenário, o corpo dos idosos é o corpo di- ferente, comparado – em desvantagem – com o mo- delo de corpo e beleza jovens vigente na sociedade, do traçado da trajetória cronológica, o que pode in- terferir nas suas relações sociais. Assim, é no campo relacional que se estabelecem os limites entre juven- tude e velhice. Pensar-se a si próprio, é na velhice, um duplo exercí- cio, pois a medida que o sujeito se define, o faz por contraste com o outro. Inclusive com aquele outro que é o seu eu jovem15:229. O velho é sempre o outro em que não nos reco- nhecemos. A imagem da velhice parece sempre estar fora, do outro lado e, embora saibamos que aquela é nossa imagem, produz-nos uma impressão de inquietante es- tranheza, o apavorante ligado ao familiar. Apavorante porque a imagem do espelho não corresponde mais à imagem idealizada; a imagem do espelho antecipa ou confirma a velhice25. Há sempre um sentimento de brusquidão na (auto) percepção do envelhecimento15. Cabe destacar que o envelhecimento não se pro- cessa de modo homogêneo – nem cronológico, nem física, nem emocionalmente. Há sempre partes, ór- gãos, ou funções do corpo que se mantêm muito mais jovens; a velhice nunca é um fato total. Ninguém se sente velho em todas as situações15. No âmbito do feminino, na nossa cultura, o desequilíbrio hormonal e o fim do ciclo reprodutivo historicamente foram considerados a porta de entra- da para a construção do envelhecimento das mulhe- res, para a retirada dos encantos de sua beleza corpo- ral e, ainda, para o declínio de sua sexualidade. Até as próprias idosas entram nesse ageism, embora, atual- mente, cada vez mais resistam a ele. Desse modo, o discurso sobre a menopausa é reducionista, machista e preconceituoso: reducionista, porque atrela a concepção da maturidade feminina apenas à cessação da menstruação, ou seja, só os as- pectos biológicos são considerados para caracterizar as mulheres na maturidade; machista, porque os horrores da menopausa são só para as mulheres, o que, de certa forma, acaba sendo fator de discrimi- nação das mulheres por parte dos homens; preconceituosos, porque aparece quando as mulhe- res podem estar independentes, atraentes e ganhan- do poder na sociedade26. Considerando isso, faz-se necessário um com- bate cultural para rebater esse tipo de entendimento sobre a menopausa, como também para construir nosso próprio mito ou ficção cultural sobre a maturi- dade feminina, ultrapassando a percepção do enve- lhecimento como uma experiência atrelada somente ao domínio do corpo, verificada especialmente no discurso médico-farmacêutico (olhar naturalista) que, ao apregoar a medicalização dos corpos femini- nos, acaba reduzindo sua subjetividade à prescrição incondicional de terapia de reposição hormonal26-28. Essa perspectiva de corpo urge ser ultrapassada, pois promove a recriação do corpo doente, por defini- ção feminino27. Além disso, um corpo não é apenas um corpo, mas também o seu entorno, ou seja, não são as semelhanças biológicas que definem, mas, fundamen- talmente, os significados sociais que a ele se atribuem29. Com essa compreensão de corpo, ressaltamos que usufruir a maturidade é um privilégio possível a todos os corpos vivos, na singularidade que marca os seres humanos, singularidade íntima que se entrecruza com as peculiaridades de gênero, geração, classe soci- al e etnia, entre outras. Homens e mulheres avançam no tempo de modos diversos. A longevidade, acena- da como uma dádiva democrática destes tempos, a rigor, oferece-se no social – de forma desigual e discriminatória. Isso toca a todos, seres humanos e sociais, em nossos corpos envelhecendo30. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para sumarizar este escrito, ressaltamos que cor- po e sexualidade se entrecruzam no processo de en- velhecimento feminino. Essa articulação ocorre num determinado contexto social e político que influen- cia o modo de ser e de viver da mulher idosa, lem- brando que o mito da velhice assexuada é cultural. moara Highlight moara Highlight moara Highlight moara Highlight moara Highlight Recebido em: 08.07.2008 – Aprovado em: 12.12.2008p.422 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jul/set; 17(3):418-22. Corpo e sexualidade: vivências de idosas Artigo de Revisão Review Article Artículo de Revisión Apesar de todas as limitações corporais presentes no envelhecimento, podemos estar frente à singulari- dade de uma mulher capaz de vivenciar um corpo com múltiplas possibilidades. Como afirmam Py e Scharfstein30, corpo de um sujeito mulher que constrói sua própria história pessoal, que se inscreve na história da coletividade humana, que irá adornar outros corpos, nem todos são chamados, apenas os escolhidos. REFERÊNCIAS 1. Camarano AA. Envelhecimento da população brasilei- ra: uma contribuição demográfica. 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