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10. Medicina na Idade Moderna

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MEDICINA NA IDADE MODERNA 
 
Elaine M. O. Alves 
Paulo Tubino 
 
 A Idade Moderna é o período da história ocidental compreendido entre meados do século XV 
e o final do século XVIII. De acordo com os historiadores franceses, começa em 1453 quando 
Constantinopla foi tomada pelos turcos e termina em 1789 com a Revolução Francesa. O período 
posterior à Revolução Francesa é a Idade Contemporânea. Porém, para os anglo-saxões ainda estamos 
na Idade Moderna. Assim, essas datas devem ser consideradas simplesmente indicativas. Na Idade 
Moderna houve três grandes acontecimentos marcantes que provocaram mudanças significativas: a 
expansão marítima, com a descoberta de novas terras, povos e produtos; o Renascimento cultural; a 
Reforma Protestante. Resumiremos alguns dos motivos apontados por Laín Entralgo (2006), como 
determinantes da passagem da Idade Média para a Idade Moderna: 
– MOTIVOS DE ORDEM SOCIAL: a) O rápido desenvolvimento do espírito burguês, ou seja, o 
aparecimento de uma moral de trabalho e de uma economia urbana, artesanal e comercial. 
b) Uma consciência crescente da própria individualidade. c) A necessidade da experiência 
frente ao prestígio da tradição. 
– MOTIVOS DE ORDEM HISTÓRICA: a idéia do progresso, que era religiosa e teológica durante a 
Idade Média, se torna cada vez mais secularizada. 
– MOTIVOS DE ORDEM INTELECTUAL: o crescente cansaço produzido pela mera repetição de 
saberes que eram produto da cristianização da filosofia e da ciência dos gregos antigos, 
eventualmente corrompidos depois de repassados de suas fontes originais para o árabe e do 
árabe para o latim. 
– MOTIVOS DE ORDEM GEOGRÁFICA: A descoberta da América que infundiu no homem 
medieval uma consciência planetária. 
 Com o fim da Idade Média iniciou-se um movimento cultural caracterizado pela volta do 
interesse pelos conhecimentos antigos, por meio do estudo direto das obras gregas e romanas, 
valorizando o humanismo. O ser humano se torna o centro da preocupação dos homens. É o que 
chamamos hoje Renascimento. Levando em conta a grande variação nas datas conforme a região 
considerada e os diferentes autores, pode-se considerar que o Renascimento corresponde ao período 
compreendido entre fins do século XIII e meados do século XVII.1 
O Renascimento se deu muito mais cedo nas artes e nas humanidades do que nas ciências e 
também na medicina. Dante Alighieri (c.1265-1321) escreveu a “Divina Comédia” no fim do século 
XIII, os escritores e poetas Francesco Petrarca (1304-1374) e Giovanni Boccaccio (1313-1375) 
viveram no século XIV; os três são considerados os pais da literatura em italiano. Nas artes há os 
exemplos do pintor e arquiteto Giotto de Bondone (1266-1337) e do arquiteto Donato di Niccoló di 
Betto Bardi, chamado Donatello (1386-1466). Por outro lado, Andreas Vesalius (1514-1564) 
publicou seu livro em 1543, enquanto que Leonardo da Vinci viveu de 1452 a 1519. Um capítulo 
especialmente dedicado à anatomia foi introduzido nos estatutos acadêmicos da Universidade de 
Bolonha em 1405 e na de Pádua em 1465. Houve quase dois séculos de diferença entre o Renascimento 
humanístico e o científico e devem ser citados dois nomes com características bem distintas no campo 
da medicina no que se pode considerar o prenúncio do Renascimento. 
 
 
PRENÚNCIO DO RENASCIMENTO 
 
 Paracelso (1493-1541) 
 Paracelso, pseudônimo de Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, nasceu 
na Suíça e entre 1502 e 1507 aprendeu latim, botânica, alquimia e medicina com o pai que também era 
 
1
 De acordo com o historiador belga George Sarton (1884-1956), considerado o fundador da disciplina “História 
das Ciências”, o Renascimento ocupa o período compreendido entre os anos 1450 e 1600. 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 2 
médico e alquimista. Depois foi para Würzburg, na Alemanha, aprender artes mágicas e ocultismo com 
o abade Johannes Trithemius. Estudou medicina na Basiléia (Suíça) e em Viena (Áustria) e doutorou-se 
pela Universidade de Ferrara (Itália), adotando o nome de Paracelso que significa “superior a Celso (o 
médico romano)”. Viajou pela Europa e pelo Oriente, estudando e praticando a medicina, a cirurgia e a 
alquimia. Paracelso distanciou-se da medicina universitária de sua época e quanto foi médico e 
professor na Basiléia dava aulas em alemão e não em latim. Além disso, anunciou que não ensinaria a 
partir dos autores clássicos, mas de sua própria experiência. 
 Considerado arrogante pelos colegas, para deixar bem clara sua posição queimou publicamente 
livros médicos tradicionais, entre os quais o Cânone de Avicena. Por exemplo, ele não seguia o 
tratamento convencional para feridas que na época consistia em derramar óleo fervente sobre elas e, 
caso estivessem em um braço ou uma perna, esperar que gangrenassem para então amputar o membro 
afetado. Paracelso acreditava que as feridas se curariam sozinhas se o pus fosse retirado e a infecção 
fosse evitada. Insatisfeito com as crenças galênicas tentou substituí-las pelas suas próprias (porém, mais 
dogmáticas e obscuras). Não negou a existência dos quatro humores e dos quatro elementos clássicos 
(fogo, ar, água e terra), mas deu-lhes um papel secundário em relação a três outros elementos ou 
substâncias primárias, o sal, o enxofre e o mercúrio: os tria prima (os “três primordiais”). Esses três 
elementos constituiriam os princípios do corpóreo (sal), do inflamável (enxofre) e do volátil (mercúrio). 
Segundo dizia, a queima de um pedaço de madeira era a prova: “Tome um pedaço de madeira. Trata-se 
de um corpo. Agora o queime. A parte inflamável é o enxofre, a fumaça é o mercúrio e a cinza é o sal.” 
 Paracelso defendia a ideia da unidade entre o macrocosmo (o universo, tanto na sua parte 
terrestre como extraterrestre) e o microcosmo (o corpo humano). Acreditava que os corpos vivos 
seriam compostos tanto de minerais quanto de espíritos astrais (essentia). Também era astrólogo (aliás, 
como a maioria dos médicos da época treinados em universidades) e via o mundo controlado por 
forças espirituais, dirigidas em última análise por um grande mago, Deus. Entre essas forças espirituais 
havia sementes, as semina, enviadas diretamente por Deus e os archei, princípios que controlavam vários 
processos vitais. Mesmo as causas externas das doenças seriam essências espirituais, mas seriam reais e 
específicas para cada doença. Com Paracelso, pela primeira vez, entrou em cena o pensamento alemão 
na história da medicina; foi o iniciador da química farmacológica, direcionando a medicina para as 
ciências naturais. 
 
 Jean François Fernel (1497-1558) 
 Fernel (em latim, Fernelius) foi um matemático, astrônomo, e médico francês. Inicialmente, 
dedicou-se à matemática e à astronomia e, em seu livro Cosmotheoria (1528), propôs um método de 
cálculo que permitia conhecer o comprimento do meridiano de Paris. Além disso, fez uma estimativa 
bastante correta da circunferência da terra. Curiosamente, Fernel se tornou médico por razões 
econômicas, pois precisava de recursos para a compra e manutenção de seus aparelhos astronômicos. A 
cratera lunar Fernelius deve seu nome a ele. 
 Professor de medicina em Paris, Fernel escreveu diversos livros de grande sucesso que 
reproduziam o saber médico herdado do mundo greco-latino, bizantino e árabe (Universa Medicina, De 
naturali parte medicinae, entre outros), publicados simultaneamente em toda a Europa e que durante mais 
de dois séculos foram recomendados aos estudantes de medicina. Foi quem introduziu os termos 
“fisiologia”, para descrever o estudo das funções corporais, e “patologia”, para descrever o 
funcionamento anormal do corpo, e também incluiu a “terapêutica”, que poderia resolver as 
anormalidades. 
 Fernel foi também o primeiro a descrever o canal espinal e os sinaise sintomas da endocardite. 
Também se engajou no debate se a sífilis e a gonorreia eram doenças diferentes ou duas formas da 
mesma doença (embora a sífilis provavelmente já existisse na Europa, a primeira grande epidemia 
ocorreu entre os marinheiros que voltaram da primeira viagem de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo 
e se espalhou pelo continente europeu), sendo o primeiro a sugerir que eram enfermidades muito 
diferentes, compartilhando apenas um modo comum de transmissão. Por sua reputação foi nomeado 
médico do rei Henrique II. Cuidou tanto da rainha Catarina de Médicis quanto de sua rival Diana de 
Poitiers, a amante do rei. Foi chamado de “O Galeno moderno” ou “O Galeno francês”. 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 3 
MEDICINA NO SÉCULO XVI 
 
Os grandes médicos da época eram humanistas, homens de letras, e tidos em alta estima. 
Estudavam nas universidades, sendo as italianas as de maior prestígio. No início, muitos professores 
ainda expressavam ideias conservadoras e os autores estudados continuavam a ser Galeno e Avicena. A 
dissecção era cada vez mais praticada, mas persistia o costume de ler as descrições de Galeno enquanto 
eram examinados os órgãos verdadeiros, ignorando-se as discrepâncias óbvias. A anatomia era ensinada 
juntamente com a cirurgia e somente por volta de 1570 foram separadas. 
A anatomia recebeu grande impulso com as obras de Leonardo da Vinci e Vesálio e adquiriu 
precisão, se desenvolvendo graças à colaboração de pintores e escultores que tinham grande interesse 
nos estudos anatômicos para suas representações artísticas. Aprender anatomia a partir da dissecção em 
cadáveres humanos se tornou importante para os estudantes. Os quadros de anatomia dos pintores 
florentinos do final do século XV já atingiam a perfeição. Essa nova faceta da pintura, uma verdadeira 
nova arte, teve em Leonardo da Vinci um dos exemplos mais brilhantes. 
 
Leonardo da Vinci (1452-1519) 
Leonardo nasceu em Vinci (um vilarejo próximo a Florença, na Toscana), no dia 15 de abril de 
1452, filho ilegítimo de Ser Piero (um tabelião de Florença) e Caterina (empregada de um hotel). Foi 
para Florença em 1469, lá se tornando aprendiz de Andrea Verrocchio (pintor, escultor e artesão típico 
da Renascença florentina), cujo ateliê atuava em engenharia, pintura, escultura, arquitetura e fundição 
de couraças e sinos. “O Batismo de Cristo” (1470-1472), em óleo e têmpera em madeira, foi obra de 
Verrocchio e seus alunos, entre os quais Leonardo (que fez o anjo da esquerda e parte da paisagem). 
Está na Galleria degli Uffizi, em Florença. 
Leonardo da Vinci descobriu e descreveu os princípios do automóvel, do submarino, do 
helicóptero, das eclusas, dos tanques de guerra, do paraquedas, etc. Deveria ilustrar um livro de 
anatomia de Marcantonio della Torre. Mas o livro nunca foi publicado porque o anatomista morreu 
prematuramente de peste aos 29 anos. É importante o que Leonardo escrevia para o livro: 
– “Este trabalho deve começar com a concepção do homem, descrever a natureza do útero e 
como o feto vive dentro dele, até quando ele permanece no útero, como se alimenta e como sai 
para a vida. Quais as forças que o fazem sair e por que alguns saem antes do tempo”. 
– “Mostrarei quais são os membros do feto que após o nascimento crescem mais que outros e 
quais as proporções do corpo de um menino de um ano. Depois as proporções do corpo de um 
homem e uma mulher”. 
– Sobre a reprodução: “A descrição deverá ser iniciada com a formação da criança no útero, 
dizendo qual parte se forma primeiro e o que acontece a seguir”. 
– Sobre a nutrição do feto: “O umbigo é a porta da qual nosso corpo é formado a partir da veia 
umbilical. Esta veia é a origem de todas as veias que são produzidas na vida intra-uterina e que 
são totalmente separadas das veias da mãe”. 
 Com essas descrições, Leonardo da Vinci já antecipava vários conceitos importantes de 
embriologia, circulação fetal, circulação placentária e da anatomia evolutiva pós-natal. Seus desenhos 
eram o acompanhamento dos textos que sugeria a Marcantonio della Torre. Leonardo tem várias obras 
anatômicas importantes, grande número delas abordando o sistema muscular. Dissecou cerca de 30 
cadáveres, o que serviu de base para suas concepções anatômicas. Disse a esse respeito: “Para o pintor 
que deseja representar os membros em todas as atitudes e gestos que podem ser feitos nos nus, é 
necessário conhecer a anatomia dos nervos, ossos e músculos para saber qual músculo é causador de 
cada movimento ou força e ressaltá-los”. 
É clássica sua descrição de um caso de doença coronária como causa de morte em 1506: “Um velho 
homem poucas horas antes de morrer contou-me que tinha vivido cem anos, sem nunca ter tido 
nenhum problema físico a não ser fraqueza e, sentando-se em uma cama do hospital de Santa Maria 
Nova de Florença, morreu sem dar nenhum sinal de qualquer anormalidade. Dissequei seu corpo para 
entender a causa daquela morte tão rápida. Descobri que ela veio por meio de uma falta de sangue nas 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 4 
artérias que nutrem o coração e as partes inferiores, que eram usadas e estavam secas”. Pode-se dizer, 
então, que Leonardo da Vinci foi também pioneiro na anatomia patológica e na medicina forense. 
O Homo Vitruvianus é um dos desenhos mais famosos de Leonardo. Foi feito por volta de 1490, 
em Veneza. É um estudo das proporções do corpo humano que Vitrúvio (Marcus Vitruvius Pollio), 
arquiteto romano do século I a.C., havia postulado como base de suas teorias arquitetônicas. No texto 
de Vitrúvio, a figura humana é inserida primeiro em um círculo e depois em um quadrado. Vinte anos 
antes da publicação dos desenhos de Vitrúvio por Fra Giocondo em 1511, Leonardo já havia pensado 
em usá-los como ilustração; colocou as duas imagens sobrepostas para sugerir a sensação de 
movimento, o centro da figura em relação ao círculo é o umbigo e da outra em relação ao quadrado é o 
púbis. 
Leonardo da Vinci pintou o afresco “A Última Ceia” entre 1495 e 1497, em Milão, e a Mona 
Lisa em 1503/04. Deixou Florença definitivamente em 1508 e voltou para Milão, onde encontrou novo 
protetor: Charles d’Amboise. Em 1516 se mudou para a corte do rei francês Francisco I em Amboise 
(figura 1), levando consigo a Mona Lisa. Lá morreu em dois de maio de 1519. A tela logo foi integrada 
ao patrimônio artístico da coroa francesa tendo sido, após a revolução, incorporada ao Museu do 
Louvre em Paris. 
 
 
 
 
Figura 1 – Castelo de Clos Lucé em Amboise (Loire, França), onde Leonardo da Vinci viveu durante os três 
últimos anos de vida. Na mansão, atualmente, há uma exposição de maquetes que reproduzem as invenções 
de Leonardo (fotografias dos autores). 
 
 Leonardo viveu na transição entre a Idade Média e o Renascimento. Tendo em vista sua 
obra, Freud disse que: “Leonardo acordou do sono da Idade Média antes dos outros homens. Ele foi 
como um homem que acordou cedo demais na escuridão, enquanto os outros continuavam a dormir”. 
 
Andreas Vesalius (1514-1564) 
 
 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 5 
Andreas Vesalius (forma latinizada do nome Andries van Wesel, em português André Vesálio) 
nasceu em Bruxelas e é considerado o pai da anatomia moderna. Estudou medicina (1529-1533) na 
Universidade de Louvain e depois em Paris (1533-1536), sob a tutela de Jacques Dubois, cujo nome 
latinizado é Jacobus Sylvius. Em 1537 foi para a Universidade de Pádua, onde se tornou um dos mais 
ilustres professores e fez numerosas dissecções em cadáveres humanos.2 Foi também professor de 
anatomia em Bolonha e Pisa. Até então eram ensinados os conceitos anatômicos de Galeno, o que foi 
significativamente modificado por Vesálio. Em Pádua, baseado em suas próprias dissecções, Vesálio 
publicou em 1543 a primeira obra fundamentalda anatomia intitulada De humani corporis fabrica, 
com ilustrações do artista Jan Stefan van Kalkar, aluno de Ticiano (Tiziano Vecellio, c. 1490-1576, 
pintor, foi um dos principais representantes da escola veneziana no Renascimento). Considerando que 
somente a observação valia, Vesálio logo afirmou não haver as comunicações entre os dois ventrículos 
cardíacos e que o útero tinha uma só cavidade. Corrigiu outros erros cometidos por Galeno, que havia 
transposto para o homem o que havia constatado em animais. A Fabrica tinha sete partes consagradas 
sucessivamente aos ossos, músculos, aparelho vascular, sistema nervoso, órgãos do abdome e tórax e à 
anatomia do cérebro. A obra foi publicada na Suíça na cidade de Basileia, quando Vesálio tinha 28 anos 
e foi dedicada ao rei Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano e também Rei da Espanha com o 
nome de Carlos I. 
 
 
 
Logo após a publicação da Fabrica Vesálio enfrentou críticas veementes, principalmente do seu 
ex-professor Sylvius. Desgostoso, queimou muitos dos seus manuscritos e deixou Pádua indo para 
Bruxelas, onde se casou com Anne van Hamme. Sua vida profissional progrediu e ele acabou 
descrevendo um novo tratamento para a sífilis em 1556. Em 1559 foi para Madri como médico de 
Felipe II, filho de Carlos V. Há um relato controverso de que, em 1564, Vesálio teria sido condenado à 
morte pela Inquisição por ter feito uma necropsia em uma nobre espanhola cujo coração ainda tinha 
fracos batimentos e que o rei (Felipe II da Espanha) teria comutado a pena por uma peregrinação à 
Terra Santa. A peregrinação existiu de fato e enquanto estava em Jerusalém Vesálio soube da morte de 
Gabriel Falópio, que o substituíra em Pádua, e recebeu o convite para retornar à sua antiga posição. Na 
 
2
 As dissecções anatômicas se tornaram muito populares no século XVI e não apenas entre os estudantes, mas 
também entre o público em geral. Para as demonstrações eram construídos teatros anatômicos temporários, de 
madeira, que após o término das dissecções eram demolidos. O primeiro teatro anatômico permanente foi o da 
Universidade de Pádua, construído em 1594 e usado por 278 anos até se tornar um museu em 1872. 
 
Figura 2 – André Vesálio (retrato em sua obra De humani 
corporis fabrica). Muito se tem discutido a respeito desta 
gravura: cabeça desproporcionalmente grande; antebraço e 
mão muito curtos; abdome estranhamente proeminente; 
baixa estatura corporal. Observar o forte contraste entre 
essas dimensões e o cadáver cuja mão está dissecada. 
 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 6 
sua volta o navio em que viajava naufragou e ele morreu, provavelmente, de tifo na ilha grega de Zante 
(ou Zaquintos). 
O único retrato conhecido que tenha sido autorizado e aprovado por Vesálio é o que aparece no 
frontispício de três de seus trabalhos. É o do anatomista mostrando tendões dos músculos flexores da 
mão, que Galeno havia considerado uma das obras primas da natureza. Gravado na borda da mesa está 
a idade de Vesálio (28) e a data em que completou a Fabrica com o ano 1542 (figura 2). 
 
Gabriele Falloppio (1523-1562) 
 Gabriele Fallopio ou Falloppia (Gabriel Falópio) nasceu em Módena, na Itália. Estudou 
medicina em Ferrara onde, posteriormente, foi nomeado instrutor de anatomia. Em 1548, por 
recomendação do Grão-Duque da Toscana, Cosmo I de Médici, recebeu a cátedra de anatomia da Uni-
versidade de Pisa. Três anos depois, em 1551, aceitou o oferecimento do Senado de Veneza para ser 
professor de anatomia, cirurgia e botânica em Pádua. O cargo estava vago desde a saída de Vesálio e a 
renúncia de Realdo Colombo (que havia assumido o lugar de Vesálio em 1542 e permaneceu no posto 
durante dois anos). Médico e cirurgião, Falópio ficou conhecido como importante anatomista, como 
atestam os muitos epônimos associados com seu nome. Na época, ele e Bartolomeo Eustachio (c. 
1500 ou 1514-1574) foram as principais figuras da anatomia humana na Itália. 
 Em 1561 Falópio publicou a obra Observationes anatomicae, na qual refuta muitas 
afirmações de Vesálio e relata várias descobertas, principalmente sobre o sistema reprodutor feminino. 
São de sua autoria os seguintes termos: placenta, vagina, corpus luteum, tuba (nome em latim dos 
condutos que ligavam a gônada ao corno uterino e que hoje são conhecidas como tubas uterinas, mas 
que até recentemente se chamavam trompas de Falópio). Falópio descreveu o clitóris e lhe deu este 
nome. Aperfeiçoou a descrição do aparelho auditivo, detalhando a cavidade timpânica, os três ossículos 
(martelo, bigorna e estribo), as janelas oval e circular, o nervo corda do tímpano e a orelha interna 
(introduzindo os nomes “labirinto” e “cóclea”). Também descreveu o canal facial no osso temporal 
(chamado, por essa razão, de canal ou aqueduto de Falópio), o ligamento inguinal (ligamento de 
Falópio, também conhecido como ligamento de Poupart) e foi o primeiro a descrever o músculo 
elevador da pálpebra, entre outros músculos. Descreveu ainda os centros primários e secundários de 
ossificação no feto e na criança, chamou atenção para a presença de duas artérias umbilicais que 
acompanham uma única veia umbilical e fez a primeira descrição completa da dentição decídua. Como 
médico, Falópio estudou exaustivamente os aspectos clínicos e os métodos de prevenção da sífilis, 
doença que na época despertava grande atenção, e acabou criando um condom (ou preservativo) de 
linho que cobria a glande peniana e deveria ser usado como medida de proteção. 
 Deve ser mencionado que Realdo Colombo (1516-1559) reivindicou em seu único livro De re 
anatomica, publicado em 1559, ter “descoberto” o clitóris, embora na verdade este já fosse citado nos 
textos gregos, persas e árabes, ainda que com conceitos errôneos acerca de sua função. 
 
Hieronymus Fabricius ab Acquapendente (1533-1619) 
Hieronymus Fabricius (nome latinizado do anatomista italiano Girolamo Fabrici ou Fabrizio) 
nasceu na cidade italiana de Acquapendente. Também conhecido como Fabricius d’Acquapendente, 
estudou desde cedo grego, latim e filosofia na Universidade de Pádua. Quando fez 20 anos já era 
estudante de medicina e se tornou o discípulo predileto de Falópio, ao qual sucedeu em 1565 como 
professor de anatomia e cirurgia nessa mesma universidade. Em 1594 construiu o primeiro teatro 
permanente desenhado para dissecções anatômicas, revolucionando o ensino da anatomia. Esse teatro 
anatômico está preservado até hoje. 
 Entre as obras de Fabricius está o De formato foetu, publicado em Veneza em 1600. Nesse livro, 
além das observações já feitas por outros estudiosos sobre o sistema cardiovascular do feto (com todos 
os shunts e placenta), fazia suas observações de anatomia e embriologia comparadas.Em 1603 publicou 
uma descrição das valvas das veias: De Venarum Ostiolis. Fabricius não foi o primeiro a mencionar estas 
valvas, mas foi o primeiro a mostrá-las publicamente e descrevê-las em detalhe. O mais famoso aluno 
de Fabricius foi William Harvey, que teve nestes estudos as bases de seus próprios estudos sobre a 
circulação sanguínea. 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 7 
 Ambroise Paré (1510-1590) 
 Filho de um barbeiro, nascido na pequena cidade de Laval (na Bretanha, França), Ambroise 
Paré tornou-se o cirurgião de quatro reis franceses sucessivamente (Henrique II e seus descendentes: 
Francisco II, Carlos IX e Henrique III) e foi o mais importante cirurgião do Renascimento. De família 
pobre, não pôde estudar medicina e aos 15 anos iniciou seu treinamento como cirurgião-barbeiro. Em 
1532 foi para Paris e durante três anos estagiou no Hôtel-Dieu. Em 1536 foi reconhecido como apto a 
curar cravos, bossas, antrazes e carbúnculos. Paré trabalhou como cirurgião em 17 campanhas militares. 
Fazia ligaduras nas artérias durante as amputações e modificouo tratamento das feridas por armas de 
fogo, que eram cauterizadas e queimadas com óleo fervente porque se acreditava que a pólvora era 
venenosa; mostrou que tratar as feridas com gema de ovo, mel e terebintina dava melhores resultados 
que a cauterização. Ele exigia que os inimigos feridos fossem tratados como todos os outros. 
 Há um diálogo famoso entre Paré e o rei Carlos IX, quando o rei ficou doente. Disse Carlos IX: 
“Espero que vás tratar melhor o rei do que os pobres do hospital.” Ambroise Paré respondeu: “Não, 
isto é impossível.” “E por quê?” Perguntou-lhe o rei. Respondeu: “Porque eu os trato como a reis.” 
 Paré foi aceito na Confraria (Irmandade) de São Cosme3 em 1554; em 1567 foi convidado para dirigi-
la. Também escreveu importantes trabalhos sobre a medicina da criança, em diferentes áreas. Relatava 
os casos com grande clareza e precisão. Há relatos sobre nutrição infantil, deficiência de crescimento, 
efeitos no recém-nascido – através do leite materno – de laxativos tomados pela mãe, trauma 
pediátrico, queimaduras em crianças, síndrome de morte súbita, eczemas, etc. Seu livro Des monstres et 
prodiges (1573) é um dos pioneiros na teratologia. 
 
 
MEDICINA NO SÉCULO XVII 
 
 O século XVII é o da “Revolução Científica”, cuja sede (citando o historiador inglês Herbert 
Butterfield) foi a Universidade de Pádua.4 A Università degli Studi di Padova foi fundada em 1222, por 
estudantes e professores da Universidade de Bolonha que buscavam maior liberdade acadêmica. Seu 
máximo esplendor foi entre os séculos XV e XVII, quando Pádua se tornou um centro de estudo e 
pesquisa internacional graças à relativa liberdade e independência garantidas pela República de Veneza. 
 No século XVII as discussões de ordem metafísica dão lugar à razão: só será racional aquilo que 
se verifica, se analisa e se palpa. Os estudiosos procuram saber como as coisas acontecem e para tal, 
trocam a especulação pela experimentação Alguns homens brilhantes participaram dessas tendências e 
devem ser citados: Francis Bacon, Isaac Newton e René Descartes. 
 Francis Bacon (1521-1626), considerado pai da experimentação e da observação. Fundador da 
ciência moderna, destacava três invenções que haviam mudado o mundo: a imprensa (1454); a pólvora 
(que foi descoberta no século IX, na China, e usada para fins militares no século XIII) e a bússola (c. 
1190). Isaac Newton (1643-1727), que era físico, matemático, astrônomo, alquimista e filósofo natural, 
deduziu as leis da gravidade. Segundo Bernard Cohen (1924-2012), Professor Emérito de Física da 
Universidade de Pittsburgh (EUA): “O momento culminante da Revolução científica foi o 
descobrimento realizado por Isaac Newton da lei da gravitação universal”. René Descartes (1596-
1650), filósofo, físico e matemático, considerado o “fundador da filosofia moderna” e “pai da 
matemática moderna”, concebia o organismo como um mecanismo aperfeiçoado, embora imaginasse 
que seu funcionamento se devia a misteriosos espíritos animais. Descartes foi o criador do chamado 
método “cartesiano”, que preconiza que “só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado” 
(ceticismo metodológico). Para tal, deve-se: verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca 
do fenômeno ou coisa estudada; analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades de 
 
3 Em 1365, os cirurgiões de Paris criaram a Irmandade de São Cosme com dois objetivos: poder frequentar a 
Faculdade de Medicina de Paris e impedir que os barbeiros praticassem a cirurgia. Conseguiram seus objetivos 
depois de dois séculos, mas tiveram que incorporar os barbeiros como membros da Irmandade. 
4 “Admitindo-se que a honra de ter sido a sede da Revolução Científica possa pertencer de direito a algum lugar, 
tal honra deve ser atribuída a Pádua.” Sir Hubert Butterfield (1900-1979) em The Origins of Modern Science, 1300-
1800, 1949. 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 8 
composição, fundamentais, e estudar essas coisas mais simples que aparecem; sintetizar, ou seja, 
agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro; enumerar todas as conclusões e 
princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento. 
Os pensadores deste século ajudaram a estabelecer os princípios fundamentais das ciências e da 
medicina do futuro. Assim, da mesma maneira que no século XVI houve o florescimento da anatomia, 
o século XVII se caracterizou pelo início do conhecimento da fisiologia. Houve uma mudança na 
história do saber médico com a descoberta da circulação sanguínea e o verdadeiro papel do coração, a 
invenção do microscópio e a aquisição de novos conceitos anatômicos e fisiológicos. 
Pode-se considerar que a moderna fisiologia teve seu início com a descoberta da circulação do 
sangue por William Harvey. Pouco depois, o médico e químico belga Jan Baptiste (Baptista) van 
Helmont (c. 1578-1644) desenvolveu o conceito de gases e sugeriu o uso de álcalis no tratamento dos 
distúrbios digestivos. O italiano Giovanni Alfonso Borelli (1608-1679), publicou estudos sobre o 
movimento dos animais, sugerindo que a base da contração do músculo estava nas fibras musculares. 
Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723), microscopista holandês, fez as primeiras descrições das 
células vermelhas do sangue e dos espermatozoides. Marcello Malpighi (1628-1694), médico, 
anatomista e fisiologista italiano, demonstrou existência dos capilares e estudou a fisiologia do rim, 
fígado e baço. As glândulas começaram a ser estudadas pelo médico inglês Thomas Wharton (c. 1616-
1673), que demonstrou a secreção salivar e redescobriu o ducto da glândula salivar submandibular, e 
pelo geólogo e anatomista dinamarquês Niels Stensen (1638-1686), em latim Nicolaus Steno ou 
Stenonis, que diferenciou as glândulas salivares das lacrimais. Regnier de Graaf (1641-1673), médico e 
anatomista holandês, fez estudos fundamentais sobre a biologia reprodutiva, descobrindo os folículos 
ovarianos, além de pesquisar os sucos pancreáticos e a bile. Foi também nesse século que foram 
tentadas as primeiras transfusões de sangue O médico inglês Richard Lower (1631-1691) foi o 
primeiro a transfundir sangue de um animal para outro (entre cães) e o francês Jean Baptiste Denis (c. 
1640-1704), médico do rei Luís XIV, relatou a transfusão de sangue de uma ovelha para o ser humano 
em 15 de junho de 1667, aparentemente com sucesso. 
Entre os avanços do século XVII também está o estudo da respiração. O fisiologista inglês 
John Mayow (c. 1640-1679) demonstrou que o ar era composto de uma mistura de várias substâncias e 
sugeriu que nem todas eram necessárias para a vida. Embora fosse graduado em direito, Mayow exercia 
a medicina. Seu trabalho foi ignorado e acabou sendo eclipsado pela errônea teoria do flogisto, um 
conceito que só foi refutado no século XVIII pelo clérigo e cientista inglês Joseph Priestley (1733-
1804). Embora trabalhando separadamente e com ideias diferentes, Priestley compartilhou a descoberta 
do oxigênio com Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794), grande químico francês e criador da 
química moderna, e Carl Wilhelm Scheele (1742-1786), químico e farmacêutico de origem sueca. 
 
 
WILLIAM HARVEY E A CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA 
 
Ibn al-Nafis ou Ibn Nafis (c. 1213-1288, médico árabe nascido em Damasco, na Síria) e 
Miguel Servet (1511-1553, médico e teólogo espanhol que foi queimado vivo como herege) já haviam 
tratado da existência de uma circulação pulmonar. Fabricius d’Acquapendente, no início do século 
XVII, já observara as válvulas dentro das veias e Mateo Realdo Colombo (c. 1516-1559, professor de 
anatomia e cirurgião da Universidade de Pádua, aluno e sucessor de Vesálio) já criara o termo 
“circulação”. Mas foi o médico inglês, formado em Pádua, William Harvey (1578-1657) quem, pela 
primeira vez, descreveu corretamente os detalhesda circulação sanguínea. 
Por meio de ligaduras, Harvey observou o sentido diferente da corrente sangüínea das artérias e 
das veias. Entretanto, não sabia como o sangue passava das artérias para as veias. Publicou em 1628 seu 
livro sobre o papel maior do coração na circulação do sangue (figura 3): Exercitatio anatomica de motu 
cordis et sanguinis in animalibus (Exercício anatômico sobre o movimento do coração e do sangue nos 
animais). Harvey afirmou que o coração era o motor da circulação e não o fígado; demonstrou que sua 
contração começa nos átrios e que o pulso está sob a dependência das contrações do ventrículo 
esquerdo. Mostrou que o ventrículo direito é separado completamente do esquerdo; que o sangue do 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 9 
ventrículo direito passa pelos pulmões, volta para o átrio esquerdo pelas veias pulmonares e depois 
entra no ventrículo esquerdo e daí para todo o corpo. 
Não faltaram opositores, seguidores dos conceitos tradicionais. Entre eles, o grande anatomista 
francês Jean Riolan (1577-1657) que ensinava no Colégio Real de Paris e Caspar Hofmann (1594-
1648), professor de medicina de Altdorf (Suíça), que perguntava insistentemente: “Por quais vias e por 
meio de que faculdade o sangue passa das artérias às veias?” Houve uma famosa troca de cartas entre 
Harvey e Hofmann, até que Harvey terminou sua última carta “convidando” Hofmann a “aproveitar a 
propícia ocasião e se tornar um verdadeiro anatomista, procedendo a uma demonstração anatômica e 
vendo com seus próprios olhos aquilo que tinha afirmado acerca da circulação”. Harvey pedia a 
Hofmann que “enquanto isso não ocorresse, não negasse nem ridicularizasse sua pessoa e as suas 
afirmações sem conhecimento suficiente”. 
 
 
 
 
Figura 3 – Edição original do livro Exercitatio anatomica de motu cordis et sanguinis in animalibus de William 
Harvey, publicado em 1628. The Wellcome Museum of the History of Medicine/Science Museum, Londres (fotografia 
dos autores). 
 
 
CIRCULAÇÃO LINFÁTICA 
 
 Em 1661, Marcello Malpighi (1628-1694) descreve os capilares, uma rede que faz a junção 
entre as artérias e as veias, completando assim a compreensão do fenômeno circulatório. Em 1622, em 
Pádua, Gaspare Aselli já havia identificado os vasos linfáticos do mesentério durante a digestão. Um 
século antes outro italiano, Bartolomeo Eustachio, já havia descrito o canal torácico. Será, no entanto, 
o parisiense Jean Pecquet (1622-1674) quem completará o conhecimento sobre a circulação linfática. 
Pecquet identificou: os linfonodos e sua função; a terminação do que chamou de “vasos lácteos” na 
cisterna abdominal, que passou a se chamar cisterna de Pecquet; e, finalmente, o desaguar desta linfa na 
circulação venosa, no ângulo venoso da junção da subclávia com a jugular. 
A obtenção desses últimos conhecimentos só foi possível graças ao desenvolvimento do 
microscópio, aprimorado pelo comerciante e cientista holandês Antoni van Leeuwenhoek (1632-
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 10 
1723). Ele também observou, em 1674, os glóbulos vermelhos e seus movimentos, os espermatozóides, 
a estrutura do cristalino e os músculos estriados, além de numerosas observações sobre 
microrganismos. 
 
 
ANATOMIA FUNCIONAL (FISIOLOGIA) 
 
 Na segunda metade do século XVII houve grande evolução dos conceitos sobre o 
funcionamento do corpo humano (anatomia funcional), baseados na anatomia microscópica (histologia) e 
nos novos aparelhos de medida como, por exemplo, o termômetro inventado por Santorio Santorio 
(1561-1636), professor da Universidade de Pádua. Na verdade, desde Hipócrates era reconhecida a 
importância da temperatura corporal, mas o médico tinha apenas suas mãos para essa avaliação. Galileu 
construiu um termômetro em 1592, provavelmente o primeiro. Entretanto, esse termômetro não tinha 
escala e fazia apenas uma medida grosseira, sem aplicação médica. 
 As descobertas da anatomia funcional podem ser agrupadas, didaticamente, em: glândulas e suas 
secreções, digestão, respiração, músculos e cérebro. 
Todos os órgãos de formas arredondadas eram, até então, chamados glândulas e considerados 
órgãos menores, de pouca importância. Este conceito começou a ser mudado por Thomas Wharton, 
que redescobriu o ducto da glândula salivar submandibular, e por Nicolaus Steno, geólogo, anatomista 
e posteriormente bispo da igreja católica que, cerca de 1660, descreveu o canal excretor da parótida e 
sua anatomia topográfica, afirmou que produzia a saliva e que era diferente de outras glândulas das 
pálpebras, que produziam lágrimas; mudou o conceito de que as secreções das fossas nasais vinham do 
cérebro. Johann Georg Wirsung (1589-1643), médico e anatomista alemão, professor em Pádua, 
descreveu o ducto pancreático em 1642 durante a dissecção de um criminoso executado. Dois 
estudantes estavam presentes, o dinamarquês Thomas Bartholin (1616-1680) e o alemão Moritz 
Hoffman (1622-1698). Em vez de publicar sua descoberta, talvez por não saber qual a função do 
conduto, Wirsung gravou um desenho do ducto em uma chapa de cobre, a partir da qual imprimiu sete 
cópias que enviou aos principais anatomistas da Europa. Foi assassinado em 1643 por Giacomo 
Cambier, que dizia ter descoberto o ducto. Cinco anos depois, Moritz Hoffman reclamou a descoberta 
para si, mas sua afirmação jamais foi comprovada. O médico e anatomista inglês Francis Glisson 
(1597-1677) descreveu em detalhes o fígado, o estômago e os intestinos. O trabalho de Glisson sobre o 
fígado foi publicado em seu Anatomia Hepatis, cuja primeira edição é de 1654. Marcello Malpighi, 
entre 1665 e 1666, estudou a estrutura do fígado e dos rins, concluindo que esses órgãos eram 
formados de múltiplas glândulas com função de filtros. Mostrou que os pulmões também eram órgãos 
glandulares, formados por múltiplas vesículas que se dilatam com a entrada do ar e que têm relação 
direta com o sangue; em 1691 publicou sua obra De Pulmonibus. Malpighi também mostrou que o 
coração era formado por fibras musculares e usando um termômetro constatou que a temperatura do 
coração é a mesma que de outros órgãos, concluindo que o coração não era a fonte do calor interno do 
corpo, conceito vigente desde Galeno. 
Giovanni Alfonso Borelli, professor de matemática na Universidade de Pisa, tentou explicar os 
fatos da vida animal em termos mecânicos (iatrofísica), aplicando seus princípios na obra De motu 
animalium, em 1679. Borelli mostrou que a contração muscular se faz limitada à sua parte carnuda, se 
produz sob a influência dos nervos e que gasta energia para tal. Por outro lado, seguindo os conceitos 
de Jan Baptiste van Helmont, o médico e anatomista alemão Franciscus Sylvius (ou Franz de le 
Böe, 1614-1672) e o inglês Thomas Willis (1621-1675) afirmavam que todos os fenômenos 
fisiológicos podiam ser estudados em termos químicos (iatroquímica). Willis nasceu em Wiltshire e 
formou-se em Oxford, em 1646. Mudou-se para Londres seis anos depois e lá praticou a medicina sob 
as melhores condições existentes na época. Excelente observador, Willis foi o primeiro a notar a 
presença da glicose na urina dos diabéticos (c. 1670) e a descobrir e nomear a febre puerperal. 
Entretanto, é mais conhecido por seus trabalhos de neuroanatomia graças à obra Cerebri anatome (1664), 
ilustrada pelo famoso arquiteto inglês Sir Christopher Wren. O texto classificava os nervos cranianos e 
descrevia pela primeira vez o 11.º par (espinhal acessório) e o grupo de artérias comunicantes na base 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 11 
do crânio: polígono de Willis. 
O médico e neuroanatomista francês Raymond de Vieussens (1641-1715), professor de 
Montpellier, publicou em 1685 a Neurologia universalis na qual descreveu entre outras coisas a alça 
subclávia, chamada então de alça de Vieussens, queera a união dos gânglios simpáticos cervicais médio 
e inferior. Mostrou a correspondência entre os fatos clínicos e as constatações nas necropsias, iniciando 
o que se desenvolveria no século seguinte: a relação anatomoclínica. 
 
 
EMBRIOLOGIA, CONCEPÇÃO E OBSTETRÍCIA 
 
A utilização dos instrumentos ópticos levou os anatomistas a se interessarem pela embriologia e 
a procurar saber como os embriões se desenvolvem. A observação, com lupa e microscópio, dos ovos 
de galinha incubados no calor dá as bases da epigênese (teoria segundo a qual o desenvolvimento do 
embrião é gradual a partir de uma substância amorfa), totalmente oposta à teoria da pré-formação. 
Harvey, com seu livro Exercitationes de generatione animalium (Exercícios sobre a geração animal), 
mostra a teoria da epigênese contra a da pré-formação ainda defendida por Acquapendente, Malpighi e 
outros. Steno, em torno de 1670, constatou que os “testículos” dos mamíferos do sexo feminino 
possuíam ovos e propõe chamá-los então de ovários, pois ovarium significa fábrica de ovos. 
Em 1672, Reinier (Regnier) de Graaf (1641-1673) descobre o crescimento dos folículos 
ovarianos. Publicou a obra De mulierum organis generationi inservientibus tractatus novus (Novo tratado sobre 
os órgãos da mulher que servem à geração). Ainda hoje o folículo maduro, prestes a se romper com a 
aproximação da ovulação, é chamado “folículo de Graaf”. 
 Louise Bourgeois Boursier (1563-1636) foi uma famosa parteira francesa conhecida como “A 
Erudita” e uma das pioneiras da obstetrícia científica. Casada com Martin Boursier, cirurgião-barbeiro e 
discípulo de Ambroise Paré durante 20 anos, aprendeu anatomia com o marido e estudou sua futura 
prática nos livros de Paré. Era uma parteira incomum porque assistia tanto as mulheres pobres dos 
subúrbios de Paris quanto as nobres da corte, o que lhe conferiu grande experiência e habilidade. Como 
parteira da corte francesa atendeu a rainha Maria de Médicis (segunda esposa de Henrique IV) em 
todos os seus seis partos, entre eles o do futuro rei Luís XIII, a quem reviveu com um gole de vinho. 
Ela recomendava às outras parteiras que assistissem às dissecções para conhecerem melhor a anatomia 
feminina. Em 1609 publicou sua importante obra de obstetrícia e neonatologia Observations Diverses sur 
la sterilité, perte de fruict, foecondité, accouchements, & maladies des femmes, & enfants nouveaux naiz, amplement 
traitées, et heureusement praticquées par L. Bourgeois dite Boursier, Sage femme de la Royne (Observações diversas 
sobre a esterilidade, a perda do fruto, fecundidade, parto, doenças da mulher e do recém-nascido). 
Depois que Louise Bourgeois se retirou, Luís XIV estimulou que os partos fossem feitos por 
médicos. O termo obstetra foi criado. O mais importante obstetra da época foi François Mauriceau 
(1637-1709). Em seu famoso manual Des maladies de femmes grosses et de celles qui sont accouchés (A respeito 
das doenças das mulheres grávidas e parturientes), estabelece que as malformações não são causadas 
pelos maus pensamentos das mulheres durante a gravidez, nem que as manchas vermelhas observadas 
na pele dos recém-nascidos são causadas pelo fato de suas mães terem bebido vinho. 
 
 
MEDICINA CLÍNICA 
 
A maior figura da medicina clínica no século XVII foi o inglês Thomas Sydenham (1624-
1689) que estudou em Oxford, Montpellier e Cambridge. Sua simples e sensata teoria de medicina 
preconizava que a causa de todas as doenças residia na natureza e que a própria natureza possuía um 
instinto para curar a si mesma. Advogava o ar fresco nos quartos dos enfermos. Para Sydenham, o 
médico deveria identificar as doenças e classificá-las tal como os naturalistas faziam na classificação das 
plantas; por esse motivo, acreditava que o único lugar onde os médicos podiam aprender sobre as 
doenças era ao lado do leito do paciente. Descreveu a gota e a febre reumática. Desenvolveu, com 
sucesso, o uso do quinino. 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 12 
No século XVII, a utilização da casca de quina foi a grande inovação no domínio da terapêutica, 
com a descoberta dos efeitos do quinino (um alcaloide com propriedades antipiréticas, antimaláricas e 
analgésicas). Na verdade, os índios do Peru já a usavam contra a febre. O termo “febres” hoje significa 
a elevação da temperatura do corpo. No século XVII os médicos não tinham como medir a 
temperatura e a palavra designava qualquer mal-estar geral acompanhado de calor interno excessivo. A 
cinchona (árvore da quina) recebeu este nome no século XVIII , dado pelo botânico, zoólogo e médico 
sueco Carlos Lineu (Carl von Linné, 1707-1778) em honra à condessa de Chinchón, esposa de Luis 
Jerónimo de Cabrera y Pacheco, vice-rei do Peru de 1629 a 1639. Há uma versão controversa de que a 
condessa (possivelmente a primeira esposa do vice-rei, Ana Osorio Manrique) teria adoecido 
gravemente com febre terçã (malária) em 1638, sendo tratada por curandeiros nativos com a casca da 
árvore da quina; no ano seguinte, ao voltar para a Espanha, a condessa teria levado com ela uma grande 
quantidade da casca. Outra versão diz que foi o jesuíta Bernabé Cobo (1582-1657) quem introduziu o 
quinino na Europa, levando as cascas de Lima para a Espanha e depois para a Itália, em 1632. 
Apesar dos avanços da medicina e da melhoria das condições de vida, a Europa sofreu 
epidemias tão ruins ou piores que as da Idade Média: escorbuto no norte da Europa e na Escandinávia; 
malária, que matou 40 mil pessoas na Itália e em 1650 ressurgiu na Inglaterra; febre tifóide na França, 
Alemanha e Países Baixos; varíola, que devastou o leste da Europa; peste bubônica, que voltou em sua 
eclosão mais séria desde a peste negra do século XIV. Em 1628, a peste bubônica matou a metade da 
população de Lyon e um milhão de pessoas no norte da Itália. Alastrou-se pela Alemanha e Holanda e, 
em 1665, houve a grande praga de Londres quando morreram cerca de 75 mil pessoas. Médicos pouco 
capazes eram designados para tratar as vítimas. Vestiam longas roupas de couro, máscaras com buracos 
preenchidos com vidro para os olhos e um bico longo contendo substâncias aromáticas, que se 
esperava fossem protetoras, e uma vara para tomar o pulso dos pacientes (figura 4). 
 
 
 
 
Figura 4 – À esquerda, gravura de Paul Fürst (1656): o Dr. Schnabel (Dr. Bico) de Roma, durante a Peste 
Negra. À direita, em A e B, a vestimenta do médico da peste (Musée de la Médecine de l’Université libre de 
Bruxelles, Bélgica); em C, recipientes esféricos ou ovais em peltre (uma liga de zinco, chumbo e estanho) 
com pequenas perfurações, dentro dos quais eram colocadas esponjas embebidas em vinagre aromático 
que, dentro da máscara e próximas do nariz, supostamente, protegeriam dos “miasmas” transmissores da 
doença (Museo di Storia della Medicina, Università di Roma La Sapienza). Fotografias dos autores. 
 
 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 13 
MEDICINA NO SÉCULO XVIII 
 
 Formalmente, o século XVIII compreende os anos 1701 a 1800 (inclusive). É conhecido 
também com o “Século das Luzes”. Século de grandes mudanças políticas e idealismos revolucionários 
que se estendiam por todas as áreas do saber, diminuindo a influência do dogmatismo. Surgia a figura 
do médico cuja prática se baseava em sólidos conhecimentos científicos. Os médicos do século XVIII 
viviam como fidalgos, eruditos e respeitados, usavam roupas e perucas elegantes e geralmente traziam 
consigo uma bengala encastoada em ouro. Eram homens de recursos. As receitas representavam parte 
substancial dos rendimentos de um médico. A fé em remédios era tão grande que uma grande colher 
para remédios era um item normal em enxovais de noivas. 
 Os europeus começavam a desenvolver a atitude de aceitar somente o que era diretamente 
observável e passível de reprodução por meioda experiência. Era o resultado da crescente valorização 
dos métodos experimentais que formavam a base das pesquisas científicas desde os tempos de Galileu. 
Foram desenvolvidas teorias que disputavam o lugar ocupado durante os 1500 anos anteriores pelas 
idéias galênicas. Entre elas: iatroquímica; iatromecânica; animismo; vitalismo; brownismo; mesmerismo; 
homeopatia. 
 
 Iatroquímica 
 A iatroquímica, formulada na segunda metade do século XVII, foi o primeiro sistema a romper 
abertamente com o galenismo. Embora inspirada nas interpretações químicas de Paracelso, afastou-se 
destas e apoiou-se nas correntes filosóficas do seu tempo (mecanicismo cartesianismo, indutivismo de 
Bacon). Para a escola iatroquímica as doenças deveriam ser interpretadas quimicamente e, em 
consequência, a terapêutica a ser instituída compreendia necessariamente a administração de 
medicamentos químicos apropriados. 
 Já citados anteriormente, grandes nomes da iatroquímica foram Jan van Helmont, Sylvius e 
Thomas Willis. Jan Baptist van Helmont, seguidor de Paracelso, defendeu a existência de agentes 
químicos específicos das doenças (archaei) contra a teoria do desequilíbrio humoral e estudou a digestão 
como processo químico. Franz de le Böe Sylvius (ou Sílvio) era um dos mais conceituados 
professores de medicina de seu tempo e elaborou uma fisiologia que se baseava em processos de 
fermentação e de reações de ácidos e bases. Ele entendia a doença como um excesso de acidez ou 
alcalinidade, ou seja, seriam alterações fermentativas que denominava acrimônia; considerava que a 
acrimônia ácida era mais benigna. Sílvio preconizava o tratamento por meio de dietas, medicamentos 
químicos e, se necessários, procedimentos cirúrgicos. Thomas Willis foi o maior expoente da 
iatroquímica inglesa e expôs teorias semelhantes às de Sílvio. Willis chamava a fermentação anormal de 
intempéries. Em seu livro Pharmaceutica rationalis (1674-1675) procurou explicar o mecanismo de ação dos 
medicamentos no sangue, no tubo digestivo e nos diferentes órgãos. 
 No século XVIII destacou-se Hermann Boerhaave (1668-1738), médico, botânico e 
humanista holandês, professor de medicina na cidade de Leiden, Holanda. Muito famoso em sua época, 
era conhecido até na China e foi chamado de “Hipócrates holandês” e “professor da Europa”. Conta-
se que um mandarim chinês lhe enviou uma carta que era endereçada ao “ilustre Boerhaave, médico na 
Europa” e que a carta chegou a seu destino. Foi também professor de química e hábil experimentador. 
Na verdade, era um cartesiano e aceitava os conceitos da iatrofísica (iatromecânica). Refutava os 
alquimistas, mas pertencia a um grupo de químicos para os quais era necessário fazer experiências e a 
partir delas tirar conclusões. Entre seus feitos está o de isolar a ureia da urina. É considerado o 
fundador do ensino clínico e do hospital acadêmico moderno, tendo criado um sistema de 12 camas no 
hospital de sua cidade para ensinar seus alunos combinando a teoria com a prática. Uma de suas 
principais realizações foi demonstrar a relação dos sintomas com as lesões. Era considerado um 
sistemático; sua doutrina médica englobava conceitos galênicos, algumas vertentes das doutrinas 
iatroquímicas, o sistema iatromecânico e influências de Thomas Sydenham. Entre seus discípulos 
destacam-se Albrecht von Haller e Carl von Linné (Carlos Lineu). 
 
 Iatromecânica 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 14 
 Outro sistema que pretendeu romper com a tradição galênica. A iatromecânica (ou iatrofísica) 
interpretava os processos fisiológicos e patológicos por meio de leis físicas; considerava que o 
organismo humano era semelhante a uma máquina e também se inspirou no mecanicismo cartesiano e 
na física newtoniana, assentando todos os modelos construídos nos séculos XVII e XVIII em uma base 
comum irredutível que era o cálculo matemático e físico. Os conceitos de “humor” deram lugar ao 
conceito de “fibra”, que foi tida como o elemento fundamental do organismo. A fundação da 
iatromecânica é atribuída a Santorio Santorio, médico e fisiologista italiano. Santorio publicou no livro 
De Statica Medicina (1614) seus estudos de três décadas sobre a “perspiração insensível”, relacionando o 
peso dos alimentos que ingeria com o peso de suas excreções e verificando que este último era menor. 
Santorio estabeleceu quantitativamente as bases do metabolismo basal e desenvolveu vários 
instrumentos para auxiliar esta investigação, como o termômetro graduado (c. 1605) e o pulsilógio, para 
medir o pulso. Giovanni Borelli, também já citado, foi o nome mais relevante entre os iatromecânicos 
e pretendeu explicar os fenômenos vitais em causas suportadas por razões mecânicas. Borelli adaptou 
as concepções físico-matemáticas de Galileu à medicina, associadas às doutrinas anatômicas de Vesálio 
e da circulação do sangue de Harvey. 
 No início do século XVIII, o nome mais importante da iatrofísica era o de Giorgio Baglivi 
(1668-1707), nascido Duro (Gjuro) Armeno na República de Ragusa (atual Dubrovnik, na Croácia). 
Órfão, foi adotado por um importante médico da cidade de Lecce, na Itália, chamado Pietro Angelo 
Baglivi. De início foi aprendiz de seu pai adotivo e posteriormente foi estudar, entre outras cidades, em 
Salerno, Pádua e Bolonha; nesta última foi aluno de Antonio Maria Valsalva e Marcello Malpighi. Foi 
para Roma em 1692, como assistente de Malpighi, e em 1695 tornou-se professor de anatomia na 
Universidade La Sapienza e segundo médico do Papa Inocêncio XII. Baglivi continuou suas pesquisas 
em fisiologia experimental e microscopia mesmo exercendo a prática clínica, o que não era comum na 
época. Certamente por essa razão seus trabalhos revelam uma compreensão sofisticada da estrutura e 
da função de vários órgãos, especialmente dos pulmões. Em seu clássico trabalho De fibra motrice, 
publicado em 1700, diferencia pela primeira vez os músculos lisos dos estriados. Como médico 
praticante faz a primeira descrição clínica adequada do edema pulmonar. 
 Porém, a iatrofísica trouxe poucas inovações e acabou esquecida. 
 
 Animismo e vitalismo 
 O animismo foi uma teoria proposta, por volta de 1720, pelo médico e químico alemão Georg 
Ernst Stahl (c. 1660-1734), partindo do princípio de que a vida é a atividade da alma (anima) e a doença, 
a conseqüência do mau direcionamento da alma. Stahl considerava que o “tônus” ou “pletora” era uma 
condição patológica e, desdenhoso da anatomia e da fisiologia, prescrevia sangrias copiosas para reduzir 
a pletora e pílulas balsâmicas para estimular o movimento curativo da anima; acreditava, ainda, em 
remédios secretos que tinham efeitos benéficos por sugestão. 
 Stahl também desenvolveu a teoria do flogisto (do grego chama, e significa inflamável ou 
queimado) segundo a qual os corpos combustíveis teriam um princípio ígneo: o flogisto. O flogisto seria 
liberado no ar durante os processos de combustão (no caso de material orgânico) ou de calcinação (no 
caso de metais). Quando o flogisto se desprendia, passava a outra substância capaz de recolhê-lo e dava 
lugar a um movimento que era origem do calor e do fogo vistos habitualmente durante. É possível que 
a teoria do flogisto tenha retardado a descoberta do oxigênio por várias décadas, já que somente em 
1773 Antoine-Laurent Lavoisier (1743-1794) demonstrou a inexistência do flogisto. 
 Uma outra teoria, tão especulativa quanto a de Stahl, foi desenvolvida por Théophile de 
Bordeu (1722-1776), médico formado em Montpellier: a da “força vital”. Bordeu considerava que três 
importantes órgãos do corpo – estômago, coração e cérebro – elaboravam uma secreção cuja 
concentração adequada na corrente sanguínea ajudava a manter a saúde. Por essa razão, Bordeu é 
considerado um pioneiro da endocrinologia. O vitalismo exerceu grande influência durante todo o 
século, atingindo grande popularidade graças aos esforços de umprofessor de Montpellier, Paul 
Joseph Barthez (1734-1806). 
 Um importante vitalista foi William Cullen (1710-1790), professor em Glasgow e Edimburgo 
(na Escócia), que descreveu a teoria da “energia nervosa”. Ele considerava a propriedade da vida como 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 15 
devida a um fluido nervoso que determinava o tônus das partes corporais sólidas. Modificações nesse 
tônus causavam espasmos ou atonia e, em conseqüência, a doença. Foi o primeiro a cunhar o termo 
neurose, que para ele significava irritabilidade, nervosismo, estado de ânimo deprimido e outros 
sintomas semelhantes produzidos pela alteração do sistema nervoso ou, de acordo com sua própria 
teoria, dos “fluidos neurais”. 
 
 Brownismo 
 Invenção do ex-estudante de teologia e médico escocês John Brown (1735-1788), que 
considerava que a excitabilidade era a base da saúde corporal e que as moléstias eram estênicas ou 
astênicas, segundo o grau de excitação. O tratamento seria então sedativo (ópio) ou estimulante 
(álcool). Esse sistema se tornou popular nos Estados Unidos, na Alemanha e na Itália e, de acordo com 
a história, teria causado mais mortes do que a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas. De fato, o 
próprio Brown se tornou viciado em álcool e em narcóticos. 
 
 Mesmerismo 
 Franz Anton Mesmer (1734-1815), médico alemão, formou-se em Viena com a tese De 
planetarum influxu, na qual explicava que os planetas exerciam influência sobre os tecidos do corpo 
humano tanto na saúde quanto na doença. Esse fenômeno era atribuído à existência de um misterioso 
fluido chamado “magnetismo animal”. Introduziu a terapia magnética que consistia em tocar os 
pacientes com as mãos em sessões especiais nas quais induzia um transe hipnótico nos mesmos, na 
imensa maioria mulheres. Tinha sucesso com as doenças que hoje chamamos de psicossomáticas, pois 
nesses doentes Mesmer mostrou o poder da imaginação. Um dos alunos de Mesmer observou que os 
melhores efeitos ocorriam com as pessoas inconscientes de qualquer outro estímulo durante as sessões, 
que se concentravam apenas na “banheira magnetizadora” (figura 5) aceitando tudo que lhes fosse 
sugerido. Ao acordar do transe de nada se lembravam, efeito esse característico da hipnose. 
 
 
 
 
Figura 5 – Banheira de Mesmer. A banheira magnetizadora condensava o fluido distribuído por 
Mesmer; em torno dela ficavam os pacientes. Musée Flaubert et d’histoire de la médicine, Rouen, França 
(fotografia dos autores). 
 
 Homeopatia 
 Christian Samuel Hahnemann (1755-1843), médico alemão, observou que o uso de 
substâncias em dosagem mínima, se ingeridas em maior quantidade, provocariam sintomas semelhantes 
aos da doença que pretendia curar. Considerava que as doenças só se curam quando são destruídas por 
outras análogas e mais intensas: similia similibus curantur. Constatou esse fato nele mesmo, em 1790, com 
 
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a quinina. A homeopatia teve seu maior desenvolvimento no século XIX e atualmente é considerada 
um tipo de medicina alternativa em diversos países. No Brasil, a partir de 1979 passou a constar no 
“Conselho de Especialidades Médicas” da Associação Médica Brasileira e, em 1980, das especialidades 
aceitas pelo Conselho Federal de Medicina, passando a fazer parte das chamadas medicinas integrativas. 
 
 Várias dessas teorias médicas seguiram a sugestão de Thomas Sydenham (de que a enfermidade 
devia ser estudada do mesmo modo que outros objetos do mundo natural) e classificaram as doenças 
em: classes, ordens e gêneros (como se faz com plantas e animais). A tendência ao estudo sistemático 
crescia em vários setores. Na área das ciências naturais, por exemplo, o médico e botânico sueco Carl 
von Linné (Carlos Lineu) desenvolveu um sistema de classificação de plantas e animais, colocando o 
homem na categoria dos primatas sob o nome de Homo sapiens. Inspirando-se em Lineu, François 
Boissier De Sauvages De Lacroix (1706-1767), professor da Faculdade de Medicina de Montpellier, 
publicou em 1763 uma classificação das doenças de acordo com os sintomas. Assim, Boissier de 
Sauvages se tornou o fundador da nosologia (ramo da medicina que estuda e classifica as doenças). 
 A descoberta dos parasitas intestinais, principalmente as tênias, pelo médico e naturalista italiano 
Antonio Vallisneri (1661-1730) levou a debates sobre a natureza parasitária das doenças e sobre a 
origem dos parasitas. 
 Alguns fatos foram marcantes na medicina no século XVIII: a anatomia patológica foi 
reconhecida como uma ciência; avanço no diagnóstico clínico com a descoberta da percussão como um 
método de exploração física; emancipação da cirurgia; tratamento dos insanos; início da saúde pública 
com a generalização do uso da vacina de Edward Jenner contra a varíola; descoberta do oxigênio. 
 
 
ANATOMIA PATOLÓGICA 
 
 Giovanni Battista Morgagni (1682-1771), nascido em Bolonha e professor de anatomia na 
Universidade de Pádua, é considerado o fundador da anatomia patológica contemporânea. O grande 
patologista Rudolf Virchow (1821-1902) o definiu como o “pai da patologia moderna”. Morgagni 
publicou, em 1761, a obra De sedibus et causis morborum per anatomen indagatis (Sobre os locais e as causas 
das doenças). Essa obra seria completada mais tarde com 700 observações anatomoclínicas. Morgagni 
foi um grande cientista que usou, sistematicamente, o método experimental em suas pesquisas. Além de 
pesquisador, foi médico hábil e muito procurado. Era tão conceituado, inclusive internacionalmente, 
que quando sua cidade foi invadida por exércitos inimigos, em duas ocasiões, os comandantes deram 
ordens expressas de que ele e sua família não fossem incomodados. 
 Morgagni descreveu numerosas estruturas anatômicas, sendo as principais e mais conhecidas 
com seu nome: cisto pediculado ou hidátide pediculada de Morgagni (apêndice do epidídimo); cisto 
séssil ou hidátide séssil de Morgagni (apêndice do testículo); colunas de Morgagni (colunas anais); 
glândulas ou tubérculos de Morgagni (glândulas areolares); válvulas de Morgagni (válvulas anais); criptas 
de Morgagni (seios anais); concha de Morgagni (concha nasal superior); nódulos de Morgagni (nódulos 
das válvulas semilunares da aorta; triângulo de Morgagni (espaço retroesternal); forame cego de 
Morgagni (forame cego da língua). Descreveu também condições patológicas: hidronefrose, tumores 
renais, epipádia, onfalocele, gastroquise, espinha bífida etc. 
 Assim estabeleceu-se a anatomopatologia, termo já criado pelo médico e químico alemão 
(prussiano, na época) Friedrich Hoffmann (1660-1742), que defendia um sistema mecânico-dinâmico 
baseado na anatomia e na física. Hoffman, que era colega e grande rival de Georg Stahl na Universidade 
de Halle, acreditava que a vida dependia do movimento das partes sólidas e das partes líquidas, 
revelando-se nos fenômenos da circulação e no estado de tensão das fibras; esses movimentos 
diferenciavam organismos vivos de organismos mortos. Para Hoffmann, o princípio vital era o éter, 
que causava os movimentos do corpo. O éter, de acordo com sua concepção, circulava por todo o lado, 
penetrando no organismo através da respiração e sendo transportado a todo o organismo pelo sangue. 
Assim, com base nas teorias da iatromecânica, sempre que houvesse uma perturbação na circulação do 
éter apareceria a doença por alteração do estado de tensão das fibras – quer por espasmo no caso das 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 17 
doenças agudas, quer por atonia nas moléstias crônicas. Essas doenças podiam ser tratadas com 
medicamentos sedativos ou estimulantes. Hoffman contribuiu para a clínica médica ao diminuir a 
exuberante farmacopéia da época (que incluía centenas de produtos) para dez ou 12 remédios que 
acreditava serem realmente eficazes. Foi defensor da introduçãodo ópio e do ferro na terapêutica e 
inventor do “licor anódino” (uma mistura em partes iguais de éter e álcool concentrado, conhecido sob 
a designação de licor anódino mineral de Hoffmann e ainda hoje citado pela farmacopeia). O anódino de 
Hoffmann servia para tratar cólicas intestinais, dor de ouvido, dor de dente, pedras nos rins, cálculos 
biliares, menstruação dolorosa e muito mais. Os medicamentos que formulou lhe deram fama e 
fortuna. Também esteve entre os primeiros a descrever a apendicite e a rubéola e a reconhecer o papel 
regulador do sistema nervoso. 
 
 
DIAGNÓSTICO CLÍNICO 
 
 Na segunda metade do século XVIII a medicina fez progressos reais na área do diagnóstico 
clínico com o médico austríaco Josef Leopold Auenbrügger (1722-1809), que inventou a percussão 
do tórax com base na experiência adquirida com seu pai, que batia os dedos nos barris para verificar a 
quantidade de vinho. Nessa época os principais recursos diagnósticos eram a história clínica e a inspe-
ção; o exame físico consistia em contar a respiração e o pulso. A medida da temperatura do corpo havia 
sido introduzida há pouco e ainda não era uma prática padronizada. O estetoscópio ainda não havia 
sido inventado. Entretanto, o trabalho de Auenbrügger foi praticamente ignorado e só foi recuperado 
em 1808, depois de traduzido por Jean-Nicolas Corvisart (1755-1821), médico do Imperador 
Napoleão Bonaparte, para o francês. 
 
 
CIRURGIA E ANATOMIA 
 
 O século XVIII testemunhou a emancipação da cirurgia e seu rápido crescimento como 
disciplina, especialmente na França. O rei Luís XIV ficou grato por ter sido curado de uma fístula anal 
por Charles-François Félix De Tassy (1653-1703), então primeiro cirurgião da corte real, em 1686. No 
ano de 1715, Luís XV, bisneto de Luís XIV, mediante um decreto oficial ordenou às escolas de 
medicina da França que incluíssem o ensino da cirurgia em seus planos de estudo. 
 Vários anatomistas descreveram estruturas que, desde então, receberam os nomes dos seus 
descobridores. Alguns exemplos são citados a seguir. 
 O cirurgião francês Jean Louis Petit (1674-1750), que já fazia operações na mastoide e foi um 
dos primeiros a extrair o cristalino (lente), introduziu o garrote para as hemorragias e recomendou a 
remoção cirúrgica de linfonodos comprometidos (metastáticos) nos casos de câncer. Ficou famoso pela 
área triangular lombar, o triângulo de J. L. Petit (crista ilíaca, bordas do músculo grande dorsal e 
músculo oblíquo ex-terno do abdome), hoje denominado trígono lombar inferior. 
 Antonio Maria Valsalva (1666-1723), médico e anatomista italiano, foi o aluno favorito e 
sucessor de Marcello Malpighi na Universidade de Bolonha. Dedicou sua vida ao ensino, à pesquisa 
científica e à prática da medicina. Foi notável anatomista, patologista habilidoso, fisiologista, excelente 
médico e cirurgião. Descreveu os seios de Valsalva na válvula aórtica e a manobra de Valsalva que consiste 
em exalar o ar contra lábios fechados e nariz tapado, forçando o ar em direção ao ouvido médio: 
aumenta as pressões intratorácica e arterial e diminui o retorno venoso ao coração. 
 Jacob Benignus Winslow (1669-1760), anatomista dinamarquês, descreveu o forame omental 
ou forame epiplóico, o hiato de Winslow, cuja parede anterior é o pequeno omento por dentro do qual 
passam artérias e ductos hepáticos e a veia porta. 
 Victor Albrecht von Haller (1708-1777), médico, poeta e naturalista suíço, é considerado o 
mais notável dos discípulos de Boerhaave. Um dos gigantes intelectuais do século XVIII e talvez um 
dos últimos polímatas da história, foi brilhante nos trabalhos que desenvolveu em anatomia, cirurgia e 
fisiologia (é considerado o “pai da fisiologia científica”) e na botânica. Mas também foi matemático, 
 
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romancista, poeta, filósofo, teólogo, político e historiador da medicina. Seus melhores estudos 
anatômicos foram os que dedicou à angiologia, tendo aprendido com Frederick Ruysch (1638-1731) a 
técnica da injeção vascular. Porém seus trabalhos mais importantes são os de fisiologia, denominada 
por ele de anatomia animata. Baseado em seus experimentos demonstrou que a irritabilidade e a 
contratilidade são fenômenos exclusivos da fibra muscular e que a sensibilidade é uma propriedade 
específica do nervo. Haller também estudou a fecundação nos mamíferos e chegou a descobrir o 
desprendimento do óvulo pelo ovário, assim como a formação do corpo lúteo. Descreveu a alça de 
Haller (ramo comunicante entre os nervos facial e hipoglosso); o fundo de saco de Haller (seio oblíquo do 
pericárdio seroso); o tripé de Haller (tronco celíaco); o lóbulo de Haller (processo caudado do fígado). 
 John Hunter (1728-1793), cirurgião escocês, descreveu o canal de Hunter (canal dos adutores) e 
o gubernaculum de Hunter (gubernaculum testis). John Hunter era um experimentador por natureza e, 
supostamente, foi vítima de uma de suas próprias experiências. Na tentativa de descobrir se a gonorreia 
e a sífilis eram duas doenças distintas ou formas diferentes de uma mesma doença injetou em si mesmo 
o pus de um paciente. Como o paciente era portador de ambas as doenças, Hunter acabou por afirmar 
erroneamente que a gonorreia e a sífilis eram uma coisa só. Uma versão refere que depois teve um 
aneurisma sifilítico da aorta que causou sua morte. William Hunter (1718-1873), médico, obstetra e 
anatomista escocês, irmão mais velho de John, foi autor da obra monumental The anatomy of the gravid 
uterus. Descreveu o ligamento de Hunter (ligamento redondo do útero) e a linha de Hunter (linha alba). 
 
 
DOENÇA MENTAL 
 
 No século XVIII os médicos começaram a diferenciar e classificar as doenças psiquiátricas. Os 
antigos métodos violentos cederam lugar a cuidados especiais. Os hospícios foram transformados em 
asilos onde os insanos eram tratados de maneira digna em vez de apodrecerem acorrentados em prisões 
escuras e imundas. Esse movimento teve início na Itália com Vincenzo Chiarugi (1759-1820). Mas foi 
na França que Philippe Pinel (1745-1826), no manicômio de Bicêtre (1793), mostrou na prática que as 
pessoas insanas podiam ser tratadas por médicos sem qualquer perda de dignidade. A propósito, foi em 
Bicêtre que um tapeceiro chamado Guilleret inventou a camisa de força no ano 1770. Em 1795, Pinel 
tornou-se o médico-chefe do Hospital de La Salpêtrière (cargo que manteve durante toda a vida), onde 
desenvolveu seu método de psiquiatria clínica. Pinel, que era adepto do vitalismo, manteve registros 
precisos dos progressos de seus pacientes mentais e pode ser perfeitamente considerado o fundador da 
moderna psiquiatria. 
 
 
MEDICINA PREVENTIVA. VACINAÇÃO 
 
 As modificações políticas, sociais e econômicas havidas no final do século XVIII levaram ao 
aparecimento de disciplinas médicas com enfoque social: higiene, medicina legal e medicina militar. A 
partir de então começou a ser reconhecida a importância da prevenção por parte da comunidade 
médica e mesmo da população em geral. 
 O médico e higienista alemão Johann Peter Frank (1745-1821) foi uma figura importante no 
início da história da medicina social e da saúde pública. Publicou a obra System einer vollständigen 
medicinischen Polizey (Um sistema completo de política médica), em nove volumes, na qual são abordados 
detalhadamente todos os aspectos da higiene e da saúde publica. Frank também enfatizou a 
importância para os hospitais de manterem registros estatísticos exatos. Relata-se que foi o sistema de 
compilação de dados de Frank que permitiu ao obstetra húngaro Ignaz Semmelweiss (1818-1865) 
demonstrar a correlação entre a sepse puerperal e as práticas obstétricas anti-higiênicas. 
 Uma das consequências dessa abordagem preventiva foi a vacinação antivariólica e Edward 
Jenner (1719-1813), médico inglês, foi o principal protagonista da prevenção da varíola,que sempre 
causara epidemias mortíferas. Na Inglaterra do século XVIII, a varíola era responsável por cerca de 
10% das mortes. Jenner aos 13 anos já era assistente de um cirurgião perto de Bristol, tendo lá ficado 
 
Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 19 
durante seis anos. Certa vez, uma jovem camponesa foi ao consultório e lhe disse que não corria risco 
de contrair a varíola, pois já tivera a varíola das vacas. Jenner comprovou esse fato ao observar as 
famílias dos fazendeiros. Aos 21 anos foi para Londres onde se tornou aluno e amigo de John Hunter. 
Em 1771, retornou a Berkeley, sua cidade natal, para se tornar um médico da comunidade. Em 
Gloucestershire já era de conhecimento geral que as jovens leiteiras vítimas da varíola das vacas eram 
imunes à varíola humana. 
 A variolização ou variolação já era conhecida na Europa desde 1717, graças a Lady Mary 
Montagu (1689-1762), esposa do embaixador inglês em Constantinopla, que vira a prática entre os 
turcos. A variolização era feita colocando-se fluidos de pessoas portadoras de tipos mais brandos de 
varíola em locais escarificados, para reproduzir a forma benigna da doença, prevenindo a evolução de 
formas mais graves. O método não era isento de perigo, podendo provocar uma forma virulenta de 
varíola. 
 Jenner passou a estudar o problema de forma sistemática e em 14 de maio de 1796 extraiu o 
conteúdo de uma pústula da mão de Sarah Nelmes, uma jovem leiteira afetada pela varíola das vacas, e 
inoculou-o no braço de um menino de oito anos, filho de seu jardineiro, chamado James Phipps. James 
apresentou febre baixa e desconforto nas axilas; nove dias após o procedimento sentia frio e perda do 
apetite, mas recuperou-se. Em 01 de julho de 1796 o menino foi inoculado com varíola humana e não 
desenvolveu a doença. Jenner repetiu a experiência em outras pessoas, inclusive no próprio filho. Seu 
estudo foi publicado em 1798 sob o título de An inquiry into the causes and effect of the variolae vaccina (Uma 
investigação sobre as causas e efeitos da vacina contra a varíola). 
 A inoculação de uma doença animal no homem provocou reações sarcásticas e de ordem moral, 
mas a vacina contra a varíola tornou-se conhecida e acabou sendo praticada em toda a parte. Jenner 
ganhou finalmente o justo reconhecimento em 1802, recebeu grande prêmio em dinheiro e foi 
nomeado pelo governo para o cargo de diretor do recém-inaugurado Instituto de Vacinação. Mas se 
sentia aborrecido por não conseguir explicar como funcionava seu sistema. Mais 100 anos seriam 
necessários para que os aspectos básicos da imunização fossem conhecidos. Louis Pasteur (1822-
1895), químico francês, então rendeu homenagem a Jenner, propondo que o termo vacinação tivesse 
um significado mais amplo, como hoje é usado. 
 
 
DESCOBERTA DO OXIGÊNIO 
 
 Com relação à descoberta do oxigênio, deve ser esclarecido o papel do químico parisiense 
Antoine Lavoisier, nascido em 1743 e morto na guilhotina em 1794. Esse gás foi descoberto 
independentemente pelos químicos Carl Wilhelm Scheele (em 1772) e Joseph Priestley (em 1774). 
Lavoisier refez as experiências de Priestley e reformulou-as, podendo então compreender melhor as 
características do novo gás (chamado por Priestley de ar desflogisticado). Lavoisier confirmou que a 
combustão (no caso de materiais orgânicos) e a calcinação (no caso dos metais) correspondiam à 
combinação do oxigênio com outros materiais. Suas experiências com o oxigênio lhe permitiram refutar 
a teoria do flogisto. Lavoisier deu ao novo gás o nome de oxigênio (produtor de ácidos, em grego), porque 
considerava – erradamente – que todas as substâncias provenientes de uma calcinação originavam 
ácidos em que o oxigênio se encontrava, obrigatoriamente, presente. O conhecimento da composição 
do ar foi de grande importância para o posterior entendimento da fisiologia da respiração. 
 
 
GRANDES HOSPITAIS E ESCOLAS MÉDICAS 
 
 No século XVIII houve ainda dois fatos de grande importância para o desenvolvimento 
posterior da medicina: (1) A criação dos grandes hospitais, como os de Paris (dentre eles o Hôtel-Dieu, 
criado em 651 e reconstruído no século XIX, após um incêndio em 1772 e o Hospital Necker, fundado 
em 1778 e no qual trabalhava René Laennec [1781-1826] quando inventou o estetoscópio em 1816), o 
Allgemeine Krankenhaus (Hospital Geral) de Viena e o Hospital La Charité em Berlim. (2) O 
 
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desenvolvimento de importantes escolas clínicas em várias capitais européias, como a École de Paris e a 
“Nova” Escola de Viena. 
 
 
MÉTODOS DE TRATAMENTO 
 
 A despeito do grande desenvolvimento da química, houve poucos avanços terapêuticos no 
século XVIII. Continuavam sendo usadas as antigas práticas das ventosas, sangria e purga. A sífilis e 
outras doenças venéreas continuavam sendo tratadas com doses maciças, frequentemente fatais, de 
mercúrio. A teriaga continuava em uso, assim como a cocção de casca de cinchona contra febres de 
todos os tipos. 
 Mas, sem dúvida, a droga mais importante introduzida durante o século XVIII foi a digitalis 
(digital). A espécie mais conhecida de digitalis é a Digitalis purpurea L., da qual se extrai a digitalina, um 
glicosídeo de potente ação cardiotônica. Seu valor no tratamento da hidropsia foi anunciado em 1785 
por William Withering (1741-1799), médico, químico, botânico e geólogo inglês, após muitos anos de 
estudo. 
 
 
REFERÊNCIAS/LEITURA SUGERIDA 
 
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