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MEDICINA NA IDADE MODERNA Elaine M. O. Alves Paulo Tubino A Idade Moderna é o período da história ocidental compreendido entre meados do século XV e o final do século XVIII. De acordo com os historiadores franceses, começa em 1453 quando Constantinopla foi tomada pelos turcos e termina em 1789 com a Revolução Francesa. O período posterior à Revolução Francesa é a Idade Contemporânea. Porém, para os anglo-saxões ainda estamos na Idade Moderna. Assim, essas datas devem ser consideradas simplesmente indicativas. Na Idade Moderna houve três grandes acontecimentos marcantes que provocaram mudanças significativas: a expansão marítima, com a descoberta de novas terras, povos e produtos; o Renascimento cultural; a Reforma Protestante. Resumiremos alguns dos motivos apontados por Laín Entralgo (2006), como determinantes da passagem da Idade Média para a Idade Moderna: – MOTIVOS DE ORDEM SOCIAL: a) O rápido desenvolvimento do espírito burguês, ou seja, o aparecimento de uma moral de trabalho e de uma economia urbana, artesanal e comercial. b) Uma consciência crescente da própria individualidade. c) A necessidade da experiência frente ao prestígio da tradição. – MOTIVOS DE ORDEM HISTÓRICA: a idéia do progresso, que era religiosa e teológica durante a Idade Média, se torna cada vez mais secularizada. – MOTIVOS DE ORDEM INTELECTUAL: o crescente cansaço produzido pela mera repetição de saberes que eram produto da cristianização da filosofia e da ciência dos gregos antigos, eventualmente corrompidos depois de repassados de suas fontes originais para o árabe e do árabe para o latim. – MOTIVOS DE ORDEM GEOGRÁFICA: A descoberta da América que infundiu no homem medieval uma consciência planetária. Com o fim da Idade Média iniciou-se um movimento cultural caracterizado pela volta do interesse pelos conhecimentos antigos, por meio do estudo direto das obras gregas e romanas, valorizando o humanismo. O ser humano se torna o centro da preocupação dos homens. É o que chamamos hoje Renascimento. Levando em conta a grande variação nas datas conforme a região considerada e os diferentes autores, pode-se considerar que o Renascimento corresponde ao período compreendido entre fins do século XIII e meados do século XVII.1 O Renascimento se deu muito mais cedo nas artes e nas humanidades do que nas ciências e também na medicina. Dante Alighieri (c.1265-1321) escreveu a “Divina Comédia” no fim do século XIII, os escritores e poetas Francesco Petrarca (1304-1374) e Giovanni Boccaccio (1313-1375) viveram no século XIV; os três são considerados os pais da literatura em italiano. Nas artes há os exemplos do pintor e arquiteto Giotto de Bondone (1266-1337) e do arquiteto Donato di Niccoló di Betto Bardi, chamado Donatello (1386-1466). Por outro lado, Andreas Vesalius (1514-1564) publicou seu livro em 1543, enquanto que Leonardo da Vinci viveu de 1452 a 1519. Um capítulo especialmente dedicado à anatomia foi introduzido nos estatutos acadêmicos da Universidade de Bolonha em 1405 e na de Pádua em 1465. Houve quase dois séculos de diferença entre o Renascimento humanístico e o científico e devem ser citados dois nomes com características bem distintas no campo da medicina no que se pode considerar o prenúncio do Renascimento. PRENÚNCIO DO RENASCIMENTO Paracelso (1493-1541) Paracelso, pseudônimo de Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, nasceu na Suíça e entre 1502 e 1507 aprendeu latim, botânica, alquimia e medicina com o pai que também era 1 De acordo com o historiador belga George Sarton (1884-1956), considerado o fundador da disciplina “História das Ciências”, o Renascimento ocupa o período compreendido entre os anos 1450 e 1600. Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 2 médico e alquimista. Depois foi para Würzburg, na Alemanha, aprender artes mágicas e ocultismo com o abade Johannes Trithemius. Estudou medicina na Basiléia (Suíça) e em Viena (Áustria) e doutorou-se pela Universidade de Ferrara (Itália), adotando o nome de Paracelso que significa “superior a Celso (o médico romano)”. Viajou pela Europa e pelo Oriente, estudando e praticando a medicina, a cirurgia e a alquimia. Paracelso distanciou-se da medicina universitária de sua época e quanto foi médico e professor na Basiléia dava aulas em alemão e não em latim. Além disso, anunciou que não ensinaria a partir dos autores clássicos, mas de sua própria experiência. Considerado arrogante pelos colegas, para deixar bem clara sua posição queimou publicamente livros médicos tradicionais, entre os quais o Cânone de Avicena. Por exemplo, ele não seguia o tratamento convencional para feridas que na época consistia em derramar óleo fervente sobre elas e, caso estivessem em um braço ou uma perna, esperar que gangrenassem para então amputar o membro afetado. Paracelso acreditava que as feridas se curariam sozinhas se o pus fosse retirado e a infecção fosse evitada. Insatisfeito com as crenças galênicas tentou substituí-las pelas suas próprias (porém, mais dogmáticas e obscuras). Não negou a existência dos quatro humores e dos quatro elementos clássicos (fogo, ar, água e terra), mas deu-lhes um papel secundário em relação a três outros elementos ou substâncias primárias, o sal, o enxofre e o mercúrio: os tria prima (os “três primordiais”). Esses três elementos constituiriam os princípios do corpóreo (sal), do inflamável (enxofre) e do volátil (mercúrio). Segundo dizia, a queima de um pedaço de madeira era a prova: “Tome um pedaço de madeira. Trata-se de um corpo. Agora o queime. A parte inflamável é o enxofre, a fumaça é o mercúrio e a cinza é o sal.” Paracelso defendia a ideia da unidade entre o macrocosmo (o universo, tanto na sua parte terrestre como extraterrestre) e o microcosmo (o corpo humano). Acreditava que os corpos vivos seriam compostos tanto de minerais quanto de espíritos astrais (essentia). Também era astrólogo (aliás, como a maioria dos médicos da época treinados em universidades) e via o mundo controlado por forças espirituais, dirigidas em última análise por um grande mago, Deus. Entre essas forças espirituais havia sementes, as semina, enviadas diretamente por Deus e os archei, princípios que controlavam vários processos vitais. Mesmo as causas externas das doenças seriam essências espirituais, mas seriam reais e específicas para cada doença. Com Paracelso, pela primeira vez, entrou em cena o pensamento alemão na história da medicina; foi o iniciador da química farmacológica, direcionando a medicina para as ciências naturais. Jean François Fernel (1497-1558) Fernel (em latim, Fernelius) foi um matemático, astrônomo, e médico francês. Inicialmente, dedicou-se à matemática e à astronomia e, em seu livro Cosmotheoria (1528), propôs um método de cálculo que permitia conhecer o comprimento do meridiano de Paris. Além disso, fez uma estimativa bastante correta da circunferência da terra. Curiosamente, Fernel se tornou médico por razões econômicas, pois precisava de recursos para a compra e manutenção de seus aparelhos astronômicos. A cratera lunar Fernelius deve seu nome a ele. Professor de medicina em Paris, Fernel escreveu diversos livros de grande sucesso que reproduziam o saber médico herdado do mundo greco-latino, bizantino e árabe (Universa Medicina, De naturali parte medicinae, entre outros), publicados simultaneamente em toda a Europa e que durante mais de dois séculos foram recomendados aos estudantes de medicina. Foi quem introduziu os termos “fisiologia”, para descrever o estudo das funções corporais, e “patologia”, para descrever o funcionamento anormal do corpo, e também incluiu a “terapêutica”, que poderia resolver as anormalidades. Fernel foi também o primeiro a descrever o canal espinal e os sinaise sintomas da endocardite. Também se engajou no debate se a sífilis e a gonorreia eram doenças diferentes ou duas formas da mesma doença (embora a sífilis provavelmente já existisse na Europa, a primeira grande epidemia ocorreu entre os marinheiros que voltaram da primeira viagem de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo e se espalhou pelo continente europeu), sendo o primeiro a sugerir que eram enfermidades muito diferentes, compartilhando apenas um modo comum de transmissão. Por sua reputação foi nomeado médico do rei Henrique II. Cuidou tanto da rainha Catarina de Médicis quanto de sua rival Diana de Poitiers, a amante do rei. Foi chamado de “O Galeno moderno” ou “O Galeno francês”. Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 3 MEDICINA NO SÉCULO XVI Os grandes médicos da época eram humanistas, homens de letras, e tidos em alta estima. Estudavam nas universidades, sendo as italianas as de maior prestígio. No início, muitos professores ainda expressavam ideias conservadoras e os autores estudados continuavam a ser Galeno e Avicena. A dissecção era cada vez mais praticada, mas persistia o costume de ler as descrições de Galeno enquanto eram examinados os órgãos verdadeiros, ignorando-se as discrepâncias óbvias. A anatomia era ensinada juntamente com a cirurgia e somente por volta de 1570 foram separadas. A anatomia recebeu grande impulso com as obras de Leonardo da Vinci e Vesálio e adquiriu precisão, se desenvolvendo graças à colaboração de pintores e escultores que tinham grande interesse nos estudos anatômicos para suas representações artísticas. Aprender anatomia a partir da dissecção em cadáveres humanos se tornou importante para os estudantes. Os quadros de anatomia dos pintores florentinos do final do século XV já atingiam a perfeição. Essa nova faceta da pintura, uma verdadeira nova arte, teve em Leonardo da Vinci um dos exemplos mais brilhantes. Leonardo da Vinci (1452-1519) Leonardo nasceu em Vinci (um vilarejo próximo a Florença, na Toscana), no dia 15 de abril de 1452, filho ilegítimo de Ser Piero (um tabelião de Florença) e Caterina (empregada de um hotel). Foi para Florença em 1469, lá se tornando aprendiz de Andrea Verrocchio (pintor, escultor e artesão típico da Renascença florentina), cujo ateliê atuava em engenharia, pintura, escultura, arquitetura e fundição de couraças e sinos. “O Batismo de Cristo” (1470-1472), em óleo e têmpera em madeira, foi obra de Verrocchio e seus alunos, entre os quais Leonardo (que fez o anjo da esquerda e parte da paisagem). Está na Galleria degli Uffizi, em Florença. Leonardo da Vinci descobriu e descreveu os princípios do automóvel, do submarino, do helicóptero, das eclusas, dos tanques de guerra, do paraquedas, etc. Deveria ilustrar um livro de anatomia de Marcantonio della Torre. Mas o livro nunca foi publicado porque o anatomista morreu prematuramente de peste aos 29 anos. É importante o que Leonardo escrevia para o livro: – “Este trabalho deve começar com a concepção do homem, descrever a natureza do útero e como o feto vive dentro dele, até quando ele permanece no útero, como se alimenta e como sai para a vida. Quais as forças que o fazem sair e por que alguns saem antes do tempo”. – “Mostrarei quais são os membros do feto que após o nascimento crescem mais que outros e quais as proporções do corpo de um menino de um ano. Depois as proporções do corpo de um homem e uma mulher”. – Sobre a reprodução: “A descrição deverá ser iniciada com a formação da criança no útero, dizendo qual parte se forma primeiro e o que acontece a seguir”. – Sobre a nutrição do feto: “O umbigo é a porta da qual nosso corpo é formado a partir da veia umbilical. Esta veia é a origem de todas as veias que são produzidas na vida intra-uterina e que são totalmente separadas das veias da mãe”. Com essas descrições, Leonardo da Vinci já antecipava vários conceitos importantes de embriologia, circulação fetal, circulação placentária e da anatomia evolutiva pós-natal. Seus desenhos eram o acompanhamento dos textos que sugeria a Marcantonio della Torre. Leonardo tem várias obras anatômicas importantes, grande número delas abordando o sistema muscular. Dissecou cerca de 30 cadáveres, o que serviu de base para suas concepções anatômicas. Disse a esse respeito: “Para o pintor que deseja representar os membros em todas as atitudes e gestos que podem ser feitos nos nus, é necessário conhecer a anatomia dos nervos, ossos e músculos para saber qual músculo é causador de cada movimento ou força e ressaltá-los”. É clássica sua descrição de um caso de doença coronária como causa de morte em 1506: “Um velho homem poucas horas antes de morrer contou-me que tinha vivido cem anos, sem nunca ter tido nenhum problema físico a não ser fraqueza e, sentando-se em uma cama do hospital de Santa Maria Nova de Florença, morreu sem dar nenhum sinal de qualquer anormalidade. Dissequei seu corpo para entender a causa daquela morte tão rápida. Descobri que ela veio por meio de uma falta de sangue nas Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 4 artérias que nutrem o coração e as partes inferiores, que eram usadas e estavam secas”. Pode-se dizer, então, que Leonardo da Vinci foi também pioneiro na anatomia patológica e na medicina forense. O Homo Vitruvianus é um dos desenhos mais famosos de Leonardo. Foi feito por volta de 1490, em Veneza. É um estudo das proporções do corpo humano que Vitrúvio (Marcus Vitruvius Pollio), arquiteto romano do século I a.C., havia postulado como base de suas teorias arquitetônicas. No texto de Vitrúvio, a figura humana é inserida primeiro em um círculo e depois em um quadrado. Vinte anos antes da publicação dos desenhos de Vitrúvio por Fra Giocondo em 1511, Leonardo já havia pensado em usá-los como ilustração; colocou as duas imagens sobrepostas para sugerir a sensação de movimento, o centro da figura em relação ao círculo é o umbigo e da outra em relação ao quadrado é o púbis. Leonardo da Vinci pintou o afresco “A Última Ceia” entre 1495 e 1497, em Milão, e a Mona Lisa em 1503/04. Deixou Florença definitivamente em 1508 e voltou para Milão, onde encontrou novo protetor: Charles d’Amboise. Em 1516 se mudou para a corte do rei francês Francisco I em Amboise (figura 1), levando consigo a Mona Lisa. Lá morreu em dois de maio de 1519. A tela logo foi integrada ao patrimônio artístico da coroa francesa tendo sido, após a revolução, incorporada ao Museu do Louvre em Paris. Figura 1 – Castelo de Clos Lucé em Amboise (Loire, França), onde Leonardo da Vinci viveu durante os três últimos anos de vida. Na mansão, atualmente, há uma exposição de maquetes que reproduzem as invenções de Leonardo (fotografias dos autores). Leonardo viveu na transição entre a Idade Média e o Renascimento. Tendo em vista sua obra, Freud disse que: “Leonardo acordou do sono da Idade Média antes dos outros homens. Ele foi como um homem que acordou cedo demais na escuridão, enquanto os outros continuavam a dormir”. Andreas Vesalius (1514-1564) Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 5 Andreas Vesalius (forma latinizada do nome Andries van Wesel, em português André Vesálio) nasceu em Bruxelas e é considerado o pai da anatomia moderna. Estudou medicina (1529-1533) na Universidade de Louvain e depois em Paris (1533-1536), sob a tutela de Jacques Dubois, cujo nome latinizado é Jacobus Sylvius. Em 1537 foi para a Universidade de Pádua, onde se tornou um dos mais ilustres professores e fez numerosas dissecções em cadáveres humanos.2 Foi também professor de anatomia em Bolonha e Pisa. Até então eram ensinados os conceitos anatômicos de Galeno, o que foi significativamente modificado por Vesálio. Em Pádua, baseado em suas próprias dissecções, Vesálio publicou em 1543 a primeira obra fundamentalda anatomia intitulada De humani corporis fabrica, com ilustrações do artista Jan Stefan van Kalkar, aluno de Ticiano (Tiziano Vecellio, c. 1490-1576, pintor, foi um dos principais representantes da escola veneziana no Renascimento). Considerando que somente a observação valia, Vesálio logo afirmou não haver as comunicações entre os dois ventrículos cardíacos e que o útero tinha uma só cavidade. Corrigiu outros erros cometidos por Galeno, que havia transposto para o homem o que havia constatado em animais. A Fabrica tinha sete partes consagradas sucessivamente aos ossos, músculos, aparelho vascular, sistema nervoso, órgãos do abdome e tórax e à anatomia do cérebro. A obra foi publicada na Suíça na cidade de Basileia, quando Vesálio tinha 28 anos e foi dedicada ao rei Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano e também Rei da Espanha com o nome de Carlos I. Logo após a publicação da Fabrica Vesálio enfrentou críticas veementes, principalmente do seu ex-professor Sylvius. Desgostoso, queimou muitos dos seus manuscritos e deixou Pádua indo para Bruxelas, onde se casou com Anne van Hamme. Sua vida profissional progrediu e ele acabou descrevendo um novo tratamento para a sífilis em 1556. Em 1559 foi para Madri como médico de Felipe II, filho de Carlos V. Há um relato controverso de que, em 1564, Vesálio teria sido condenado à morte pela Inquisição por ter feito uma necropsia em uma nobre espanhola cujo coração ainda tinha fracos batimentos e que o rei (Felipe II da Espanha) teria comutado a pena por uma peregrinação à Terra Santa. A peregrinação existiu de fato e enquanto estava em Jerusalém Vesálio soube da morte de Gabriel Falópio, que o substituíra em Pádua, e recebeu o convite para retornar à sua antiga posição. Na 2 As dissecções anatômicas se tornaram muito populares no século XVI e não apenas entre os estudantes, mas também entre o público em geral. Para as demonstrações eram construídos teatros anatômicos temporários, de madeira, que após o término das dissecções eram demolidos. O primeiro teatro anatômico permanente foi o da Universidade de Pádua, construído em 1594 e usado por 278 anos até se tornar um museu em 1872. Figura 2 – André Vesálio (retrato em sua obra De humani corporis fabrica). Muito se tem discutido a respeito desta gravura: cabeça desproporcionalmente grande; antebraço e mão muito curtos; abdome estranhamente proeminente; baixa estatura corporal. Observar o forte contraste entre essas dimensões e o cadáver cuja mão está dissecada. Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 6 sua volta o navio em que viajava naufragou e ele morreu, provavelmente, de tifo na ilha grega de Zante (ou Zaquintos). O único retrato conhecido que tenha sido autorizado e aprovado por Vesálio é o que aparece no frontispício de três de seus trabalhos. É o do anatomista mostrando tendões dos músculos flexores da mão, que Galeno havia considerado uma das obras primas da natureza. Gravado na borda da mesa está a idade de Vesálio (28) e a data em que completou a Fabrica com o ano 1542 (figura 2). Gabriele Falloppio (1523-1562) Gabriele Fallopio ou Falloppia (Gabriel Falópio) nasceu em Módena, na Itália. Estudou medicina em Ferrara onde, posteriormente, foi nomeado instrutor de anatomia. Em 1548, por recomendação do Grão-Duque da Toscana, Cosmo I de Médici, recebeu a cátedra de anatomia da Uni- versidade de Pisa. Três anos depois, em 1551, aceitou o oferecimento do Senado de Veneza para ser professor de anatomia, cirurgia e botânica em Pádua. O cargo estava vago desde a saída de Vesálio e a renúncia de Realdo Colombo (que havia assumido o lugar de Vesálio em 1542 e permaneceu no posto durante dois anos). Médico e cirurgião, Falópio ficou conhecido como importante anatomista, como atestam os muitos epônimos associados com seu nome. Na época, ele e Bartolomeo Eustachio (c. 1500 ou 1514-1574) foram as principais figuras da anatomia humana na Itália. Em 1561 Falópio publicou a obra Observationes anatomicae, na qual refuta muitas afirmações de Vesálio e relata várias descobertas, principalmente sobre o sistema reprodutor feminino. São de sua autoria os seguintes termos: placenta, vagina, corpus luteum, tuba (nome em latim dos condutos que ligavam a gônada ao corno uterino e que hoje são conhecidas como tubas uterinas, mas que até recentemente se chamavam trompas de Falópio). Falópio descreveu o clitóris e lhe deu este nome. Aperfeiçoou a descrição do aparelho auditivo, detalhando a cavidade timpânica, os três ossículos (martelo, bigorna e estribo), as janelas oval e circular, o nervo corda do tímpano e a orelha interna (introduzindo os nomes “labirinto” e “cóclea”). Também descreveu o canal facial no osso temporal (chamado, por essa razão, de canal ou aqueduto de Falópio), o ligamento inguinal (ligamento de Falópio, também conhecido como ligamento de Poupart) e foi o primeiro a descrever o músculo elevador da pálpebra, entre outros músculos. Descreveu ainda os centros primários e secundários de ossificação no feto e na criança, chamou atenção para a presença de duas artérias umbilicais que acompanham uma única veia umbilical e fez a primeira descrição completa da dentição decídua. Como médico, Falópio estudou exaustivamente os aspectos clínicos e os métodos de prevenção da sífilis, doença que na época despertava grande atenção, e acabou criando um condom (ou preservativo) de linho que cobria a glande peniana e deveria ser usado como medida de proteção. Deve ser mencionado que Realdo Colombo (1516-1559) reivindicou em seu único livro De re anatomica, publicado em 1559, ter “descoberto” o clitóris, embora na verdade este já fosse citado nos textos gregos, persas e árabes, ainda que com conceitos errôneos acerca de sua função. Hieronymus Fabricius ab Acquapendente (1533-1619) Hieronymus Fabricius (nome latinizado do anatomista italiano Girolamo Fabrici ou Fabrizio) nasceu na cidade italiana de Acquapendente. Também conhecido como Fabricius d’Acquapendente, estudou desde cedo grego, latim e filosofia na Universidade de Pádua. Quando fez 20 anos já era estudante de medicina e se tornou o discípulo predileto de Falópio, ao qual sucedeu em 1565 como professor de anatomia e cirurgia nessa mesma universidade. Em 1594 construiu o primeiro teatro permanente desenhado para dissecções anatômicas, revolucionando o ensino da anatomia. Esse teatro anatômico está preservado até hoje. Entre as obras de Fabricius está o De formato foetu, publicado em Veneza em 1600. Nesse livro, além das observações já feitas por outros estudiosos sobre o sistema cardiovascular do feto (com todos os shunts e placenta), fazia suas observações de anatomia e embriologia comparadas.Em 1603 publicou uma descrição das valvas das veias: De Venarum Ostiolis. Fabricius não foi o primeiro a mencionar estas valvas, mas foi o primeiro a mostrá-las publicamente e descrevê-las em detalhe. O mais famoso aluno de Fabricius foi William Harvey, que teve nestes estudos as bases de seus próprios estudos sobre a circulação sanguínea. Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 7 Ambroise Paré (1510-1590) Filho de um barbeiro, nascido na pequena cidade de Laval (na Bretanha, França), Ambroise Paré tornou-se o cirurgião de quatro reis franceses sucessivamente (Henrique II e seus descendentes: Francisco II, Carlos IX e Henrique III) e foi o mais importante cirurgião do Renascimento. De família pobre, não pôde estudar medicina e aos 15 anos iniciou seu treinamento como cirurgião-barbeiro. Em 1532 foi para Paris e durante três anos estagiou no Hôtel-Dieu. Em 1536 foi reconhecido como apto a curar cravos, bossas, antrazes e carbúnculos. Paré trabalhou como cirurgião em 17 campanhas militares. Fazia ligaduras nas artérias durante as amputações e modificouo tratamento das feridas por armas de fogo, que eram cauterizadas e queimadas com óleo fervente porque se acreditava que a pólvora era venenosa; mostrou que tratar as feridas com gema de ovo, mel e terebintina dava melhores resultados que a cauterização. Ele exigia que os inimigos feridos fossem tratados como todos os outros. Há um diálogo famoso entre Paré e o rei Carlos IX, quando o rei ficou doente. Disse Carlos IX: “Espero que vás tratar melhor o rei do que os pobres do hospital.” Ambroise Paré respondeu: “Não, isto é impossível.” “E por quê?” Perguntou-lhe o rei. Respondeu: “Porque eu os trato como a reis.” Paré foi aceito na Confraria (Irmandade) de São Cosme3 em 1554; em 1567 foi convidado para dirigi- la. Também escreveu importantes trabalhos sobre a medicina da criança, em diferentes áreas. Relatava os casos com grande clareza e precisão. Há relatos sobre nutrição infantil, deficiência de crescimento, efeitos no recém-nascido – através do leite materno – de laxativos tomados pela mãe, trauma pediátrico, queimaduras em crianças, síndrome de morte súbita, eczemas, etc. Seu livro Des monstres et prodiges (1573) é um dos pioneiros na teratologia. MEDICINA NO SÉCULO XVII O século XVII é o da “Revolução Científica”, cuja sede (citando o historiador inglês Herbert Butterfield) foi a Universidade de Pádua.4 A Università degli Studi di Padova foi fundada em 1222, por estudantes e professores da Universidade de Bolonha que buscavam maior liberdade acadêmica. Seu máximo esplendor foi entre os séculos XV e XVII, quando Pádua se tornou um centro de estudo e pesquisa internacional graças à relativa liberdade e independência garantidas pela República de Veneza. No século XVII as discussões de ordem metafísica dão lugar à razão: só será racional aquilo que se verifica, se analisa e se palpa. Os estudiosos procuram saber como as coisas acontecem e para tal, trocam a especulação pela experimentação Alguns homens brilhantes participaram dessas tendências e devem ser citados: Francis Bacon, Isaac Newton e René Descartes. Francis Bacon (1521-1626), considerado pai da experimentação e da observação. Fundador da ciência moderna, destacava três invenções que haviam mudado o mundo: a imprensa (1454); a pólvora (que foi descoberta no século IX, na China, e usada para fins militares no século XIII) e a bússola (c. 1190). Isaac Newton (1643-1727), que era físico, matemático, astrônomo, alquimista e filósofo natural, deduziu as leis da gravidade. Segundo Bernard Cohen (1924-2012), Professor Emérito de Física da Universidade de Pittsburgh (EUA): “O momento culminante da Revolução científica foi o descobrimento realizado por Isaac Newton da lei da gravitação universal”. René Descartes (1596- 1650), filósofo, físico e matemático, considerado o “fundador da filosofia moderna” e “pai da matemática moderna”, concebia o organismo como um mecanismo aperfeiçoado, embora imaginasse que seu funcionamento se devia a misteriosos espíritos animais. Descartes foi o criador do chamado método “cartesiano”, que preconiza que “só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado” (ceticismo metodológico). Para tal, deve-se: verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada; analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades de 3 Em 1365, os cirurgiões de Paris criaram a Irmandade de São Cosme com dois objetivos: poder frequentar a Faculdade de Medicina de Paris e impedir que os barbeiros praticassem a cirurgia. Conseguiram seus objetivos depois de dois séculos, mas tiveram que incorporar os barbeiros como membros da Irmandade. 4 “Admitindo-se que a honra de ter sido a sede da Revolução Científica possa pertencer de direito a algum lugar, tal honra deve ser atribuída a Pádua.” Sir Hubert Butterfield (1900-1979) em The Origins of Modern Science, 1300- 1800, 1949. Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 8 composição, fundamentais, e estudar essas coisas mais simples que aparecem; sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro; enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento. Os pensadores deste século ajudaram a estabelecer os princípios fundamentais das ciências e da medicina do futuro. Assim, da mesma maneira que no século XVI houve o florescimento da anatomia, o século XVII se caracterizou pelo início do conhecimento da fisiologia. Houve uma mudança na história do saber médico com a descoberta da circulação sanguínea e o verdadeiro papel do coração, a invenção do microscópio e a aquisição de novos conceitos anatômicos e fisiológicos. Pode-se considerar que a moderna fisiologia teve seu início com a descoberta da circulação do sangue por William Harvey. Pouco depois, o médico e químico belga Jan Baptiste (Baptista) van Helmont (c. 1578-1644) desenvolveu o conceito de gases e sugeriu o uso de álcalis no tratamento dos distúrbios digestivos. O italiano Giovanni Alfonso Borelli (1608-1679), publicou estudos sobre o movimento dos animais, sugerindo que a base da contração do músculo estava nas fibras musculares. Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723), microscopista holandês, fez as primeiras descrições das células vermelhas do sangue e dos espermatozoides. Marcello Malpighi (1628-1694), médico, anatomista e fisiologista italiano, demonstrou existência dos capilares e estudou a fisiologia do rim, fígado e baço. As glândulas começaram a ser estudadas pelo médico inglês Thomas Wharton (c. 1616- 1673), que demonstrou a secreção salivar e redescobriu o ducto da glândula salivar submandibular, e pelo geólogo e anatomista dinamarquês Niels Stensen (1638-1686), em latim Nicolaus Steno ou Stenonis, que diferenciou as glândulas salivares das lacrimais. Regnier de Graaf (1641-1673), médico e anatomista holandês, fez estudos fundamentais sobre a biologia reprodutiva, descobrindo os folículos ovarianos, além de pesquisar os sucos pancreáticos e a bile. Foi também nesse século que foram tentadas as primeiras transfusões de sangue O médico inglês Richard Lower (1631-1691) foi o primeiro a transfundir sangue de um animal para outro (entre cães) e o francês Jean Baptiste Denis (c. 1640-1704), médico do rei Luís XIV, relatou a transfusão de sangue de uma ovelha para o ser humano em 15 de junho de 1667, aparentemente com sucesso. Entre os avanços do século XVII também está o estudo da respiração. O fisiologista inglês John Mayow (c. 1640-1679) demonstrou que o ar era composto de uma mistura de várias substâncias e sugeriu que nem todas eram necessárias para a vida. Embora fosse graduado em direito, Mayow exercia a medicina. Seu trabalho foi ignorado e acabou sendo eclipsado pela errônea teoria do flogisto, um conceito que só foi refutado no século XVIII pelo clérigo e cientista inglês Joseph Priestley (1733- 1804). Embora trabalhando separadamente e com ideias diferentes, Priestley compartilhou a descoberta do oxigênio com Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794), grande químico francês e criador da química moderna, e Carl Wilhelm Scheele (1742-1786), químico e farmacêutico de origem sueca. WILLIAM HARVEY E A CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA Ibn al-Nafis ou Ibn Nafis (c. 1213-1288, médico árabe nascido em Damasco, na Síria) e Miguel Servet (1511-1553, médico e teólogo espanhol que foi queimado vivo como herege) já haviam tratado da existência de uma circulação pulmonar. Fabricius d’Acquapendente, no início do século XVII, já observara as válvulas dentro das veias e Mateo Realdo Colombo (c. 1516-1559, professor de anatomia e cirurgião da Universidade de Pádua, aluno e sucessor de Vesálio) já criara o termo “circulação”. Mas foi o médico inglês, formado em Pádua, William Harvey (1578-1657) quem, pela primeira vez, descreveu corretamente os detalhesda circulação sanguínea. Por meio de ligaduras, Harvey observou o sentido diferente da corrente sangüínea das artérias e das veias. Entretanto, não sabia como o sangue passava das artérias para as veias. Publicou em 1628 seu livro sobre o papel maior do coração na circulação do sangue (figura 3): Exercitatio anatomica de motu cordis et sanguinis in animalibus (Exercício anatômico sobre o movimento do coração e do sangue nos animais). Harvey afirmou que o coração era o motor da circulação e não o fígado; demonstrou que sua contração começa nos átrios e que o pulso está sob a dependência das contrações do ventrículo esquerdo. Mostrou que o ventrículo direito é separado completamente do esquerdo; que o sangue do Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 9 ventrículo direito passa pelos pulmões, volta para o átrio esquerdo pelas veias pulmonares e depois entra no ventrículo esquerdo e daí para todo o corpo. Não faltaram opositores, seguidores dos conceitos tradicionais. Entre eles, o grande anatomista francês Jean Riolan (1577-1657) que ensinava no Colégio Real de Paris e Caspar Hofmann (1594- 1648), professor de medicina de Altdorf (Suíça), que perguntava insistentemente: “Por quais vias e por meio de que faculdade o sangue passa das artérias às veias?” Houve uma famosa troca de cartas entre Harvey e Hofmann, até que Harvey terminou sua última carta “convidando” Hofmann a “aproveitar a propícia ocasião e se tornar um verdadeiro anatomista, procedendo a uma demonstração anatômica e vendo com seus próprios olhos aquilo que tinha afirmado acerca da circulação”. Harvey pedia a Hofmann que “enquanto isso não ocorresse, não negasse nem ridicularizasse sua pessoa e as suas afirmações sem conhecimento suficiente”. Figura 3 – Edição original do livro Exercitatio anatomica de motu cordis et sanguinis in animalibus de William Harvey, publicado em 1628. The Wellcome Museum of the History of Medicine/Science Museum, Londres (fotografia dos autores). CIRCULAÇÃO LINFÁTICA Em 1661, Marcello Malpighi (1628-1694) descreve os capilares, uma rede que faz a junção entre as artérias e as veias, completando assim a compreensão do fenômeno circulatório. Em 1622, em Pádua, Gaspare Aselli já havia identificado os vasos linfáticos do mesentério durante a digestão. Um século antes outro italiano, Bartolomeo Eustachio, já havia descrito o canal torácico. Será, no entanto, o parisiense Jean Pecquet (1622-1674) quem completará o conhecimento sobre a circulação linfática. Pecquet identificou: os linfonodos e sua função; a terminação do que chamou de “vasos lácteos” na cisterna abdominal, que passou a se chamar cisterna de Pecquet; e, finalmente, o desaguar desta linfa na circulação venosa, no ângulo venoso da junção da subclávia com a jugular. A obtenção desses últimos conhecimentos só foi possível graças ao desenvolvimento do microscópio, aprimorado pelo comerciante e cientista holandês Antoni van Leeuwenhoek (1632- Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 10 1723). Ele também observou, em 1674, os glóbulos vermelhos e seus movimentos, os espermatozóides, a estrutura do cristalino e os músculos estriados, além de numerosas observações sobre microrganismos. ANATOMIA FUNCIONAL (FISIOLOGIA) Na segunda metade do século XVII houve grande evolução dos conceitos sobre o funcionamento do corpo humano (anatomia funcional), baseados na anatomia microscópica (histologia) e nos novos aparelhos de medida como, por exemplo, o termômetro inventado por Santorio Santorio (1561-1636), professor da Universidade de Pádua. Na verdade, desde Hipócrates era reconhecida a importância da temperatura corporal, mas o médico tinha apenas suas mãos para essa avaliação. Galileu construiu um termômetro em 1592, provavelmente o primeiro. Entretanto, esse termômetro não tinha escala e fazia apenas uma medida grosseira, sem aplicação médica. As descobertas da anatomia funcional podem ser agrupadas, didaticamente, em: glândulas e suas secreções, digestão, respiração, músculos e cérebro. Todos os órgãos de formas arredondadas eram, até então, chamados glândulas e considerados órgãos menores, de pouca importância. Este conceito começou a ser mudado por Thomas Wharton, que redescobriu o ducto da glândula salivar submandibular, e por Nicolaus Steno, geólogo, anatomista e posteriormente bispo da igreja católica que, cerca de 1660, descreveu o canal excretor da parótida e sua anatomia topográfica, afirmou que produzia a saliva e que era diferente de outras glândulas das pálpebras, que produziam lágrimas; mudou o conceito de que as secreções das fossas nasais vinham do cérebro. Johann Georg Wirsung (1589-1643), médico e anatomista alemão, professor em Pádua, descreveu o ducto pancreático em 1642 durante a dissecção de um criminoso executado. Dois estudantes estavam presentes, o dinamarquês Thomas Bartholin (1616-1680) e o alemão Moritz Hoffman (1622-1698). Em vez de publicar sua descoberta, talvez por não saber qual a função do conduto, Wirsung gravou um desenho do ducto em uma chapa de cobre, a partir da qual imprimiu sete cópias que enviou aos principais anatomistas da Europa. Foi assassinado em 1643 por Giacomo Cambier, que dizia ter descoberto o ducto. Cinco anos depois, Moritz Hoffman reclamou a descoberta para si, mas sua afirmação jamais foi comprovada. O médico e anatomista inglês Francis Glisson (1597-1677) descreveu em detalhes o fígado, o estômago e os intestinos. O trabalho de Glisson sobre o fígado foi publicado em seu Anatomia Hepatis, cuja primeira edição é de 1654. Marcello Malpighi, entre 1665 e 1666, estudou a estrutura do fígado e dos rins, concluindo que esses órgãos eram formados de múltiplas glândulas com função de filtros. Mostrou que os pulmões também eram órgãos glandulares, formados por múltiplas vesículas que se dilatam com a entrada do ar e que têm relação direta com o sangue; em 1691 publicou sua obra De Pulmonibus. Malpighi também mostrou que o coração era formado por fibras musculares e usando um termômetro constatou que a temperatura do coração é a mesma que de outros órgãos, concluindo que o coração não era a fonte do calor interno do corpo, conceito vigente desde Galeno. Giovanni Alfonso Borelli, professor de matemática na Universidade de Pisa, tentou explicar os fatos da vida animal em termos mecânicos (iatrofísica), aplicando seus princípios na obra De motu animalium, em 1679. Borelli mostrou que a contração muscular se faz limitada à sua parte carnuda, se produz sob a influência dos nervos e que gasta energia para tal. Por outro lado, seguindo os conceitos de Jan Baptiste van Helmont, o médico e anatomista alemão Franciscus Sylvius (ou Franz de le Böe, 1614-1672) e o inglês Thomas Willis (1621-1675) afirmavam que todos os fenômenos fisiológicos podiam ser estudados em termos químicos (iatroquímica). Willis nasceu em Wiltshire e formou-se em Oxford, em 1646. Mudou-se para Londres seis anos depois e lá praticou a medicina sob as melhores condições existentes na época. Excelente observador, Willis foi o primeiro a notar a presença da glicose na urina dos diabéticos (c. 1670) e a descobrir e nomear a febre puerperal. Entretanto, é mais conhecido por seus trabalhos de neuroanatomia graças à obra Cerebri anatome (1664), ilustrada pelo famoso arquiteto inglês Sir Christopher Wren. O texto classificava os nervos cranianos e descrevia pela primeira vez o 11.º par (espinhal acessório) e o grupo de artérias comunicantes na base Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 11 do crânio: polígono de Willis. O médico e neuroanatomista francês Raymond de Vieussens (1641-1715), professor de Montpellier, publicou em 1685 a Neurologia universalis na qual descreveu entre outras coisas a alça subclávia, chamada então de alça de Vieussens, queera a união dos gânglios simpáticos cervicais médio e inferior. Mostrou a correspondência entre os fatos clínicos e as constatações nas necropsias, iniciando o que se desenvolveria no século seguinte: a relação anatomoclínica. EMBRIOLOGIA, CONCEPÇÃO E OBSTETRÍCIA A utilização dos instrumentos ópticos levou os anatomistas a se interessarem pela embriologia e a procurar saber como os embriões se desenvolvem. A observação, com lupa e microscópio, dos ovos de galinha incubados no calor dá as bases da epigênese (teoria segundo a qual o desenvolvimento do embrião é gradual a partir de uma substância amorfa), totalmente oposta à teoria da pré-formação. Harvey, com seu livro Exercitationes de generatione animalium (Exercícios sobre a geração animal), mostra a teoria da epigênese contra a da pré-formação ainda defendida por Acquapendente, Malpighi e outros. Steno, em torno de 1670, constatou que os “testículos” dos mamíferos do sexo feminino possuíam ovos e propõe chamá-los então de ovários, pois ovarium significa fábrica de ovos. Em 1672, Reinier (Regnier) de Graaf (1641-1673) descobre o crescimento dos folículos ovarianos. Publicou a obra De mulierum organis generationi inservientibus tractatus novus (Novo tratado sobre os órgãos da mulher que servem à geração). Ainda hoje o folículo maduro, prestes a se romper com a aproximação da ovulação, é chamado “folículo de Graaf”. Louise Bourgeois Boursier (1563-1636) foi uma famosa parteira francesa conhecida como “A Erudita” e uma das pioneiras da obstetrícia científica. Casada com Martin Boursier, cirurgião-barbeiro e discípulo de Ambroise Paré durante 20 anos, aprendeu anatomia com o marido e estudou sua futura prática nos livros de Paré. Era uma parteira incomum porque assistia tanto as mulheres pobres dos subúrbios de Paris quanto as nobres da corte, o que lhe conferiu grande experiência e habilidade. Como parteira da corte francesa atendeu a rainha Maria de Médicis (segunda esposa de Henrique IV) em todos os seus seis partos, entre eles o do futuro rei Luís XIII, a quem reviveu com um gole de vinho. Ela recomendava às outras parteiras que assistissem às dissecções para conhecerem melhor a anatomia feminina. Em 1609 publicou sua importante obra de obstetrícia e neonatologia Observations Diverses sur la sterilité, perte de fruict, foecondité, accouchements, & maladies des femmes, & enfants nouveaux naiz, amplement traitées, et heureusement praticquées par L. Bourgeois dite Boursier, Sage femme de la Royne (Observações diversas sobre a esterilidade, a perda do fruto, fecundidade, parto, doenças da mulher e do recém-nascido). Depois que Louise Bourgeois se retirou, Luís XIV estimulou que os partos fossem feitos por médicos. O termo obstetra foi criado. O mais importante obstetra da época foi François Mauriceau (1637-1709). Em seu famoso manual Des maladies de femmes grosses et de celles qui sont accouchés (A respeito das doenças das mulheres grávidas e parturientes), estabelece que as malformações não são causadas pelos maus pensamentos das mulheres durante a gravidez, nem que as manchas vermelhas observadas na pele dos recém-nascidos são causadas pelo fato de suas mães terem bebido vinho. MEDICINA CLÍNICA A maior figura da medicina clínica no século XVII foi o inglês Thomas Sydenham (1624- 1689) que estudou em Oxford, Montpellier e Cambridge. Sua simples e sensata teoria de medicina preconizava que a causa de todas as doenças residia na natureza e que a própria natureza possuía um instinto para curar a si mesma. Advogava o ar fresco nos quartos dos enfermos. Para Sydenham, o médico deveria identificar as doenças e classificá-las tal como os naturalistas faziam na classificação das plantas; por esse motivo, acreditava que o único lugar onde os médicos podiam aprender sobre as doenças era ao lado do leito do paciente. Descreveu a gota e a febre reumática. Desenvolveu, com sucesso, o uso do quinino. Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 12 No século XVII, a utilização da casca de quina foi a grande inovação no domínio da terapêutica, com a descoberta dos efeitos do quinino (um alcaloide com propriedades antipiréticas, antimaláricas e analgésicas). Na verdade, os índios do Peru já a usavam contra a febre. O termo “febres” hoje significa a elevação da temperatura do corpo. No século XVII os médicos não tinham como medir a temperatura e a palavra designava qualquer mal-estar geral acompanhado de calor interno excessivo. A cinchona (árvore da quina) recebeu este nome no século XVIII , dado pelo botânico, zoólogo e médico sueco Carlos Lineu (Carl von Linné, 1707-1778) em honra à condessa de Chinchón, esposa de Luis Jerónimo de Cabrera y Pacheco, vice-rei do Peru de 1629 a 1639. Há uma versão controversa de que a condessa (possivelmente a primeira esposa do vice-rei, Ana Osorio Manrique) teria adoecido gravemente com febre terçã (malária) em 1638, sendo tratada por curandeiros nativos com a casca da árvore da quina; no ano seguinte, ao voltar para a Espanha, a condessa teria levado com ela uma grande quantidade da casca. Outra versão diz que foi o jesuíta Bernabé Cobo (1582-1657) quem introduziu o quinino na Europa, levando as cascas de Lima para a Espanha e depois para a Itália, em 1632. Apesar dos avanços da medicina e da melhoria das condições de vida, a Europa sofreu epidemias tão ruins ou piores que as da Idade Média: escorbuto no norte da Europa e na Escandinávia; malária, que matou 40 mil pessoas na Itália e em 1650 ressurgiu na Inglaterra; febre tifóide na França, Alemanha e Países Baixos; varíola, que devastou o leste da Europa; peste bubônica, que voltou em sua eclosão mais séria desde a peste negra do século XIV. Em 1628, a peste bubônica matou a metade da população de Lyon e um milhão de pessoas no norte da Itália. Alastrou-se pela Alemanha e Holanda e, em 1665, houve a grande praga de Londres quando morreram cerca de 75 mil pessoas. Médicos pouco capazes eram designados para tratar as vítimas. Vestiam longas roupas de couro, máscaras com buracos preenchidos com vidro para os olhos e um bico longo contendo substâncias aromáticas, que se esperava fossem protetoras, e uma vara para tomar o pulso dos pacientes (figura 4). Figura 4 – À esquerda, gravura de Paul Fürst (1656): o Dr. Schnabel (Dr. Bico) de Roma, durante a Peste Negra. À direita, em A e B, a vestimenta do médico da peste (Musée de la Médecine de l’Université libre de Bruxelles, Bélgica); em C, recipientes esféricos ou ovais em peltre (uma liga de zinco, chumbo e estanho) com pequenas perfurações, dentro dos quais eram colocadas esponjas embebidas em vinagre aromático que, dentro da máscara e próximas do nariz, supostamente, protegeriam dos “miasmas” transmissores da doença (Museo di Storia della Medicina, Università di Roma La Sapienza). Fotografias dos autores. Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 13 MEDICINA NO SÉCULO XVIII Formalmente, o século XVIII compreende os anos 1701 a 1800 (inclusive). É conhecido também com o “Século das Luzes”. Século de grandes mudanças políticas e idealismos revolucionários que se estendiam por todas as áreas do saber, diminuindo a influência do dogmatismo. Surgia a figura do médico cuja prática se baseava em sólidos conhecimentos científicos. Os médicos do século XVIII viviam como fidalgos, eruditos e respeitados, usavam roupas e perucas elegantes e geralmente traziam consigo uma bengala encastoada em ouro. Eram homens de recursos. As receitas representavam parte substancial dos rendimentos de um médico. A fé em remédios era tão grande que uma grande colher para remédios era um item normal em enxovais de noivas. Os europeus começavam a desenvolver a atitude de aceitar somente o que era diretamente observável e passível de reprodução por meioda experiência. Era o resultado da crescente valorização dos métodos experimentais que formavam a base das pesquisas científicas desde os tempos de Galileu. Foram desenvolvidas teorias que disputavam o lugar ocupado durante os 1500 anos anteriores pelas idéias galênicas. Entre elas: iatroquímica; iatromecânica; animismo; vitalismo; brownismo; mesmerismo; homeopatia. Iatroquímica A iatroquímica, formulada na segunda metade do século XVII, foi o primeiro sistema a romper abertamente com o galenismo. Embora inspirada nas interpretações químicas de Paracelso, afastou-se destas e apoiou-se nas correntes filosóficas do seu tempo (mecanicismo cartesianismo, indutivismo de Bacon). Para a escola iatroquímica as doenças deveriam ser interpretadas quimicamente e, em consequência, a terapêutica a ser instituída compreendia necessariamente a administração de medicamentos químicos apropriados. Já citados anteriormente, grandes nomes da iatroquímica foram Jan van Helmont, Sylvius e Thomas Willis. Jan Baptist van Helmont, seguidor de Paracelso, defendeu a existência de agentes químicos específicos das doenças (archaei) contra a teoria do desequilíbrio humoral e estudou a digestão como processo químico. Franz de le Böe Sylvius (ou Sílvio) era um dos mais conceituados professores de medicina de seu tempo e elaborou uma fisiologia que se baseava em processos de fermentação e de reações de ácidos e bases. Ele entendia a doença como um excesso de acidez ou alcalinidade, ou seja, seriam alterações fermentativas que denominava acrimônia; considerava que a acrimônia ácida era mais benigna. Sílvio preconizava o tratamento por meio de dietas, medicamentos químicos e, se necessários, procedimentos cirúrgicos. Thomas Willis foi o maior expoente da iatroquímica inglesa e expôs teorias semelhantes às de Sílvio. Willis chamava a fermentação anormal de intempéries. Em seu livro Pharmaceutica rationalis (1674-1675) procurou explicar o mecanismo de ação dos medicamentos no sangue, no tubo digestivo e nos diferentes órgãos. No século XVIII destacou-se Hermann Boerhaave (1668-1738), médico, botânico e humanista holandês, professor de medicina na cidade de Leiden, Holanda. Muito famoso em sua época, era conhecido até na China e foi chamado de “Hipócrates holandês” e “professor da Europa”. Conta- se que um mandarim chinês lhe enviou uma carta que era endereçada ao “ilustre Boerhaave, médico na Europa” e que a carta chegou a seu destino. Foi também professor de química e hábil experimentador. Na verdade, era um cartesiano e aceitava os conceitos da iatrofísica (iatromecânica). Refutava os alquimistas, mas pertencia a um grupo de químicos para os quais era necessário fazer experiências e a partir delas tirar conclusões. Entre seus feitos está o de isolar a ureia da urina. É considerado o fundador do ensino clínico e do hospital acadêmico moderno, tendo criado um sistema de 12 camas no hospital de sua cidade para ensinar seus alunos combinando a teoria com a prática. Uma de suas principais realizações foi demonstrar a relação dos sintomas com as lesões. Era considerado um sistemático; sua doutrina médica englobava conceitos galênicos, algumas vertentes das doutrinas iatroquímicas, o sistema iatromecânico e influências de Thomas Sydenham. Entre seus discípulos destacam-se Albrecht von Haller e Carl von Linné (Carlos Lineu). Iatromecânica Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 14 Outro sistema que pretendeu romper com a tradição galênica. A iatromecânica (ou iatrofísica) interpretava os processos fisiológicos e patológicos por meio de leis físicas; considerava que o organismo humano era semelhante a uma máquina e também se inspirou no mecanicismo cartesiano e na física newtoniana, assentando todos os modelos construídos nos séculos XVII e XVIII em uma base comum irredutível que era o cálculo matemático e físico. Os conceitos de “humor” deram lugar ao conceito de “fibra”, que foi tida como o elemento fundamental do organismo. A fundação da iatromecânica é atribuída a Santorio Santorio, médico e fisiologista italiano. Santorio publicou no livro De Statica Medicina (1614) seus estudos de três décadas sobre a “perspiração insensível”, relacionando o peso dos alimentos que ingeria com o peso de suas excreções e verificando que este último era menor. Santorio estabeleceu quantitativamente as bases do metabolismo basal e desenvolveu vários instrumentos para auxiliar esta investigação, como o termômetro graduado (c. 1605) e o pulsilógio, para medir o pulso. Giovanni Borelli, também já citado, foi o nome mais relevante entre os iatromecânicos e pretendeu explicar os fenômenos vitais em causas suportadas por razões mecânicas. Borelli adaptou as concepções físico-matemáticas de Galileu à medicina, associadas às doutrinas anatômicas de Vesálio e da circulação do sangue de Harvey. No início do século XVIII, o nome mais importante da iatrofísica era o de Giorgio Baglivi (1668-1707), nascido Duro (Gjuro) Armeno na República de Ragusa (atual Dubrovnik, na Croácia). Órfão, foi adotado por um importante médico da cidade de Lecce, na Itália, chamado Pietro Angelo Baglivi. De início foi aprendiz de seu pai adotivo e posteriormente foi estudar, entre outras cidades, em Salerno, Pádua e Bolonha; nesta última foi aluno de Antonio Maria Valsalva e Marcello Malpighi. Foi para Roma em 1692, como assistente de Malpighi, e em 1695 tornou-se professor de anatomia na Universidade La Sapienza e segundo médico do Papa Inocêncio XII. Baglivi continuou suas pesquisas em fisiologia experimental e microscopia mesmo exercendo a prática clínica, o que não era comum na época. Certamente por essa razão seus trabalhos revelam uma compreensão sofisticada da estrutura e da função de vários órgãos, especialmente dos pulmões. Em seu clássico trabalho De fibra motrice, publicado em 1700, diferencia pela primeira vez os músculos lisos dos estriados. Como médico praticante faz a primeira descrição clínica adequada do edema pulmonar. Porém, a iatrofísica trouxe poucas inovações e acabou esquecida. Animismo e vitalismo O animismo foi uma teoria proposta, por volta de 1720, pelo médico e químico alemão Georg Ernst Stahl (c. 1660-1734), partindo do princípio de que a vida é a atividade da alma (anima) e a doença, a conseqüência do mau direcionamento da alma. Stahl considerava que o “tônus” ou “pletora” era uma condição patológica e, desdenhoso da anatomia e da fisiologia, prescrevia sangrias copiosas para reduzir a pletora e pílulas balsâmicas para estimular o movimento curativo da anima; acreditava, ainda, em remédios secretos que tinham efeitos benéficos por sugestão. Stahl também desenvolveu a teoria do flogisto (do grego chama, e significa inflamável ou queimado) segundo a qual os corpos combustíveis teriam um princípio ígneo: o flogisto. O flogisto seria liberado no ar durante os processos de combustão (no caso de material orgânico) ou de calcinação (no caso de metais). Quando o flogisto se desprendia, passava a outra substância capaz de recolhê-lo e dava lugar a um movimento que era origem do calor e do fogo vistos habitualmente durante. É possível que a teoria do flogisto tenha retardado a descoberta do oxigênio por várias décadas, já que somente em 1773 Antoine-Laurent Lavoisier (1743-1794) demonstrou a inexistência do flogisto. Uma outra teoria, tão especulativa quanto a de Stahl, foi desenvolvida por Théophile de Bordeu (1722-1776), médico formado em Montpellier: a da “força vital”. Bordeu considerava que três importantes órgãos do corpo – estômago, coração e cérebro – elaboravam uma secreção cuja concentração adequada na corrente sanguínea ajudava a manter a saúde. Por essa razão, Bordeu é considerado um pioneiro da endocrinologia. O vitalismo exerceu grande influência durante todo o século, atingindo grande popularidade graças aos esforços de umprofessor de Montpellier, Paul Joseph Barthez (1734-1806). Um importante vitalista foi William Cullen (1710-1790), professor em Glasgow e Edimburgo (na Escócia), que descreveu a teoria da “energia nervosa”. Ele considerava a propriedade da vida como Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 15 devida a um fluido nervoso que determinava o tônus das partes corporais sólidas. Modificações nesse tônus causavam espasmos ou atonia e, em conseqüência, a doença. Foi o primeiro a cunhar o termo neurose, que para ele significava irritabilidade, nervosismo, estado de ânimo deprimido e outros sintomas semelhantes produzidos pela alteração do sistema nervoso ou, de acordo com sua própria teoria, dos “fluidos neurais”. Brownismo Invenção do ex-estudante de teologia e médico escocês John Brown (1735-1788), que considerava que a excitabilidade era a base da saúde corporal e que as moléstias eram estênicas ou astênicas, segundo o grau de excitação. O tratamento seria então sedativo (ópio) ou estimulante (álcool). Esse sistema se tornou popular nos Estados Unidos, na Alemanha e na Itália e, de acordo com a história, teria causado mais mortes do que a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas. De fato, o próprio Brown se tornou viciado em álcool e em narcóticos. Mesmerismo Franz Anton Mesmer (1734-1815), médico alemão, formou-se em Viena com a tese De planetarum influxu, na qual explicava que os planetas exerciam influência sobre os tecidos do corpo humano tanto na saúde quanto na doença. Esse fenômeno era atribuído à existência de um misterioso fluido chamado “magnetismo animal”. Introduziu a terapia magnética que consistia em tocar os pacientes com as mãos em sessões especiais nas quais induzia um transe hipnótico nos mesmos, na imensa maioria mulheres. Tinha sucesso com as doenças que hoje chamamos de psicossomáticas, pois nesses doentes Mesmer mostrou o poder da imaginação. Um dos alunos de Mesmer observou que os melhores efeitos ocorriam com as pessoas inconscientes de qualquer outro estímulo durante as sessões, que se concentravam apenas na “banheira magnetizadora” (figura 5) aceitando tudo que lhes fosse sugerido. Ao acordar do transe de nada se lembravam, efeito esse característico da hipnose. Figura 5 – Banheira de Mesmer. A banheira magnetizadora condensava o fluido distribuído por Mesmer; em torno dela ficavam os pacientes. Musée Flaubert et d’histoire de la médicine, Rouen, França (fotografia dos autores). Homeopatia Christian Samuel Hahnemann (1755-1843), médico alemão, observou que o uso de substâncias em dosagem mínima, se ingeridas em maior quantidade, provocariam sintomas semelhantes aos da doença que pretendia curar. Considerava que as doenças só se curam quando são destruídas por outras análogas e mais intensas: similia similibus curantur. Constatou esse fato nele mesmo, em 1790, com Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 16 a quinina. A homeopatia teve seu maior desenvolvimento no século XIX e atualmente é considerada um tipo de medicina alternativa em diversos países. No Brasil, a partir de 1979 passou a constar no “Conselho de Especialidades Médicas” da Associação Médica Brasileira e, em 1980, das especialidades aceitas pelo Conselho Federal de Medicina, passando a fazer parte das chamadas medicinas integrativas. Várias dessas teorias médicas seguiram a sugestão de Thomas Sydenham (de que a enfermidade devia ser estudada do mesmo modo que outros objetos do mundo natural) e classificaram as doenças em: classes, ordens e gêneros (como se faz com plantas e animais). A tendência ao estudo sistemático crescia em vários setores. Na área das ciências naturais, por exemplo, o médico e botânico sueco Carl von Linné (Carlos Lineu) desenvolveu um sistema de classificação de plantas e animais, colocando o homem na categoria dos primatas sob o nome de Homo sapiens. Inspirando-se em Lineu, François Boissier De Sauvages De Lacroix (1706-1767), professor da Faculdade de Medicina de Montpellier, publicou em 1763 uma classificação das doenças de acordo com os sintomas. Assim, Boissier de Sauvages se tornou o fundador da nosologia (ramo da medicina que estuda e classifica as doenças). A descoberta dos parasitas intestinais, principalmente as tênias, pelo médico e naturalista italiano Antonio Vallisneri (1661-1730) levou a debates sobre a natureza parasitária das doenças e sobre a origem dos parasitas. Alguns fatos foram marcantes na medicina no século XVIII: a anatomia patológica foi reconhecida como uma ciência; avanço no diagnóstico clínico com a descoberta da percussão como um método de exploração física; emancipação da cirurgia; tratamento dos insanos; início da saúde pública com a generalização do uso da vacina de Edward Jenner contra a varíola; descoberta do oxigênio. ANATOMIA PATOLÓGICA Giovanni Battista Morgagni (1682-1771), nascido em Bolonha e professor de anatomia na Universidade de Pádua, é considerado o fundador da anatomia patológica contemporânea. O grande patologista Rudolf Virchow (1821-1902) o definiu como o “pai da patologia moderna”. Morgagni publicou, em 1761, a obra De sedibus et causis morborum per anatomen indagatis (Sobre os locais e as causas das doenças). Essa obra seria completada mais tarde com 700 observações anatomoclínicas. Morgagni foi um grande cientista que usou, sistematicamente, o método experimental em suas pesquisas. Além de pesquisador, foi médico hábil e muito procurado. Era tão conceituado, inclusive internacionalmente, que quando sua cidade foi invadida por exércitos inimigos, em duas ocasiões, os comandantes deram ordens expressas de que ele e sua família não fossem incomodados. Morgagni descreveu numerosas estruturas anatômicas, sendo as principais e mais conhecidas com seu nome: cisto pediculado ou hidátide pediculada de Morgagni (apêndice do epidídimo); cisto séssil ou hidátide séssil de Morgagni (apêndice do testículo); colunas de Morgagni (colunas anais); glândulas ou tubérculos de Morgagni (glândulas areolares); válvulas de Morgagni (válvulas anais); criptas de Morgagni (seios anais); concha de Morgagni (concha nasal superior); nódulos de Morgagni (nódulos das válvulas semilunares da aorta; triângulo de Morgagni (espaço retroesternal); forame cego de Morgagni (forame cego da língua). Descreveu também condições patológicas: hidronefrose, tumores renais, epipádia, onfalocele, gastroquise, espinha bífida etc. Assim estabeleceu-se a anatomopatologia, termo já criado pelo médico e químico alemão (prussiano, na época) Friedrich Hoffmann (1660-1742), que defendia um sistema mecânico-dinâmico baseado na anatomia e na física. Hoffman, que era colega e grande rival de Georg Stahl na Universidade de Halle, acreditava que a vida dependia do movimento das partes sólidas e das partes líquidas, revelando-se nos fenômenos da circulação e no estado de tensão das fibras; esses movimentos diferenciavam organismos vivos de organismos mortos. Para Hoffmann, o princípio vital era o éter, que causava os movimentos do corpo. O éter, de acordo com sua concepção, circulava por todo o lado, penetrando no organismo através da respiração e sendo transportado a todo o organismo pelo sangue. Assim, com base nas teorias da iatromecânica, sempre que houvesse uma perturbação na circulação do éter apareceria a doença por alteração do estado de tensão das fibras – quer por espasmo no caso das Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 17 doenças agudas, quer por atonia nas moléstias crônicas. Essas doenças podiam ser tratadas com medicamentos sedativos ou estimulantes. Hoffman contribuiu para a clínica médica ao diminuir a exuberante farmacopéia da época (que incluía centenas de produtos) para dez ou 12 remédios que acreditava serem realmente eficazes. Foi defensor da introduçãodo ópio e do ferro na terapêutica e inventor do “licor anódino” (uma mistura em partes iguais de éter e álcool concentrado, conhecido sob a designação de licor anódino mineral de Hoffmann e ainda hoje citado pela farmacopeia). O anódino de Hoffmann servia para tratar cólicas intestinais, dor de ouvido, dor de dente, pedras nos rins, cálculos biliares, menstruação dolorosa e muito mais. Os medicamentos que formulou lhe deram fama e fortuna. Também esteve entre os primeiros a descrever a apendicite e a rubéola e a reconhecer o papel regulador do sistema nervoso. DIAGNÓSTICO CLÍNICO Na segunda metade do século XVIII a medicina fez progressos reais na área do diagnóstico clínico com o médico austríaco Josef Leopold Auenbrügger (1722-1809), que inventou a percussão do tórax com base na experiência adquirida com seu pai, que batia os dedos nos barris para verificar a quantidade de vinho. Nessa época os principais recursos diagnósticos eram a história clínica e a inspe- ção; o exame físico consistia em contar a respiração e o pulso. A medida da temperatura do corpo havia sido introduzida há pouco e ainda não era uma prática padronizada. O estetoscópio ainda não havia sido inventado. Entretanto, o trabalho de Auenbrügger foi praticamente ignorado e só foi recuperado em 1808, depois de traduzido por Jean-Nicolas Corvisart (1755-1821), médico do Imperador Napoleão Bonaparte, para o francês. CIRURGIA E ANATOMIA O século XVIII testemunhou a emancipação da cirurgia e seu rápido crescimento como disciplina, especialmente na França. O rei Luís XIV ficou grato por ter sido curado de uma fístula anal por Charles-François Félix De Tassy (1653-1703), então primeiro cirurgião da corte real, em 1686. No ano de 1715, Luís XV, bisneto de Luís XIV, mediante um decreto oficial ordenou às escolas de medicina da França que incluíssem o ensino da cirurgia em seus planos de estudo. Vários anatomistas descreveram estruturas que, desde então, receberam os nomes dos seus descobridores. Alguns exemplos são citados a seguir. O cirurgião francês Jean Louis Petit (1674-1750), que já fazia operações na mastoide e foi um dos primeiros a extrair o cristalino (lente), introduziu o garrote para as hemorragias e recomendou a remoção cirúrgica de linfonodos comprometidos (metastáticos) nos casos de câncer. Ficou famoso pela área triangular lombar, o triângulo de J. L. Petit (crista ilíaca, bordas do músculo grande dorsal e músculo oblíquo ex-terno do abdome), hoje denominado trígono lombar inferior. Antonio Maria Valsalva (1666-1723), médico e anatomista italiano, foi o aluno favorito e sucessor de Marcello Malpighi na Universidade de Bolonha. Dedicou sua vida ao ensino, à pesquisa científica e à prática da medicina. Foi notável anatomista, patologista habilidoso, fisiologista, excelente médico e cirurgião. Descreveu os seios de Valsalva na válvula aórtica e a manobra de Valsalva que consiste em exalar o ar contra lábios fechados e nariz tapado, forçando o ar em direção ao ouvido médio: aumenta as pressões intratorácica e arterial e diminui o retorno venoso ao coração. Jacob Benignus Winslow (1669-1760), anatomista dinamarquês, descreveu o forame omental ou forame epiplóico, o hiato de Winslow, cuja parede anterior é o pequeno omento por dentro do qual passam artérias e ductos hepáticos e a veia porta. Victor Albrecht von Haller (1708-1777), médico, poeta e naturalista suíço, é considerado o mais notável dos discípulos de Boerhaave. Um dos gigantes intelectuais do século XVIII e talvez um dos últimos polímatas da história, foi brilhante nos trabalhos que desenvolveu em anatomia, cirurgia e fisiologia (é considerado o “pai da fisiologia científica”) e na botânica. Mas também foi matemático, Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 18 romancista, poeta, filósofo, teólogo, político e historiador da medicina. Seus melhores estudos anatômicos foram os que dedicou à angiologia, tendo aprendido com Frederick Ruysch (1638-1731) a técnica da injeção vascular. Porém seus trabalhos mais importantes são os de fisiologia, denominada por ele de anatomia animata. Baseado em seus experimentos demonstrou que a irritabilidade e a contratilidade são fenômenos exclusivos da fibra muscular e que a sensibilidade é uma propriedade específica do nervo. Haller também estudou a fecundação nos mamíferos e chegou a descobrir o desprendimento do óvulo pelo ovário, assim como a formação do corpo lúteo. Descreveu a alça de Haller (ramo comunicante entre os nervos facial e hipoglosso); o fundo de saco de Haller (seio oblíquo do pericárdio seroso); o tripé de Haller (tronco celíaco); o lóbulo de Haller (processo caudado do fígado). John Hunter (1728-1793), cirurgião escocês, descreveu o canal de Hunter (canal dos adutores) e o gubernaculum de Hunter (gubernaculum testis). John Hunter era um experimentador por natureza e, supostamente, foi vítima de uma de suas próprias experiências. Na tentativa de descobrir se a gonorreia e a sífilis eram duas doenças distintas ou formas diferentes de uma mesma doença injetou em si mesmo o pus de um paciente. Como o paciente era portador de ambas as doenças, Hunter acabou por afirmar erroneamente que a gonorreia e a sífilis eram uma coisa só. Uma versão refere que depois teve um aneurisma sifilítico da aorta que causou sua morte. William Hunter (1718-1873), médico, obstetra e anatomista escocês, irmão mais velho de John, foi autor da obra monumental The anatomy of the gravid uterus. Descreveu o ligamento de Hunter (ligamento redondo do útero) e a linha de Hunter (linha alba). DOENÇA MENTAL No século XVIII os médicos começaram a diferenciar e classificar as doenças psiquiátricas. Os antigos métodos violentos cederam lugar a cuidados especiais. Os hospícios foram transformados em asilos onde os insanos eram tratados de maneira digna em vez de apodrecerem acorrentados em prisões escuras e imundas. Esse movimento teve início na Itália com Vincenzo Chiarugi (1759-1820). Mas foi na França que Philippe Pinel (1745-1826), no manicômio de Bicêtre (1793), mostrou na prática que as pessoas insanas podiam ser tratadas por médicos sem qualquer perda de dignidade. A propósito, foi em Bicêtre que um tapeceiro chamado Guilleret inventou a camisa de força no ano 1770. Em 1795, Pinel tornou-se o médico-chefe do Hospital de La Salpêtrière (cargo que manteve durante toda a vida), onde desenvolveu seu método de psiquiatria clínica. Pinel, que era adepto do vitalismo, manteve registros precisos dos progressos de seus pacientes mentais e pode ser perfeitamente considerado o fundador da moderna psiquiatria. MEDICINA PREVENTIVA. VACINAÇÃO As modificações políticas, sociais e econômicas havidas no final do século XVIII levaram ao aparecimento de disciplinas médicas com enfoque social: higiene, medicina legal e medicina militar. A partir de então começou a ser reconhecida a importância da prevenção por parte da comunidade médica e mesmo da população em geral. O médico e higienista alemão Johann Peter Frank (1745-1821) foi uma figura importante no início da história da medicina social e da saúde pública. Publicou a obra System einer vollständigen medicinischen Polizey (Um sistema completo de política médica), em nove volumes, na qual são abordados detalhadamente todos os aspectos da higiene e da saúde publica. Frank também enfatizou a importância para os hospitais de manterem registros estatísticos exatos. Relata-se que foi o sistema de compilação de dados de Frank que permitiu ao obstetra húngaro Ignaz Semmelweiss (1818-1865) demonstrar a correlação entre a sepse puerperal e as práticas obstétricas anti-higiênicas. Uma das consequências dessa abordagem preventiva foi a vacinação antivariólica e Edward Jenner (1719-1813), médico inglês, foi o principal protagonista da prevenção da varíola,que sempre causara epidemias mortíferas. Na Inglaterra do século XVIII, a varíola era responsável por cerca de 10% das mortes. Jenner aos 13 anos já era assistente de um cirurgião perto de Bristol, tendo lá ficado Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 19 durante seis anos. Certa vez, uma jovem camponesa foi ao consultório e lhe disse que não corria risco de contrair a varíola, pois já tivera a varíola das vacas. Jenner comprovou esse fato ao observar as famílias dos fazendeiros. Aos 21 anos foi para Londres onde se tornou aluno e amigo de John Hunter. Em 1771, retornou a Berkeley, sua cidade natal, para se tornar um médico da comunidade. Em Gloucestershire já era de conhecimento geral que as jovens leiteiras vítimas da varíola das vacas eram imunes à varíola humana. A variolização ou variolação já era conhecida na Europa desde 1717, graças a Lady Mary Montagu (1689-1762), esposa do embaixador inglês em Constantinopla, que vira a prática entre os turcos. A variolização era feita colocando-se fluidos de pessoas portadoras de tipos mais brandos de varíola em locais escarificados, para reproduzir a forma benigna da doença, prevenindo a evolução de formas mais graves. O método não era isento de perigo, podendo provocar uma forma virulenta de varíola. Jenner passou a estudar o problema de forma sistemática e em 14 de maio de 1796 extraiu o conteúdo de uma pústula da mão de Sarah Nelmes, uma jovem leiteira afetada pela varíola das vacas, e inoculou-o no braço de um menino de oito anos, filho de seu jardineiro, chamado James Phipps. James apresentou febre baixa e desconforto nas axilas; nove dias após o procedimento sentia frio e perda do apetite, mas recuperou-se. Em 01 de julho de 1796 o menino foi inoculado com varíola humana e não desenvolveu a doença. Jenner repetiu a experiência em outras pessoas, inclusive no próprio filho. Seu estudo foi publicado em 1798 sob o título de An inquiry into the causes and effect of the variolae vaccina (Uma investigação sobre as causas e efeitos da vacina contra a varíola). A inoculação de uma doença animal no homem provocou reações sarcásticas e de ordem moral, mas a vacina contra a varíola tornou-se conhecida e acabou sendo praticada em toda a parte. Jenner ganhou finalmente o justo reconhecimento em 1802, recebeu grande prêmio em dinheiro e foi nomeado pelo governo para o cargo de diretor do recém-inaugurado Instituto de Vacinação. Mas se sentia aborrecido por não conseguir explicar como funcionava seu sistema. Mais 100 anos seriam necessários para que os aspectos básicos da imunização fossem conhecidos. Louis Pasteur (1822- 1895), químico francês, então rendeu homenagem a Jenner, propondo que o termo vacinação tivesse um significado mais amplo, como hoje é usado. DESCOBERTA DO OXIGÊNIO Com relação à descoberta do oxigênio, deve ser esclarecido o papel do químico parisiense Antoine Lavoisier, nascido em 1743 e morto na guilhotina em 1794. Esse gás foi descoberto independentemente pelos químicos Carl Wilhelm Scheele (em 1772) e Joseph Priestley (em 1774). Lavoisier refez as experiências de Priestley e reformulou-as, podendo então compreender melhor as características do novo gás (chamado por Priestley de ar desflogisticado). Lavoisier confirmou que a combustão (no caso de materiais orgânicos) e a calcinação (no caso dos metais) correspondiam à combinação do oxigênio com outros materiais. Suas experiências com o oxigênio lhe permitiram refutar a teoria do flogisto. Lavoisier deu ao novo gás o nome de oxigênio (produtor de ácidos, em grego), porque considerava – erradamente – que todas as substâncias provenientes de uma calcinação originavam ácidos em que o oxigênio se encontrava, obrigatoriamente, presente. O conhecimento da composição do ar foi de grande importância para o posterior entendimento da fisiologia da respiração. GRANDES HOSPITAIS E ESCOLAS MÉDICAS No século XVIII houve ainda dois fatos de grande importância para o desenvolvimento posterior da medicina: (1) A criação dos grandes hospitais, como os de Paris (dentre eles o Hôtel-Dieu, criado em 651 e reconstruído no século XIX, após um incêndio em 1772 e o Hospital Necker, fundado em 1778 e no qual trabalhava René Laennec [1781-1826] quando inventou o estetoscópio em 1816), o Allgemeine Krankenhaus (Hospital Geral) de Viena e o Hospital La Charité em Berlim. (2) O Alves E & Tubino P. Medicina na Idade Moderna, 2012. 20 desenvolvimento de importantes escolas clínicas em várias capitais européias, como a École de Paris e a “Nova” Escola de Viena. MÉTODOS DE TRATAMENTO A despeito do grande desenvolvimento da química, houve poucos avanços terapêuticos no século XVIII. Continuavam sendo usadas as antigas práticas das ventosas, sangria e purga. A sífilis e outras doenças venéreas continuavam sendo tratadas com doses maciças, frequentemente fatais, de mercúrio. A teriaga continuava em uso, assim como a cocção de casca de cinchona contra febres de todos os tipos. Mas, sem dúvida, a droga mais importante introduzida durante o século XVIII foi a digitalis (digital). A espécie mais conhecida de digitalis é a Digitalis purpurea L., da qual se extrai a digitalina, um glicosídeo de potente ação cardiotônica. Seu valor no tratamento da hidropsia foi anunciado em 1785 por William Withering (1741-1799), médico, químico, botânico e geólogo inglês, após muitos anos de estudo. REFERÊNCIAS/LEITURA SUGERIDA Benini A, Bonar SK. Andreas Vesalius: 1514-1564. Spine 1996; 21:1388-93. Cordier JF. Jean Fernel, humaniste et médecin. Rev Prat. 2011; 61:290-3. Drucker CB. Ambroise Paré and the birth of the gentle art of surgery. Yale J Biol Med. 2008; 81:199–202. Dulieu L. François Boissier de Sauvages (1706-1767). 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Flórida: Wikimedia Foundation, 2012. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Renascimento&oldid=31770807>. Acesso em: 30 ago. 2012. Root WS. Physiology - History of Physiological Investigation. Disponível em: <http://autocww.colorado.edu/~toldy3/E64ContentFiles/AnatomyAndPhysiology/Physiology.html>. Acesso em: 09 jun. 2012. Smith SB. Macchi V, Parenti A, De Caro R. Hieronymous Fabricius Ab Acquapendente (1533–1619). Clin Anat. 2004; 17:540-3. Thiery M. Gabriele Falloppio (1523-1562) and the Fallopian tube. Gynecol Surg. 2009; 6:93-5. Tubbs RS, Linganna S, Loukas M. Matteo Realdo Colombo (c. 1516-1559): The Anatomist and Surgeon. Am Surg. 2008; 74:84-6. Walker RM. Francis Glisson and his capsule. Ann R Coll Surg Engl. 1966; 38:71–91. Wells FC, Crowe T. Leonardo da Vinci as a paradigm for modern clinical research. J Thorac Cardiovasc Surg. 2004; 127:929-44. Westerhof N. A short history of physiology. Acta Physiol. 2011; 202:601-3. Wilkinson DJ. The contributions of Lavoisier, Scheele and Priestley
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